quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O Sol do Brasil

Para fechar o mês segue aqui um SALVE e PARABÉNS para minha amiga e ex-professora Lilia Schwarcz (USP). Lili faturou ontem o Prêmio Jabuti de Literatura com seu último livro O Sol do Brasil (2008). Fico extremamente orgulhoso de ter ido ao lançamento do livro ano passado quando ainda morava em São Paulo e de ter uma cópia autografada pela autora.

Lembrando que é a segunda vez que a historiadora/antropóloga leva o prêmio: a primeira foi há dez anos atrás com o livro As Barbas do Imperador (1998), texto que originalmente foi apresentado como sua tese de livre docência em antropologia na USP.

Todos que conhecem a intelectual sabem que Dona Lili é exemplo de rigor acadêmico, erudição e simplicidade. O prêmio é mais que merecido!

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Jay-Z e Seu The Blueprint 3

1996 pode ser encarado como um marco dentro da história do hip-hop em geral e da rap music em específico. Em setembro daquele ano o rapper Tupac Shakur foi morto a tiros em Las Vegas após ter assistido a luta entre Evander Holyfield e Mike Tyson. Não mais do que seis meses depois, em março de 1997, Notorious B.I.G (ou Biggie Smalls ou Big Poppa) era também morto a tiros em Los Angeles durante um evento em comemoração ao lançamento de seu último álbum. Esses eventos foram precedidos por polêmicas envolvendo ambos os rappers numa disputa/briga que ficou conhecida como West Coast versus East Coast. Até hoje nenhum dos dois assassinatos foi esclarecido e ninguém foi preso.



No mesmo ano de 1996 entrava em cena um novo aspirante ao trono de the greatest rapper ever. Seu nome era Shawn Carter, originário do Brooklyn - área também de Notorious - e bem mais low profile do que seus antecessores. Carter colocava nas ruas/lojas seu primeiro álbum, Reasonable Doubt. Sua alcunha ou nome de guerra, como dizem no Brasil: Jay Z. 13 anos se passaram e Jigga (o apelido para além do codinome), beirando os 40 anos, é um fenômeno maior e diferente se comparado a Tupac e B.I.G.

O curriculum de Jay é impressionante! 11 álbuns, vários números 1 ou top tens na parada da Billboard, ex-dono da Roca A Fella Records, proprietário da Rocawear (grife de roupas que completa 10 anos), presidente por três anos da Def Jam - o maior gravadora de hip-hop dos EUA -, casado com a estrela pop Beyonce Knowles, um dos acionários do New Jersey Nets (time de basquetebol da NBA), dono da 40/40 Club (uma requintada rede de coffee shop/bars esportivos) e ainda com um novo projeto, a Roc Nation, uma empresa de divulgação, entretenimento e admnistração que tem contrato com a megaprodutora de eventos Live Nation. Só se fala em Jay Z em NYC e o motivo é seu novo álbum, The Blueprint 3. Mais um detalhe: Jay-Z é proprietário de todos os seus discos cujo os direitos foram comprados da Def Jam e, no caso de BP3, pela primeira vez um trabalho seu não foi lançado por essa gravadora. A Atlantic Records é responsável apenas pela distribuição do álbum.

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BP3 foi lançado há duas semanas atrás, 11/9, e entrou imediatamente no primeiro lugar da Billboard vendendo quase 500 mil cópias em sua primeira semana (no momento em que escrevo o post canções de BP3 ocupam o segundo e quinto lugar do Top 100). A pergunta é: ele merece? Não só merece, na verdade é necessário parabenizar Jigga por suas empreitas e seu novo álbum. The Blueprint 3 traz maturidade ao hip-hop, uma "cultura" que já chegou a sua maioridade, mas que ainda sofria/sofre da síndrome de Peter Pan. Comprei o álbum via iTunes há alguns dias atrás e meu iPod não toca outra coisa desde então. A versão de luxo do disco contêm 15 músicas e mais dois vídeos, sendo que o álbum paga cada centavo dos US$ 17.00 investido na compra. Jigga conseguiu traduzir toda a arrogância, raiva e pretensão que já estamos acostumado e até mesmo esperamos nas atitudes e letras dos rappers. Nesse sentido vale prestar atenção na temática das letras de BP3, o time de produtores e participações especiais no disco além de uma entrevista concedida por Jay a XXL Magazine. Olhando dessa perspectiva é mais que compreensível entender o sucesso do Sinatra Negro ou César Negro, termos pelos quais Jay se auto-intitula no álbum.

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O mundo do hip-hop é cheio de lendas urbanas, mas talvez as mais frequentes sejam aquelas que associam boa parte de artistas que se tornaram estrelas a alguma espécie de hustling. O termo tem significado amplo, mas no geral faz referência a algum tipo de contravenção ou "trambique" que se estende desde revender mercadorias de procedência duvidosa, traficar drogas chegando até mesmo o uso de força física e assassinato. Jay Z não escapa disso. Segundo a lenda, o rapper traficava drogas no Brooklyn antes de deslanchar na carreira artística. Longe de negar o fato (mas sem também confirmar), o hustling ou a malandragem aprendida das ruas é sempre utilizado no discurso de Jigga para explicar seu sucesso atual.

Em sua entrevista a revista XXL o rapper fala com uma naturalidade e conhecimento do mundo da música negra nos EUA que é difícil de ser visto em qualquer artista. O fato de ter passado por várias posições na "industry", como se diz por aqui, lhe possibilitou um conhecimento do game - forma como o mercado de rap é chamado pelo rappers por aqui - de várias maneiras. Artista, produtor e empresário seguro de si, Jigga não se incomoda nem um pouco em demonstrar prepotência. Afirma que se tivesse que se dar uma nota para sua atuação como presidente da Def Jam daria A+, tira sarro de rappers como Jim Jones e The Game, afirmando que ambos falam mal dele porque Jay-Z é o grande ídolo de ambos e que os mesmos seguem tendências fazendo música para adoslecentes quando já beiram ou extrapolaram os 30 anos. Aliás, esse um ponto importante de BP3: pela primeira vez o rap - ou um rapper - assumiu a maturidade dos quase 40 anos e rimou isso de forma competente.

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As letras de BP3 confirmam a prepotência divertida de Jay-Z. O carro chefe do álbum é a música D.O.A (Death of Auto-Tune) lançada em 5 de junho no programa de Funkmaster Flash, na Hot 97, a mais importante rádio de hip-hop de NYC. O auto-tune é um recurso descoberto por acaso por um produtor que passou a ser marca registrada de artistas como T-Pain e Little Wayne. Feita abertamente contra o uso desse recurso que teve seu ápice ano passado, D.O.A é uma paulada sonora concebida pelo produtor No ID. Segundo a história, ID, Jay Z e Kanye West estavam no estúdio numa noite quando o produtor mostrou a base para Jay-Z. West ficou impressionado e disse a Jigga que o material parecia bem quente. No dia seguinte Jay apareceu com a letra no papel. As rimas atacam e ridicularizam os artistas vinculados ao auto-tune, com frases do tipo "suas calças são muito justas, suas roupas muito brilhantes, suas vozes muito leves" ou "eu sei que enfrentamos uma recessão, mas a música que todos vocês fazem irá transformá-la na Grande Depressão (crise dos anos 1930)". Por fim, Jay-Z apresenta-se com uma banda em seus shows e a produção do disco também se deu de forma acústica limitando o uso de samples e outros recursos eletrônicos.



A lista de participações de artistas convidados nas faixas que compõem o disco é considerável: Young Jeezy (Real As It Gets), Kanye West (Run This Town e Hate), Alicia Keys (Empire State of Mind), Kid Cudi (Already Home), Swizz Beatz (On To Next One), Drake (Off That), Pharrell (So Ambitious), Mr. Hudson (Young Forever), Luke Steele (What We Talkin About) e J. Cole (A Star Is Born). Minha favorita é Already Home que, como bem lembrou meu truta Oga Mendonça de SP, tem um incrível "featuring" de Kid Cudi.

Entretanto, a pergunta que fica é: não seria uma competição injusta? Jay-Z, com todo o seu poder, não estaria acima do hip-hop utilizando todos os seus recursos e fazendo discos imbativeis já que eles reúnem os artistas e produtores mais renomados do momento? A resposta de Jigga é que se trata de estabelecer novos rumos e padrões de qualidade ao hip-hop. Demonstrando conhecimento da história do mundo da música nos EUA, o magnata argumenta que essa tarefa seria destinada a ele e a outros considerados homens de frente, lideranças do hip-hop. Por outro lado, Jigga vem de dois discos irregularidades, Kingdom Come (2006) e American Gangster (2007), que, de certa forma, haviam desapontado seus mais ardorosos fãs.

E para aqueles que achavam que o hip-hop só falava de crimes e pobreza é melhor ouvirem BP3. Essas temáticas ainda continuam lá, mas são tratadas de uma outra forma ou, como dizem os americanos, at another level: a vida de multi-milionário, poder e a chegada aos 40 anos que aponta para o fim da eterna juventude que o hip-hop sempre prometeu e está registrada na letra da faixa Young Forever. E agora José, ops, Jay-Z, o que virá depois disso?...

domingo, 27 de setembro de 2009

Corpo Em Aberto!

Bom programa para quem se encontrar por São Paulo na próxima terça, 29/9.

Aproveito para mandar um abraço a minha amiga, professora da USP, Márcia Lima, que será uma das mediadoras do debate junto com o autor do romance Cidade de Deus, Paulo Lins.

