domingo, 31 de agosto de 2008

Overdose de Obama e a Senhora Brown

Bem, todo mundo já sabe que o Obama conseguiu a nominação democrata na convenção ocorrida em Denver e proferiu um discurso não tão brilhante - mesmo assim bom pra caralho - quanto aquele referente à polêmica com o seu ex-pastor “fode a firma” Reverendo Jeremiah Wright Jr., mas que passou por todos os grandes temas que irão pautar os debates na corrida presidencial americana neste restinho de ano (caramba, faltam só quatro meses para acabar o ano). Nos jornais norte-americanos não se fala de outra coisa. Estou diante de um New York Post cuja capa é a foto de Obama acenando para a multidão que assistiu o seu discurso com os dizeres: The dream live: Barack Obama makes history. Uau, parece que cheguei nos Estados Unidos perto de presenciar algo só parecido ao nascimento do movimento pelos direitos civis liderado por nada mais nada menos do que o Sr. Martin Luther King Jr..

Pois é, mas ando meio isolado desses acontecimentos devido à burocracia da New School e a correria de sempre. Ontem e hoje tive que resolver problemas relativos à minha matrícula e me vi diante de uma situação cômica: tive que falar com um diretor de algum departamento burocrático e, nessa ocasião, pude sentir como rola a formalidade americana. Praticamente tive uma reunião a portas fechadas com um tiozinho que usava uma gravata ridícula com desenhos de criança, mas que criou um ambiente que deixava qualquer caboclo aterrorizado. Primeiro esperei num corredor até ser chamado, depois fui anunciado e convidado a entrar na sala e me sentar. O senhor, que aparentava ter uns cinqüenta anos, me explicou a situação de uma maneira muito formal e disse que um dos problemas só poderia ter uma resolução no dia seguinte, já que ele necessitava consultar um superior. Sai da sala tremendo como se fosse um aluno da segunda série primária que fora repreendido pelo diretor da escola e sabe que o mesmo irá ligar para os pais e contar todo o ocorrido. Resultado: cinta na bunda quando chegar em casa. No outro dia ainda tive que falar com o tiozinho de novo, mas desta vez ele foi mais tranqüilo e disse que tudo estava resolvido e me desejou um bom semestre. Ao final da conversa o burocrata me acompanhou ate a porta e disse que nao poderia apertar a minha mao, pois estava com a mesma suja de alguma coisa que estava comendo. Alias, esses americanos comem o tempo todo em qualquer lugar: que coisa nojenta!

Para resolver outro pepino, esse relacionado a uma vacina que não tomei no Brasil, fui a um posto de saúde em NYC onde poderia ser vacinado na faixa, já que no Student Health Services/Immunization da universidade eu teria que desembolsar US$ 25 para ser “shotado” (have a shot). Bem, o atendimento dos funcionários e rápido, mas não muito amigável. Até entendo, pois a maioria das pessoas que aparece por lá não são americanos natos e tem um inglês horrível parecido com o meu. Preenchi uma porrada de formulários, peguei duas filas e, finalmente, tomei minha vacina com uma enfermeira que se tratava de uma senhora negra muito simpática chamada Ms. Brown (com certeza não é avó de nenhum dos dois Browns nossos!). Mesmo tendo um monte de gente atrás de mim para ser atendido, ela ainda teve tempo de contar um pouco da historia de vida dela falando que tinha estudado numa escola na Pensilvânia na qual era a única negra e que a maioria dos professores não a estimulavam a ir para a universidade. Detalhe: tudo isso ocorreu, segundo ela, antes da II Guerra Mundial. Estendendo a conversa, comentei de uma passagem da autobiografia de Malcolm X que tinha lido na qual um professor dele do colegial o desestimulava a ir para a universidade e se tornar advogado (que era o seu desejo), mas o aconselhava a fazer algo prático como tornar-se um carpinteiro ou algo do tipo. Bem, a Senhora Brown me inspirou o dia e acho que na verdade ela era uma das muitas pessoas negras norte-americanas que estava radiante na manhã de sexta, depois de assistir o discurso de Obama na noite anterior (algo parecido acontece em Sampa quando o Corinthians ganha um jogo na quarta ou domingo! *rs*).

Sexta-feira e a cidade parece menos intensa. Segunda é feriado por aqui: dia do trabalho! Vários nova-iorquinos a essa hora já estão on the road, ou seja, caindo na estrada em direção a algum lugar mais calmo e tranqüilo. Por incrível que pareça, eu também: amanhã vou para Stamford (CT) relaxar e me preparar para as aulas (urgh!) que têm início na terça-feira. New York is too fast sometimes, I need a break...

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

New School for “no” Social Research.






Hi Guys and Girls,

Bem respondendo aos comentários do Ari e Flávio "Jay-Z" Francisco no tópico do Obama eu diria... Ari, preciso ler o The Wall Street Journal para ter uma opinião, por enquanto estou reproduzindo o senso comum. Contudo, diria que ser reacionário não é um xingamento propriamente dito, apesar das pessoas sempre tomarem o termo como tal.

Quanto ao Obama, Flávio, acho que a Michelle depois do discurso de segunda passada começa a incrementar a campanha. Agora é a hora do bicho pegar... Precisamos ver que tipo de mudança efetiva o negrão havaiano filho de mãe branca americana e pai negrão africano quer implementar na América (deles!). Confesso que ando sem saco para assistir as notícias relacionadas a convenção democrata e a campanha presidencial: tudo muito vazio e banal. Detalhe: hoje comprei a Essence com a família Obama na capa para a Dionne. Acho que até o final do ano o figura deve sair até na Capricho aí no Brasil *rs*.

Mudando de assunto... Muitas coisas para escrever e pouco tempo para registrar. Na semana que vem começarão as aulas e o bicho vai pegar de vez. Na segunda-feira (25/8) passada rolou uma recepção aos novos estudantes de pós-graduação da New School for Social Research (NSFSR). Conclusão: aluno de sociais é aluno de sociais em qualquer parte do mundo. Lá estavam às figurinhas tatuadas e com piercings em várias partes do corpo (me incluo nesse grupo), indies, neo-hippies, moderninhos, pedantes, branco(a)s com tranças dreadlocks, salvadores do mundo, “jornalistas” frustrados, antropólogos apaixonados por seus objetos de estudo, pós-modernos, rapazes bem vestidos com cara de relações públicas de alguma instituição de ajuda internacional, alguns pretos (também me incluo nesse grupo), enfim, tudo aquilo que alguém que tenha cursado ciências sociais (ou algum outro curso de “ciências” - *rs* - humanas) na graduação já conhece. No meio da bagunça encontrei duas brasileiras. A primeira delas, Jussara, é estudante do departamento de sociologia e já mora na América (deles!) há catorze anos. Já a segunda, Laura, é estudante do primeiro ano do doutorado em economia e bolsista da Fulbrigth/Capes.

