quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Livros Livros 2014



2015 já está acontecendo há algumas semanas, mas continuo ainda pensando em 2014. Êta "aninhus" difícil, viu! Muito trabalho e estresse; pouco dinheiro e diversão. Por outro lado, devo confessar que os 12 meses de 2014 renderam bastante em termos de leitura. Entre mortos, feridos e desaparecidos li em torno de 18 a 20 livros. Abaixo uma seleção dos 11 que mais apreciei seguindo a ordem em que eles caíram nas mãos do papai aqui. Nas próximas semanas tentarei resenhar alguns deles (se Cronus permitir, obviamente!).

1- A Mulher Trêmula ou Uma História dos Meus Nervos. Siri Hustvedt. São Paulo. Companhia das Letras. 2011. 204 páginas.

2- Indignação. Philip Roth. São Paulo. Companhia das Letras. 2009. 171 páginas.

3- Todos os poemas. Paul Auster. São Paulo. Companhia das Letras. 2013. 349 páginas.

5- Verão. J. M. Coetzee. São Paulo. Companhia das Letras. 2010. 275 páginas.

6- Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro. Edições Graal. 1983. 88 páginas.

7- The thing around your neck. Chimamanda Ngozi Adiche. Anchor Books. 2010. 217 pages.

8-  As ilusões armadas: a  ditadura envergonhada. Elio Gaspari. São Paulo. Companhia das Letras. 2002. 417 páginas.

9- Os caminhos de Mandela: lições de vida, amor e coragem. Richard Stengel. São Paulo. Editora Globo. 237 páginas.

10- Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Hannah Arendt. São Paulo. Companhia das Letras. 1999. 336 páginas.

11- As ilusões armadas: a ditadura escancarada. Elio Gaspari. São Paulo. Companhia das Letras. 2002. 507 páginas.

Muita Paz, Muito Amor!

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Analisando 2014, Focando 2015


Anos atrás assistia a uma aula de meu professor preferido na New School e qual foi minha surpresa quando, no processo de explicar algo, ele me citou. Disse que em um outro curso seu semestres antes eu havia dito algo que ele achara interessante, alguma coisa como "a vida real é um texto que escrevemos sem direito a rascunho ou revisão". Bem, não lembro de quando disse isso na aula de meu professor e se algum dia o fiz de fato. Porém, isso me veio à cabeça hoje ao sentar para escrever o primeiro post do blog de 2015. Explico-me.

Busquei no meu iPad os mal afamados objetivos para o ano que escrevemos sempre na primeira ou nas primeiras semanas de janeiro. Achei a bagaça e fiquei impressionado com a quantidade: 23. Listei de tudo, coisas estúpidas e outras bastante importantes. Fechei a conta do ano com mais da metade (13) de meus objetivos para 2014 na mesma enquanto 7 foram cumpridos pela metade e 3 foram efetivados. Mas pera lá... Esse foi um ano difícil pra caralho! Foi o ano do 7 a 1 numa copa em casa, da eleição presidencial mais disputada das últimas décadas (muita gente perdeu até amigxs por conta dela) e, no meu caso, de um doloroso pé na bunda de alguém que ainda amo. Paciência!

Mas foquemos nas conquistas: sai do "exército industrial de reserva" (arrumei emprego), me rendi a Freud e Lacan (comecei a fazer análise) e sobrevivi por dois semestres a uma carga horária semanal de 26 aulas sem ficar louco, bater em alunxs ou perder a voz. Ainda consegui me desvincular um pouco do meu C.P. Time (cheguei menos atrasado em meus compromissos), escrevi coisas novas, fiz novas e boas amizades (reatei algumas perdidas), voltei a atuar na vida acadêmica no Brasil graças a algumas parcerias, quase esqueci que existe uma "coisa" chamada Facebook e não sou mais viciado em iMessages, FaceTimes, WhatsApps ou qualquer outra merda tecnológica.

Sendo assim, meus objetivos para 2015 serão 23 menos 3. Ou seja, manterei os mesmos que estabeleci para 2014 tirando aqueles que foram cumpridos. Na lista há ainda espaço para substituições (já disse que na lista havia "coisas estúpidas e outras bastante importantes") e provavelmente farei isso. Contudo, o importante é se conduzir pela máxima que o saudoso líder sulafricano Nelson Mandela tinha para si em suas ações: pensar a longo prazo.