Aliás, essa mesa está totalmente carioca, hein?! :)

sábado, 26 de setembro de 2009

Um Samba GLS no Centrão de SP

Prezad@s,
Estou reproduzindo um texto originalmente publicado no site do CLAM. Isadora Lins (foto ao lado) é minha amiga e escreve frequentemente no seu blog, o Ingrediente Desviante. Divirta-se com a entrevista feita com ela abaixo e vá tomar um vinho e prestigiar o lançamento do livro Prazeres Dissidentes que rolará em São Paulo e no Rio de Janeiro (lugares a serem ainda confirmados).

A antropóloga Isadora Lins França é uma das autoras que compõem o livro “Prazeres Dissidentes”, organizado por Maria Elvira Diaz-Benitez e por Carlos Figari, a ser lançado pelo CLAM e editora Garamond, no dia 30 de setembro, na sede da Clacso, em Buenos Aires (Avenida Callao, 875, 4º andar). O livro, que também terá lançamentos em São Paulo (21/10) e no Rio de Janeiro (9/11), reúne um bom número de jovens pesquisadoras e pesquisadores que vêm trabalhando com os temas de sexualidade e gênero, no Brasil e na América Latina. Isadora vem se dedicando, desde 2004, à exploração de um campo situado na interface entre sexualidade, gênero e consumo. Sua dissertação de mestrado foi defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da FFLCH/USP e intitulava-se “Cercas e pontes: o movimento GLBT e o mercado GLS em São Paulo”. Nesse trabalho, a antropóloga estudou as relações de aproximação e distanciamento entre movimento e mercado a partir de pesquisa de campo realizada, na sua maior parte, na Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo.

Atualmente, a antropóloga concentra-se na redação de sua tese de doutorado, desenvolvida no Programa de Doutorado em Ciências Sociais (IFCH) da Unicamp. O título do trabalho, ainda provisório, é “Consumindo lugares, consumindo nos lugares: homossexualidade, mercado e produção de subjetividades em São Paulo”. Na entrevista a seguir, Isadora fala um pouco mais do seu artigo no livro “Prazeres Dissidentes” e de sua pesquisa atual.

Seu artigo se refere a sua pesquisa de doutorado, produzida a partir da observação etnográfica de um samba GLS da cidade de São Paulo e de entrevistas realizadas com alguns dos freqüentadores desse samba. Qual foi o seu objetivo neste trabalho?
Meu objetivo era aproximar-me dos mecanismos envolvidos na produção de subjetividades, de que forma elas são exercidas e quais são as negociações implicadas nesse processo. Na análise produzida, também procuro pensar como os sujeitos aparecem racializados nesse espaço, como negociam diferentes estilos e pertencimentos na sua circulação entre diferentes lugares – que remetem também a convenções de gênero e sexualidade muito próprias – e como esse espaço se constitui num “lugar”, ou seja, quais os significados simbólicos atribuídos a ele em relação a um conjunto mais amplo de lugares que integram o repertório de seus frequentadores, estejam relacionados ou não à homossexualidade. O que me despertou curiosidade, como pesquisadora, foi o inusitado da proposta de um espaço dedicado exclusivamente ao samba em vista da predominância das variações de dance music em outros lugares. A intricada teia de relações entre marcadores de diferença social que pude observar naquele espaço, bem como a presença de uma estética black, me levaram a eleger esse lugar como um dos três em que realizei minha pesquisa de campo.

Você poderia descrever um pouco mais esse lugar que serviu de cenário para a discussão trazida no artigo? Como trabalhou com os dados em campo?
Atraindo rapazes da periferia de São Paulo, o samba GLS é definido por informantes como um lugar que lembra espaços do bairro, mas que se diferencia deles porque as pessoas se sentem à vontade em relação à sua sexualidade. Além disso, é tido como alternativa às boates gays, pela música, pela dança e pelo tipo de interação entre as pessoas. Freqüentado majoritariamente por rapazes de pele escura, de diferentes tonalidades, é também um espaço marcado por uma estética que remete à idéia de negritude estilizada, da qual os cabelos parecem ser o traço mais distintivo. Essa estética combina-se, ainda, à relação que as pessoas estabelecem entre música, dança e cor/raça na produção do lugar. A dança, além de mediar situações de flerte, também assume aí um papel fundamental para definir os “de dentro” e os “de fora”.

Nesse artigo, em especial, além de uma descrição com base em observação etnográfica, que se estende sobre os pontos mencionados, também trabalho com duas trajetórias de freqüentadores. Essas histórias traduzem, de certa forma, duas construções bem marcadas, que apresentam questões interessantes para pensarmos as relações entre marcadores de diferença social, especialmente no que refere às possibilidades associadas a rapazes de pele escura, nascidos e criados longe do centro da cidade e que se relacionam com outros homens: refiro-me a subjetividades que se aproximam da bicha ou do mano, dois lugares possíveis para esses sujeitos. No decorrer da análise, contrastando essas duas trajetórias com as descrições etnográficas, procuro entender, tomando de empréstimo os termos de Stuart Hall, como nossa identidade sexual “não nos constitui inteiramente, somos sempre diferentes e estamos sempre negociando diferentes tipos de diferença”, entre elas, a diferença racial, de classe e gênero.

Durante o mestrado, você também trabalhou com o mercado GLS e com espaços de sociabilidade voltados para esse público. No que isso se diferencia da sua abordagem atual?
Durante o mestrado, minha pretensão era compreender melhor as relações entre movimento social e mercado de consumo, por meio da interação entre atores tanto do movimento como do mercado, ou de ambos, considerando a intensa circulação nesse meio. De certa forma, as questões que me guiaram no mestrado continuam presentes, pois compreendo que no âmbito do mercado se constroem identidades e experiências que compõem também o campo de ação do movimento. Por outro lado, nessa pesquisa, decidi focar mais na questão do mercado, especialmente dos espaços voltados para homens que se relacionam afetivo/sexualmente com outros homens, pois o debate com interlocutores variados a partir do fim do mestrado me convenceu que poderia adensar minha abordagem em relação ao mercado e a esses espaços.

No mestrado, realizei uma espécie de mapeamento de espaços comerciais de sociabilidade, procurando entender como eles se organizavam no espaço da cidade e como as pessoas se distribuíam por esses espaços. No doutorado, deixo de privilegiar um mapeamento, passando à escolha de lugares-chave para a observação etnográfica e à aproximação com informantes que me indiquem qual o sentido que eles atribuem a esses lugares. Por outro lado, também quero entender como acontecem processos de diferenciação social e de produção de subjetividades a partir do que é consumido nesses lugares, considerando não apenas o que se consome em termos literais, ou seja, o que se compra nos lugares de sociabilidade, mas também como os usos de objetos naqueles ambientes mediam a interação das pessoas e como elas manejam marcadores de diferença social a partir desses usos. Considero, ainda, que essa abordagem é fundamental para que possamos compreender a produção de subjetividades relacionadas à homossexualidade num contexto de expansão, diversificação e segmentação de mercado na cidade de São Paulo, que é um contexto que vem se desenhando desde a década de 1990. Nesse sentido, a idéia de que o consumo dos e nos lugares está articulado a processos de produção de subjetividades organiza minha proposta e as perguntas que tenho direcionado ao campo da pesquisa.

A partir dessa perspectiva, como você organizou, então, sua pesquisa de campo?
Selecionei três lugares para a pesquisa de campo, que denominei de lugares-chave. Procurei, na medida do possível, seguir os itinerários percorridos pelos informantes e os lugares tidos como referenciais para eles, o que também me permitia uma visão mais ampla do campo. Os lugares em que realizei a pesquisa de campo são o samba GLS, uma festa voltada para ursos (a grosso modo, podem se definidos como homens gays, gordos e peludos) e seus admiradores e um grande clube de música eletrônica, todos espaços voltados para homens que se relacionam afetivo/sexualmente com outros homens. Esses lugares foram selecionados levando em conta o quanto me pareciam analiticamente interessantes, a partir da possibilidade de revelarem interseccionalidades e diferenças num terreno que já era meu velho conhecido desde o mestrado.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Prazeres Dissidentes!

Prezad@s,
O post abaixo foi publicado no site do CLAM Divirtam-se!

A ser lançado no dia 30 de setembro, na sede da Clacso, em Buenos Aires (Avenida Callao, 875, 4º andar), no dia 21 de outubro em São Paulo e em 9 de novembro no Rio de Janeiro, o livro “Prazeres Dissidentes” (CLAM/Editora Garamond), organizado por Maria Elvira Diaz-Benitez e Carlos Figari, aborda temáticas como pornografia, escatologia, barebacking, travestilidades, pedofilia, BDSM, incesto consentido, crossdressing, prostituição, homoerotismos e sociabilidades fluidas, tradicionalmente interpretadas como perversões. Leia abaixo resenha assinada por Adriana Piscitelli (Unicamp).

PRAZERES DISSIDENTES

A coletânea "Prazeres dissidentes", resultado de recentes estudos realizados por jovens pesquisadores latino-americanos, é expressão da efervescência da produção sobre o tema na região. Combinando criatividade e reflexão crítica, os artigos consideram recortes ainda pouco pesquisados ou contemplados em novas abordagens. Em 2003, o Centro Latino-americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ) e o PAGU (Unicamp) organizaram o Seminário “Sexualidades e Saberes, Convenções e Fronteiras”. Nesse encontro se teceram reflexões sobre o estado do campo de estudos e foram esboçadas ideias para superar alguns impasses na produção sobre o tema. Um dos principais pontos levantados referiu-se às fundamentais contribuições do arcabouço teórico de Foucault, mas também a problemas relativos a aspectos teóricos e a efeitos políticos da utilização desse referencial, levantados por autores/as feministas e vinculados ao movimento homossexual.