A instituição busca deixar todo mundo à vontade tentando criar um clima agradável, mas a verdade é que há um excesso de atividades, burocracia e cuidados com os novos alunos. Tratam os "calouros" da pós como bebês recém nascidos que precisam de todos os cuidados. Tenho dois advisors: 1) um aluno de graduação responsável por me orientar no que diz respeito aos cursos que irei fazer no primeiro semestre (preciso falar com ele antes de me matricular, pois senão não tenho acesso à senha para fazê-lo que é fornecida por ele) e 2) um professor que coloca apenas o nome (coisa pró-forma) no papel para dizer que tenho uma espécie de orientador. Para quem vem de um ambiente como o uspiano, no qual a norma é você se virar sozinho, isso é pouquinho demais. Também há excesso de informação, o que reflete um pouco o ambiente nova-iorquino. Não aguento mais carregar revistas, mapas, guias, livros de procedimentos, condutas, enfim, o diabo a quatro.

No meio da tarde participei da reunião de uma associação de estudantes da NSFSR que ficou responsável por contar o lado B da história. Ausência de espaço para estudo na biblioteca da pós-graduação o que força os alunos a usarem uma das bibliotecas da vizinha NYU, aumento vertiginoso do número de alunos de pós sem que os recursos da instituição fossem também ampliados, o prédio da NSFSR está para ser demolido e construído outro em seu lugar, mas não se sabe se e quando isso será realizado, os TAs – teacher assistent (professores assistentes ou uma espécie de monitor) – ganham um salário ridículo e isso acaba afastando os alunos desse tipo de trabalho que deveria ser uma espécie de estímulo a prática docente, enfim, uma série de problemas relacionados a infra-estrutura e funcionamento da escola que não é um paraíso e não tem muita grana como a vizinha NYU (fiquei chateado também por que não temos um mascote como a NYU cujo o bichinho representante é um leopardo chamado Bob Cat, que fofura! *rs*). Um outro grupo de alunos, revoltados com a situação, promoveu há meses atrás uma série de ações tentando chamar a atenção dos dirigentes. Nas mesmas eram distribuídos panfletos que ironizavam o nome da instituição chamando-a de New School for “no” Social Research *rs*.

Uma coisa divertida (e sei que o Alcir vai morrer de rir ao saber disso!) é que vou fazer academia numa YMCA da quinta avenida, já que os alunos da New School tem desconto lá. Bem, vocês lembram da música do Village People, né... "Y... M C A". Não preciso falar mais nada, só cantar "Macho macho macho man...". *rs*

O fim do dia terminou com um coquetel que me lembrou os lançamentos de livros realizados na FFLCH/USP: vários penetras de plantão, muita gente de chinelão, bermuda, clima descontraído, farra e, como não podia faltar, azaração. Enquanto mandava ver nas taças de vinho fiquei amigo de um antropólogo peruano bastante gente boa. Xingamos o Fujimori, falamos de Alan Garcia, Lula, do puritanismo besta dos EUA (de novo a história de não poder beber na rua) e da obsessão americana por carros. Como eu sou brasileiro e não desisto nunca minha balada ainda foi acabar num boteco/bar/restaurante do Village acompanhado de dois brasileiros (Raphael da ciência política e Laura da economia), um sociólogo alemão e um economista inglês com cara de bêbado.

Na volta para casa em Stamford ainda tive tempo de pagar um mico básico. Na estação optei por pegar o trem local em detrimento do expresso que demoraria mais trinta minutos. A diferença entre os dois é que o primeiro para em todas as estaçõezinhas antes de Stamford, enquanto que o segundo vai direto fazendo duas paradas, Stamford e depois New Haven (isso mesmo, a cidade onde fica Yale University). Entrei na bosta do trem e capotei de sono. Minutos depois (que pareceram horas) acordei assustado e vi que o trem estava parado. Desci certo de que estava em Stamford, mas só depois que a merda do trem partiu lembrei que não tinha pego o expresso e vi a placa da estação: Ryers. Legal: quarenta minutos passando frio num diabo de lugar que nem sabia onde era. Cheguei em "casa" quase duas e meia da manhã ainda bêbado, com sono e já com a amiguinha ressaca vindo me visitar. Preciso parar de beber... Aliás, próximo tópico: cervejas, brejas, beers...

domingo, 24 de agosto de 2008

Quero uma nega de cabelo duro (texto antigo, 2003 ou 2004!)

“Quem é, é! Quem não é, cabelo ‘avoa’”
Ditado do morro.

“Olha a nega do cabelo duro, que não gosta de pentear/Quando passa na boca do tubo o negrão começa a gritar/Pega ela aí, pega ela aí...” Realmente, a segure aí, mas não é “para passar batom”, mas para ser a minha nega, a minha rainha preta.

Pixaim, ruim, duro, fuá e Bombril. Estes são alguns dos sinônimos usados aos quais o cabelo crespo dos negros é freqüentemente referido na linguagem popular. O imaginário associado aos nossos cabelos é extremamente negativo, ligado à feiúra, o mau gosto e a anormalidade. Durante anos, a atitude dos brothas e sistas ao redor do mundo em relação ao “problema” do cabelo tem sido à busca de intervenções químicas que o trouxessem para mais próximo do tipo de cabelo “padrão”, associado ao belo e ao bom gosto: o liso.

Cornel West, em um dos seus lúcidos escritos (veja o livro Questão de raça), mostra como uma das facetas mais difíceis de combater do racismo está associada a seu aspecto inconsciente, a seu lado psicológico introjetado pelos indivíduos. Dentro desse universo, o corpo negro é concebido num misto de repulsa e desejo. Se por um lado, partes como a boca, o nariz, o cabelo e a pele são vistos como aberrações e tendem a ser rejeitados levando a uma baixa auto-estima, por outro, o combate a essas construções é realizado através de uma valorização exacerbada da sexualidade, algo elaborado a partir de imagens estereotipadas de homens e mulheres negras superdotados sexualmente. Em meio a essa esquizofrenia temos no debatido há muito tempo, talvez o poema “Emparedado”, do poeta Cruz e Souza, seja o texto que melhor defina essa situação. Contudo, minha intenção aqui e discorrer sobre o cabelo crespo ou sobre o cabelo “pixain”, para ser mais específico.
Existiria uma supremacia do cabelo liso entre as mulheres em geral e as negras em específico? Creio que sim. Diante dessa auto resposta afirmativa, tenho ciência de estar abrindo meu flanco para uma série de críticas vindas das mulheres negras. Argumentarão que o fato de usarem o cabelo desta ou daquela maneira ou de realizar intervenções químicas no couro cabeludo é algo peculiar a qualquer mulher, independente de ser negra, branca ou asiática. Respeitando a liberdade das mulheres de fazerem o que bem entenderem com seu cabelo, penso que as intervenções são realizadas tendo um padrão: o padrão de beleza branco ou, para utilizar aqui um eufemismo, o padrão dominante.

