Minha conta é de que li (ou comecei a ler e larguei) 17 livros por diversão em 2010. Sim, há os livros que são lidos por diversão e prazer e outros que ficam no registro da obrigação. Nessa segunda categoria entra tudo que sou forçado a ler devido aos cursos do doutorado. É óbvio que algumas coisas que leio para os cursos são prazerosas e divertidas, mas a verdade é que mesmo que o sejam, acabo por fazê-lo meio a contragosto devido a pressão e o tempo. Mesmo assim, uma ou duas obras que tive que encarar para escrever algum paper acabou entrando na lista do livros lidos por prazer. Mas vamos a lista...
1- O primeiro livro lido por puro deleite no ano passado foi de autoria do jornalista Toninho Vaz, O Bandido que Sabia Latim (2001, Record, 378 páginas). A obra é uma biografia - talvez a primeira - do poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989). Vaz leva o mérito de ser o primeiro a sistematizar a trajetória desse grande escritor, poeta e intelectual que teve uma vida cercada de altos e baixos morrendo por complicações renais devido ao uso abusivo de álcool. Como já disse em posts anteriores do blog, sou um grande apreciador de biografias e a vida de Leminski é interessante o suficiente para fornecer um ótimo material para esse tipo de empreita. Vaz, que foi amigo do poeta, é um narrador nada neutro, pois muita vezes surge como uma das figuras que compõem o emaranhado de histórias que são apresentadas com intuito de contar o nascimento, ascensão e declínio de um poeta/escritor que sempre teve uma relação ambígua com o mercado editorial, a academia e sua cidade origem. Contudo, acho que ainda há espaço para uma biografia mais intelectual de Leminski, aquela responsável por fazer a ponte entre obra e autor, texto e contexto. Que venha, vou ler com certeza...
2- Enquanto lia a biografia de Leminski escrita por Vaz fui lendo um pouco da sua obra. Confesso que tenho certa dificuldade para ler poesia, uma vez que ela exige um grande esforço de concentração e interpretação. Contudo, o livro de poesias Distraídos Venceremos (1987, Brasiliense, 133 páginas) é daqueles que você lê numa sentada: leve, delicioso e profundo. Publicado num momento que o poeta já se encontrava numa grande debilidade física, os poemas do livro parecem transparecer esse sofrimento - que não era só físico, mas principalmente psicológico - de forma extremamente sublime. Leminski tinha tal domínio do idioma português, da gramática além de muito talento para brincar com ambos e sumarizar ideias em poesia com fina ironia e tamanho humor que seu calvário torna-se um convite ao riso fácil. Isso pode ser notado no poema Bem no Fundo, que transcrevo logo abaixo:
no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas os problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas
Paulo Leminski (1987, página 44)
3- O terceiro livro da lista é uma coletânea de contos do Leminski intitulada Gozo Fabuloso (2004, DBA, 184 páginas). Não tenho certeza agora se a edição de 2004 é a primeira. Nessa primeira experiência que tive com o escritos do Leminski contista, confesso que os mesmos não conseguiram me capturar. Na minha opinião, falta ritmo as histórias e sentia vontade de dormir ou, quando parava no meio de uma história, não tinha mais interesse de voltar a ler, curiosidade para saber o que iria acontecer no final e até saco pra aguentar a história fluir. O interessante é que o Leminski jovem foi extremamente crítico dessa formato literário, o conto. Ironicamente, ele se rendeu a ele posteriormente produzindo várias histórias curtas. Pelo que consta, a ideia original de Catatau, seu grande romance publicado em 1975, teria surgido de um conto enviado a um concurso literário. O júri, por um motivo que não lembro agora, mas que pode ser lido na biografia feita por Vaz, não teria dado o prêmio a Leminski ainda que seu texto fosse o de melhor qualidade entre os concorrentes. Revoltado, o poeta resolveu desenvolver mais a ideia e transformou o conto em um romance cuja elaboração se estendeu por anos a fio. O resto é história, mas Gozo Fabuloso não fez muito a minha cabeça...
4- Não ria e nem se surpreenda, eu adoro Glória Kalil. Há uns seis anos atrás comprei dela Chic - Homem (1998) e me amarrei na mulher. Queria ou não, essa jornalista e empresária escreve sobre coisas que faltam a muita gente não só no Brasil mas em outras partes (moro em NYC e posso afirmar com tranquilidade): educação e bom senso. Na verdade, essa é a principal mensagem passada no seu curto, usual, prático e divertido manual de etiqueta contemporânea, Alô, Chics! (2008, Pocket Ouro, 181 páginas). Ter etiqueta e ser educado são sinônimos de agir sempre com calma e bom senso. O livro é resultado das respostas da autora a uma série de dúvidas enviadas por seus ouvintes na Rádio Eldorado de SP, internautas do site Chic e telespectadores do programa Fantástico. Urgh, esse último um programinha nada "chic", diga-se de passagem, né Kalil? Mas vale a pena ler o livro com o qual é possível dar boas gargalhadas com as situações descritas por ela. Uma de minhas dicas favoritas é essa aqui:
Primeiro Encontro
Alô, rapazes chics! O que as mulheres esperam de um cara num primeiro encontro? Para os homens, este costuma ser um problema complicadíssimo. Eu não posso entender por quê. Sendo mulher, eu acho muito simples.
Mulheres querem que vocês venham vestidos sem exageros. Nem de terno e gravata e gel no cabelo, nem como se tivessem levantado da cama. Roupa é importante, mas não é fundamental. Elas querem sentir cheirinho de banho tomado, sem que isso implique perfume demais. Querem que vocês não fiquem olhando para os lados, muito menos para outras mulheres. Querem que vocês venham sozinhos, e odeiam quando trazem um amigo junto.
Mulheres tem pavor de homem folgado, exibicionista e que trata mal o garçom. Querem, ou melhor, adoram quando vocês fazem o gesto de pagar a conta. Elas não fazem a menor questão que o lugar seja caro, por isso, que tal escolher um que caiba no bolso e pagar ao menos essa primeira vez?
É ou não é fácil agradar uma mulher? (2008, páginas 130-131)
Bem, eu fazia (e ainda faço) tudo isso nos meus primeiros encontros antes mesmo de ler a Kalil. Bom senso, lembra...
5- O quinto livro da lista é Simon's Cat in His Own Book (2009, Grand Central Publishing, 240 páginas) do cartunista inglês Simon Tofield. Well, tod@s vocês sabem o quanto eu adoro gatos e não pude resistir a tentação de comprar esse livro com as charges do miau mais fofo da Inglaterra. Não preciso comentar muito a respeito do bichano uma vez que fiz um post só para ele tempos atrás (leia AQUI ) e ele tem apenas 80 milhões de fãs no YouTube. By the way, já é hora de Tofield providenciar um filme do seu gatinho uma vez que um novo livro foi lançado em outubro do ano passado intitulado Simon's Cat: Beyond the Fence. Comprei o meu, mas ainda não tive tempo de ler! Visite o site do gatinho AQUI e se divirta...