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Um segundo ponto foi a relevância concedida à separação analítica entre gênero e sexualidade, considerada útil para mapear a “estratificação sexual” presente nas sociedades modernas, que estabelece limites entre práticas sexuais “boas” e “más”, inferiorizando indivíduos e grupos vinculados às últimas. Contudo, percebíamos que algumas linhas dos estudos “queer” ignoravam gênero, enquanto abordagens sobre heterossexualidades consideravam a articulação entre gênero e sexualidade, mas em uma perspectiva na qual o gênero aparecia frequentemente aprisionado em uma distinção binária. A sexualidade tendia a aparecer atravessada por uma fronteira clara entre homens e mulheres, e se estabelecia uma continuidade entre “sexo” e gênero.

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Finalmente, um terceiro ponto foi a relevância das negociações a respeito da “normalização” de práticas sexuais que foram objeto de intensa rejeição no passado, como o adultério, a masturbação, a pornografia, a prostituição, a sodomia e o homoerotismo. Entretanto, tais negociações articulavam-se simultaneamente à “criminalização” de outras práticas. Nós perguntávamos então sobre as convenções que compõem essa normalização e a criminalização de práticas que, embora envolvam questões relativas ao direito da livre expressão da sexualidade, provocam intensas reações.

Os textos reunidos no livro “Prazeres Dissidentes” contribuem para pensar sobre como essas questões foram sendo elaboradas durante os anos transcorridos desde a realização daquele seminário até os dias de hoje. Os autores que consideramos clássicos no tratamento do erotismo e da sexualidade – Georges Bataille e Michel Foucault – continuam sendo revisitados. A eles adiciona-se Judith Butler, uma das principais e mais influentes epistemólogas dos estudos sobre gênero e sexualidade. Entretanto, os argumentos desses autores são confrontados a partir de leituras novas e críticas. Essa abordagem está presente no artigo inaugural da coletânea, de Vitor Grunvald: “Butler, a abjeção e seu esgotamento”, no qual as formulações dessa autora são discutidas à luz de teorias feministas, filosóficas e antropológicas.

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Considerando esse conjunto de leituras, os textos deste livro apontam para uma instigante diversidade em termos de convenções de erotismo. No artigo “Retratos de uma orgia: a efervescência do sexo no pornô”, de Maria Elvira Diaz-Benitez (uma das organizadoras da coletânea), conhecidas noções de transgressão vinculadas a gênero e raça aparecem basicamente acionadas no marco da indústria do sexo, na utilização de casais inter-raciais, integrados por mulheres louras e homens negros, na pornografia “hétero” brasileira. Fora desse âmbito, o valor concedido à diferença racial nas convenções do erotismo está presente na análise, feita por Isadora França no artigo “Na ponta do pé: quando o black, o samba e o GLS se cruzam em São Paulo”, de alguns espaços frequentados por homens que se relacionam com outros homens.

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Série Noah's Arc (EUA) que retrata o cotidiano de um grupo de amigos negros e homossexuais.

Vários capítulos mostram com nitidez que compreender os significados assumidos contextualmente pelo gênero requer pensar essa diferenciação, não independentemente, mas em relação com a sexualidade. Isto é evidente quando as performances de gênero são consideradas como expressão da conduta sexual, como no (aparentemente) desconcertante episódio em que uma travesti se pensa como heterossexual por gostar de transar com homens, narrado no artigo de Leandro de Oliveira, “Diversidade sexual e trocas no mercado erótico: gênero, interação e subjetividade em uma boate na periferia do Rio de Janeiro”. A relação entre sexualidade e gênero aparece, porém, com particular força, quando o gênero constitui o lugar a partir do qual outras diferenciações são inscritas nas falas a respeito da sexualidade. Vale como exemplo, entre mulheres que amam mulheres, as gradações entre “perua” e “sapatão”, que remetem a relações de poder permeadas por diferenciações de classe, cor/”raça” e geração, como mostra Regina Facchini no artigo “Entrecruzando diferenças: mulheres e (homo)sexualidades na cidade de São Paulo”.

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Gênero adquire essa centralidade na produção de convenções eróticas e, nesses cenários, essa distinção também é crucial para hierarquizar, inclusive excluir, categorias de pessoas. A valorização da hipermasculinidade em espaços frequentados por homens que se relacionam com homens – mostrada no artigo “Silêncio, suor e sexo: subjetividades e diferenças em clubes para homens, de Camilo Albuquerque de Braz – associada ao desprezo em relação aos gays afeminados, “bichas, miguxos” – problematizado no artigo de Carolina Parreiras, “Fora do armário... dentro da tela: notas sobre avatares, (homo)sexualidades e erotismo a partir de uma comunidade virtual”.

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A valorização do grau de feminilidade que dota um/a crossdresser de “passabilidade”, permitindo que chegue a “passar por mulher” – aspecto explorado no artigo “Negociando desejos e fantasias: corpo, gênero, sexualidade, subjetividade em homens que praticam crossdressing, de Anna Paula Vencato – e a rejeição às “masculinizadas” em círculos de mulheres que se relacionam com mulheres – enfocada no artigo de Regina Facchini, acima citado – parecem remeter, em uma linguagem de gênero, a uma contínua recriação da inferiorização e ao preconceito no campo da sexualidade. Como se a ruptura com convenções culturalmente disseminadas de aceitabilidade e “normalidade” fosse parte de um processo indissociável da produção de categorias modelares e de novas normatizações.

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No artigo “Políticas e prazeres dos fluidos masculinos: barebacking, esportes de risco e terrorismo biológico”, de Esteban García, a linguagem da saúde e da vida, da doença e da prevenção é utilizada para delinear contornos que separam os “barebackers” dos praticantes do homoerotismo “seguro”. Por sua vez, Bruno Zilli mostra, no artigo “BDSM da A a Z: a despatologização através do consentimento nos “manuais” da Internet”, como os praticantes do BDSM tentam afirmar-se como “sadios” utilizando a noção de consentimento e, mediante essa noção, se distanciam de outros aderentes a essas práticas e também de outras categorias de pessoas estigmatizadas, como os pedófilos. Estes últimos, por sua vez, evocando argumentos que os grupos de interesse pedófilos desenvolveram ancorados em pesquisas acadêmicas (Hacking, 1999), traçam fronteiras entre os “boy-lovers corretos” - que amam crianças, se excitam com elas, mas controlam seus desejos - e os “verdadeiros pedófilos”, aqueles que as violentam tendo relacionamentos sexuais com elas, como discutido no artigo de Alessandro de Oliveira.Aparecem também aqueles cujas práticas sexuais estão sujeitas a um grau de coerção que tem como efeito a ausência de condições de aparição e visibilidade e impedem qualquer possibilidade de formular uma identidade “positiva”, como é o caso dos envolvidos no incesto consentido, assunto discutido no artigo “No ventre do pai. Desejos e práticas de incesto consentido”, de Carlos Figari.

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No marco desse contínuo deslocamento de limites, a indústria do sexo ocupa um lugar singular. O conjunto de capítulos que, neste livro, tratam dessa indústria mostra as convenções eróticas acionadas para atrair consumidores e os aspectos que mobilizam estes últimos. A atração aparece ora vinculada a práticas que objetificam corpos masculinos para o “consumo” feminino, erotizando o deslocamento de posições de gênero, como sucede no “clube das mulheres” – mostrado no artigo de Marion Arent, “Performances de gênero em um ‘clube de mulheres’”. A atração erótica também aparece vinculada a práticas sexuais “extremas”, seja por seu caráter grupal, encontros orgiásticos (como no já citado artigo de Maria Elvira Díaz-Benítez) ou por envolver contatos sexuais tidos como particularmente sujos e/ou humilhantes – conforme discute Jorge Leite Jr, em seu trabalho “A pornografia ‘bizarra’ em três variações: a escatologia, o sexo com cigarros e o abuso facial”. Pode tratar-se do consumo de sexo comercial com seres que, como as travestis, corporificam o embaralhamento de códigos de gênero e sexualidade – como ilustra o artigo de Larissa Pelúcio, “Gozos ilegítimos: tesão, erotismo e culpa na relação sexual entre clientes e travestis que se prostituem”.

Os textos destinados à prostituição heterossexual na qual os consumidores são homens apontam, porém, para outro tipo de transgressões que é sugestivo. Nesses casos, os “clientes” aparecem, majoritariamente, como consumidores de práticas sexuais “banais”. A eventual “fantasia” que os conduz ao consumo do sexo comercial está longe de materializar-se na forma de práticas sexuais “extremadas”, embora elas também existam, segundo Elisiane Passini, autora do texto “Sexo com prostitutas: uma discussão sobre modelos de masculinos” e Sandra Nascimento Sousa, que assina o artigo “Desejos proibidos. Práticas da prostituição feminina”.