É bom que fique claro (ou “escuro”) desde já que esse fato não se restringe às mulheres. A moda tão popular entre artistas e atletas negros homens de raspar o cabelo também pode ser encarado como uma resposta ao “cabelo problema”, apesar das argumentações em favor desse estilo como mais “clean”, higiênico e prático. Seria então o cabelo crespo sujo e difícil de cuidar? Pensar sobre os padrões de normalidade e anormalidade evidencia a subjetividade inerente na construção e hierarquização da diferença. O problema não está na diferença, mas o que certas “marcas” passam a designar.
O cabelo crespo, para todos, seja negro ou branco, homem ou mulher, é, na maioria das vezes visto como sujo, feio e difícil de lidar. É bom lembrar sempre que estou enfatizando apenas uma parte do corpo, contudo, cabe a mesma lógica aqui para o caso de mulheres negras de países africanos que utilizam produtos químicos para clarear a pele. Uma atitude deliberada, contudo, inconsciente, de mutilação do corpo negro. Esses são fatos comuns em sociedades abertamente racializadas como em outras que celebram a sua tradição de aracialização, como é o caso do Brasil.
Já há algum tempo notei, em minhas buscas nas casas de cosméticos por um xampu e condicionador para meu cabelo, que não há produtos específicos para cabelos crespos, mas só para os “quimicamente tratados”. Nos rótulos desses produtos é possível observar, na maioria das vezes, a imagem de uma mulher negra ou mestiça extremamente atraente com os cabelos encaracolados (depois de “quimicamente tratados”, acho!). Fico me questionando a respeito do que isso quer dizer? Outro fato que me intricava bastante era a propaganda de um profissional da área de beleza e estética, veiculada anos atrás numa revista direcionada ao público negro, que divulgava seus serviços da seguinte maneira: “Cabelo crespo tem solução”. O mais cômico era que, ao lado dos dizeres, havia a fotografia do profissional, tratando-se de um senhor na faixa dos quarenta anos de idade com o cabelo totalmente raspado. É óbvio que não era essa a “solução” apresentada as suas clientes, mas a frase, além de causar um tremendo impacto no leitor mais atento, era de uma infelicidade tamanha. Dentre os títulos que consagravam a respeitabilidade do cabeleireiro da infeliz eram citados vários estágios em faculdades de beleza nos Estados Unidos.

É bom realizar a entrada desse país nesse pequeno texto lembrando que esse é o país no qual as técnicas de intervenção química no cabelo crespo se tornaram mais avançadas. Nos anos 1960 a Fuller Produces Company faturava em torno de dez milhões de dólares com a venda de cremes para branquear a pele e alisar o cabelo, o que, numa visão extremamente ingênua (ou oportunista!) da empresa, acabaria com a discriminação. Em retaliação, ativistas do movimento Black Power deixaram crescer os cabelos, usando os mesmo sem a intervenção de produtos químicos. Estava criado o “afro” ou visual “black power”, que tanto sucesso fez entre jovens negros e não negros entre os anos 1960 e 1970.

Ainda nos 1970 outro movimento que subverteu o imaginário do cabelo crespo como algo ruim de maneira radical foi o rastafarianismo. Os rastamen com seus dreadlocks (numa tradução livre “tufos de pavor”), no Brasil conhecidos como trancinhas “rastafari”, também passam a fazer parte da cena urbana de todo o mundo. Isso se deu devido ao boom internacional da reggae music que tinha como principal artista neste período o jamaicano Bob Marley, que politizava suas canções cantando a realidade das colônias africanas que buscavam a libertação do neocolonialismo europeu e filiou-se a filosofia de vida do rastafarianismo[1]. As tranças dreadlocks foram tomadas pelo ativismo negro como uma forma de afirmação da identidade negra e de posicionamento político, algo que já havia acontecido com o corte “afro” ou “black power” na década anterior. Além desse aspecto político, o que esses fatos demonstravam era que era possível criar um estilo negro próprio, desde que começássemos a valorizar o nosso corpo de forma sincera e livre de estereótipos.

Recentemente, ao fazer pesquisa de campo para escrever um artigo sobre bailes black na cidade de São Paulo, me dei conta de que a manipulação do cabelo crespo está finalmente se diversificando para além das, ainda majoritárias, intervenções químicas. É possível ver garotos e garotas com o cabelo solto num “black power”, com dreadlocks (sejam verdadeiros ou postiços), tranças dos mais diversos tipos, canecalons entre outros. Esses visuais estão ligados a uma mudança nos padrões de beleza trazida pelo aquilo que alguns antropólogos chamam de internacionalização da “cultura negra” de origem anglo-saxã. Em outras palavras, estamos falando do que é produzido musicalmente e esteticamente pelas populações negras do eixo Los Angeles, New York, Kingston e, num menor grau, Londres e divulgado pelo mundo como imagem do que é ser “negro”, “moderno” ou, em certos casos, diversidade étnica.

Contudo, nem tudo são flores. Os clipes de rap, R&B, raggamufin entre outros ritmos negros e os filmes conhecidos como blaxploitation ou de temática negra também reelaboram uma série de estereótipos existentes dos brancos sobre os negros e dos negros sobre negros além de apresentar facetas de graves problemas existentes dentro de nossa comunidade como a misoginia, o machismo, o homofobia e da criminalidade, nos seus mais diversos níveis, como manifestações inerentes e saídas para nossa experiência histórica de população pobre e exploradas. É óbvio que não podemos isolar a arte e a indústria cultural num determinismo “politicamente correto” chato, mas seria válido tentar evitar os extremos de um lado ou de outro. Num dia desses estava num samba e meu amigo dirigia-se às garotas do lugar chamando-as de “putas”, algo similar aos “bitches” e “hos” cuspidos, a torto e a direita, pelos rappers americanos.

O que quero evidenciar aqui é que uma reelaboração da estética negra traz vários outros estilos de cabelo como opções às tão cruéis intervenções químicas. Teremos liberdade para usar o cabelo da maneira que bem entendermos se tomarmos ciência de que nosso cabelo não é “ruim” muito menos “feio”, mas um cabelo como qualquer outro que exige cuidados e possui uma beleza singular. Nessa nova estética dos nossos cabelos há lugar para os dreadlocks, as tranças dos mais diversos tipos e o “black power” para ficar apenas nos mais conhecidos. A única coisa a ser feita é usar a criatividade. Ter cabelo crespo não é um problema, é por isso que eu quero uma nega de cabelo duro. Danem-se os imbecis que perguntam “qual é o pente que a penteia” ou “que cabelo dela não nega”, pois o meu também não nega e nem “avoa”. Enfim, cabelo crespo para mim não tem solução... Pois, nunca foi um problema!