6- Feminism is For Everybody (2000, South End Press, 120 páginas) é um delicioso livro da feminista negra e intelectual radical bell hooks. O livro é dirigido a um público leigo em questões de gênero e escrito numa linguagem acessível que foge do padrão acadêmica chato e sonolento. hooks (se escreve em minúsculo mesmo), pseudônimo de Gloria Watkins, é professora no departamento de inglês e literatura da City College (NYC) e desde os anos 1990 vem sendo reconhecida como uma das grandes acadêmicas/intelectuais/ativistas atuando em temas que cruzam relações raciais, sexualidade e gênero. Feminism Is For Everybody busca historicizar a trajetória do movimento feminista ao mesmo que responde as críticas mais comuns feitas ao feminismo e muitas vezes baseadas em percepções equivocadas sobre esse movimento político. Uma delas, por exemplo, é o imaginário veiculado de que feministas são contra ou odeiam homens ou ainda de que o movimento feminista está empenhado em reverter as posições de dominação apenas trocando um patriarcado por um matriarcado. Apesar do objetivo de hooks ser discutir o feminismo de forma generalizante, ela não deixa de estabelecer distinções dentro do movimento onde a perspectiva e visão das mulheres ativistas é matizada por distinções de raça, classe e orientação sexual. Vale a pena ler!
7- Fiquei super a fim de ler The Western Illusion of Human Nature (2008, Prickly Paradigm Press, 112 páginas) do antropólogo norte-americano Marshall Sahlins depois que assisti uma conferência dele com o mesmo título do livro realizada na Columbia University em 2009 (fiz um post sobre a parada, leia AQUI). Esse curto e sofisticado livro é na verdade a aplicação do método desenvolvido por Sahlins e utilizado em outros livros mais longos e complexos como Ilhas de História (1990, Jorge Zahar, 218 páginas). O subtítulo de The Western... já nos dá uma pista da maneira que Sahlins trabalha: With Reflections on the Long History of Hierarchy, Equality, and the Sublimation of Anarchy in the West, and Comparative Notes on Other Conceptions (com reflexões sobre a longa história da hierarquia, igualdade e a sublimação da anarquia no Ocidente, e notas comparativas sobre outras concepções). O que Sahlins faz nesse pequeno de livro de pouco mais de cem páginas é tentar mostrar como a noção de natureza humana como algo mau na sua essência é algo peculiar a civilização ocidental. O antropólogo demonstra, visitando vários pensadores clássicos como Thomas Hobbes, Jacques Rosseau, Adam Smith entre outros, como a percepção negativa da natureza humana tem origem na Grécia Antiga por meio da disseminação dos textos do historiador grego Tucídides sobre a Guerra do Peloponeso. Esse conflito teria sido o momento no qual a natureza humana, na sua mais cruel face, teria se evidenciado uma vez que os soldados teriam agido sem as garras ou limites impostos pela cultura cometendo os mais bárbaros e horrendos atos. Sahlins explica como a dicotomia natureza/cultura é uma peculiaridade ocidental que não é encontrada em outras culturas e como a natureza humana não é necessariamente má em si, mas como isso é uma criação histórica do Ocidente. O livro deverá agradar mais antropólogos e cientistas sociais em geral (talvez um pouco menos cientistas políticos!) do que o público mais amplo. Detalhe: as piadas de Sahlins no decorrer do texto são ótimas. Adoro intelectuais com bom humor!
8- Pimp: The Story of My Life (1969, Holloway House, 320 páginas) é um relato biográfico em primeira pessoa feito por Iceberg Slim, pseudônimo de Robert Beck (1918-1992), um lendário cafetão afro-americano. A cafetinagem masculina é uma prática que é objeto de fascínio, desejo, curiosidade e ódio. Como um homem consegue viver explorando mulheres que se prostituem e se ligam afetivamente a ele? Pimp é a primeira autobiografia de Slim. Ele começo sua vida na cafetinagem em 1936, então com 18 anos, e permaneceu na mesma até 1960, quando então contava com 42 anos. Em 1969 o livro veio a público e transformou Slim no mais bem sucedido autor negro em termos de vendas, ficando atrás apenas de Alex Haley (1921-1992), o autor de Roots (1976) e da autobiografia de Malcolm X. Pimp é considerado por alguns uma espécie de literatura revolucionária negra dos anos 1960 na mesma pegada dos livros de Aldridge Cleaver, George Jackson, Huey P. Newton dentre outros. Apesar de popular na comunidade negra, o livro é totalmente ignorado no espectro mais amplo da literatura norte-americana e mesmo da literatura afro-americana. Ao que consta, até hoje não não há um exemplar do livro na Biblioteca do Congresso (a mais importante, completa e uma das mais antigas bibliotecas do EUA). Durante o governo Nixon, Slim foi motivo de polêmica, pois numa entrevista o escritor afirmou que ganhava mais dinheiro com cafetinagem do que o presidente dos Estados Unidos. Fofocas dizem que o presidente não gostou em nada da piada e enviou agentes do FBI para encontrar Slim em NYC. Nos anos 1970, pimps eram figuras que faziam parte da fauna urbana com seus Cadillacs de cores berrantes (geralmente rosa ou vermelho) e vestuário espalhafatoso que envolvia anéis, bengalas, chapéus e casacos de pele. Na busca por Slim, muitos cafetões foram confundidos com ele e agredidos propositalmente pelos agentes. Desde então, a vestuário pimp vista em filmes clássicos do blaxploitation só é utilizada esporadicamente pelos nossos amigos em bailes e outras ocasiões especiais. By the way, não terminei de ler Pimp, tive de parar na metade, mas volto logo logo...
9- Em fevereiro de 2006 defendi minha dissertação de mestrado em sociologia na USP e na minha banca encontravam-se duas grandes figuras da antropologia brasileira: Peter Fry e Lilia Schwarcz (além do sociólogo Antônio Sérgio Guimarães, meu orientador à época). A arguição de Fry foi tranquila e consegui responder seus questionamentos de forma relativamente razoável. Por outro lado, quando Lili (assim que ela gosta de ser chamada!) deu início a sua arguição lembro que pensei com meus botões, "o que eu vou responder a essa mulher?" Mas outra coisa que me marcou, além de meu súbito e justificado nervosismo, foi um comentário dela sobre uma passagem de meu texto na qual eu dizia algo sobre o imaginário criado sobre a Etiópia e seu imperador, Haile Selassie (foto acima), na diáspora africana. Lili disse que eu deveria ler determinado livro, mas eu não consegui entender o título e mesmo após pegar o exemplar de minha dissertação que ela havia lido e comentado, não consegui entender a sua letra. Ano passado conversava com meu truta Oga Mendonça e sua "primeira dama", Maíra, num bar do Village e novamente a conversa de Etiópia veio a mesa. Foi quando Oga disse: "Você deveria ler O Imperador?" Quando fui a São Paulo e visitei o AP de Oga e Maíra não pensei duas vezes em pedir O Imperador: Os Bastidores do Palácio de Haile Selassie I, O Tirano que Governou a Etiópia por 44 Anos (2005, Companhia das Letras, 200 páginas) do jornalista polonês Ryszard Kapuscinski emprestado para ler. Somente após pegar o livro na mão e folheá-lo que me toquei que aquele era o dito cujo do livro que Dona Lili, leitora voraz diga-se de passagem, tinha me sugerido ler quatro anos antes. O polonês Kapuscinski é considerado um dos maiores correspondentes internacionais do mundo tendo coberto várias guerras e revoluções ao redor do globo. No início da década de 1970 o jornalista foi a Etiópia cobrir um encontro de líderes internacionais que ocorria no país e ficou impressionado com o luxo exibido pelo Imperador Selassie na recepção aos chefes de estado assim como pela pobreza da população vista nas ruas da capital do país, Adis Abeba. Em 1974, meses após Selassie ter sido deposto por uma junta militar, Kapuscinski retornou ao país com o intuito de colher relatos sobre a vida no palácio de Selassie. Arriscando a própria vida o jornalista entrevistou uma série de pessoas que haviam tido os mais diversos tipos de contato com o imperador e funções bastante peculiares na sua corte. O resultado é uma coleção de relatos que apresentam uma imagem multifacetada de Selassie: tirano, vaidoso, indiferente as dificuldades de sua população, confuso e preso as armadilhas do poder com suas tramas e conspirações. A principal crítica ao livro é de que são terceiros falando sobre o imperador, mas esse último, apesar de ser o personagem central no livro, não tem direito a voz. À época o imperador estava preso e incomunicável na Etiópia e viria a falecer em 1975 de causas naturais. Havia e há toda uma mística que envolve Selassie, o ativista negro jamaicano Marcus Garvey e rastafarianismo. Segundo consta, Garvey havia tido uma visão nos anos 1920 que previra a subida de um líder negro no continente africano. A coroação de Selassie, nos anos 1930, foi entendida como a confirmação da profecia. Ao mesmo tempo, na cosmologia rastafari, Selassie é visto como o representante de Deus (Jah) na terra. Enfim, o livro Kapuscinski não foca essas últimas questões e sim a vida privada do palácio que soa, de certa forma, assustadora e muitas vezes absurda.