Este livro traz uma bem-vinda reflexão – aberta pelo artigo “Tu é ruim de transa: ou como etnografar contextos de sedução lésbica em duas boates GLBT do subúrbio do Rio de Janeiro”, de Andrea Lacombe – sobre o significado de estar no campo para quem realiza etnografias em espaços de encontros eróticos, em uma linha de discussão ainda pouco trabalhada no Brasil. Pensar sobre a relação entre a corporalidade do antropólogo e a dos/as demais sujeitos/as da pesquisa em espaços nos quais corpo e erotismo adquirem centralidade e nas necessárias negociações realizadas pelo/a pesquisador/a abre caminhos promissores para novas discussões sobre a ética na realização de etnografias sobre sexualidade.

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Concluindo, uma última observação. Além de dialogar com a bibliografia “clássica”, particularmente sobre sexualidade e erotismo, nos capítulos que compõem este volume se estabelece uma interlocução com a produção internacional que tende a ser vinculada aos “queer studies” e com os trabalhos brasileiros sobre sexualidade. Entre eles, se destacam autores como Peter Fry (1982) e Nestor Perlongher (1987) que, estudando “homossexualidades”, se tornaram referências “clássicas” neste campo de estudos. Quando este último autor morreu, em 1992, acompanhado por apenas um punhado de amigos e colegas, sua etnografia sobre os michês no centro de São Paulo era uma referência basicamente para (as poucas) pessoas que estudavam “homossexualidades” ou prostituição. Hoje, o valor conferido a essa obra é amplamente reconhecido no campo da sexualidade em sentido amplo, e não apenas no Brasil.

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A esses trabalhos se somam os de outros autores, mais recentes, como Luis Fernando Dias Duarte (2004); Maria Filomena Gregori (2003); Maria Luiza Heilborn (2004); Sérgio Carrara e Júlio Simões (2007), Richard Milskoci e Simões (2007) e muitos outros, citados em análises centradas em recortes específicos. A recorrência dessas referências aponta nitidamente para a consolidação do campo. Contudo, neste efervescente espaço de diálogo, a interlocução com referenciais teóricos feministas ainda é restrita. Ao mesmo tempo, a atenção concedida a recortes “heterossexuais” (fora do âmbito da indústria do sexo) é comparativamente menor. Esta observação é apenas um convite para novas reflexões, especulando sobre o avanço na produção de conhecimento que pode resultar do confronto com essas linhas teóricas e com recortes empíricos pouco contemplados neste campo cujo crescimento é demonstrado, de maneira brilhante, pelos capítulos deste livro.

* Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero – PAGU e professora do Departamento de Antropologia Social e do Doutorado em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Marshall Sahlins e a Imaginação Antropológica

Meus/minhas amig@s antropólog@s no Brasil morram de inveja. Na última segunda-feira, 21/9, tive o prazer de assistir uma lecture com nada mais nada menos do que Marshall Sahlins (foto ao lado e tirada na ocasião), uma das grandes figuras da antropologia comtemporânea.

O evento ocorreu no Heyman Center for Humanities da Columbia University e faz parte de uma série de seminários que rolará até o final do ano e contará com intelectuais de peso como Noam Chomsky, Robert Darnton, Judith Butler, Charles Taylor, Amartya Sen dentre outros.

Sahlins é velho conhecido de qualquer novo ou velho antropólogo que se preze. Famoso por sua releitura do estruturalismo de Claude Lévis-Strauss acrescentando uma perspectiva histórica a teoria do etnólogo francês, o intelectual ganhou um lugar permanente no campo antropológico ao lado de nomes como Franz Boas (1858-1942), de origem alemã, mas radicado nos EUA onde lecionou na Columbia University, e Clifford Geertz (1926-2006).

Sahlins realizou sua conferência expondo os argumentos centrais de seu último livro cujo título, The Western Illusion of Human Nature ,(2008), deu nome a sua fala. Em termos gerais, o antropólogo defende a idéia de que as instituições políticas ocidentais tem se baseado numa dicotomia entre natureza e cultura para legitimar a existência do Estado. De acordo com Sahlins , as formas de governo (monarquia, democracia, anarquia e república) fornecem uma forma do Estado lidar com essa dicotomia. O intelectual começou sua fala citando a invasão do Iraque pelos Estados Unidos ocorrido em 2003 e declarações do secretário de defesa dos EUA à época, Donald Rumsfeld, sobre a necessidade de se levar a democracia ao povo iraquiano. Entretanto, a ação americana trouxe mais violência ao país e muitas vezes o aproximou ao que poderia ser chamado de um suposto "estado de natureza" que a democracia deveria suplantar. A partir desse episódio, Sahlins passou em revista vários pensadores políticos para explicar como cada um lidou com a dicotomia natureza/cultura.



Exibindo bom humor, o antropólogo fez piadas com as quais o público, estudantes e professores, se deliciava. Thomas Hobbes (1588-1679) foi um dos que entrou na roda. Antropologicamente malicioso, Sahlins afirmou que "it takes too much culture to make a state of nature" (é preciso muita cultura para produzir um estado de natureza), ridicularizando de forma elegante o autor de Leviatã (1651) que cunhou a célebre frase de que o homem seria o lobo do homem. Com muito entusiasmo o antropólogo passou em revista Montesquie, Rousseau, Os Federalistas e ainda citou Platão. Mais piadas vieram quando Sahlins disse que a sociedade moderna capitalista tem produzido versões industrializadas de retorno a natureza: água mineral em garrafa ou o apelo recente ao consumo de organic food.

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O antropólogo brincou com as teses de Freud ao citar a maneira como determinados grupos indígenas lidam com os sonhos. De acordo com ele, caçar nessas sociedades significa "make love with the nature". Sendo assim, quando um caçador sonha com sexo o sonho é interpretado como um sinal de que sua "caça" será frutífera. Ainda ouve espaço para tirar sarro da obsessão por individualismo e livre-arbítrio norte-americano além do mal-humor dos novaiorquinos com uma última piada. Um senhor passa pelo caixa de um supermercado e a atendente termina a transação dizendo o peculiar "Have a nice day sir!" ao que ao morador da Big Apple responde de forma irada, "Don't tell me what to do...".

Por fim, a posição de Sahlins quanto a dicotomia natureza/cultura, que seria constitutiva da sociedade moderna e ocidental, é de que ela não existe, é uma ilusão. Cultura e natureza são constitutivas da experiência humana de modo que a primeira media a segunda no processo de criação do que pode ser chamado de "natureza humana".

Leia e/ou baixe AQUI um texto de Sahlins em português publicado em 1997 na revista de antropologia Mana.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Racismo e Percepção Estética

Maria Paula Adinolfi é minha amiga de longa data. Vivemos juntos as barras e perengues do mestrado, de morar no CRUSPão (Conjunto Residencial da USP e fábrica de loucos) e agora curtimos o exílio. Atualmente, o Atlântico Negro, termo de Paul Gilroy, infelizmente nos separa uma vez que ela encontra-se na Holanda fazendo seu PhD em antropologia no Centre for Comparative Social Studies da Vrije (CCSS) na Universidade de Amsterdam. O texto que segue abaixo é de sua autoria e fico lisonjeado que ela o tenha escrito especialmente para o NewYorKibe. Vou zoar um pouco e dizer que o título do texto deveria ser "Mussum, Gato Preto!", mas deixo vocês descobrirem o porquê. De quebra, o post também serve de homenagem a Mãe Hilda, matriarca do Ilê Ayê, que faleceu na semana passada. Que Mãe Hilda descanse em paz e, como disse meu truta Professor Doutor Batista (outro negrão "foderoso"!), fortaleça ainda mais o nosso axé!

RACISMO E PERCEPÇÃO ESTÉTICA

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Todo mundo sabe que o racismo nos impede de olhar direito pras pessoas e pras coisas. Muitos ativistas/intelectuais negros vêm discutindo como o racismo deforma o olhar, embota a percepção e classifica como "feio" tudo que não se enquadra em um certo padrão - branco - de beleza hegemônica. Eu, como branca paulistana de classe média falida, fui nascida e criada em um ambiente (familiar/escolar) que, ainda que não se proclamando abertamente racista, era evidentemente imbuído deste padrão. Ele se aplica indistintamente a objetos e pessoas: coisas "de preto" não eram vistas como bonitas, nem roupas, nem acessórios, nem objetos das casas (que eu pouco conhecia, pra falar a verdade), nem cabelos, nem rostos, nem corpo.

Cresci, fui estudar e, depois que comecei a me dedicar a pesquisar isso que a gente chama de "cultura afro-brasileira", comecei a reeducar meu olhar. Ou foi um impulso estético que me levou a essa pesquisa? Um reconhecimento da beleza encarcerada por trás dos padrões estéticos estreitos e enviezados? Sim, na verdade foi mais isso, mas fui pega a princípio não pela visão - o mais colonizado dos sentidos - mas pela sinestesia da capoeira: vários sentidos envolvidos ao mesmo tempo na música, canto, performance. Mas, sim, sobretudo lá estava o corpo negro, o corpo do homem negro. Não só se mostrando lindo, plástico, "voador", desafiador da gravidade, rítmico. mas também transpirando, gotejando odores e sabores que logo... me enlouqueceram.

Ah, mas este fascínio é parte inseparável do "pacote" colonial: toda inferiorização traz consigo o fascínio fetichista para com o corpo daquele "OUTRO", e esse tesão que arrepiou meu corpinho branco não é nenhuma novidade, nem significa automaticamente a desmontagem do preconceito. Em alguns casos, especialmente de homens brancos com mulheres negras, este tesão só faz do corpo da mulher negra objeto, portanto, como a gente sabe, o argumento "não sou racista porque namoro uma negra" em muitos casos é uma sonora bobagem. Pra mim, o fascínio da capoeira, e do corpo negro na capoeira, foi o início de uma jornada que transformou minha vida, me fez repensar meus valores, me realinhou no mundo, me reposicionou politicamente - e me definiu profissionalmente também. Mas a reeducação do olhar teve de prosseguir, e cada vez mais me interessei pessoalmente e analiticamente pela "estética afro-brasileira" - manifestada tanto nos objetos como nas pessoas.

