sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Baloji, Pensamentos, Van Peebles e Basquiat...

Ando meio cansado e de saco cheio. Na última terça-feira fui ao Harlem jantar e assistir ao show do rapper Baloji (congolês radicado na Bélgica exposto na foto abaixo) bem no meio de uma tempestade de neve e foi relativamente divertido. Baloji sounds fresh numa cena hip-hop que está ficando cada vez mais ridícula (leia texto de minha Valerie Ellois sobre ele AQUI). Talvez eu esteja me tornando tiozão (o que tem o seu lado positivo também!) e antiquado com meus pares de All Star, mas ando meio sem saco para as frescuras de artistas que querem ser mais celebridades do que músicos de fato. Porém, isso é conversa para outro post, talvez para quando eu finalmente criar coragem (e estômago!) para fazer uma resenha do último álbum de Mister Kanye "Mala" West, maybe...
 
By the way, estou trabalhando em dois posts (um sobre os livros que li ano passado e outro sobre canções de amor no hip-hop) que estão ficando absurdamente longos e tenho idéias para outros "trocentos", mas cada texto que escrevo aqui envolve um mínimo de pesquisa e ocupa o meu tempo de forma absurda. Mas é esse o preço que se paga quando se busca fazer um blog que não seja mera reprodução (ou control V control C) de notícias publicadas em outros lugares, que não se mantenha focado na vida daquele que escreve o blog (a minha não daria mais do que dois posts), que não seja voltado para apenas um tópico/tema (rap, por exemplo!) e que seja minimamente bem escrito. Esses são problemas que me afastam de ler outros blogs, porque muitos não apresentam nada de novo. Well, já apresentei minhas impressões sobre a prática de blogar num post antigo (leia AQUI ). Vamos falar sobre o que me trouxe ao blog hoje: documentários.

Devido a minha renite, o frio e o cansaço por conta do final de semestre devo ter assistido uns 30 filmes via NetFlix nas últimas duas semanas. A maioria foi blaxploitation farofa dos anos 1970 com os quais dei várias risadas vendo a negrada dando tiro, lutando kung fu e karatê, fazendo piadas ridículas e admirando beldades pretas como Pam Grier, Tamara Dobson e Gloria Hendry semi-nuas. Também assisti vários documentários sobre os quais falarei aos poucos. O primeiro é um documentário de 2005 sobre a vida de Melvin Van Peebles (foto acima) intitulado How to Eat Watermelon in White Company (and Enjoy It) e dirigido por Joe Angio. O filme acompanha a trajetória de Peebles, uma das figuras mais emblemáticas das artes afro-americanas. Estudante brilhante e jovem oriundo de classe média, Peebles entrou para a força aérea norte-americana treze dias depois de concluir sua graduação na Ohio Wesleyan University. Após atuar três anos e meio como piloto, se desligou da forças armadas e casou-se com uma alemã indo morar no México. Algum tempo depois, mudou-se para San Francisco onde foi trabalhar como condutor de bondes e escreveu um livro sobre o cotidiano do bonde que lhe rendeu algum sucesso e notoriedade, mas lhe custou o emprego.
 
Novamente solteiro, Peebles aportou em Paris no início dos anos 1960, cidade que desde o início do século XX foi visto como refúgio para artistas e intelectuais norte-americanos que tinham um posicionamento crítico em relação aos EUA. A capital francesa também teve uma relação próxima e positiva com ilustres afro-americanos, pois o ambiente francês era visto como menos racista e mais tolerante do que o norte-americano além das manifestações culturais afro-americanas, como o jazz, terem sido sempre celebradas vivamente na cidade. Por lá passaram ou moraram os escritores James Baldwin, Richard Wright e Chester Himes, a dançarina, atriz e cantora Josephine Baker além de vários músicos de jazz como Miles Davis, John Coltrane e outros. Na França Peebles se ligou a uma revista de esquerda e pouco tempo depois de chegar ao país sem dominar francês, tornou-se escritor e lançou vários romances na língua local. Após algum tempo teve sua primeira experiência cinematográfica dirigindo um filme contando a história de um soldado negro americano que se envolve com uma francesa. O filme teve repercussão nos EUA e Peebles foi convidado a participar de uma mostra de filmes voltando para a sua terra natal como um desconhecido ilustre que poucos sabiam que era americano. Nos EUA o diretor foi convidado a trabalhar em Hollywood onde filmou Watermelon Man (1970), filme baseado no livro de Herman Raucher intitulado The Night the Sun Came Out on Happy Hollow Lane cuja história descreve a experiência de um branco racista vendedor de seguros que acorda negro numa manhã.
 