Pode vir 2015. A vida é um texto que se escreve sem direito a rascunho ou revisão, mas algumas diretrizes não fazem mal a ninguém.

Muita Paz, Muito Amor! 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Seminário Economia Criativa - "Gestão dos Festivais de Arte Negra"


domingo, 2 de novembro de 2014

Ciclo Centenário Abdias do Nascimento

-->


I 08/11, Sábado, 14h às 17h na Biblioteca Mário de Andrade

Mesa redonda “O QUILOMBISMO DE ABDIAS NASCIMENTO”

“Abdias, rumos e legado mundial”, com Márcio Macedo (sociólogo e pesquisador da obra e contextos de Abdias do Nascimento) “Letra mocambola no palco, no livro, no senado”, com Éle Semóg/RJ (poeta, ex-assessor e biógrafo de Abdias do Nascimento)

II – 15/11, Sábado, 14h às 17h no Teatro Studio 184/Heleny Guariba ou SP Escola de Teatro

Debate “AINDA DRAMAS PARA NEGROS, PRÓLOGO PARA BRANCOS? ESTÉTICAS DA QUILOMBAGEM ONTEM E HOJE”

Intervenções teatrais com trechos das peças “Sortilégio”, “Aruanda” e “O Filho Pródigo”, com Jairo Pereira Mesa-redonda: “ Engenharias do Teatro Experimental do Negro”, com Daniela Rosa (mestre pela UNICAMP, pesquisadora da história do Teatro Experimental do Negro) “Sortilégio: a caneta e a pele de Abdias”, com Christian Moura (Doutorando em Artes cênicas, pesquisador da obra de Abdias do Nascimento) “Cena negra. Estéticas da Luta”, com Angelo Flávio (Ator, diretor da Cia Teatral Abdias Nascimento/BA)

III – 22/11, Sábado, 15h às 17h30 na sede do Ilu Obá de Min

Projeção do filme “O Dia de Jerusa”, de Viviane Ferreira

Mesa Redonda: DIÁSPORAS AFRICANAS: ESTILO E PELEJA DE ABDIAS DO NASCIMENTO

“Cinema negro, estética e contradições”, com Viviane Ferreira (cineasta),  “Expressões e chamas da arte preta”, com Salloma Sallomão ( professor, músico e pesquisador das culturas africanas e afro-brasileiras) e “Imagens e performances do teatro negro” com Evani Tavares/BA (atriz, doutora pela Unicamp sobre as obras do TEN e do Bando de Teatro Olodum)

Oficina ( das 18h30 às 20h) “ Ritmos e Poesia com Abdias – aguerês, alujás e orikis”, com Beth Belli (Fundadora e mestra do Ilu Obá de Min) & Allan da Rosa

IV – 26/11, Quarta-feira na Ocupação São João

Oficina: 15h a 18h “Tecido e pintura – Criando com as Artes visuais de Abdias”, com Renata Felinto

Biblioteca Mário de Andrade, das 19 às 22h
Projeção do filme “As estátuas também morrem”, de Alain Resnais (França, 1953) Mesa-redonda: “A PINTURA EM POESIA. DETALHES DA COR DE ABDIAS NASCIMENTO” Com Renata Felinto (artista plástica e pesquisadora) & Claudinei Ferreira (artista plástico, pesquisador e arte-educador)

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Para entender as eleições do último domingo, 5/10.

Votei em candidato/as que não foram eleito/as, mas meu voto foi convicto, ideológico e não orientado pela lógica de optar pelo "menos pior".


Mas para entender as eleições de domingo e essa guinada a direita na política (elejemos o congresso mais conservador desde 1964), busco as palavras sábias do grande Tim Maia: "Aqui [Brasil] prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita"

Que venham os próximos quatro anos...

Paz!

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Panorama das Artes Negras


quinta-feira, 18 de setembro de 2014

"Sexo e as Negas" e o Jogo das Diferenças (ou "Ah! Branco... Dá um tempo.")