10- O décimo livro lido ano passado foi Lélia Gonzales (2010, Selo Negro, 176 páginas) de autoria de meus dois amigos Alex Ratts (professor de antropologia na Universidade Federal de Goiás) e Flávia Rios (doutoranda em sociologia na USP). Ratts vem pesquisando há algum tempo a trajetória de ativistas negras e já havia escrito um livro sobre a historiadora Maria Beatriz Nascimento (Eu Sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento, 2007). Nesse livro sobre Lélia Gonzalez (1935-1994) os autores conseguem fazer uma das primeiras sistematizações da vida dessa ativista negra que foi responsável por estruturar as bases teóricas do ativismo negro contemporâneo no Brasil. Gonzalez nasceu de uma família mineira em processo de ascensão as classes médias devido ao sucesso da carreira do irmão jogador de futebol. Ainda criança ela migrou para o Rio de Janeiro. Foi só após cursar a universidade e se casar que Lélia de fato se envolveu com o movimento negro. Gonzalez teve um experiência diferenciada de boa parte do ativismo negro na época uma vez que ela foi uma das primeiras a ter uma atuação acadêmica consistente, ter realizado pós-graduação (mestrado e doutorado), dominar outros idiomas (inglês, francês e espanhol) e circular por espaços e ter experiências de deslocamentos e contatos internacionais coisas que estavam vedados a maior parte da população de ascendência negra/africana no Brasil dos anos 1970 e 1980. Os autores conseguem mostrar como Lélia incorporou elementos de classe, raça, gênero na sua perspectiva teórica vislumbrando alternativas políticas para o movimento negro contemporâneo. Leitura imprescindível para aqueles que estudam relações raciais no Brasil.
11- De novo uma história longa. Zadie Smith é uma dessas autoras sobre a qual li vários comentários, entrevistas e resenhas de seus livros, mas que, por um motivo ou outro, sempre era colocada num canto escuro de minha mente insana (pra não dizer "podre" e "suja!) e esquecida. A última vez que li uma reportagem sobre ela havia sido num exemplar do Village Voice em novembro de 2009 (leia AQUI). Daí que estou a conversar com meu patrício conselheiro para assuntos descolados, Oga Mendonça, e esse começa a falar incessantemente a respeito dessa autora que tem um livro sobre Boston, arte, relações raciais, hip-hop e mundo acadêmico. Fiquei intrigado e na minha visita ao apartamento do "casal 20" Oga e Maíra em SP, não pensei duas vezes em pedir emprestado o dito cujo do livro que era na verdade Sobre a Beleza (2007, Companhia das Letras, 448 páginas), da sofisticada e linda escritora inglesa Zadie Smith. Well, fiquei apaixonado por Zadie! Tietagem total, coisa ridícula mesmo... O livro tem uma delicadeza fora do normal. Só lembro de ter lido algo parecido nos últimos com o romance O Que Eu Amava (2004), de Siri Hustvedt, esposa do escritor Paul Auster (esse foi um presente de aniversário da minha amiga Laura Moutinho). Basicamente, a história do livro de Smith se passa entre duas famílias cujo os dois pais, professores universitários, vivem um disputa intelectual que acaba tomando contornos pessoais e familiares. Um fato que me impressionou sobremaneira foi a forma como a autora inglesa retrata um relacionamento inter-racial no livro: de forma leve e sem os velhos traumas ou acusações que sempre recaem sobre o tema. Não falarei mais de Smith, levante a sua bunda da cadeira agora e vá comprar esse livro...
12- O livro O Caderno Vermelho (2009, Companhia de Bolso, 96 páginas) do romancista novaiorquino Paul Auster foi uma indicação de meu truta Vanderson Silva, a.k.a. Vandão Profissa. Apesar de ter entre meu/minhas amigos grandes entusiastas de Auster (a antropóloga Silvia Aguião é uma delas!), nunca tinha ainda lido um livro do escritor que consegue transformar o Brooklyn em sinônimo de mundo. Nesse pequeno livro de situações reais o autor explora a coincidência e o inesperado. Algumas histórias são tão surpreendentes que parecem mesmo ter saído da imaginação do escritor quando na verdade ocorreram de fato. As histórias relatadas vão da infância até a vida adulta do autor que no próximo mês completará 64 anos de idade e demonstram como o escritor usa a sua vida cotidiana como matéria prima para suas obras e, ao mesmo tempo, como as obras adquirem vida própria e passam a interferir na vida do seu criador. É digno de nota também as técnicas de anotação e a habilidade em transformar situações triviais e banais em um texto que prende a atenção dos leitores mesmo que no fundo no fundo não signifiquem absolutamente. O Caderno Vermelho é um bom exemplo da capacidade de um autor renomado brincar com a língua e, numa analogia ruim minha, fazer música agradável a partir de ruídos.