Nota de rodape[1]: O rastafarianismo é uma filosofia de vida que mistura elementos da tradição judaico-cristão com a história da África, mais especificamente da Etiópia. Ras Tafari Makonen é o nome de Haile Séllaissié I, Imperador da Etiópia e sucessor de Menelick II que em 1896 derrotou os italianos na Abissínia tornando a Etiópia a primeira nação africana independente. Em 1928, ano da coroação de Selassié I, o país se filia à Liga das Nações. Segundo a filosofia rastafari Haile Séllassié I seria a forma humana de Deus (Jah) na terra e a Babilônia é o mundo profano dos brancos. A coroação do imperador teria sido profetizada por Marcus Garvey em 1925. Os rastamen seguem alguns preceitos como o não corte do cabelo (dreadlokcs), vegetarianismo, uso de ganja (maconha) para rituais de purificação entre outros.

sábado, 23 de agosto de 2008

Obama Pop Star!

Muita gente tem me perguntado sobre o Obama e pedido notícias relacionadas a ele. Para ser sincero, estava mais bem informado sobre esse assunto quando ainda estava no Brasil e recebia todo dia pela manhã meu exemplar do Estadão (sim, eu leio o Estadão e o acho melhor que a Folha!) e acompanhava as palhaçadas dos gringos pela CNN. Aqui ainda não tive saco de encarar os jornais do naipe do The New York Times ou The Wall Stret Journal (esse último, pelo que eu sei, o mais reaça) e os canais de noticias são um verdadeiro lixo. Não é a toa que os gringos não sabem absolutamente nada do que está ocorrendo ao redor do mundo.

A maior novidade da campanha por enquanto é o anúncio do vice de Obama, o senador pelo estado de Delaware, Joe Biden. A escolha de Biden é estratégica já que ele é especialista em política internacional, uma área na qual o candidato democrata a presidência é acusado de ser menos experiente se comparado a John MacCain. Biden também pode ser lançado a uma perspectiva de diferença se levarmos em conta que ele é descendente de irlandeses, católico (num país cuja maioria é de protestantes, Kennedy foi demonizado nos anos 60 por ser católico) e rotulado como liberal.

Todavia, Obama é pop (parafraseando a música dos Engenheiros do Havaí)! Diria que ele é a personalidade negra do ano, sem sombra de dúvida. Um dia desses parei em uma loja de jornais e revistas na Grand Central Station em NYC e me dei conta disso: ele e a sua família estão nas capas das principais revistas voltadas para o segmento afro-americana da população. Essence (uma espécie de Elle ou Claúdia para senhoras e senhoritas negras de classe média e alta), People (a Caras daqui), Ebony (a mais tradicional e antiga revista mensal negra norte-americana) dentre outras veiculam a imagem de família feliz de Obama, sua esposa (a bonitona Michele) e filhas. Ele só falta agora conquistar as capas de revistas de hip hop e R&B como XXL, Vibe e The Source, mas aposto que, se o negrão virar presidente, as mesmas vão se render e colocar o figura na capa. A Rolling Stone Brasil fez isso em julho e publicou uma entrevista divertida com o candidato democrata. Obama afirma que tem Jay Z no seu IPod e admira tanto ele como Russel Simmons por serem homens de negócios de visão apurada.

Obviamente que essa entrevista não foi publicada (ao menos pelo que sei) aqui, mas imagina essa situação hipotética: um red neck morador de meio oeste americano vê a Rolling Stone do filho jogada no sofá da sala e na capa o senhor Obama, candidato a presidente dos EUA pelo partido democrata. Curioso ele resolve ler a revista e a entrevista do Mister Obama para saber mais a respeito desse blackman (ele não usou a “N” word [nigger], pois já estamos no século XXI e o racismo é algo superado nessa sociedade multirracial) que quer dirigir a maior potência do planeta. Ele lê a entrevista e fica satisfeito, já que Obama fala que é fã de Bob Dylan, Bruce Springsteen, Jay-Z, Russell Simmons... Espere aí, quem são Jay-Z e Russel Simmons? Músicos de country music? Jazzistas da nova geração? Vamos fazer uma busca no Google... “Jay-Z, nome artístico de Shawn Corey Carter, ex-traficante de drogas, rapper, proprietário da Roc-A-Fella Records, presidente e CEO da Def Jam Records, é dono de várias canções de sucesso como Can I get f... you (Posso f... voce?) e Big Pimpin’ (Grande cafetinagem)...” “Russell Simmons, ex-traficante, fundador da Def Jam Records...”. Hum, o que será que o red neck vai pensar, hein? Será que ele vai votar no Obama? *rs*

Não é novidade, mas para fechar esse tópico, consideremos que Obama se coloca como um candidato com uma plataforma pós-racial. Okay, mas para se ter uma idéia de como a campanha dele está quebrando barreiras ideológicas há um grupo de republicanos que criaram um grupo intitulado Republicans for Obama, ou seja, são republicanos que apóiam e votarão no candidato democrata. Não acredita? Vá em:
http://www.republicansforobama.org/
O namorado da irmã de minha namorada é um negrão republicano oriundo de familia tradicional morador do Sul dos EUA, com certeza quando encontrá-lo vou perguntar se ele é um “republican for Obama”. *rs*

Starbucks Coffee

Hey, adivinhem qual o país que está a frente do quadro de medalhas nas Olimpíadas de Pequim? Caso alguém aí tenha respondido USA acertou, ao menos de acordo com a TV americana (canal ABC) a qual coloca a América (deles!) a frente da China. Revoltados?? A justificativa é que a China tem um número maior de medalhas de ouro (nesse exato momento em que escrevo são 49 para os chineses e 34 para os norte-americanos), mas o EUA subiram mais vezes ao pódio se somadas as de prata e bronze (96 ao todo para os chineses contra 106 dos yankees). Vale tudo para manter o império americano de pé! *rs*

Estou escrevendo de um Starbucks Coffee. Pois é, lembro que há um ano atrás houve uma polêmica em Sampa devido a chegada das primeiras unidades do Starbucks na Terra da Garoa. Muita gente revoltada dizia que era inadmissível que o país que produzia o melhor café do mundo fosse povoado (ou colonizado, talvez fosse o melhor termo) por essa rede norte-americana de vendedores de café a la American way of life. Lembro-me que na época o artigo mais lúcido que li sobre a polêmica foi o do brasilianista Matthew Shirts que afirmava que na verdade o que fazia da rede famosa e bem sucedida era a união de um café de qualidade (com varias opcoes de cafe ao redor do mundo) com o clima agradável de suas lojas.