Ando meio desanimado com o que tenho lido na Internet. Miguel Falabella "vomita" uma série de impropéritos racistas em sua defesa da série Sexo e as Negas  (leia a resposta do diretor ao final desse post) e ainda é defendido pelo elenco negro. Racismo com contornos de paternalismo é uma das características das relações entre brancos e negros no Brasil e definitivamente fornece o tom da conversa sobre essa série global cujo o nome é de extremo mau-gosto. Mas enfim, esse é o Brasil.

Juro que num primeiro momento, logo após ler a resposta de Falabella, minha vontade foi de intitular esse post de ESCUTA BRANCO/A. O texto seria uma aula sobre racismo para meus/minhas amigo/as branco/as buscando mostrar como uma show de título asqueroso ofende as mulheres negras/mestiças e, por conseguinte, toda a população negra. Mas desisti. Quem dará a atenção a um texto árido cheio de termos vindos da sociologia, história e antropologia frente a imagens de mulheres negras/mestiças belas exibindo seus corpos na tela como se eles fossem carne negra a ser embrulhada, levada para casa (ou algum outro lugar!) para ser consumida? E lembremos de Elza Soares: "a carne mais barata do mercado é a carne negra!".  Sim, desisti de escrever e dar esse título também quando vi vário/as negro/as/mestiço/as, via Twitter, apoiando a exibição da série numa espécie de cegueira criada pelo racismo brasileiro que não vê problema na sexualização do corpo negro e comercialização de estereótipos que há muito tempo nos acompanham. Lembro de um post que escrevi aqui há cinco anos atrás falando da ambiguidade presente na figura da mulata na história de nossas relações sociais tupiniquins (leia AQUI ). Mas não quero dar aula. Estou cansado. Semana cheia, de muito trabalho e esse aborrecimento vindo da exibição dessa série que tira um pouco a alegria da vida.

Ontem conversava com uma amiga (branca) que me dizia que por mais que ela se solidarize com as questões relativas à população negra, ela nunca conseguirá sentir a dor que o racismo causa em indivíduos pertencentes a este contingente da população. Tendo a concordar. O racismo ou o sofrimento vindo do racismo é uma experiência individual de negro/as que branco/as podem se solidarizar, mas dificilmente sentir. Contudo, a solidariedade pode se dar de forma mais efetiva quando aproximamos nossas diferenças. Não somos apenas branco/as ou negro/as ou asiático/as ou indígenas. Somos homens, mulheres, gays, lésbicas, nordestino/as, de classe trabalhadora, média, portadore/as de necessidades especiais e pessoas ostentando as mais diversas diferenças. E é na diversidade da diferença que devemos entender e experienciar a dor de ter a imagem ridicularizada, sexualizada, violentada, discriminada e desprezada. Miguel Falabela não é negro nem mulher, mas é gay, "e todos sabem como se tratam os" gays no Brasil, parafraseando Caetano e Gil na letra da canção Haiti. Infelizmente a homofobia é um fenômeno tolerado em nossa sociedade causando muito dor física, psíquica e simbólica. Aproximar a dor de ter sido ridicularizado, agredido ou discriminado por ser gay talvez faça com que Falabella e seus negro/as da "casa grande" entendam melhor do que estamos reclamando.

Muita Paz!