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Mas o que me levou a escrever isso aqui e "invadir" o blog do Kibão (que trata sempre deste tema, por isso achei que seria um espaço legal pra escrever sobre isso) é contar que acabei de assisitir no YouTube um vídeo dos Originais do Samba, de 1972, e - a despeito de toda a minha reeducação estética dos últimos 15 anos - me assustei: aquele cara lindo é o Mussum??? 1972 foi o ano em que nasci, e cresci, como muitos da minha geração, ligando sua imagem não à de um grande sambista, mas à do "negro boçal" que ele encarnava no programa Os Trapalhões. Não cabe aqui perder muito tempo falando dos estereótipos nos programas de humor brasileiros: todo mundo sabe que nenhum passaria no mais primário teste de politicamente correto. O fato é que, como nunca voltei a ver o Mussum depois da infância (nem mesmo agora quando comemoraram seu aniversário de morte), permanecia na minha cabeça a imagem do negro cachaceiro, vagabundo, ignorante, meio idiota e... feio. Olhos sempre meio esbugalhados ou vesgos, boca escancarada, roupas esculhambadas, e aquele jeito de falar que não só incomodava pelo desvio completo do padrão normativo, naquele "idioma" que nunca exisitiu em lugar nenhum nem na boca de ninguém, mas por produzir uma voz meio estridente, meio irritante. Aquilo era desenhado especialmente pra produzir na audiência branca um misto de condescendência, ridicularização, comiseração, superioridade, deboche. Em suma, para reiterar os regimes estéticos e (anti)éticos do racismo.

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Foi difícil, nos primeiros segundos, associar aquela imagem da infância, guardada em algum canto da minha cabeça, com aquele homem de olhos vivos, pele perfeita, boca carnuda, voz sensual, dentes lindos. E muito, muito carisma, humor irônico, fala fluida, vivacidade, inteligência. E, diga-se de passagem, perfeito domínio da norma culta da língua portuguesa (não que eu ache isso um valor em si. O que incomoda é ser sempre o negro a ser mostrado como aquele que não sabe usar a norma culta). Juro que tive que assistir duas vezes pra me convencer do óbvio: era mesmo o Mussum.

Depois do espanto, a raiva: com que direito a TV, a escola, os pais deformaram meu senso de apreciação estética, operando um verdadeiro milagre de transfiguração, um passe de mágica perverso, tranformando aquele homem lindo e interessante em uma caricatura patética? Pior (bem, melhor pra mim...) é pensar que eu ainda consegui, de alguma forma, romper este círculo e passar a ver. Mas tenho certeza que uma grande maioria de pessoas da minha geração continuam a se lembrar dele daquela forma deturpada, tanto pela personagem que lhe fizeram encarnar, como pela falta de educação que não lhes permite, ainda hoje, reavaliar seus padrões. Mais triste ainda, esta forma de (não) ver não se restringe, evidentemente, a um único indivíduo, mas a todos os brasileiros que têm fenótipo negro, que são maioria neste país.

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Tudo bem, era um personagem e coisa e tal, talvez seja até babaquice minha identificar ator e personagem, talvez eu esteja me comportando como quem bate nos atores que fazem vilões nas novelas quando os encontram na rua. Mas o fato é que Os Trapalhões não era uma novela, os espectadores, pela "ilusão realista", eram induzidos a pensar nos personagens como reais, ou mais que reais: como arquétipos do negro, do nordestino, do mineiro viado e do espertalhão carioca boa pinta!

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Sou otimista, apesar de tudo. Acho que os negros têm tido sucesso na desconstrução da estética hegemônica branca e na pluralização das formas de apreciar a beleza. Ainda há, é evidente, um longo caminho a ser trilhado. Mas hoje é, não direi impensável, mas muito improvável que um programa de grande audiência faça um negro encarnar um tal tipo de personagem (bem, relembrando de Lázaro Ramos na última novela, como Foguinho, me faz ser mais moderada em minhas palavras...). Mas se de toda forma há uma reversão daquele padrão isso se dá não só por imperativos do mercado, porque hoje descobriram que negro é consumidor, etc mas porque, em primeiro lugar, haverá protesto. De indivíduos e instituições organizados para se opor a isso.

E aproveito pra concluir o post homenageando uma liderança negra que foi mentora de uma das instituições que mais fortemente contribuíram para instituir uma mudança de paradigma em relação à estética negra, o Ilê Aiyê. O Ilê mostrou pra Bahia, pro Brasil e pro mundo que negro é lindo. Quem, antes do Ilê, cantaria "Branco se vc soubesse/ o valor que o negro tem/ tu tomava banho de pixe/ pra ficar negão também"? Eles abriram o sendeiro pra hoje Racionais poderem dizer (para os brancos, "senhor de engenho"): "inacreditável mas seu filho me imita/ no meio de vocês ele é o mais esperto/ ginga e fala gíria, gíria não, dialeto/ esse não é mais seu/ há, subiu/ Entrei pelo rádio, tomei, cê nem viu/ nóis é isso, é aquilo... / cê não dizia/ seu filho quer ser preto/ há, que ironia!!".

Corre-se o risco, claro, da estética negra, que hoje tá virando "moda", que o playboy branco curte, se tornar só mais uma mercadoria. Mas existe outro destino para os objetos no capitalismo? Bem, isso já é tema pra outras discussões. Por hora, quero dar um salve a Mãe Hilda Jitolu, ialorixá, mãe, mulher digna, baluarte do Ilê Aiyê, falecida no sábado 19/09/2009. Axé, Mãe, continue a zelar por nós do Orun! E um salve ao saudoso Mussum, aquele gato!

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(Mãe Hilda, 1923-2009)

Paz a tod@s!

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Caster Semenya e as Armadilhas da Definição

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Caster Semenya está na boca do povo. A atleta sul-africana é pivô de uma polêmica que aponta de maneira magistral uma intersecção entre política, biologia e cultura que até bem pouco tempo era assunto apenas de seminários acadêmicos. Talvez por lidar com questões tão delicadas, seu caso tem sido tratado de forma sensacionalista e muitos equívocos podem ser vistos nos noticiários veiculados na imprensa. Tudo teve início após a corredora de 18 anos vencer a prova dos 800 metros no mundial de atletismo ocorrido mês passado em Berlim. Entretanto, após a prova, a mesma foi submetida a uma série de testes que comprovaram que Semenya é hermafrodita, ou seja, possue os dois sexos.

Dias atrás vi um manchete num portal de notícias da internet afirmando que a Federação Internacional de Atletismo iria, dentro de algumas semanas, estar apta a confirmar o "gênero" da corredora. As perguntas são como, por que e para que? Antropólogos e ativistas de movimentos gays devem estar se remexendo nas cadeiras - vale a pena ler o post de minha amiga Isadora Lins no blog Ingrediente Desviante -, mas a verdade é que a maior parte das pessoas não tem uma clara noção de onde esse debate ecoa ou qual é a sua relação com a nossa vida cotidiana.

South Africa's teenage 800 metres world champion Caster Semenya gestures to her fans at the O.R Tambo international airport in Johannesburg

A polêmica me fez lembrar de um pequeno texto escrito por meu amigo e professor de antropologia na Universidade de São Paulo (USP) Júlio Simões. Nele o pesquisador ensina como categorias como gênero, sexo e orientação sexual, que formam e dão a dinâmica da sexualidade, são naturalizadas e vistas de ponto de vista normativo. Explico-me... As três primeiras categorias são sempre relacionadas pelos indíviduos de modo a experienciar sua sexualidade, mas elas não são estáticas e as combinações podem ser várias. Em outras palavras, tendemos a olhar, na maioria das vezes, para essas categorias como fechadas e relacionando-se entre si de forma bastante simplória quando na verdade as possibilidades de combinação são múltiplas.

O problema na afirmação da imprensa de que seria possível definir o gênero da corredora esbarra em duas confusões. Primeiro que gênero (masculino/feminino) é um construto sócio, político e simbólico. É mais correto dizer que as pessoas "realizam uma performance" do que "tem" um gênero em si. Alguns são mais masculinizados e outros são mais feminilizados, algo que indendepe da varíavel fisiológica: sexo (homem/mulher). Alguns historiadores, como aponta Simões, defendem que até mesmo a categoria sexo é um construto histórico, uma vez que em determinadas épocas não haviam uma distinção clara entre homens e mulheres e distinções no equipamento fisiológico não eram levados em consideração.

Orientação sexual (heterossexual, homossexual e bissexual) também não são categorias fechadas e estáticas. No relato das pessoas sempre há a enfâse em umas das três, mas a verdade é que, de acordo com os especialistas, não existe a certeza dessa rigidez no que diz respeito a nossa vivência cotidiana. Orientação sexual (assim como gênero e sexo) nos fornece uma identidade de forma a viver nossa vida sexual, entretanto, identidade está inserido num processo dinâmico de eterna construção, ou seja, não é algo estático e ainda há fatores políticos envolvidos. Há algum tempo atrás, li num jornal que determinados grupos de defesa dos direitos dos homossexuais estava defendendo a noção de que a orientação sexual seria algo inato, ou seja, característica com o qual o indivíduo nasceria. Entretanto, essa era uma estratégia que visava fazer frente a atitude de alguns pastores de igrejas evangélicas que prometiam a "cura" de homossexuais através da conversão para a heterossexualidade.