13- Quando estive no Brasil, no meio do ano passado, tive o prazer de comparecer ao lançamento de Nas Redes do Sexo: Os Bastidores do Pornô Brasileiro (2010, Zahar, 240 páginas), livro da antropóloga colombiana María Elvira Díaz-Benitez. Conheci María Elvira em 2002 quando fizemos um curso juntos em Salvador, Bahia. O texto é fruto da pesquisa de doutoramento de Benitez defendida anos atrás no programa de pós-graduação em antropologia social do Museu Nacional, Rio de Janeiro. Na ocasião do lançamento, que se deu na Livraria da Vila situada nos Jardins, ocorreu um interessante debate no qual compunham a mesa o diretor de filmes pornô M. Max, o filósofo e ex-diretor de filmes pornô Valter José Maria e a atriz e ex-chacrete Rita Cadilac (há um vídeo do debate no YouTube, veja AQUI). O livro de Benitez explora o universo do cinema pornô no Brasil numa perspectiva histórica e antropológica. A antropóloga mostra como a produção de filmes pornográficos no Brasil pode ser traçada a partir do final dos anos 1970 e início dos 1980 com um grupo de cineastas conhecidos como Cinema da Boca devido as produções B serem produzidas e exibidas numa área de prostituição central na cidade conhecida como Boca do Lixo. Os filmes da Boca foram os primeiros a terem sexo explícito e são posteriores ao que ficou conhecido como pornochanchada nos anos 1970. Nos anos 1990 o pornô nacional começou a ser influenciado por uma nova forma de se fazer pornô criada nos EUA e conhecida como gonzo: filmes filmados em apenas uma tomada, em formato digital, sem enredos/histórias e no qual o diretor/câmera muitas vezes faz parte da cena. A partir da daí a autora apresenta dados do seu trabalho de campo, uma vez que durante a realização de sua etnografia a antropóloga acompanhou a produção de vários filmes e entrevistou diretores, atrizes, produtores e outros profissionais que compõem esse universo. Benitez mostra como há diferenças de gênero na forma como atrizes e atores que atuam nesses filmes são tratados pela sociedade (se mulheres são estigmatizadas, homens tem a sua masculinidade reforçada) e como se dão as relações entre clubes, prostituição e filmes pornôs. Uma das conclusões da pesquisadora é que mesmo sendo transgressivo em determinadas aspectos, o pornô não deixa de reproduzir valores morais entendidos como conservadores.
14- Infiel: A História de uma Mulher que Desafiou o Islã (2007, Companhia das Letras, 504 páginas) escrito por Ayaan Hirsi Ali (foto acima) foi sequestrado da biblioteca de minha irmã, Renata Macedo, e veio parar aqui em NYC. O livro é a trajetória de vida de Ayaan Hirsi Ali, uma negra islâmica nascida na Somália em 1969 mas que foi criada entre o Quênia, a Etiópia e a Arábia Saudita. Ali ganhou notoriedade devido a ter emigrado ilegalmente para a Holanda onde pediu asilo político e posteriormente cursou graduação e mestrado em ciência política ao mesmo tempo que trabalhava como tradutora. Nesse período, Ali passou a denunciar as situações de abuso, violência e privação de liberdade em que mulheres islâmicas estavam submetidas. Em 2003 Ali conseguiu se eleger deputada pelo Partido do Povo Pela Liberdade e Democracia (partido de direita conservador) após um período trabalhando num centro de pesquisa vinculado ao Partido Trabalhista (partido de centro-esquerda). Ali se elegeu em cima de uma plataforma voltada para denúncia do Islã e nos papéis reservados as mulheres nessa tradição religiosa. No começo dos anos 2000 a então deputada conheceu Theo van Gogh, cineasta holandês, com o qual veio a realizar em 2004 o filme Submission (assista AQUI) cujo roteiro é de sua autoria. O filme busca denunciar a situação das mulheres no islã e teve uma repercussão extremamente negativa. Em novembro de 2004, van Gogh foi assassinado por um extremista islâmico que lhe cravou uma faca no peito na saída de sua casa em Amsterdam. Ali passou a viver num regime que envolvia trocas constante de casas e vigilância 24 horas por agentes do serviço secreto holandês. Após algum tempo, devido a uma controvérsia relativa ao seu processo de asilo político e entrada na Holanda, Ali renunciou a posição de deputada. Atualmente ele vive nos EUA onde trabalha para uma centro de pesquisas conservador. Apesar de ser um ótimo relato biográfico, o livro de Ali tem um forte apelo anti-islâmico e conservador. Não é coincidência que o livro tenha sido lançado num momento em que as tensões em relação a comunidade islâmica na Europa vinha tomando contornos cada vez mais violentos uma vez que o continente se tornara alvo de ataques terroristas como os ocorridos em Madri (2004) e Londres (2005). Além disso, como tive oportunidade de ouvir de minha amiga Francirosy Ferreira (antropóloga, professora da USP e especialista em islã), Ali peca por generalizações na sua forma de abordar o islã tanto no livro como na sua atuação política/ativista. O islã, segundo a pesquisadora, é muito mais diversificado e complexo do que aquele pintado por Ali em seu livro e as possibilidades de agência feminina não são inexistentes, mas devem ser pensadas dentro do contexto cultural dessa tradição religiosa. Mas isso é conversa para várias cervejas. No geral, o livro é interessante pela história de violência e superação vivida por Ali.
15- Contos Negreiros (2005, Record, 126 páginas) de Marcelino Freire era um livro que eu estava bem curioso para ler. A obra foi ganhadora do prêmio Jabuti de literatura em 2006 e minha truta Fabiana Lima sempre falava do mesmo com entusiasmo. Pois bem, cheguei em SP fui lá na Livraria Martins Fontes e comprei o dito cujo. Comecei a ler o livro tendo Angu de Sangue (2000), um dos primeiros livros de Freire, na cabeça uma vez que havia gostado do mesmo. Página 1, 2, 3, 15, 30, 40, 50 e... Não gostei! Achei chato e sem ritmo. Freire é um ótimo escritor, mas tem um texto telegráfico que, em Contos Negreiros, aproxima-se muito da poesia e pode não agradar alguns leitores (tipo eu!). Não é à toa que o livro é dedicado ao poeta Castro Alves (1847-1871) e o título da coletâneo de contos é inspirado no livro Navio Negreiro (1880). Minha impressão é que mesmo que o autor busque retratar dramas vividos por negros na vida cotidiana, ele acaba caindo numa simplificação da identidade negra e se resume a candomblé, trabalho doméstico (quase escravo), prostituição e SOFRIMENTO. Aliás, tô cansado de textos muito tristes como e vitimizadores. Ser negrão/negrona, pret@, mulat@, mestiç@, tico tico no fubá e sei lá mais o que é viver situações de discriminação, mas é tirar onda em cima delas também. E a identidade negra é muito mais complexa do que muitas pessoas pensam. Por exemplo, a junção de nordestin@s + negr@s é extremamente problemática e complexa em SP, algo que no livro de Freire é dado de barato, mas que é explorada de forma exemplar em Cidade de Deus (1997), de Paulo Lins. Mas tudo bem, pode ser só birra minha com esse livro de Freire. Já Angu de Sangue eu gostei!
16- Se você acompanha o blog há mais de um mês, deve saber que há uma resenha de Brother West Living and Loving Out Loud: A Memoir (2009, Smiley Books, 288 páginas) de Cornel West/David Ritz bem AQUI Tudo o que eu tinha pra dizer desse livro está lá!
17- The Dew Breaker (2005, Vintage/114th Edition, 256 páginas) escrito por Edwidge Danticat foi um presente da professora Keisha Khan Perry quando estive na Brown University em agosto passado. Danticat é uma das novas sensações da literatura afro-americana. Suas histórias exploram o cotidiano e a história da comunidade haitiana vivendo em NYC. Nesse livro a autora conecta diferentes histórias curtas pelas quais é possível revisitar o ilha caribenha nos anos 1970 e 1980 através das memórias dos personagens. O cotidiano de violência, mortes, instabilidade e disputas políticas além do peso e o horror do passado vividos por aqueles que migraram é retratado de forma admirável nesse livro. Algumas histórias são por demais longas e acabam por dispersando a atenção do leitor, outras, no entanto, tem uma delicadeza na forma de retratar personagens e situações só vista em grandes autores. Exemplo disso é a história do soldado de uma milícia assassina partidária do governo no Haiti que, momentos antes da queda do governo, mata o irmão de sua futura esposa. Mesmo que o casal compactue com a história esse fato é escondido da filha americana até que essa se torne adulta, quando é chegada a hora de encarar o doloroso passado que nunca os deixa em paz.