Resposta de Miguel Falabella às críticas a série: "(...) Dói-me ver a luta de meus colegas negros na nossa profissão. As oportunidades são reduzidas, não trabalham sempre e, sem exercício, não há aprendizado, como sabemos. Pensei que aquela ideia, surgida numa feijoada, na Cidade Alta de Cordovil, pudesse ser um programa que refletisse um pouco a dura vida daquelas pessoas, além de empregar e trazer para o protagonismo mais atores negros. Basicamente, foi essa a ideia e nem achei que iriam aceitar o programa. Qual é o problema, afinal? É o sexo? São as negas? As negas, volto a explicar, é uma questão de prosódia. Os baianos arrastam a língua e dizem 'meu nego', os cariocas arrastam a língua e devoram os S. Se é o sexo, por que as americanas brancas têm direito ao sexo e as negras não? Que caretice é essa? O problema é por que elas são de comunidade? Alguém pode imaginar Spike Lee dirigindo seus filmes fora do seu universo? Que bobagem é essa? Pois é justamente sobre isso que a série quer falar! Sobre guetos, sobre cotas, sobre mitos! Destrinchá-los na medida do possível! (...) O negro mais uma vez volta as costas ao negro. Que espécie de pensamento é esse? Não sei o que é mais assustador. Se o pré-julgamento ou se a falta de humor. Ambos são graves de qualquer maneira. Como é que se tem a pachorra de falar de preconceito, quando pré-julgam e formam imediatamente um conceito rancoroso sobre algo que sequer viram? 'Sexo e as Negas' não tem nada de preconceito. Fala da luta de quatro mulheres que sonham, que buscam um amor ideal. Elas podiam ser médicas e morar em Ipanema, mas não é esse meu universo na essência, como autor, (...) As minhas personagens são camareiras, cozinheiras, indicadoras de mesas, operárias. E desde quando isso diminui alguém? São negras, são pobres, mas cheias de fantasia e de amor. São lúdicas! E sobrevivem graças ao humor. Seres humanos. Reais. Com direito a uma vida digna e muito... Mas muito sexo! Vai dizer agora que eu sou racista? Ah! Nega... Dá um tempo."

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

"Sexo e as Negas": é de embrulhar o estômago!

Faz tempo que não escrevo por aqui. Muito trabalho, falta de tempo e ausência de assunto. Hoje tenho um. Horas atrás estou correndo numa esteira em minha academia e vejo uma série de imagens em uma das TVs de plasma colocadas estrategicamente de frente aos aparelhos aeróbicos. Mulheres negras, jovens, festas e um letreiro Sexo e as Negas. Fico meio encucado. Ao chegar em casa dou uma navegada na Internet e, finalmente, me dou conta do que vem por aí. É literalmente de dar um asco, de embrulhar o estômago. Sexo e as Negas é a nova série da Rede Globo. A autoria é de quem? Miguel Falabela... Sem comentários! Mais um produto lixo que irá reproduzir estereótipos sobre a população negra/mestiça e feminina. De acordo com o que li, a idéia é que a série seja uma espécie de Sex and the City popular que se passa no Rio de Janeiro. Pergunto: o que Falabela entende do universo negro e feminino? E esse nome é de um mau gosto horrendo. Oh vida dura de ser preto/a no Brasil, país da democracia racial, racismo velado e da merda da Rede Globo.

Durmam com esse barulho...

Paz!

sábado, 12 de julho de 2014

Paçoca Amor

Paçoca Amor

Para Mônica Ribeiro e Ribeiro

Paçoca, doce tipicamente nacional. Ela não existe em outros lugares do mundo e, por conta disso, se configura numa iguaria autóctone assim como a cachaça, o samba, a feijoada e a mulata, apesar de essa última estar fadada ao desaparecimento devido ao surgimento das negras metidas norte americanizadas. Há uma história que circula por aí falando do amor de um chocolate e uma paçoca. A paçoca, segundo consta, era indelével devido a seus traços. Por onde passava levantava suspiros. Grande, linda, deliciosa e de uma cor maravilhosa: um misto de açúcar mascavo com caramelo. Seu nome: Paçocão. Dizem que o amendoim, ingrediente básico da paçoca, é afrodisíaco. Talvez. Mas os segredos da paçoca estão em outros lugares, ela não pode ser simplesmente comparada a uma espécie de Caracu com ovo. Paçocão, que viria a ocupar um lugar único na vida de Chocolate Boogie (alcunha do homem chocolate) possuía esse mistério que só as verdadeiras paçocas conseguem ter. O charme, a beleza, a consistência, o sabor, esperteza, e o jeito sedutor de uma paçoca 100% nacional.