Pois bem, concordo plenamente com ele. Obviamente que não são todas (fui numa no Harlem que era um lixo), mas boa parte das lojas do Starbucks por aqui tem um ambiente agradável para tomar café e fazer outras coisas que são tão prazeirosas junto a um "pretinho forte e saboroso": ler, ouvir um som (a seleção dos caras varia entre rock, jazz, bossa nova, MPB e R&B), escrever, navegar na internet (tem WiFi de boa qualidade e na faixa, não é à toa que estou aqui), bater papo e relaxar num sofá confortável com um ar-condicionado que protege do calor ou do frio.

Contudo, no Brasil, as unidades que vi do "Star" eram em shopping centers e ficavam localizados naqueles bulevares dos centros de compras. Imagino que isso tenha sido uma espécie de adaptação da rede ao contexto paulistano no qual os shoppings são os espaços de lazer da população. Os cariocas adoram fazer piada da gente afirmando que shopping é a praia de paulista. Contudo, acho que no caso da rede americana, isso faz com que a proposta inicial se perca um pouco já que as lojas não conseguem ter um espaço próprio e isolado do que está ao redor. Porem, tudo isso sao suposicoes. Nunca fui a Starbukcs em Sampa para comprovar e aqui nos EUA vim por necessidade: é um dos únicos lugares (ao menos em Stamford) que você consegue tomar um café igual ao do Brasil (se vier pra cá, peça pelo Doppio ou Espresso - two shots). Talvez meus compatriotas possam dizer o que acham disso tudo.

A maioria do pessoal que vi no Starbucks do Brasil parecia mesmo maravilhados com a possibilidade de tomar café nos copinhos brancos que lembram séries policiais como Law and Order. Eu, como sou old school, gosto mais das velhas xícaras, mas aqui só tem o dito cujo do copinho. Contudo, caso queira tomar um café de boa qualidade e na xícara vá para o Village (uma espécie de Vila Madalena mais refinada) em NYC. Ah, não esqueça: espresso two shots!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

"Fat" and loud beats...

Povo, estou respondendo aos comentários deixados em cada tópico. Contudo, o ritmo segue o meu lema: "devagar e sempre"! Verifiquem periodicamente, como sou delicado/educado com todo mundo, respondo individualmente.

Mudando de assunto... Meu Deus, como tem gente gorda (tecnicamente chamados de obesos) nos Estados Unidos! Também pudera, nunca vi tanto doces, balas, pão, sucos (nada naturais!), chocolate, refrigerantes, sanduíches gordurosos e uma infinidade de guloseimas reunidos num mesmo lugar. Ir a uma farmácia (experimente a CVS Pharmacy), que por aqui vende muito mais que remédios, é um convite ao inferno devido às opções de candies e snacks para se comprar! Junte isso ao sedentarismo disseminado, o culto ao carro como meio supremo de locomoção, a alimentação realizada de forma errada e muitas vezes baseada em junk food (que aqui e mais rápida, pratica e barata) e você entenderá a epidemia de obesidade que paira sobre a América (deles!). Tenho visto gente gorda por todas as partes de NYC, mas minha impressão e que há mais obesos no Harlem. Talvez seja a convergência de pobreza com falta de acesso a informação que leve a essa situação. Enfim, preocupante...

Outra coisa que me chamou a atenção aqui e a relação existente entre a negrada e a música. Bem, não vou voltar àqueles relatos históricos que relembram da pretaiada trabalhando nas plantations de cana, algodão ou café a época da escravidão e cantando canções de trabalho. Isso é triste demais pro meu gosto, apesar de ter a sua importância histórica. Falo especificamente da função da música na Diáspora Africana seja como elemento que promove o lazer e divertimento das pessoas ou que serve ao propósito de realizar a circulação de informação e conhecimento (e as duas coisas ao mesmo tempo, o que é mais comum). Música é algo que realmente faz parte do cotidiano da negrada de uma maneira diferente em relação aos outros grupos “raciais”. Quando eu era criança não havia aparelho de som na casa de meus pais e foi somente quando cheguei à adolescência que comprei um toca discos. Porém, sempre havia um rádio ligado e minha irmã mais velha comprou um gravador cassete assim que começou a trabalhar no início da década de 80. Isso resolvia o problema e pude curtir o estouro de pop stars como Lionel Ritchie, Michael Jackson e até do Mili Vanili (tudo bem que eles foram uma falcatrua, mas eram legais!) ao final daquela década. Ainda ao final dos anos 80, recém saído do ensino fundamental, tive meus primeiros contatos com o hip hop. Irmãos Metralhas, Thaide e DJ Hum e, alguns anos depois, Racionais. Nas terras do Tio Sam Public Enemy, KRS-One, Ice T e NWA levavam o rap a um nível mais politizado e podia-se identificar as primeiras manifestações do estilo que viria a ser tornar internacionalmente conhecido como gangsta rap. Para saber das novidades bastava ler a Bizz (revista mensal de música pop), já que não havia internet). Bons tempos! Ainda dava para curtir o primeiro disco do Ed Mota (numa época que ele não era tão fresco e se preocupava mais com a música do que com vinhos) cantando Manoel e dizendo que “se eu fosse americano minha vida não seria assim”. Será mesmo?! *rs*

Entre a negrada por aqui (não só, mas majoritariamente!) existe uma espécie de hábito de ouvir som alto no carro. Dias desses atrás estava parado em frente à janela do meu apartamento no Harlem e subitamente senti o prédio vibrar (não estou brincando!). Segundos depois entendi por que... Um Jeep, com duas figuras dentro, parou momentaneamente em frente ao prédio com a música tão alta que a mesma fazia minha sala vibrar devido ao eco. Por incrível que pareça, a música não distorcia (o que comprova que a qualidade do som e da instalação eram boas), mas era extremamente exagerada. Depois de um tempo perambulando pelo bairro percebi que isso era comum. Todo mundo dirige curtindo um sonzinho e cantando junto.

Ainda falando de música, algo que realmente não posso reclamar é das rádios e canais de TV especializados em música negra (leia-se R&B, soul, neo soul, rap, reggae, reggaeton dentre outros ritmos). Um dos canais que mais tenho gostado é do VH1 Soul. Um dos programas me fez lembrar do Insônia, clássico programa que rolava na MTV Brasil dos anos 90 durante a madrugada e que exibia muito R&B e soul (tanto clássico como do mais recente). Dêem uma olhada em:
http://www.vh1.com/channels/vh1_soul/channel.jhtml

Aliás, recomendo o vídeo de uma mina chamada Jazzmine Sullivan cuja canção intitula-se “Need U Bad”: http://www.youtube.com/watch?v=KHV5PyPiFjg Não sei quanto ao Brasil, mas aqui a fulana tá bombando ao fazer uma espécie de crossover entre reggae e soul. Caso não esteja enganado, ela foi produzida por nada mais nada menos que a rapper Missy Elliot que faz um "featuring" no clipe. Bem lôco!