Mas aí você deve estar se perguntando: que diabos tudo isso tem haver com o caso de Semenya e das pessoas comuns? Boa parte de nossa relação com o Estado é mediado por categorias reificadas de homem/mulher, negro/branco entre outras. Isso garante acesso/restrições a determinados direitos e deveres. No caso de Semenya, entretanto, a discussão toda se baseia numa crença de que há clara determinação entre sexo (homem/mulher) e desempenho físico. Os argumentos para tal afirmação, como demonstram os testes feitos na corredora, vem da biologia: níveis de testoreno/progesterona presentes no corpo, existência ou não de orgãos sexuais (vagina/pênis) e reprodutivos (ovário). Todavia, tudo isso não faz sentido sem uma referência simbólica que vem de uma interpretação cultural do equipamento bio/fisiológico. Ou seja, o fato de ser homem/mulher é mediado por categorias culturais de interpretação. No limite, pode-se afirmar que a atitude da FIA, em servir como a instituição que definirá o sexo da corredora, é no mínimo autoritária, uma vez que infrige o direito da corredora de se auto-definir.

As perguntas que ficam são várias. 1) Qual o papel tocado pela relação entre biologia e cultura na constituição dos indivíduos? 2) Que direito tem as instituições em geral - Estado, por exemplo - em nos definir seja como homens, mulheres, negros, brancos, homossexuais, heterossexuais etc? 3) Qual o impacto disso do ponto de vista político?

Não há respostas finais para as questões e a discussão encontra-se em aberto, mas de uma coisa tenho certeza: a última coisa que tem sido levada em consideração no caso de Semenya é o livre arbítrio e subjetividade da atleta. Ninguém, até agora, falou delas. Esse aspecto nos fornece uma idéia do lugar do "pessoal" nessa polêmica.

Muita Paz e Serenidade à jovem Semenya!

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Festa Black e Orkut!

Para quem está em SP rola no próximo sábado, 26/9, a Primeira Festa das Comunidades do Orkut Black com o show de MV Bill e Banda, performances dos DJs Dan Dan e Kefing além de várias outras atrações. O evento é organizado pelo pessoal da Xeque Mate Produções. Mais informações nos flyers.





domingo, 20 de setembro de 2009

Mais de USP...

Andei tempos atrás escrevendo alguns posts sobre a situação da Universidade de São Paulo por conta da greve que ocorreu no primeiro semestre desse ano e da repressão da polícia militar a uma manifestação de estudantes e funcionários que ocorria dentro do campus da capital.

Não é novidade que a USP é sempre notícia nos jornais, uma vez que ela é a instituição universitária "menina dos olhos" das elites e classes médias paulistas. Entretanto, são poucos os textos que abordam questões universitárias de forma sistemática, séria e longe das afirmações vazias do senso comum, sensacionalistas vindas da mídia ou glamourosas/nostalgicas feitas por gente desavisada sem pé na realidade e no presente.

Para quem está interessado no assunto e busca um estudo sociólogico sério sobre um aspecto desse universo, vale a pena comprar e ler o livro USP Para Todos? (Musa Editora/FAPESP, 2009) de Wilson Almeida (meu ex-colega de graduação e pós). O autor é doutorando em sociologia na USP e o trabalho é baseado na sua dissertação de mestrado defendida em 2007 (clique no flyer ao lado para ter uma resolução melhor). O lançamento está marcado para a próxima sexta, 25/9, a partir das 18:30 horas, na Casa das Rosas, Avenida Paulista, 37, SP.

Apareça para tomar um vinho, comprar o livro e conhecer o autor!

sábado, 19 de setembro de 2009

Para Ouvir e Ler: Kind of Blue e A Love Supreme.

Faz 50 anos que Miles Davis(1926-1991) entrou em um estúdio em NYC junto de Cannonbal Adderley (1928-1975), John Coltrane (1926-1967), Bill Evans (1929-1980), Paul Chambers (1935-1969), Jimmy Cobb (1929) mais o pianista Wynton Kelly (1931-1971) para gravar o álbum de jazz que se tornaria no mais ouvido e vendido disco deste estilo musical. Seu título?... Kind of Blue. Quem conhece o disco sabe que o mesmo é uma preciosidade (se você não o tem ou nunca ouviu, vá comprar, baixar ou roubar um imediatamente).

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41 anos depois do lançamento de Kind, o jornalista de jazz Ashley Kahn lançou um livro homônimo contando a história da produção do álbum. O texto é uma espécie de biografia da obra onde se entrelaçam trajetórias de músicos e produtores, do gênero musical jazz, da cidade de Nova York, da gravadora Columbia Records e outros elementos que estão associados ao mundo da mais genuína música norte-americana. Exemplos disso são as referências do escritor a sofisticação de Davis que lhe valeu durante várias vezes o posto de homem mais bem vestido do mundo, as disputas entre os músicos de jazz no que diz respeito a lançamentos de discos e criação de novos estilos e os atritos que Davis tinha com seu quarteto/sexteto devido sua personalidade forte, mas que, ao mesmo tempo, era responsável pelas ótimas performances e atuações da banda dentro e fora do estúdio. Sugestão: se comprar o livro, leia-o ouvindo o disco. Não vai se arrepender!

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O sucesso do livro de Kahn foi tamanha que o jornalista investiu em outro cujo tema era o também clássico álbum de outro jazzista: A Love Supreme de John Coltrane. O jornalista segue a mesma fórmula do livro anterior e esmiuça as lendas que envolvem a feitura do disco mais famoso de Coltrane. Pelo livro é possível perceber como toda a produção do músico está vinculada a uma busca pessoal por perfeição que sempre esteve presente em Coltrane, mas que se intensificou após seu rompimento com as drogas, mais especificamente heroína. O jazzista fez um juramento/promessa que sua música, a partir daquele momento, seria oferecida a Deus, o qual o havia salvado. Desse modo, o músico concebia sua produção musical como uma espécie de oferta a Deus que deveria ser posta a seu serviço trazendo comforto àqueles que a ouvissem. Sendo assim, o uso das drogas foi trocado por uma obsessão em aperfeiçoar seu estilo e experimentos com dois tipos de saxofone (alto e soprano) além de um interesse contínua por várias formas distintas de fé. A Love Supreme - o livro - também já está disponível para o público em português. Compre, leia-o ouvindo o disco, experimentando a sua forma de fé e certo de que love is supreme!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Brazilian Day, Dirty Soca e West Indian-American Parade

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O outono chegou, as aulas voltaram e o meu ritmo de produção irá, consequentemente, diminuir. Não esperem mais posts diários, pois já estou até o pescoço de coisas para ler. Bom! Aqui vale a máxima "cabeça vazia, oficina do Diabo" (outra coisa boa também! :). Mas enfim, há duas semanas rolaram as últimas festas de rua em NYC com um climazinho de verão. Vamos a algumas delas.

Brazilian SHIT Day...

Desculpem por ser direto, mas o Brazilian Day em Nova York é uma m...! Muvuca, shows e comida ruim. Fiquei duas horas no esquema que rolou há dois domingos atrás, 6/9, e levei pisões no pé, ouvi música ruim (Victor e Léo, Marcelo D2, Elba Ramalho, Carlinhos Brown dentre outros) e comi um pastel seco e sem gosto por, acreditem, US$ 4. Nessas horas é fácil entender como existem várias representações do país onde nascemos. A representação de Brasil do Brazilian Day é o Brasil da Rede Globo! Ou seja, não tem absolutamente nada haver comigo...



A festa também não ajuda muito. O palco fica longe do público e o que se ouve é barulheira e gente andando de um lado pro outro com bandeiras do Brasil além de camisetas e outros peças de roupa nas cores do país. Há várias barracas vendendo produtos relacionados ao país, comidas típicas (e ruins!) além de stands de empresas como companhias de turismo e empresas aéreas. Cheguei meio tarde na festa, encontrei dois amigos, andei pra lá e pra cá no meio da bagunça (urgh!) e acabei indo embora com a sensação que não havia absolutamente nada para fazer. Entretanto, muita gente deve se sentir de forma diferente em relação a essa festa. Há caravanas de pessoas que vem de outras partes dos Estados Unidos curtir a festa e NYC tem um final de semana temático em clubes e restaurantes que promovem festas relacionadas ao país. A comemoração completou 25 anos em 2009 e nos últimos anos vem sendo organizada pela Rede Globo. Desculpem folks, mas essa foi minha primeira e última experiência com o Brazilian Day...


Eu e meus irmãos Espeto de Frango, Coxinha e Rizolis marcando presença na festa!

Dirty Soca!


Entrada do salão Roseland Ballroom na West 52nd Street, Manhattan, em 7/9.

Identidades nacionais sempre devem ser relativizadas, pois, são construções ideológico-políticas que possuem seus limites. Felizmente, além de brasileiro, sou preto e minha nacionalidade é relativizada diante dos laços que me ligam a um certo sentimento de pertencimento negro/preto diaspórico. Senti isso de maneira forte ao ir a uma dirty soca com meu amigo Calvin na noite de domingo, 6/9.