Contudo, apesar de já gozar de certa notoriedade no meio cinematográfico, foi um filme independente de 1971 que tornou Peebles popular e conhecido: Sweet Sweetback's Baadasssss Song. A película foi produzida com recursos do próprio diretor e outra parte (US$ 50 mil) emprestada do ator Bill Cosby, utilizou atores que não receberam quase nada para atuarem e a edição/montagem foi realizada pelo próprio Peebles que quase ficou cego no processo. O diretor ainda atuou como personagem principal e enfrentou barreiras burocráticas para lançar o filme que foi classificado na mesma categoria de filmes pornográficos devido as cenas de sexo e conteúdo polêmico o que, junto com outras questões, fez com que a maior parte dos cinemas se recusassem a exibi-lo.  Mesmo assim o longa de Peebles estourou, em muito devido a aprovação do seu conteúdo pelos Black Panthers que o viram como um resumo de sua ideologia, e fez a maior bilheteria de um filme independente nos EUA lucrando US$ 10 milhões à época. O filme conta a história de um cafetão negro perseguido pela polícia após matar, com as próprias algemas, dois policiais que espancavam um jovem negro na sua presença. A história é repleta de uma iconografia vista como subversiva e transgressora a época, pois negros são vistos em papéis que exageram estereótipos aos quais estava submetidos, exemplo disso pode ser visto na forma como a sexualidade é retratada no filme. Ao mesmo tempo, o filme coloca no centro da trama um negro que atua desafiadoramente na tela agredindo policiais e fazendo sexo com mulheres brancas. Sweet foi o filme que forjou a fórmula utilizada pelos filmes blaxploitation mais comerciais dos anos 1970 como Shaft (1971), Super Fly (1972) Cleopatra Jones (1973), Foxy Brown (1974) dentre outros. Após Sweet Peebles escreveu peças de teatro, gravou discos de canto falado na mesma linha de Gil Scott-Heron e foi até mesmo corretor de seguros na bolsa de New York. Todas as histórias descritas acima são contadas detalhadamente por amig@s, filh@s, personalidades que foram influenciadas por suas idéias ou obra como o cineasta Spike Lee e outros no documentário de Joe Angio cujo o trailer segue logo abaixo.



Outra personalidade importante e icônica para o mundo artístico afro-americano é o pintor Jean-Michel Basquiat (1960-1988). O documentário Jean-Michel Basquiat: The Radiant Child lançado ano passado e dirigido por Tamra Davis tem uma história bastante peculiar. O centro do filme é uma entrevista gravada pela diretora com o pintor em 1986, dois anos antes de sua morte. Intercalando a fala de Basquiat nessa entrevista com entrevistas realizadas com amig@s, ex-namoradas, artistas, historiadores e curadores de arte que trabalharam com o artista, Tamra consegue expor a complexidade da curta vida daquele que hoje é entendido como um dos grande artistas contemporâneos das artes plásticas.

Basquiat era filho de imigrantes emergindo a posição de classe média negra de New York e que moravam no Brooklyn. Seu pai era de origem haitiana e trabalhava como contador enquanto a mãe era uma dona de casa porto riquenha que levava Basquiat a museus e exposições de arte desde de quando o garoto tinha 3 anos de idade. A formação do pintor foi auto-didata, absorvendo o ambiente familiar intelectualizado que os pais ofereciam. No final dos anos 1970, ainda adolescente, Basquiat saiu de casa indo morar na ruas e tornando-se um frequentador do Village e arredores, região que concentra uma série de espaços culturais,  intelectuais e artísticos como a New York University, o SoHo além dos bares, cafés, clubes e inferninhos ponto de encontro de artistas underground e intelectuais alternativos. Nessa época Basquiat fez fama como pixador e cunhou o termo S.A.M.O (same old shit) que era rabiscado em vários lugares ao lado de outras mensagens e referências.  Basquiat fez ainda parte de uma banda, na qual tocava clarinete e passou a vender cartões postais que continham desenhos seus com mensagens abstratas. Um desses cartões foi vendido certa ao artista pop Andy Warhol (1928-1987) com o qual desenvolveria uma amizade até a morte desse último. A cidade de NYC vivia um momento de transição no final dos anos 1970 e com uma crise econômica e fiscal afetando o município, era possível viver de forma barata e/ou alternativa em Manhattan presenciando as novas linguagens que surgiam à época com a cena punk,  o hip-hop e a nova produção de artistas alternativos que ainda possuíam seus atelies em lofts situados no SoHo.

Basquiat foi estimulado a pintar por amigos e não demorou para que seus quadros começassem a ser valorizados no mercado de arte. Em pouco tempo, o jovem classe mediano que vivia como mendigo pelas ruas do Village e bancos da Washington Square circulava por galerias de arte e viajava para a Europa abrindo exposições com seus quadros. E ele trabalhou de forma compulsiva. Mesmo que se sua carreira artística tenha sido curta (em torno de 7 anos), Basquiat produziu mais de 2000 obras entre pinturas e desenhos.  Entretanto, mesmo para os anos 1980, o pintor do Brooklyn ainda era uma novidade exótica: negro, sofisticado, crítico, irônico, auto-didata, e avant-garde. Essa mistura bombástica tinhas seus prós e contras e mesmo que se seus quadros significassem o futuro das artes plásticas, despontando para uma proposta que hoje pode ser chamada de neo-expressionista, sua antecipação o fazia pouco entendido e aceito nos círculos mais mainstream de arte. Esse fato incomodava o pintor e depois de algum tempo, principalmente após a morte do amigo Warhol em 1987, passou a significar um problema que afetou psicologicamente o artista. Basquiat sentia-se pressionado a produzir e cada quadro deveria ser um masterpiece, desconfiado d@s nov@s "amig@s" que o cercaram após o sucesso e, de certa forma, sufocado pelo ambiente social novaiorquino. Assim sendo, as drogas (especialmente heroína), que sempre foram algo comum na vida do artista, passaram a cumprir um papel de refúgio e, ao mesmo tempo, forneciam uma forma de inspiração. O resultado foi uma morte de overdose em 12 de agosto de 1988, quando ainda contava com apenas 27 anos. O documentário de Davis lança luz sobre a trajetória de Basquiat e os dilemas que o artista teve que enfrentar em sua curta e ao mesmo tempo profícua carreira artística. Assista o trailer do documentário logo abaixo.

Muita Paz!