Depois escrevo mais... O próximo tópico: Starbucks Coffee!

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Hip Hop com barriga de cerveja!


Alguns amigos reclamaram e por esse motivo resolvi mudar o layout do blog. Espero que assim fique mais agradável e menos cansativo de ler as besteiras que escrevo aqui. Aos que tem deixado comentários, críticas e xingamentos, agradeço de coração e prometo responder individualmente em breve.

Na quarta-feira passada (13/8) fui ao meu primeiro hip hop concert aqui em NYC. É verão e nessa época do ano ocorre uma série de shows ao ar livre em praças, parques e boulevares da cidade toda. O evento que compareci chama-se Charlie Parker Festival e reúne artistas de jazz, hip hop e R&B em shows que tiveram início em julho e se estenderão até final de agosto. Fiquei puto de saber que perdi as apresentações de KRS-One e Brand Nubian os quais fizeram suas performances no mês passado, mas, como consolo, pude assistir o show de Slick Rick (rapper amigao ai da foto) nessa noite e na semana que vem (21/8) vou ver a performance de Rahsaam Patterson (cantor de R&B).

Minhas impressões do evento foram um misto de estranhamento com ataques de riso. Para começar ninguém toma nada além de sucos, refrigerantes e água nesses eventos a céu aberto, já que é proibido beber em público por aqui. Aliás, minha aventura de andar na rua tomando cerveja no paper brown bag foi a primeira e última. Raphael Neves (amigo meu doutorando em ciência política na New School e morador da Big Apple desde 2006) me alertou que depois de 2001 – devido aos ataques de 11 de setembro – foi baixada uma lei (algum Act number something) que permite aos policiais (caso achem necessário) exigir que você abra o seu querido saquinho pardo mostrando o seu interior. No caso de evidência do consumo de bebida alcoólica, fodeu... Multa ou até mesmo prisão! Raphael me disse que uma amiga dele se deu mal por andar de bicicleta na calçada (o que é proibido, pois há uma faixa na rua só para bikers). A garota foi parada por um policial que anotou o seu nome e endereço. Dias depois ela foi intimada para uma audiência com o juiz que lhe aplicou uma multa de US$ 200. Portanto, caso venham para cá, nada de andar de bicicleta na calçada ou beber cerveja na rua! Ainda bem que eu cheguei nos EUA depois da minha fase rebelde (época em que jogava garrafas vazias de cerveja long neck na porta de entrada de clubes), pois senão provavelmente seria autuado por transgredir alguma lei. Alias, elas sao tantas, e mudam de um estado para outro, que fica quase impossível viver a vida toda nessa sociedade sem fazer alguma coisa “errada”.

Pois bem, voltando ao show, talvez a melhor frase que resuma o mesmo é: “o hip hop criou barriga de cerveja”. Explico-me. Slick Rick é um artista da chamada “old school” do hip hop. Seu apogeu foi nos anos oitenta com canções como Children’s Story, Mona Lisa e La Di Da Di. Sendo assim, era de se esperar que seu show fosse freqüentado por uma galera que já está acima dos 35 anos e por pouco(a)s garoto(a)s de 15 a 25 anos cuja as referências em matéria de música negra são o estilo dirty south e artistas do naipe de 50 Cent e Chris Brown. Aliás, ele próprio, Rick, já tem 43 aninhos. Agora, feche os olhos e imagine um show de rap com uns tiozões e tiazonas na faixa dos quarenta anos já meio gordinhos calçando tênis, vestindo bermudas e calças largas, camisetas over size e bonés de times de beisebol, basquetebol e futebol americano? Pois é, esse era o cenário da paradinha. Toda essa galera não se deixava intimidar pela idade e balançava a pança (já bem gradinha!) e cantava animadamente as músicas do rapper quarentão. No Brasil, mais especificamente em São Paulo, essa cena seria difícil de ver porque são poucos os trutas que chegam aos quarenta anos e continuam curtindo e se vestindo como hip hopers. Mas aqui o barato (hip hop) é como se fosse uma espécie de samba da negrada. Lembra do Martinho, “na minha casa todo mundo é bamba/todo mundo bebe todo mundo samba”.

Nada de novo na apresentação de Rick. Shows de rap tem um padrão que todo mundo já conhece. Primeiro um DJ faz um espécie de “esquenta” tocando uma seleção de músicas que vão de sucessos antigos até os hits do momento, depois entra um apresentador meio palhaço que fala um monte de asneira preparando o público para a atração principal que vem logo em seguida fazendo um show que não passa de uma hora. O de Rick seguiu esse formato e o cara segurou o público devido ao seu carisma. Lá estavam os clássicos gritos: say hoooo... go Slick Rick go Slick Rick go!... say hip hop... Fim de balada: meu tênis apertado machuca meus pés, estou com sede e quero uma cerveja gelada, mas vou ter que me contentar com um suco. O puritanismo desse país ainda vai me matar mesmo eu estando em NYC e não em Ohio!

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

And the life goes on...

Ok, vamos lá! Mais um dia na América, pois vocês sabem que para os norte americanos América significa América do Norte. O resto, Central America ou Latin America, não são Américas de verdade (ou praticamente não existem). Então quando eles dizem “God bless the America” saibam que estamos fora das bênçãos. Passei o dia todo respondendo e-mails e assistindo TV (já que eu já era um couch potato – termo para quem fica o dia e noite sentado na frente da televisão assistindo e comendo porcarias – mesmo antes de vir para esse país). Pois é, responder e-mails toma tempo, mas é divertido. Vir para cá e mandar mensagens coletivas convidando para bota foras, festas e enviando relatos de viagem me colocou em contato com várias pessoas que não via (vejo) a “miliano”.

Well, vocês devem estar curiosos para saber por que não é possível beber em Stamford aos domingos, não?! Confesso que exagerei um pouquinho, mas o que acontece é que os supermercados aqui vendem bebida alcoólica até determinada hora da tarde dominical, mais exatamente às 5 horas. Depois a seção de bebidas do estabelecimento é literalmente fechada. Descobri essa maravilha ao fazer compras com Dionne na noite de domingo quando animadamente disse que iria comprar umas brejas para beber durante o jantar. Semana que vem vou tirar uma foto da seção de bebidas fechada e colocar aqui. Bizarro!