Soca, para quem não sabe, é um ritmo caribenho mais especificamente de Trinidad e Tobago. Neste final de semana rolou o West Indian American Day, uma comemoração das populações caribenhas residentes em NYC. Há dois grandes eventos que marcam a data: a J' Ouvert Parade - que rola na madrugada de segunda - e a Parade and Carnival - que acontece no segunda das 8 da manhã às 6 da noite. Entretanto, pipocam festa dos caribenhos por toda a cidade. Eu e Calvin resolvemos colar nessa, já que haveria a apresentação de um artista bastante popular em Trinidad, Machel Montano, e conseguiríamos entrar no vasco devido a uma promoção.

Cheguei na esquina da 52nd Street por volta das 23 horas e já havia uma fila que virava a esquina. Preta bonita era o que não faltava! A maioria do público era constituído de pessoas entre 21 e 35 anos, mas mesmo assim era possível encontrar gente na faixa dos 40 e até 50 anos. Calvin estava atrasado. Fiquei na fila não mais do que 10 minutos e, devido a boa organização, em pouquíssimo tempo já estava dentro do salão. O Roseland Ballroom é um salão de baile enorme, com um pista de dança, área de descanso extra pista, sofás ao fundo do salão, palco, mezanino com área VIP, dois american bars e banheiros no subsolo. Enquanto esperava meu amigo comprei uma cerveja e fui explorar mais o salão. Em um canto do mesmo comida caribenha era servida, bastava pagar US$ 13 e se servir à vontade de jerk ou curry chicken, shrimp (camarão), Jamaican patty (empanada de carne apimentada), black beans com arroz entre outras delícias. É óbvio que eu tomava uma Red Stripe, a clássica cerveja jamaicana.

Calvin chegou por volta da meia-noite. O salão, que estava quase vazio no momento em que cheguei, agora começava a lotar. Os DJs variavam sessões de soca, reggae, hip-hop, R&B e dancehall. Muitas pessoas traziam consigo pequenas bandeiras de seus respectivos países ou vestiam roupas com as cores nacionais. Não havia dress code e a parada se parecia a um baile black paulistano mistura de Musicaliando na Casa de Portugal com alguma balada da Vila Madalena. Algo a ser notado era a enfâse em roupas curtas e sexys da senhoritas... Muitos shorts que seriam um escandalo até mesmo no carnaval baiano, vestidos colados no corpo, saltos altos em mulheres já nada muito baixas e calças justas marcando o bumbum já avantajado. O mais legal de tudo é que esse parece ser uma espécie de estilo incorporado pelas mulheres, tudo na maior naturalidade. Eu e Calvin estávamos bem a pampa... Dançando, bebendo e curtindo. Aliás, Calvin mostrou suas habilidades como dançarino de grind dance (já expliquei aqui do que se trata a dita cuja no meu post sobe a baladinha que fui em Bed Stuy, Brooklyn): basicamente é um estilo de dança bem sensual em que o rapaz se posiciona atrás de sua parceria e ambos praticamente simulam um ato sexual. Entretanto, apesar do grau de sensualidade da dança, ela pode ser feita entre estranhos e ninguém se sente constrangido ou obrigado a algum tipo de compromisso após a dança. Para quem é de fora, fica difícil entender... Aliás, o apelido dado a essas festas, dirty soca, vem justamente desse ambiente sexy criado pelos ritmos e danças caribenhas. Calvin (que deve estar lendo esse post), me corrija se estiver equivocado...

Pois bem, não se assuste se caso você, homem, for ao banheiro numa festa dessa e ver, de repente, o local invadido por mulheres. Isso foi justamente o que aconteceu quando eu estava tranquilamente fazendo um "pipis" no restroom! Garotas entravam no banheiro masculino para usá-lo e aproveitavam para um rápido flerte ou paquera. Só pouco tempo depois, prestando atenção nas falas de um segurança, notei que os mesmos liberam o uso para as senhoritas devido a fila do banheiro feminino ser muito maior (diferenças no tempo de uso entre quem faz xixi de pé e sentado! :). Mas pensando bem, adorei a idéia do banheiro unisex!

Voltando ao salão a casa está totalmente cheia. Já passa das 1:30 e a coisa começa a esquentar. Os DJ saudam as comunidades com seus respectivos países. A maior delas é a de Trinidad e Tobago uma vez que a atração principal da noite, Machel Montano, é de lá além da festa ter como tema a cor do país: vermelho. Bandeiras e lenços são agitados no ar enquanto todo mundo dança freneticamente. Impossível ficar parado, truta! Quando a primeira atração entre em cena, Serani, um ragga man jamaicano, a galera já está no ponto. O show do rapaz não é dos mais empolgantes uma vez que ele faz uma espécie de abertura do show de Montano e toca com playback, meio frustante! Outros trutas se revezam no palco. As músicas falam basicamente de balada e sexo (quer coisa melhor?!)... Depois de muita enrolação chega a vez de nosso truta Montano (foto abaixo)!

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Incrível! É a única palavra que tenho para descrever a energia que o artista caribenho, acompanhado de cinco deliciosas dançarinas mais uma banda, mostra no palco. Danças com passos compassados de maneira frenética, ritmo alucinante e contínuo além de brincadeiras com a platéia que vai ao delírio, dança, chacoalha bandeiras e lenços no ar, grita, pula e não para um maldito segundo. Machel Montano para o show e conta a história de uma canção que, para variar, fala de sexo e todo mundo se diverte e ri. Canta trechos de músicas de outros artistas famosos - Buju Banton e Beenie Man -, um reggae que toda a platéia sabe a letra e acompanha. Para de novo, conversa com o público mais um pouco e, depois de alguns minutos, recomeça a cantar suas músicas de forma alucinada (aliás, a sequência do show parece mesmo uma transa!). A performance de Montano dura quase uma hora nessa pegada e o público ainda pede mais ao final da apresentação. Nunca fui ao carnaval de Salvador, mas acho que acho que o pique de lá deve ser parecido ao que vi no Roseland Ballroom nessa noite. Tento tirar fotos, mas a câmera de meu iPhone me deixa na mão uma vez que ela é uma porcaria em ambientes escuros por não possuir flash.


Curta um videozinho de Machel Montano

Por volta das 4 da manhã a festa chega ao fim. Todo mundo com cara de cansado, com fome, bêbado, mas alguns trutas mais corajosos - e não muito sóbrios - ainda dão os últimos "tiros" na tentativa de descolar um "cobertor de orelha". Eu e Calvin nos arrastamos para a Times Square em busca de um lugar pra comer algo. Naquele dia que nascia, 7/9, ainda rolaria o carnaval caribenho no Brooklyn. Será que eu teria pique pra ir?!...

West Indian American Parade and Carnival



Acabei indo pro Brooklyn e a foto aí de cima dá uma idéia do que é a West Indian Parade and Carnival. Cheguei por volta das 18 horas e o ambiente me fez lembrar minhas idas a festa de São Benedito em Tietê, interior de SP, sempre no último domingo de setembro. Gente preta andando pra todos os lados, alguns vestindo fantasias, animação, paquera, (re)encontros, azaração, senhoras gordas dando esporros n@s filh@s, comida, gente bêbada - aqui não se vê a cachaça, só o efeito dela -, molecada brincando na rua, tiozões/tiazonas com cara de que já deram muito trabalho quando eram mais novos sentados na calçada com cadeiras de praia vendendo comida caribenha, adolescentes com roupas de cores berrantes, pret@s gostos@s de todos os tipos, espécies, tamanhos e estilos, caixas de som tocando reggae, dancehall e hip-hop no talo, vagabundos contando alguma mentira para impressionar garotas, trutas fumando um baseado básico nas ruas em que não rola tanta vigilância da polícia. Aliás, como polícia é uma "espécie" abundante em NYC, eles estavam em peso na festa. Enfim, festa mano!

No meio de toda essa bagunça pensei rapidamente. "Porra, se existir reencarnação, quero nascer preto de novo! É mó divertido e uma maloqueragem só..."

Muita Paz à Tod@s!

PS: many thanks to my brotha Calvin for this very cool weekend!

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Quilombo Hip Hop Party!

Pra quem tá em SP rola no próximo sábado, 19/9, um evento do Quilombo Hip Hop Party com atração internacional: Afu-Ra. Mais informações no flyer abaixo...

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Rádio de Maloqueiro...

Pra ouvir um bom som de maloqueiro é só chegar na Web Radio Cobra Negra. Todas às quintas-feiras, às 22:00, eu compro um Bavarian Donut, um copo de café americano fraco/ruim e fico curtindo um samba-rock de ladrão aqui na Big Apple com o programa O Som da Nostalgia, apresentado pelo truta DJ Lu. Na falta de uma nega, danço com a porta do armário, como faziam os "nego véio" (no singular mesmo, senão a gíria perde a graça). É nóis!

terça-feira, 8 de setembro de 2009

AfroSambaRock!

Para quem está por Sampa e quer realizar um esquenta da Feira Preta, rola no próximo domingo, 13/9, o evento Pílulas de Cultura Feira Preta Edição Especial AfroSambaRock (que nome comprido, garotas!). É só chegar lá na Casa das Caldeiras, a entrada é no vasco.

Mais informações no flyer abaixo ou no site da Feira Preta

domingo, 6 de setembro de 2009

Graduação em Campo (versão 2009)

Tem início na terça-feira próxima, 8/9, o evento Graduação em Campo organizado pelo Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo (NAU/USP). Serão expostos e debatidos trabalhos de antropologia urbana realizados por alunos de graduação de diversas universidades brasileiras. Ainda ocorrerão palestras, mini-cursos e haverá espaços para exibição de filmes, documentários, posters de trabalhos e realização de network entre os participantes.