Determinada ocasião CB (pronuncia-se “Ci Bi”) e Paçocão estabeleceram uma discussão a respeito da real identidade da paçoca. A propósito, tratava-se de uma crise identitária de Paçocão que havia viajado aos Estados Unidos para passar uma temporada nas terras yankees aprendendo inglês, habilidade necessária no seu projeto de se tornar uma mercadoria globalizada. CB, que alguns brothers gringos gostavam de zoar chamando de Chocolate Bootie, se encontrava por lá há tempos. Ele não passava de um chocolatizinho interiorano metido a gringo que falava inglês errado e ganhava a vida na exportação de chocolates M&Ms para o Brasil e fazendo trambicagens. O desentendimento dos dois começara a partir dos vários pacotes de paçocas levadas por Paçocão como souvenir da terrinha buscando aplacar um pouco das saudades de Boogie do solo tupiniquim. Uma das grandes representantes dessa iguaria brasileira é a paçoça da marca Amor, que Boogie chamava desde criança de paçoquinha uma vez que a paçoca de fato para ele seria maior e mais consistente. Paçocão, de sua parte, afirmava que a paçoca Amor seria a verdadeira paçoca enquanto que aquela Boogie se referia como paçoca seria um doce de amendoim. Para CB (já disse que se pronuncia “Ci Bi”, porra!) aquilo não fazia sentido. Ele desde sempre se referiu ao suposto doce de amendoim como paçoça e a suposta paçoca como paçoquinha. Uma confusão!

Brigaram feio. Nas semanas seguintes levaram adiante sérias discussões sobre a identidade da paçoca durante noites a fio enfrentando o frio nova-iorquino bebericando longnecks de Colt 45 (malt liquor vagabundo de menos de um dólar), doses de cachaça Boazinha contrabandeada por Paçocão para a terra dos federalistas, comendo macarronadas com molhos de salsicha e fazendo exercícios sexuais nos quais encontravam prazer nas mais variadas, divertidas e contorcidas posições. No cool down do sexo eram picados durante o sono por bed bugs (percevejinhos gringos) que ficavam escondidos o dia todo em sua cama e que na madrugada surgiam se fartando do sangue de ambos e deixando como herança marcas vermelhas pelo corpo dos dois que eram coçadas com vontade durante o dia todo.

CB e Paçocão tinham uma vida relativamente tranqüila na Big Apple. Moravam num prédio velho e decadente do Harlem lotado de imigrantes em sua maioria dominicanos que falavam um espanhol caribenho indecifrável que os dois apelidaram carinhosamente de pacaiá pacaiá. O próprio zelador do prédio era dominicano e não falava absolutamente nada em inglês além do chamamento lugar comum my friend. Não havia banheiro dentro do apartamento e a cozinha, assim como o banheiro, era coletiva, suja e cheio de ratos. Paçocão reclamava da sujeira, da falta de Internet, TV e da água fria, pois o sistema de aquecimento havia quebrado bem no início do outono e eles já encontravam em pleno inverno. A falta de água quente obrigava o casal a tomar banho na academia de ginástica que freqüentavam tentando manter seus corpinhos em forma e na qual riam ao ver mulheres chocolate gordinhas moradoras do Harlem negro usando sacos preto de lixo cobrindo o corpo durante o workout com a crença de que perderiam mais calorias malhando daquela forma no mínimo peculiar.

O tédio da vida americana começara a tirar a alegria de Paçocão e ela se tornaria uma freqüentadora assídua da The New York Public Library passando dias e parte das noites debruçada sobre livros poeirentos e grossos a respeito da paçoca e sua história. Lendo descobriu - diferente do que achava - que a palavra paçoca não era um termo de origem africana, mas sim indígena. Vinha do tupi pa’soka, uma junção de paba (terminar) com soka (socar). O termo fazia referência à maneira como a comida que a pasoka indígena era produzida: uma mistura de carne assada desfiada com farinha de milho preparada socando a carne e a farinha no pilão.