Continuando a falar de cachaça, ontem tive minha primeira experiência com a chamada brown paper bag. Depois de andar como um louco à toa para “tentar” solucionar um problema no International Student Service da New School resolvi relaxar um pouco. Entrei numa espécie de restaurante e lanchonete e fui à seção de bebidas. Comprei uma Corona e me dirigi ao caixa. Ao pagar fui automaticamente presenteado pelo atendente com uma sacolinha de papel pardo no tamanho de uma garrafa long neck. Perguntei ao cara que me atendia se poderia beber a cerveja ali (ciente de que não seria uma boa idéia sair bebendo o bagulho na rua) e ele respondeu que sim. Contudo, subitamente senti vontade de desafiar o perigo e segui em frente: pus a garrafa na sacolinha de papel pardo e sai na Fifth Avenue. Ao pisar da calçada comecei a sentir os olhares reprovadores e alguns até assustados, mas como eu sou brasileiro e não desisto nunca, continuei firme e forte bebendo minha cerveja mexicana dentro do saquinho pardo. A certa altura me lembrei de um dos personagens do clássico hood movie do Hughes Brothers "Menace to the society" (1993), ou seja, um “young (in my case not so young!) Black male who doesn’t give a damn about America”. Segundo o que sei, essa parada do brown paper bag é um misto de resquício da lei seca com as velhas leis que preservam a liberdade individual. Ou seja, em muitas cidades não é permitido beber na rua, contudo, o saquinho resolve o seu problema já que com ele ninguém vê o que você está bebendo. Achou ridículo ou hipócrita? Pois é, mas funciona! *rs*

A propósito, o meu grande amigo e conterraneo Professor Doutor Ari Brito, atualmente lecionando filosofia na Universidade Federal do Mato Grosso, ao ler meu relato etnográfico sobre o Harlem corrigiu-me dizendo que os carros pretos que por lá circulam não são exatamente taxi cabs, mas carros de aluguel. Arizão, para tirar a dúvida farei uma corrida e entrevistarei o motorista, se tem uma coisa que os meus amigos antropólogos me ensinaram é que sempre devemos dar voz aos nativos! *rs*

Comprar, comprar e comprar! Comer, comer e comer! That’s the American culture! Mas vou ser bem sincero: os caras sabem como comprar e comer! Simpatizantes da cultura hip hop e adoradores de tênis estão em casa aqui. Os pares de tênis custam muito mais em conta do que no Brasil. Um bom tênis para correr sai por uns US$ 35 (uns R$ 56) e um par de botas Timberland, que no Brasil deve custar por volta de R$ 300, aqui sai por US$ 80 (uns R$ 128). Um Air Force 1 (tênis que se tornou um clássico dentro da cultura hip hop e voltou com força total nos últimos anos) custa por volta de US$ 60 (uns R$ 96)...

Pause: nesse exato momento, enquanto escrevo, estou assistindo o programa da Tyra Banks (aquela ex-modelo negra linda!) onde ocorre uma discussão sobre as diferenças de tratamento dado as mulheres negras de pele clara e escura ou, em termos americanos, light skinned women e dark skinned women. Nem preciso dizer que algumas das mais claras nem seriam consideradas negras no Brasil! *rs* Basicamente o programa segue o formato de um culto evangélico onde todo mundo dá testemunhos a respeito do assunto tratado no programa e o apresentador age como se fosse um pastor estimulando as pessoas a falar. Hoje a discussão é sobre as vantagens que mulheres negras de pele clara têm em relação às de pele escura. Nada muito novo! Quem assistiu Jungle Fever (Febre na Selva) do Spike Lee sabe do que estou falando. Contudo, esses temas sempre criam polêmica na comunidade afro-americana e, mais importante, dão audiência a esses programas de TV claramente dirigidos a esse grupo racial. Todo mundo se emociona, chora e ri! Pause... Divertido, agora começou o testemunho dos homens. Um deles disse que prefere as negras mais escuras por que são mais fáceis de se abordar na balada e o outro disse que prefere as mais claras por que gosta de mulheres com cabelo comprido! Hilário! Okay, agora uma mina negra clara (que é tão clara que é considerada branca até nos padrões americanos) está contando sobre suas experiências, inclusive com os brancos que, segundos ela, muitos dos quais acham que ela é uma “white girl trying behaving as a black girl”. Funny! Black people is the same thing around the world. Depois escrevo mais, agora vou tentar correr um pouquinho para perder a barriga de chopp...

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Digable Planets

Pra quem não sabe a foto aí do lado é do grupo Digable Planets, um dos pioneiros (assim como o Gangstar) da mistura de jazz e hip-hop. Eles ganharam um Grammy em 1993 com o primeiro álbum que emplacou o hit Rebirth of Slick (Cool Like Dat). O segundo álbum "Blowout comb" e uma obra prima, mas infelizmente o grupo acabou logo após o lancamento do mesmo. Gosto de ouvir quando ando por NYC, hip-hop from the golden era!

Curta o vídeo do Digable abaixo!









Digable Planets - Rebirth Of Slick Cool Like Dat - Music Video via Noolmusic.com

USA: first impressions...

Mensagem coletiva em forma de etnografia! Cheguei no aeroporto JFK numa tarde quente de sexta-feira. O sol aqui nessa epoca nao se põe antes das 20 horas devido ao horário de verão. O vôo havia sido tranqüilo apesar do meu cagaço em ficar nove horas acima das nuvens e sobrevoando o oceano Atlântico. No geral, a tensão maior fica sempre para a decolagem e o pouso. Contudo (talvez não devesse usar esse advérbio *rs*), tudo correu bem mesmo voando de TAM. O JFK fica longe do centro de NYC, então esqueça toda aquela baboseira de ver a Estátua da Liberdade do alto como é possível fazer com o Cristo no Rio. O máximo que você vê é um monte de casas e carros passando embaixo de você. No avião tive a companhia de uma senhora (Zilda Aparecida Lanzoni, lembro do nome porque preenchi os papéis de entrada nos EUA dela) na casa dos sessenta anos moradora de Nova Odessa (interior de SP) que estava indo visitar o filho bem sucedido (formado em engenharia na Unicamp e com mestrado nos EUA) em New Hampton. A minha frente sentou um casal que descobri serem conterrâneos meus, ou seja, moradores de Limeira (SP). Recém casados, os dois estavam indo passar a lua de mel nos EUA. Acho que Paris e Poços de Caldas não encantam mais os pombinhos, assim como a frase “quando foi a primeira que viu Paris” já não se aplica a maneira de perguntar as mulheres quando se perdeu a virgindade.