Muita Paz!
* Post escrito ao som de Ziggy Marley and The Melody Makers, álbum Joy and Blues (1993).
1- O primeiro livro lido por puro deleite no ano passado foi de autoria do jornalista Toninho Vaz, O Bandido que Sabia Latim (2001, Record, 378 páginas). A obra é uma biografia - talvez a primeira - do poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989). Vaz leva o mérito de ser o primeiro a sistematizar a trajetória desse grande escritor, poeta e intelectual que teve uma vida cercada de altos e baixos morrendo por complicações renais devido ao uso abusivo de álcool. Como já disse em posts anteriores do blog, sou um grande apreciador de biografias e a vida de Leminski é interessante o suficiente para fornecer um ótimo material para esse tipo de empreita. Vaz, que foi amigo do poeta, é um narrador nada neutro, pois muita vezes surge como uma das figuras que compõem o emaranhado de histórias que são apresentadas com intuito de contar o nascimento, ascensão e declínio de um poeta/escritor que sempre teve uma relação ambígua com o mercado editorial, a academia e sua cidade origem. Contudo, acho que ainda há espaço para uma biografia mais intelectual de Leminski, aquela responsável por fazer a ponte entre obra e autor, texto e contexto. Que venha, vou ler com certeza...
2- Enquanto lia a biografia de Leminski escrita por Vaz fui lendo um pouco da sua obra. Confesso que tenho certa dificuldade para ler poesia, uma vez que ela exige um grande esforço de concentração e interpretação. Contudo, o livro de poesias Distraídos Venceremos (1987, Brasiliense, 133 páginas) é daqueles que você lê numa sentada: leve, delicioso e profundo. Publicado num momento que o poeta já se encontrava numa grande debilidade física, os poemas do livro parecem transparecer esse sofrimento - que não era só físico, mas principalmente psicológico - de forma extremamente sublime. Leminski tinha tal domínio do idioma português, da gramática além de muito talento para brincar com ambos e sumarizar ideias em poesia com fina ironia e tamanho humor que seu calvário torna-se um convite ao riso fácil. Isso pode ser notado no poema Bem no Fundo, que transcrevo logo abaixo:
no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas os problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas
Paulo Leminski (1987, página 44)
3- O terceiro livro da lista é uma coletânea de contos do Leminski intitulada Gozo Fabuloso (2004, DBA, 184 páginas). Não tenho certeza agora se a edição de 2004 é a primeira. Nessa primeira experiência que tive com o escritos do Leminski contista, confesso que os mesmos não conseguiram me capturar. Na minha opinião, falta ritmo as histórias e sentia vontade de dormir ou, quando parava no meio de uma história, não tinha mais interesse de voltar a ler, curiosidade para saber o que iria acontecer no final e até saco pra aguentar a história fluir. O interessante é que o Leminski jovem foi extremamente crítico dessa formato literário, o conto. Ironicamente, ele se rendeu a ele posteriormente produzindo várias histórias curtas. Pelo que consta, a ideia original de Catatau, seu grande romance publicado em 1975, teria surgido de um conto enviado a um concurso literário. O júri, por um motivo que não lembro agora, mas que pode ser lido na biografia feita por Vaz, não teria dado o prêmio a Leminski ainda que seu texto fosse o de melhor qualidade entre os concorrentes. Revoltado, o poeta resolveu desenvolver mais a ideia e transformou o conto em um romance cuja elaboração se estendeu por anos a fio. O resto é história, mas Gozo Fabuloso não fez muito a minha cabeça...
4- Não ria e nem se surpreenda, eu adoro Glória Kalil. Há uns seis anos atrás comprei dela Chic - Homem (1998) e me amarrei na mulher. Queria ou não, essa jornalista e empresária escreve sobre coisas que faltam a muita gente não só no Brasil mas em outras partes (moro em NYC e posso afirmar com tranquilidade): educação e bom senso. Na verdade, essa é a principal mensagem passada no seu curto, usual, prático e divertido manual de etiqueta contemporânea, Alô, Chics! (2008, Pocket Ouro, 181 páginas). Ter etiqueta e ser educado são sinônimos de agir sempre com calma e bom senso. O livro é resultado das respostas da autora a uma série de dúvidas enviadas por seus ouvintes na Rádio Eldorado de SP, internautas do site Chic e telespectadores do programa Fantástico. Urgh, esse último um programinha nada "chic", diga-se de passagem, né Kalil? Mas vale a pena ler o livro com o qual é possível dar boas gargalhadas com as situações descritas por ela. Uma de minhas dicas favoritas é essa aqui:
Primeiro Encontro
Alô, rapazes chics! O que as mulheres esperam de um cara num primeiro encontro? Para os homens, este costuma ser um problema complicadíssimo. Eu não posso entender por quê. Sendo mulher, eu acho muito simples.
Mulheres querem que vocês venham vestidos sem exageros. Nem de terno e gravata e gel no cabelo, nem como se tivessem levantado da cama. Roupa é importante, mas não é fundamental. Elas querem sentir cheirinho de banho tomado, sem que isso implique perfume demais. Querem que vocês não fiquem olhando para os lados, muito menos para outras mulheres. Querem que vocês venham sozinhos, e odeiam quando trazem um amigo junto.
Mulheres tem pavor de homem folgado, exibicionista e que trata mal o garçom. Querem, ou melhor, adoram quando vocês fazem o gesto de pagar a conta. Elas não fazem a menor questão que o lugar seja caro, por isso, que tal escolher um que caiba no bolso e pagar ao menos essa primeira vez?
É ou não é fácil agradar uma mulher? (2008, páginas 130-131)
Bem, eu fazia (e ainda faço) tudo isso nos meus primeiros encontros antes mesmo de ler a Kalil. Bom senso, lembra...
5- O quinto livro da lista é Simon's Cat in His Own Book (2009, Grand Central Publishing, 240 páginas) do cartunista inglês Simon Tofield. Well, tod@s vocês sabem o quanto eu adoro gatos e não pude resistir a tentação de comprar esse livro com as charges do miau mais fofo da Inglaterra. Não preciso comentar muito a respeito do bichano uma vez que fiz um post só para ele tempos atrás (leia AQUI ) e ele tem apenas 80 milhões de fãs no YouTube. By the way, já é hora de Tofield providenciar um filme do seu gatinho uma vez que um novo livro foi lançado em outubro do ano passado intitulado Simon's Cat: Beyond the Fence. Comprei o meu, mas ainda não tive tempo de ler! Visite o site do gatinho AQUI e se divirta...
6- Feminism is For Everybody (2000, South End Press, 120 páginas) é um delicioso livro da feminista negra e intelectual radical bell hooks. O livro é dirigido a um público leigo em questões de gênero e escrito numa linguagem acessível que foge do padrão acadêmica chato e sonolento. hooks (se escreve em minúsculo mesmo), pseudônimo de Gloria Watkins, é professora no departamento de inglês e literatura da City College (NYC) e desde os anos 1990 vem sendo reconhecida como uma das grandes acadêmicas/intelectuais/ativistas atuando em temas que cruzam relações raciais, sexualidade e gênero. Feminism Is For Everybody busca historicizar a trajetória do movimento feminista ao mesmo que responde as críticas mais comuns feitas ao feminismo e muitas vezes baseadas em percepções equivocadas sobre esse movimento político. Uma delas, por exemplo, é o imaginário veiculado de que feministas são contra ou odeiam homens ou ainda de que o movimento feminista está empenhado em reverter as posições de dominação apenas trocando um patriarcado por um matriarcado. Apesar do objetivo de hooks ser discutir o feminismo de forma generalizante, ela não deixa de estabelecer distinções dentro do movimento onde a perspectiva e visão das mulheres ativistas é matizada por distinções de raça, classe e orientação sexual. Vale a pena ler!