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New York City Subway System (MTA/NYC)

Essa é a oitava edição do evento que ocorre anualmente desde 2002. Haverá transmissão on line na IPTV-USP.

Na quinta-feira, 10/9, às 10 da manhã, participarei da mesa "O Sagrado em Movimento" como debatedor. A programação completa do evento pode ser vista no site do NAU/USP.

Muita Paz!

sábado, 5 de setembro de 2009

O Vai e Vem da Moda!

A moda é um fenômeno social. Alguma dúvida em relação a isso? Espantado? Mas que diabos isso significa? Nada mais que a moda é produto/produtora de relações sociais, ou seja, relações entre pessoas. Desse modo, a moda está impregnada de história e relações de poder evidenciando posições de classe, cultura (na acepção mais ampla do termo), gênero, raça, religião e pertencimentos étnicos.

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Kanye West e sua patota no Paris Fashion Week.

Entretanto, até bem pouco tempo atrás a moda foi tratada como uma frivolidade feminina pela sociologia. Autores que se dedicaram a ela (e outros temas entendidos como marginais) não foram levados muito a sério. Exemplo disso é George Simmel (1858-1918), autor alemão misto de filósofo e sociólogo que escreveu sobre música, moda, amor, prostituição e os aspectos psicológicos da vida urbana moderna. No Brasil, Gilda de Mello e Souza (1919-2005), esposa do sociólogo Antonio Candido, elaborou uma tese no departamento de filosofia da USP intitulada "A Moda no Século XIX" (O Espírito das Roupas, Companhia das Letras, 1997) que somente muitos anos depois seria reconhecida como uma grande contribuição às áreas de estética, sociologia e história. Nesse trabalho, a ex professora do departamento de filosofia busca apreender os significados do vestir na sociedade brasileira do século XIX tendo usado como fontes de sua pesquisa materiais pouco usuais à época como romances, relatos, fotos, pinturas e gravuras.

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Atualmente, a percepção de que a moda é algo dinâmico e produto/produtora das relações sociais é muita mais aceita. Bons estilitas são, em parte, bons leitores do mundo social a sua volta e incorporam no seu trabalho parte das relações sociais e cultura nas quais estão envolvidos. Morar em Nova York e não se dar conta do que está up ou down na moda é praticamente impossível. Estilo, apresentação e bom gosto são elementos sempre valorizados na Big Apple e é difícil passar incólume a experiência de não sofrer certa coerçãozinha de se olhar no espelho antes de sair de casa ou pensar duas vezes ao comprar uma peça de roupa.

Informações básicas de como se vestir e de como a moda tem mudado junto com a sociedade podem ser encontradas em alguns manuais de moda. No Brasil gosto dos livros de Glória Kalil, aliás, acho que ela presta um grande favor aos homens com seu Chic Homem (Editora Senac, 2004), livro onde é possível encontrar dicas sobre estética, moda e estilo. Uma coisa interessante explicada pela jornalista e consultora é a mudança pela qual a moda passou no diz respeito às suas fontes de inspiração. Até o anos 1960 as classes altas ditavam as tendências do que deveria ser vestido, algo que mudou drasticamente no período pós revolução sexual, feminista e outras mais. A rua e os estilos de vários grupos urbanos, desde então, passaram a ser a grande fonte determinadora de novas tendências. Como a primavera vem chegando no Brasil e aqui nos aproximamos do outono, vale a pena saber o que andou sendo usado pelos patrícios gringos na última estação e que podem (ou não!) se tornar hits do verão brasileiro.

Na cabeça, cabelos... Queira ou não, o corte flat top fez uma espécie de revival. Quem viveu o início dos anos 1990 e assistiu filmes como Faça a Coisa Certa (1989) de Spike Lee ou New Jack City (1991) de Maria Van Peebles sabe do que estou falando. Dê uma olhadinha abaixo:


Com falhinha do lado, fica mais style ainda...

Outro corte que foi definitivamente incorporado pela negrada é estilo moicano (mohawk) marca registrada do movimento punk no anos 1970/1980 e que teve como grande adepto entre a população negra daqui o bom e velho Mr. T (do Esquadrão Classe A, lembra?). Abaixo o basqueteiro Greg Oden exibe orgulhoso seu penteado.

 http://blogs.bet.com/news/playahater/wp-content/uploads/2008/02/gregoden.jpg


http://www.beauty-and-the-bath.com/image-files/black-womens-fowhawk-hairstyle.jpg
Um fowhawk na parada...

Aliás, a estética punk foi uma grande pedida entre a molecada preta mais descolada. Além de moicanos, vi muita calça justa de couro, jeans velhos com rasgos, alfinetes, arrebites, jaquetas de couro batidas, tênis All Star e coturnos. Acho que na verdade isso ocorreu também por conta de um certo enegrecimento do rock alternativo causado pelo aparecimento de sua mais nova diva, Santogold. Obviamente, que a negrada que incorporou esse estilo não deve ter um emprego em Wall Street ou alguma grande corporação, mas sim em alguma coffee shop do Village, galerias de arte do SoHo ou uma loja da Apple.

http://diggin88nine.files.wordpress.com/2007/06/santogold.jpg

A epidemia hipster (num post futuro explicarei detalhadamente o que é isso) trouxe para o centro da arena elementos como óculos de grau grandes de aro preto e, acredite ou não, pela primeira vez em quase quinze anos as baggy jeans (calças big no Brasil) da moda hip-hop tem seu posto ameaçado no cenário urbano. Sua adversária é o jeans justo colado no corpo, skinny jeans (às vezes me pergunto como os caras andam!), da cultura hipster que andam de mãos dadas com o uso de smartphones (cheque seu email de cinco em cinco minutos) e camisetas com frases irônicas (totalmente sem graça!). Não esqueça dos óculos de sol retrô e tênis All Star ou Vans batido. Mas a negrada ainda continua com a mania de andar com o tênis impecavelmente limpo...

http://www.complex.com/blogs/wp-content/uploads/2008/09/baggy-skinny-jeans.jpg
Olha como o skinny jeans ficou bonitão no Little Wayne... Urgh!

Algo que fez sua aparição ano passado e continua firme e forte nas paradas de sucesso é o kaffiyeh, nome correto do famoso lenço palestino xadrez. De moda hip-hop, virou hipster e agora é qualquer coisa... Tem de todas as cores. Usei um no Brasil quando estive por aí meses atrás e me chamaram de gay. Tomei como um elogio, posto que muitos gays tem bom gosto...

http://www.islamicboutique.com/prodimages/head-scarf-01.jpg

Aliás, o exemplo do lencinho palestino é ótimo para refletir sobre esse aspecto social da moda. O kaffiyeh teve sua primeira aparição como símbolo de posicionamento político nos anos 1930 quando camponeses palestinos usaram o mesmo enrolado na cabeça demonstrando solidariedade entre eles contra a ocupação britânica. Nos anos 1960 Yasser Arafat (1929-2004) e seu grupo passaram a lutar pelo estabelecimento de um estado democrático palestino ao mesmo tempo que defendiam um posicionamento anti Israel. O kaffiyeh foi tomado como símbolo de identidade palestina e desde então o mesmo passou a ser identificado com o nacionalismo e luta palestina. Militantes e jovens pró Palestina usam o lenço desde os anos 1980 nos USA (Unidos Saudemos a América), mas em 2007 personalidades urbanitas - Jay Z, Chris "Punch" Brown entre outros - passaram a ser vistas usando o adorno que perdeu sua mensagem política tornando-se um artigo pop. Alguns rappers, como Mos Def e Common, já haviam usado o adereço antes da moda, entretanto, suas letras demonstram conhecimento do significado político da peça de roupa além de serem entendidos como figuras pró Palestina.

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Vai um baggy jeans aí?

Outro exemplo do aspecto social da moda é a lenda urbana que cerca o surgimento das baggy jeans (calças jeans extremamente largas que deixam a cueca samba-canção à mostra, foto acima). As explicações para o surgimento dessa moda variam. A mais famosa e conhecida afirma que o hábito de utilizar calças acima do número surgira entre ex-presidiários afro-americanos e latinos membros de gangues. Quando estes iam para a prisão recebiam uniformes que geralmente eram de tamanho único e, na maior parte das vezes, ficava sobrando na cintura e no comprimento da perna. Quando os mesmos saíam das prisões já haviam se acostumado a usar roupas acima do número e passavam a comprar calças que ficavam abaixo da cintura mostrando as roupas de baixo, no caso cuecas samba-canção. Levando em conta a associação entre gangues e rap, fica fácil entender como o estilo chegou ao mundo do hip-hop.

Por fim, a novidade deste ano foi a gladiator sandals, que notei em várias pretas por aqui. Junto com shorts ou mini saias ficam extremamente elegantes e deixam as black ladies pra lá de sexys.

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEinw_ckkQThvcYO3jKttY8jN9zTSGpUVYlUFvIxOHwqX1gJFFOpeaunJeqhKS6fx9ewDIRzL3AiG5LtGyGn0fCgYWsTJMpHg-wcCbx9vTp_1V2wo_TIUcdejnwnQu69GpS1ZUuw7UEW7G8B/s400/sandal_cleopatra07.jpg

http://indiashoes.files.wordpress.com/2009/05/sandals.jpg

Vi comentários num blog que já existem versões masculinas da parada. Vai encarar, pretão?

Muita Paz!