Os caras da Immigration Service são mal encarados e se encaixam perfeitamente no que se vê nos filmes que assistimos na TV, especialmente quando param de trabalhar e começam a tomar café (o horrível café americano!) no copos branquinhos estilo Starbucks. Os negros parecem ser mais simpáticos, mas não fui entrevistado por um para ter certeza. O cara que revisou meus documentos parecia ser descendente de italianos pelo sobrenome (Di Nicola) e foi seco e direto: “what are you in US for?”, “how long will you stay here?”. Perguntas diretas pedem respostas diretas, então, fui o mais sintético possível e nada de gracinhas ou perguntas pessoais como aconteceu no consulado americano em SP (alguns de vocês sabem do que estou falando). Felizmente, nada aconteceu comigo e não fui deportado de volta para o Brasil e nem mandado para Guantanamo para conhecer Cuba em território americano.

Welcome to USA! Big cars, big business, big money and no big buts, specially if you’re talking about white women! Minhas primeiras semanas aqui serão num bairro de subúrbio de Stamford (CT), cidade localizada a 30 minutos de carro de NYC. O lugar parece o cenário de Desperate Housewives: casinhas bonitas com carrões estacionados na frente e gramados com cercas brancas que lembram algo quase bucólico. Ninguém vai a lugar algum a pé, afinal, o carro é a maior invenção dos últimos 110 anos. Andar na rua é uma sensação estranha, já que a mesma fica vazia mesmo se tratando de uma tarde de domingo. Hoje fui até o supermercado comprar manteiga e tentar um café decente no Starbucks, na volta conversei com uma senhora cujo cachorro latia pra mim como louco. Disse a ela que o cachorro estava bravo e ela respondeu que ele era chato mesmo. Detalhe: os moradores de Connecticut são bastante amáveis e sempre se mostram abertos a perguntas e comentários respondendo até com piadas.

Ontem fui a NYC conhecer o apartamento onde vou morar no Harlem. Bem, o local é bem aquilo que vemos nos filmes: negraiada pra todo lado! Mas não se engane: o bairro vive um processo visível de gentrification (resumidamente como se chama o processo de valorizacao de areas antes vistas como deterioradas conjuntamente a expulsao dos moradores pobres e vinda dos mais ricos com uma serie de servicos) e já é possível ver caras pálidas (meus amigos brancos não fiquem bravos com a expressão) pelo local que nada mais são do que os novos moradores. Também já há prédios que foram comprados por personalidades como Bill Clinton, Jay Z e Magic Jhonson e estão sendo reformados criando um contraste entre o velho (pobre) e o novo (rico) na região. Também, pudera: o Harlem está localizado em Manhattan, a região mais valorizado de NYC, mas o valor dos aluguéis e das propriedades é muito mais baixo do que outras partes da ilha. Mas o Harlem é o velho Harlem ainda e a riqueza e pobreza vivem conjuntamente. É possível ver mendingos em cadeiras de rodas ou empurrando carrinhos de supermercado perto de alguns brownstones (tipo de prédio residencial de dois andares todo marrom e com aquelas escadinhas bonitas na entrada) em ruas tranqüilas onde vivem arquitetos, médicos e executivos negros que compraram suas novas casas por algo em torno de um milhão de dólares. O clima do lugar é agradável e as pessoas são bem amáveis! Há muitos idosos e alguns (na quase totalidade homens) caminham pelas ruas com um ar debillitado efeito de algum tipo de bebida (lembrei de Flávio quando me disse que nos EUA você não vê as pessoas bebendo, mas as vê bêbadas! *rs*). Nas calçadas pode se comprar de tudo relacionada a negritude do primeiro mundo: roupas da moda hip hop, CDs, óleos de todos os tipos, para os mais diversos fins e originários de várias partes da África e do Caribe, bolsas e roupas com temas africanos, salões de cabeleireiros para as mulheres e barbershops para os homens (afinal, o que seria da negrada sem um salãozinho para dar um tapa no belo), restaurantes servindo comida jamaicana ou soul food, igrejas e as casas funerárias que são um tipo triste de tradição do bairro (Dionne me explicou que na época de muita violência no bairro as casas funerárias eram um modo das famílias ganharem uma grana tendo um negócio próprio e legal). É incrível como as pessoas ocupam as ruas sendo que as concentrações maiores se dão em lugares como as liquor stores (lojas de bebidas) onde uma porção de vagabundos ficam hanging out na frente. É tradição também ter um tipo de sofá ou cadeira na calçada no quais jovens e velhos (todos homens) ficam observando o movimento da rua de maneira confortável. Vou morar na 153 West 117th Street - NYC (va em: http://maps.google.com/ e jogue o endereco que voce ve a parada com direito a foto), há dez minutos a pé da estação de trem e mais dez minutos a pé distante do Central Park. Okay, mas se vierem na minha casa e chegarem tarde (depois de anoitecer), não vacilem e peguem um taxi cab que no Harlem não são amarelinhos como no resto da cidade, mas pretos. Isso também é uma tradição no bairro, já que a maioria dos motoristas de táxi se recusavam a fazer corridas até o bairro com medo de serem assaltados ou mesmo mortos, algo que fez com que os moradores locais criassem seu próprio serviço de táxis. Enfim, é impossível ir ao Harlem e não ficar pensando em lugares como Pelourinho em Salvador ou o centro velho de SP, locais onde a memória e experiência negra se faz presente de modo diferente e similar.

Caminhei da rua de minha nova casa até o Central Park e dali peguei a Fifth Avenue que e uma espécie de Jardins da cidade em direção a Times Square. Nem preciso dizer que a paisagem muda de maneira significativa. Os rostos negros vão desaparecendo e as ruas tomam um aspecto de melhor cuidadas com calçadas cheias de jardins bem tratados. Os porteiros vestem uniformes elegantes e os prédios que são residenciais (mas comerciais também) exibem placas que identificam os médicos (com MDs, medical doctors) e advogados que ali atendem. Passei em frente ao Gugenheim Museum e o Metropolitam Museum até chegar na 25 de Março do primeiro mundo (Times Square) com suas lojas Gucci, Louis Vuitton, Prada entre outras. Os turistas (tanto americanos como estrangeiros) tomam conta do lugar e é difícil caminhar pelas calçadas. Um nova-iorquino evita essa região da cidade e agora entendo o porquê. Depois de comer frango no BBQs e tomar duas Coronas (cerveja mexicana que rappers como Snoop Dog adoram!) fui para a Grand Central Station onde peguei o trem de volta para Stamford (CT). Ele estava marcado para as 10:22 e saiu exatamente nesse horário. Incrivel! NYC, a SP que funciona!

Depois escrevo mais e explicarei porque não dá para beber aos domingos em Stamford... Pensar que vocês aí no Brasil estão reclamando da lei seca no trânsito! *rs*