7- Fiquei super a fim de ler The Western Illusion of Human Nature (2008, Prickly Paradigm Press, 112 páginas) do antropólogo norte-americano Marshall Sahlins depois que assisti uma conferência dele com o mesmo título do livro realizada na Columbia University em 2009 (fiz um post sobre a parada, leia AQUI). Esse curto e sofisticado livro é na verdade a aplicação do método desenvolvido por Sahlins e utilizado em outros livros mais longos e complexos como Ilhas de História (1990, Jorge Zahar, 218 páginas). O subtítulo de The Western... já nos dá uma pista da maneira que Sahlins trabalha: With Reflections on the Long History of Hierarchy, Equality, and the Sublimation of Anarchy in the West, and Comparative Notes on Other Conceptions (com reflexões sobre a longa história da hierarquia, igualdade e a sublimação da anarquia no Ocidente, e notas comparativas sobre outras concepções). O que Sahlins faz nesse pequeno de livro de pouco mais de cem páginas é tentar mostrar como a noção de natureza humana como algo mau na sua essência é algo peculiar a civilização ocidental. O antropólogo demonstra, visitando vários pensadores clássicos como Thomas Hobbes, Jacques Rosseau, Adam Smith entre outros, como a percepção negativa da natureza humana tem origem na Grécia Antiga por meio da disseminação dos textos do historiador grego Tucídides sobre a Guerra do Peloponeso. Esse conflito teria sido o momento no qual a natureza humana, na sua mais cruel face, teria se evidenciado uma vez que os soldados teriam agido sem as garras ou limites impostos pela cultura cometendo os mais bárbaros e horrendos atos. Sahlins explica como a dicotomia natureza/cultura é uma peculiaridade ocidental que não é encontrada em outras culturas e como a natureza humana não é necessariamente má em si, mas como isso é uma criação histórica do Ocidente. O livro deverá agradar mais antropólogos e cientistas sociais em geral (talvez um pouco menos cientistas políticos!) do que o público mais amplo. Detalhe: as piadas de Sahlins no decorrer do texto são ótimas. Adoro intelectuais com bom humor!
8- Pimp: The Story of My Life (1969, Holloway House, 320 páginas) é um relato biográfico em primeira pessoa feito por Iceberg Slim, pseudônimo de Robert Beck (1918-1992), um lendário cafetão afro-americano. A cafetinagem masculina é uma prática que é objeto de fascínio, desejo, curiosidade e ódio. Como um homem consegue viver explorando mulheres que se prostituem e se ligam afetivamente a ele? Pimp é a primeira autobiografia de Slim. Ele começo sua vida na cafetinagem em 1936, então com 18 anos, e permaneceu na mesma até 1960, quando então contava com 42 anos. Em 1969 o livro veio a público e transformou Slim no mais bem sucedido autor negro em termos de vendas, ficando atrás apenas de Alex Haley (1921-1992), o autor de Roots (1976) e da autobiografia de Malcolm X. Pimp é considerado por alguns uma espécie de literatura revolucionária negra dos anos 1960 na mesma pegada dos livros de Aldridge Cleaver, George Jackson, Huey P. Newton dentre outros. Apesar de popular na comunidade negra, o livro é totalmente ignorado no espectro mais amplo da literatura norte-americana e mesmo da literatura afro-americana. Ao que consta, até hoje não não há um exemplar do livro na Biblioteca do Congresso (a mais importante, completa e uma das mais antigas bibliotecas do EUA). Durante o governo Nixon, Slim foi motivo de polêmica, pois numa entrevista o escritor afirmou que ganhava mais dinheiro com cafetinagem do que o presidente dos Estados Unidos. Fofocas dizem que o presidente não gostou em nada da piada e enviou agentes do FBI para encontrar Slim em NYC. Nos anos 1970, pimps eram figuras que faziam parte da fauna urbana com seus Cadillacs de cores berrantes (geralmente rosa ou vermelho) e vestuário espalhafatoso que envolvia anéis, bengalas, chapéus e casacos de pele. Na busca por Slim, muitos cafetões foram confundidos com ele e agredidos propositalmente pelos agentes. Desde então, a vestuário pimp vista em filmes clássicos do blaxploitation só é utilizada esporadicamente pelos nossos amigos em bailes e outras ocasiões especiais. By the way, não terminei de ler Pimp, tive de parar na metade, mas volto logo logo...
9- Em fevereiro de 2006 defendi minha dissertação de mestrado em sociologia na USP e na minha banca encontravam-se duas grandes figuras da antropologia brasileira: Peter Fry e Lilia Schwarcz (além do sociólogo Antônio Sérgio Guimarães, meu orientador à época). A arguição de Fry foi tranquila e consegui responder seus questionamentos de forma relativamente razoável. Por outro lado, quando Lili (assim que ela gosta de ser chamada!) deu início a sua arguição lembro que pensei com meus botões, "o que eu vou responder a essa mulher?" Mas outra coisa que me marcou, além de meu súbito e justificado nervosismo, foi um comentário dela sobre uma passagem de meu texto na qual eu dizia algo sobre o imaginário criado sobre a Etiópia e seu imperador, Haile Selassie (foto acima), na diáspora africana. Lili disse que eu deveria ler determinado livro, mas eu não consegui entender o título e mesmo após pegar o exemplar de minha dissertação que ela havia lido e comentado, não consegui entender a sua letra. Ano passado conversava com meu truta Oga Mendonça e sua "primeira dama", Maíra, num bar do Village e novamente a conversa de Etiópia veio a mesa. Foi quando Oga disse: "Você deveria ler O Imperador?" Quando fui a São Paulo e visitei o AP de Oga e Maíra não pensei duas vezes em pedir O Imperador: Os Bastidores do Palácio de Haile Selassie I, O Tirano que Governou a Etiópia por 44 Anos (2005, Companhia das Letras, 200 páginas) do jornalista polonês Ryszard Kapuscinski emprestado para ler. Somente após pegar o livro na mão e folheá-lo que me toquei que aquele era o dito cujo do livro que Dona Lili, leitora voraz diga-se de passagem, tinha me sugerido ler quatro anos antes. O polonês Kapuscinski é considerado um dos maiores correspondentes internacionais do mundo tendo coberto várias guerras e revoluções ao redor do globo. No início da década de 1970 o jornalista foi a Etiópia cobrir um encontro de líderes internacionais que ocorria no país e ficou impressionado com o luxo exibido pelo Imperador Selassie na recepção aos chefes de estado assim como pela pobreza da população vista nas ruas da capital do país, Adis Abeba. Em 1974, meses após Selassie ter sido deposto por uma junta militar, Kapuscinski retornou ao país com o intuito de colher relatos sobre a vida no palácio de Selassie. Arriscando a própria vida o jornalista entrevistou uma série de pessoas que haviam tido os mais diversos tipos de contato com o imperador e funções bastante peculiares na sua corte. O resultado é uma coleção de relatos que apresentam uma imagem multifacetada de Selassie: tirano, vaidoso, indiferente as dificuldades de sua população, confuso e preso as armadilhas do poder com suas tramas e conspirações. A principal crítica ao livro é de que são terceiros falando sobre o imperador, mas esse último, apesar de ser o personagem central no livro, não tem direito a voz. À época o imperador estava preso e incomunicável na Etiópia e viria a falecer em 1975 de causas naturais. Havia e há toda uma mística que envolve Selassie, o ativista negro jamaicano Marcus Garvey e rastafarianismo. Segundo consta, Garvey havia tido uma visão nos anos 1920 que previra a subida de um líder negro no continente africano. A coroação de Selassie, nos anos 1930, foi entendida como a confirmação da profecia. Ao mesmo tempo, na cosmologia rastafari, Selassie é visto como o representante de Deus (Jah) na terra. Enfim, o livro Kapuscinski não foca essas últimas questões e sim a vida privada do palácio que soa, de certa forma, assustadora e muitas vezes absurda.