A paçoca original de carne se aproxima em muito das comidas degustadas por tropeiros devido ao seu alto valor calórico e nutritivo, ou seja, é um prato que pequenas porções podem fornecer energia suficiente para grandes caminhadas no interior da inóspita mata fechada além de seus ingredientes serem facilmente transportados e de rápido preparo. Não é coincidência ela ter se integrado a dieta dos bandeirantes que desbravavam o interior e sertões brasileiros dizimando indígenas, buscando riquezas minerais e recapturando negros fugidos. Historicamente bandeirantes já são associados a origem indígena, sendo alguns em parte caboclos ou mamelucos (descendentes de mistura de indígenas com brancos) ou ainda cafuzos (descendentes de negros com indígenas), bem diferente da pureza portuguesa que lhes é sempre atribuída pela historiografia. Dizia-se que o infame herói paulista Domingos Jorge Velho (1641-1703), bandeirante responsável pela destruição do Quilombo dos Palmares com suas tropas mestiças, era um afamado comedor de paçoca que se casou apenas em idade avançada tendo antes várias concubinas indígenas. A mesma euforia por paçoca se diz a respeito de Anhanguera (Diabo Velho), alcunha tupi pela qual era conhecido outro famoso bandeirante paulista: Bartolomeu Bueno dos Santos (1672-1740). Paçocas e bandeirantes, uma história complexa!

Até hoje há cidades espalhadas por alguns estados brasileiros nas quais é possível degustar a paçoça salgada. Em Minas Gerais temos a Festa Nacional da Paçoca. Em Pilar do Sul, interior de São Paulo, acontece anualmente o Festival da Paçoça e no Paraná a paçoca é parte do cardápio tradicional do estado. Durante as festividades juninas no nordeste brasileiro, a paçoca é um prato indispensável. Todavia, ninguém sabe explicar muito bem como a paçoca ficou associada, em todo o imaginário popular, a um delicioso doce tradicional produzido a partir de amendoim, farinha de mandioca e açúcar. Há controvérsias. Alguns dizem que isso tem haver com as mudanças alimentares da região onde a paçoca se originou, os estados de São Paulo e Goiás. Entretanto, para sua decepção, Paçocão não conseguia obter informações confiáveis sobre a origem da paçoca doce contemporânea, a nossa deliciosa paçoquinha. Foi aí que um inquérito de ordem identitária e existencial tomou a direção de seu interesse.

Sua pesquisa focou, então, outros quitutes compatriotas. As descobertas se amparavam em livros que moldaram a identidade nacional e que traziam a culinária como um lugar privilegiado para se pensar a elaboração de tradições, leia-se aqui Açúcar: uma Sociologia do Doce (1932) e Casa Grande & Senzala (1933), ambos do saudoso Mestre de Apipucos, Gilberto Freyre (1900-1987). Cada doce, nesses e outros livros, tinha uma história específica como a bananinha caramelizada, o doce de abóbora, o pé de moleque, o brigadeiro, o quindim, a pamonha doce, a tapioca, o bolo de rolo, o doce de buriti, o pudim de leite, o curau de milho, a rapadura, a goiabada, o beijo de mulata, o papo de anjo, o bom-bocado, o manjar, a cajuada, a cocada, o merengue, a baba de moça, o beijinho, o cajuzinho, a canjica, o doce de caju, o doce de pequi, o melado de tacho, as baias de café, o chuvisco, o pão de cuca, o doce de pinhão e a torta de maçã "alemã". Ou seja, Paçocão descobriu que seus parentes, meio irmãos e irmãs, eram muitos e variados. Mas todos eles tinham em comum o aspecto docificado, atrativo possibilitado por uma especiaria: o açúcar.

Mais que isso. Numa leitura atenta de Açúcar: uma Sociologia do Doce, ela entendeu que Freyre olhava para essa iguaria como a responsável por juntar culturas e povos através da culinária. Era como se o açúcar fosse a liga que organiza a mistura fornecendo consistência e mantendo os diferentes ingredientes juntos. E a paçoca doce? De onde viria? O que significaria? Não importava muito como ela se elaborou, pensou, mas sim o significado e a origem de seus componentes. Assim, buscou entender cada um dos seus componentes em busca de pistas.

A paçoca é feita de amendoim torrado e pilado com farinha de mandioca e açúcar. Lendo livros de folclore, dicionários etimológicos e estudos antropológicos ela descobriu que tanto o amendoim como a farinha tem sua origem em tribos indígenas da América do Sul e faziam parte da dieta alimentar desses grupos. O termo amendoim é originário do tupi-guarani mãdu'bi (ou mãdu'i) significando "enterrado".  Há algumas lendas indígenas sobre o surgimento do amendoim. Uma delas afirma que havia um menino chamado Doinmã que defecava amendoins numa panela com o auxílio da mãe. Um dia a mãe saiu e deixou Doinmã aos cuidados do tio. O menino sentiu vontade de defecar e pediu a panela ao tio que, não sabendo da história, mandou o sobrinho fazer suas necessidades fora da casa.  O garoto saiu e defecou na panela. Horas depois o tio saiu da casa e, ao ver a panela, fartou-se de amendoim. Minutos seguiriam até ele descobrir a origem do amendoim e, extremamente irritado, surrou Doinmã até a morte. Com medo da reação da irmã, enterrou o corpo do garoto próximo a um rio. Todos lamentaram e choraram o sumiço de Doinmã, inclusive o tio. Passado algum tempo, uma planta surgira próximo ao rio que a mãe de Doinmã se banhava. Um dia, no momento em que a mãe se secava do banho, ela ouviu um choro igual ao de seu filho. Notou que a lamúria vinha da planta. Ao se aproximar dela e arrancar a mesma da terra, notou que nas raízes estavam os amendoins de Doinmã.

Mandioca também tem origem tupi vindo do termo mãdi'og, mandi-ó ou mani-oca cujo significado é "casa de Mani". Mani é a deusa benfazeja dos guaranis que se transforma em mani-oca. A lenda conta que ela seria a neta de um chefe indígena. Ao saber que a filha estava grávida de um rebento bastardo, o pai quis punir aquele que desonrara sua filha. A filha negou ter tido relação com qualquer homem mesmo após sofrer castigos impostos pelo pai. Decidido a matá-la, o pai foi impedido por um homem branco que lhe apareceu em sonho afirmando que a filha era de fato inocente não tendo tido relação com nenhum homem. Para surpresa da tribo, nove meses depois uma criança extremamente branca nasceu. Foi dado o nome de Mani à criança que andava e falava precocemente. Ao final de um ano, sem aparentar nenhuma doença ou dor, Mani caiu morta. Foi enterrada dentro de casa e a cova foi regada por determinado período seguindo o costume da tribo. Ao cabo de certo tempo uma planta desconhecida brotou, cresceu e deu frutos. Pássaros embriagaram-se ao comer os frutos da planta, fato que aumentou a superstição dos indígenas. Passado mais algum tempo, a terra fendeu-se. Ao cavar, os indígenas julgaram reconhecer o corpo de Mani nas raízes da planta. Ao comê-las eles aprenderam a usar a mandioca.

Não há unanimidade sobre a origem do açúcar. Há histórias que falam de sua existência há 6000 AC, mas estudos mais recentes apontam uma história mais remota, algo em torno de 2000 anos. Sabe-se que o primeiro lugar a cultivar cana de açúcar foi a Nova Guiné e de lá o cultivo se expandiu para as Filipinas, Fuji e outras ilhas menores localizadas no sudoeste do Oceano Pacífico. Os indianos, persas e chineses foram os primeiros a processarem açúcar oriundo da cana e a iguaria chegou a Europa levada por Alexandre Magno em suas campanhas empreendidas no Oriente. Séculos depois o açúcar seria explorado pelo comércio de especiarias que se estabeleceu no renascimento. Ele era visto como um produto sofisticado e medicinal, vendido em boticários e acessível somente aos indivíduos com alto poder aquisitivo. A produção de cana-de-açúcar foi trazida por portugueses para o Brasil como meio de explorar a nova colônia e o sistema de plantation (monocultura + mão de obra escrava + latifúndio) prevaleceu. O açúcar produzido no Brasil tinha aspecto escuro assim como a pele dos escravos que trabalhavam na sua produção em engenhos. Era depurado primeiro em blocos duros de cor caramelada ou marrom: o açúcar mascavo. Depois vieram as formas de refinamento que produziam os vários outros tipos de açúcar como o demerada, o cristal e o refinado.