10- O décimo livro lido ano passado foi Lélia Gonzales (2010, Selo Negro, 176 páginas) de autoria de meus dois amigos Alex Ratts (professor de antropologia na Universidade Federal de Goiás) e Flávia Rios (doutoranda em sociologia na USP). Ratts vem pesquisando há algum tempo a trajetória de ativistas negras e já havia escrito um livro sobre a historiadora Maria Beatriz Nascimento (Eu Sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento, 2007). Nesse livro sobre Lélia Gonzalez (1935-1994) os autores conseguem fazer uma das primeiras sistematizações da vida dessa ativista negra que foi responsável por estruturar as bases teóricas do ativismo negro contemporâneo no Brasil. Gonzalez nasceu de uma família mineira em processo de ascensão as classes médias devido ao sucesso da carreira do irmão jogador de futebol. Ainda criança ela migrou para o Rio de Janeiro. Foi só após cursar a universidade e se casar que Lélia de fato se envolveu com o movimento negro. Gonzalez teve um experiência diferenciada de boa parte do ativismo negro na época uma vez que ela foi uma das primeiras a ter uma atuação acadêmica consistente, ter realizado pós-graduação (mestrado e doutorado), dominar outros idiomas (inglês, francês e espanhol) e circular por espaços e ter experiências de deslocamentos e contatos internacionais coisas que estavam vedados a maior parte da população de ascendência negra/africana no Brasil dos anos 1970 e 1980. Os autores conseguem mostrar como Lélia incorporou elementos de classe, raça, gênero na sua perspectiva teórica vislumbrando alternativas políticas para o movimento negro contemporâneo. Leitura imprescindível para aqueles que estudam relações raciais no Brasil.
11- De novo uma história longa. Zadie Smith é uma dessas autoras sobre a qual li vários comentários, entrevistas e resenhas de seus livros, mas que, por um motivo ou outro, sempre era colocada num canto escuro de minha mente insana (pra não dizer "podre" e "suja!) e esquecida. A última vez que li uma reportagem sobre ela havia sido num exemplar do Village Voice em novembro de 2009 (leia AQUI). Daí que estou a conversar com meu patrício conselheiro para assuntos descolados, Oga Mendonça, e esse começa a falar incessantemente a respeito dessa autora que tem um livro sobre Boston, arte, relações raciais, hip-hop e mundo acadêmico. Fiquei intrigado e na minha visita ao apartamento do "casal 20" Oga e Maíra em SP, não pensei duas vezes em pedir emprestado o dito cujo do livro que era na verdade Sobre a Beleza (2007, Companhia das Letras, 448 páginas), da sofisticada e linda escritora inglesa Zadie Smith. Well, fiquei apaixonado por Zadie! Tietagem total, coisa ridícula mesmo... O livro tem uma delicadeza fora do normal. Só lembro de ter lido algo parecido nos últimos com o romance O Que Eu Amava (2004), de Siri Hustvedt, esposa do escritor Paul Auster (esse foi um presente de aniversário da minha amiga Laura Moutinho). Basicamente, a história do livro de Smith se passa entre duas famílias cujo os dois pais, professores universitários, vivem um disputa intelectual que acaba tomando contornos pessoais e familiares. Um fato que me impressionou sobremaneira foi a forma como a autora inglesa retrata um relacionamento inter-racial no livro: de forma leve e sem os velhos traumas ou acusações que sempre recaem sobre o tema. Não falarei mais de Smith, levante a sua bunda da cadeira agora e vá comprar esse livro...
12- O livro O Caderno Vermelho (2009, Companhia de Bolso, 96 páginas) do romancista novaiorquino Paul Auster foi uma indicação de meu truta Vanderson Silva, a.k.a. Vandão Profissa. Apesar de ter entre meu/minhas amigos grandes entusiastas de Auster (a antropóloga Silvia Aguião é uma delas!), nunca tinha ainda lido um livro do escritor que consegue transformar o Brooklyn em sinônimo de mundo. Nesse pequeno livro de situações reais o autor explora a coincidência e o inesperado. Algumas histórias são tão surpreendentes que parecem mesmo ter saído da imaginação do escritor quando na verdade ocorreram de fato. As histórias relatadas vão da infância até a vida adulta do autor que no próximo mês completará 64 anos de idade e demonstram como o escritor usa a sua vida cotidiana como matéria prima para suas obras e, ao mesmo tempo, como as obras adquirem vida própria e passam a interferir na vida do seu criador. É digno de nota também as técnicas de anotação e a habilidade em transformar situações triviais e banais em um texto que prende a atenção dos leitores mesmo que no fundo no fundo não signifiquem absolutamente. O Caderno Vermelho é um bom exemplo da capacidade de um autor renomado brincar com a língua e, numa analogia ruim minha, fazer música agradável a partir de ruídos.
13- Quando estive no Brasil, no meio do ano passado, tive o prazer de comparecer ao lançamento de Nas Redes do Sexo: Os Bastidores do Pornô Brasileiro (2010, Zahar, 240 páginas), livro da antropóloga colombiana María Elvira Díaz-Benitez. Conheci María Elvira em 2002 quando fizemos um curso juntos em Salvador, Bahia. O texto é fruto da pesquisa de doutoramento de Benitez defendida anos atrás no programa de pós-graduação em antropologia social do Museu Nacional, Rio de Janeiro. Na ocasião do lançamento, que se deu na Livraria da Vila situada nos Jardins, ocorreu um interessante debate no qual compunham a mesa o diretor de filmes pornô M. Max, o filósofo e ex-diretor de filmes pornô Valter José Maria e a atriz e ex-chacrete Rita Cadilac (há um vídeo do debate no YouTube, veja AQUI). O livro de Benitez explora o universo do cinema pornô no Brasil numa perspectiva histórica e antropológica. A antropóloga mostra como a produção de filmes pornográficos no Brasil pode ser traçada a partir do final dos anos 1970 e início dos 1980 com um grupo de cineastas conhecidos como Cinema da Boca devido as produções B serem produzidas e exibidas numa área de prostituição central na cidade conhecida como Boca do Lixo. Os filmes da Boca foram os primeiros a terem sexo explícito e são posteriores ao que ficou conhecido como pornochanchada nos anos 1970. Nos anos 1990 o pornô nacional começou a ser influenciado por uma nova forma de se fazer pornô criada nos EUA e conhecida como gonzo: filmes filmados em apenas uma tomada, em formato digital, sem enredos/histórias e no qual o diretor/câmera muitas vezes faz parte da cena. A partir da daí a autora apresenta dados do seu trabalho de campo, uma vez que durante a realização de sua etnografia a antropóloga acompanhou a produção de vários filmes e entrevistou diretores, atrizes, produtores e outros profissionais que compõem esse universo. Benitez mostra como há diferenças de gênero na forma como atrizes e atores que atuam nesses filmes são tratados pela sociedade (se mulheres são estigmatizadas, homens tem a sua masculinidade reforçada) e como se dão as relações entre clubes, prostituição e filmes pornôs. Uma das conclusões da pesquisadora é que mesmo sendo transgressivo em determinadas aspectos, o pornô não deixa de reproduzir valores morais entendidos como conservadores.