Sim, havia uma enorme história por trás da paçoca doce. Não importava mais como ela deixara de ser salgada. Mas importava que o açúcar houvesse cruzado sua trajetória, trazendo novas perspectivas, unindo tradições e culturas, solidificando uniões. O açúcar mascavo, de cor caramelizada e marrom, não o açúcar branco refinado e ausente de cor e sentimento. Não é à toa que até hoje associamos o amor a algo doce, suave e tranqüilo. A paixão é arrebatadora, embriaga, tira a razão e nos faz cometer loucuras. Mas o amor é calmo e para ser degustado aos poucos. Amor, a melhor definição para o açúcar e a paçoca. Amor era o que se via nas lendas indígenas referentes ao amendoim (amor de mãe e filho), da mandioca (o amor proibido da indígena com o homem branco) e no açúcar (aquele que une povos e culturas através da culinária, do sabor e de receitas). Mas o açúcar, assim como o amor, tem a sua faceta sinistra. O açúcar também poderia matar. Quantos homens e mulheres negros morreram no período da escravidão vítimas do trabalho duro, brutal e desumano do plantio da cana e da produção de açúcar nos engenhos? Alguns foram deliberadamente assassinados. E o que falar dos indígenas dizimados pelos europeus para que em suas terras a cana pudesse ser cultivada? E mais contemporaneamente, já ouviu falar da história dos três brancos assassinos? Sal, trigo e... açúcar!

Paçocão, após semanas enfiadas dia e noite na biblioteca, saiu do prédio localizado na Rua 42 da ilha de Manhattan totalmente atordoada aquela noite. Tantas histórias, idéias e tradições estavam por trás da sua trajetória. Passando pela Times Square ela notou uma loja enorme da M&Ms. Sentiu pena dos turistas que enchiam suas sacolas de compras com o produto gringo ao pensar no sabor de seus doces locais. Não, o M&Ms não teria nem um terço da história dessa singela iguaria nacional chamada paçoca e que até hoje é vendida em botecos, bares, pé sujos, mercearias, supermercados, camelôs e unindo amantes através do simples gesto de degustar uma paçoca juntos.

Seguiu caminhando até a estação Times Square e dentro da mesma andou por um longo e entediante corredor branco alcançando o Port Authority. De lá tomou o trem A em direção ao Harlem. Sua cabeça girava entre pensamentos. Ao sair do metrô na estação da Rua 125 enfrentou quatro quarteirões debaixo de forte neve se deparando com faces negras em seu caminho até chegar ao prédio velho da Rua 123, entre as avenidas Amsterdam e Broadway, onde morava dividindo o espaço com ratos, baratas, bed bugs, imigrantes ilegais e sem água quente.

Ao subir os degraus da entrada do prédio, escorregou no gelo e caiu de bunda na neve branca que cobria toda a calçada e que os zeladores pacaiá pacaiá não haviam tirado aquele dia. Levantou se limpando da neve molhada, xingando e amaldiçoando os velhos coitados. Ao entrar no prédio e foi recebida por uma agradável massa de ar quente. Subiu as escadas sujas e chegando ao seu andar notou que a sujeira aumentava. Abriu a porta do corredor e viu seu homem CB cozinhando. Ao notar sua presença, ele respondeu com um sorriso sem graça. Cardápio: macarrão com salsicha, duas doses de Boazinha para abrir o apetite e duas Colt 45 de US$ 0.90 cada. O computador tocava a trilha sonora da noite: Love Supreme, John Coltrane. Sobremesa: a última paçoca Amor do pacote contrabandeado por Paçocão para a gringa, a ser dividida por dois. Depois de jantar, discutiram para ver quem comeria a paçoca sozinho ou como a dividiriam, enquanto CB preparava um café. Numa ida ao banheiro de Paçocão, CB (“Ci Bi”, caralho!), numa atitude egoísta, enfiou todo o doce na boca e comeu extasiado. Brigaram. Não treparam. Na noite seguinte Paçocão tomou um avião de volta às terras tupiniquins e seus meios-irmãos e irmãs doces. Numa tentativa de reconciliação, o homem chocolate até hoje envia enormes caixas de M&Ms da loja da Times Square para Paçocão que os vende fazendo fortuna. A cada novo pacote que chega pelo correio ela olha desconsolada, suspira e diz: “Se ele enviasse ao menos uma paçoca Amor...”

segunda-feira, 31 de março de 2014

50 Anos de "A Integração do Negro na Sociedade de Classes", de Florestan Fernandes