14- Infiel: A História de uma Mulher que Desafiou o Islã (2007, Companhia das Letras, 504 páginas) escrito por Ayaan Hirsi Ali (foto acima) foi sequestrado da biblioteca de minha irmã, Renata Macedo, e veio parar aqui em NYC. O livro é a trajetória de vida de Ayaan Hirsi Ali, uma negra islâmica nascida na Somália em 1969 mas que foi criada entre o Quênia, a Etiópia e a Arábia Saudita. Ali ganhou notoriedade devido a ter emigrado ilegalmente para a Holanda onde pediu asilo político e posteriormente cursou graduação e mestrado em ciência política ao mesmo tempo que trabalhava como tradutora. Nesse período, Ali passou a denunciar as situações de abuso, violência e privação de liberdade em que mulheres islâmicas estavam submetidas. Em 2003 Ali conseguiu se eleger deputada pelo Partido do Povo Pela Liberdade e Democracia (partido de direita conservador) após um período trabalhando num centro de pesquisa vinculado ao Partido Trabalhista (partido de centro-esquerda). Ali se elegeu em cima de uma plataforma voltada para denúncia do Islã e nos papéis reservados as mulheres nessa tradição religiosa. No começo dos anos 2000 a então deputada conheceu Theo van Gogh, cineasta holandês, com o qual veio a realizar em 2004 o filme Submission (assista AQUI) cujo roteiro é de sua autoria. O filme busca denunciar a situação das mulheres no islã e teve uma repercussão extremamente negativa. Em novembro de 2004, van Gogh foi assassinado por um extremista islâmico que lhe cravou uma faca no peito na saída de sua casa em Amsterdam. Ali passou a viver num regime que envolvia trocas constante de casas e vigilância 24 horas por agentes do serviço secreto holandês. Após algum tempo, devido a uma controvérsia relativa ao seu processo de asilo político e entrada na Holanda, Ali renunciou a posição de deputada. Atualmente ele vive nos EUA onde trabalha para uma centro de pesquisas conservador. Apesar de ser um ótimo relato biográfico, o livro de Ali tem um forte apelo anti-islâmico e conservador. Não é coincidência que o livro tenha sido lançado num momento em que as tensões em relação a comunidade islâmica na Europa vinha tomando contornos cada vez mais violentos uma vez que o continente se tornara alvo de ataques terroristas como os ocorridos em Madri (2004) e Londres (2005). Além disso, como tive oportunidade de ouvir de minha amiga Francirosy Ferreira (antropóloga, professora da USP e especialista em islã), Ali peca por generalizações na sua forma de abordar o islã tanto no livro como na sua atuação política/ativista. O islã, segundo a pesquisadora, é muito mais diversificado e complexo do que aquele pintado por Ali em seu livro e as possibilidades de agência feminina não são inexistentes, mas devem ser pensadas dentro do contexto cultural dessa tradição religiosa. Mas isso é conversa para várias cervejas. No geral, o livro é interessante pela história de violência e superação vivida por Ali.
15- Contos Negreiros (2005, Record, 126 páginas) de Marcelino Freire era um livro que eu estava bem curioso para ler. A obra foi ganhadora do prêmio Jabuti de literatura em 2006 e minha truta Fabiana Lima sempre falava do mesmo com entusiasmo. Pois bem, cheguei em SP fui lá na Livraria Martins Fontes e comprei o dito cujo. Comecei a ler o livro tendo Angu de Sangue (2000), um dos primeiros livros de Freire, na cabeça uma vez que havia gostado do mesmo. Página 1, 2, 3, 15, 30, 40, 50 e... Não gostei! Achei chato e sem ritmo. Freire é um ótimo escritor, mas tem um texto telegráfico que, em Contos Negreiros, aproxima-se muito da poesia e pode não agradar alguns leitores (tipo eu!). Não é à toa que o livro é dedicado ao poeta Castro Alves (1847-1871) e o título da coletâneo de contos é inspirado no livro Navio Negreiro (1880). Minha impressão é que mesmo que o autor busque retratar dramas vividos por negros na vida cotidiana, ele acaba caindo numa simplificação da identidade negra e se resume a candomblé, trabalho doméstico (quase escravo), prostituição e SOFRIMENTO. Aliás, tô cansado de textos muito tristes como e vitimizadores. Ser negrão/negrona, pret@, mulat@, mestiç@, tico tico no fubá e sei lá mais o que é viver situações de discriminação, mas é tirar onda em cima delas também. E a identidade negra é muito mais complexa do que muitas pessoas pensam. Por exemplo, a junção de nordestin@s + negr@s é extremamente problemática e complexa em SP, algo que no livro de Freire é dado de barato, mas que é explorada de forma exemplar em Cidade de Deus (1997), de Paulo Lins. Mas tudo bem, pode ser só birra minha com esse livro de Freire. Já Angu de Sangue eu gostei!
16- Se você acompanha o blog há mais de um mês, deve saber que há uma resenha de Brother West Living and Loving Out Loud: A Memoir (2009, Smiley Books, 288 páginas) de Cornel West/David Ritz bem AQUI Tudo o que eu tinha pra dizer desse livro está lá!
17- The Dew Breaker (2005, Vintage/114th Edition, 256 páginas) escrito por Edwidge Danticat foi um presente da professora Keisha Khan Perry quando estive na Brown University em agosto passado. Danticat é uma das novas sensações da literatura afro-americana. Suas histórias exploram o cotidiano e a história da comunidade haitiana vivendo em NYC. Nesse livro a autora conecta diferentes histórias curtas pelas quais é possível revisitar o ilha caribenha nos anos 1970 e 1980 através das memórias dos personagens. O cotidiano de violência, mortes, instabilidade e disputas políticas além do peso e o horror do passado vividos por aqueles que migraram é retratado de forma admirável nesse livro. Algumas histórias são por demais longas e acabam por dispersando a atenção do leitor, outras, no entanto, tem uma delicadeza na forma de retratar personagens e situações só vista em grandes autores. Exemplo disso é a história do soldado de uma milícia assassina partidária do governo no Haiti que, momentos antes da queda do governo, mata o irmão de sua futura esposa. Mesmo que o casal compactue com a história esse fato é escondido da filha americana até que essa se torne adulta, quando é chegada a hora de encarar o doloroso passado que nunca os deixa em paz.
Muita Paz!
* Post escrito ao som de Ziggy Marley and The Melody Makers, álbum Joy and Blues (1993).