A textura era rústica, mas o roçar contra a pele do rosto tornava o movimento agradável. Cheirou-os e sentiu um aroma adocicado, teve vontade de segurá-los, com força, assim como se segura alguém quando se faz amor. Entretanto, mudou de idéia e beijou-os. A textura rústica roçou seu beiço e sentiu prazer com aquilo a ponto de começar a ficar excitado. A ereção veio rápido, como um flashback de um lembrança perdida no tempo. Ficou mais excitado e uma súbita vontade de colocá-lo na boca e chupá-lo delicadamente lhe veio a cabeça. Novamente não foi adiante com a primeira idéia e simplesmente os segurou sentindo sua textura rústica contra a palma da mão. Dessa vez se viu como uma criança que realizava o desejo de tocar algo proibido. Lembrou de suas aulas de estética na faculdade e da sua descoberta vocacional ainda criança... Soube que seria artista não porque viesse de uma família de artistas ou porque tinha noção de seus dotes com artes plásticas. Não, soube que seria artista por conta do toque, porque adorava tocar as coisas que sempre estavam ao seu redor: o pêlo do gato do vizinho, a pele escura de sua mãe, a barba espinhosa de seu pai, a mão calejada de sua avó que chegou a tocar mesmo quando a mesma encontrava-se sem vida e jogada ao lado esquerdo da cama em que o corpo moribundo ficara entrevado por três anos antes de dar o último suspiro numa manhã chuvosa de janeiro. Mas o momento de descoberta foi durante a ida ao museu numa excursão de sua classe de terceira série: foi pego passando suas pequeninas mãozinhas escuras sobre um quadro. Uma bronca do segurança, esporro da professora, advertência enviada pros pais e, por fim, a coroação com uma surra da mãe. Havia passado pelo ritual de iniciação, tornou-se artista aos 10 anos. Tocar, segurar, apertar, roçar... Não demorou a descobrir a mágica e sensações poderia tirar de determinadas partes de seu próprio corpo, mas nunca imaginou que aquilo pudesse ser feito a dois. Já crescido, Dedé um dia lhe disse que seu trabalho era como o de uma puta, a única diferença era que seus clientes eram suas esculturas. Sim, ele passava o dia inteiro tocando, modelando, massageando, e fazendo amor com suas esculturas. Mas talvez não fosse isso que Dedé quisesse dizer com sua analogia. O fato é que artistas são putas porque supostamente vendem sentimentos, colocam um preço na em sua intimidade. Todas as esculturas que ele tinha feito eram expressões de relações mal-resolvidas, estados profundos de tristeza, alegria, medo, ansiedade, desejo, raiva, ódio, paixão e decepção. Segurou-os com força agora. A ereção tinha passado e ficou olhando para o corpo nu de Dedé. As formas arredondas e grandes daquela mulher da cor da noite. Sentiu medo, sempre sentia medo de Dedé. Aquela mulher guardava segredos que nunca lhe seriam confessados. Mas quando faziam amor e se tornavam um, ele podia sentir os segredos de Dedé, como se eles fossem parte dele por alguns minutos. E por fim, quando ela gozava, soltava uma gargalhada que só mulheres pretas como ela sabem dar e se jogava ao lado da cama com o coração acelerado. Dedé dormiria e ele ficaria acordado olhando seu corpo na penumbra e a observando dormir. Admirando sua pele e agradecendo a Deus, o Diabo, São Benedito, Xangô, Jeová, Jah, Jesus e a Escrava Anastácia por ter colocado aquela mulher cor da noite em sua vida. O ritual de contemplação de sua musa sempre acabava no cabelo de Dedé dreadlocks que eram, na sua opinião, a mais linda escultura que ele já havia visto. Os dreads de Dedé tinham a mesma rusticidade que ele sentia ao tocar a mão calejada de sua avó quando criança, sensação que perdera há tanto tempo, mas que recuperara na preta de sua vida. Quando pensava na possibilidade de perdê-la, entrava em pânico. Agarrava o corpo de Dedé, como uma criança que se esquiva sobre a mãe, e dormia de forma profunda para esquecer que essa possibilidade existia. Entretanto, na sua cabeça, a morte seria menos dolorosa se fosse possível escolher sua data e lugar. No seu caso, morreria ali, juntinho de Dedê, no mesmo dia, hora e agarrado ao cabelo rústico de sua amada, uma dádiva de Jah. Amor é renúncia, amor é rusticidade, amor é morte... Muita Paz, Ótima Semana!
* Canção inspiradoraEx-Factor, Lauryn Hill, álbumThe Miseducation of Lauryn Hill (1998). OuçaAQUI
Hoje é domingo do Pedro Cachimbo. 7:00 horas da manhã em NYC e acabo de chegar da balada numa noite meio doida na qual planejava, inicialmente, voltar pra casa às 11:00 da noite para dormir. O chá de bebê de DJ Laylo (Loira Bimbal, esposa do rapperEli Efi) era a única fita marcada, mas... Do Harlem fui pro Brooklyn e do Brooklyn voltei pra Manhattan indo parar na festa do DJ Spinna onde dancei como há tempos não fazia acompanhado de minhas amigas novaiorquinas (só como categoria, pois quase ninguém é de fato de NYC por aqui). Você deve imaginar como estou só o pó, mas chova ou faça sol "nóiz" "tamo" sempre aqui com o nosso santo post. O de hoje é rápido, mas muito bom. Fuçando na web esses dias vi um post bem legal no blogSó Pedrada Musical de Daniel Tamenpi sobre a banda portuguesa Orelha Negra (foto acima). Como estou morrendo de sono deixo todo mundo com um dos vídeos da banda e sugiro a leitura do post de Daniel que você consegue acessar clicando AQUI
O nome do som é M.I.R.I.A.M.
Muita Paz!
* Post escrito ao som de Res, álbum How I Do (2001).
O continente africano é um dos lugares onde os elementos da dita cultura urbana (como o hip-hop) mais tem tomado uma face única. Talvez isso aconteça porque, diferente dos patrícios afro-americanos, nossos brothers vivendo na motherland ainda não se deixaram levar tão fácil (ou por falta de oportunidade mesmo) pelo canto da sereia do consumismo exacerbado bobo e do narcisismo “(a)celébrico” (acho que acabei de inventar essa palavra!) que cada vez mais povoam o universo dessa cultura aqui nos EUA. Enfim, mas o post de hoje é uma dica bem legal de site que peguei numa “tuitada” do pessoal da World Up. Intitulado This Is Africa o site é um misto de revista eletrônica e projeto social. A definição fornecida pela galera no texto de apresentação afirma que "This Is Africa is a media organisation that brings Africa and the West closer together via African contemporary urban culture." (This Is Africa é uma organização midiática que aproxima a África e Ocidente via cultura urbana africana contemporânea).
A qualidade e disposição das imagens além do layout do site realmente impressionam. Os temas discutidos e objetos de interesse são aqueles clássicos que já conhecemos: música, moda, política, comportamento, juventude e por aí vai. Pelo que chequei, o staff da organização está distribuído entre Nigéria, África do Sul, Ruanda, Gana, Holanda e Inglaterra. Uma das matérias que achei bem legal (mas ainda não tive tempo de ler) é a que explora a cena alternativa punk de Joanesburgo (leia AQUI). Também estou viajando nas mixtapes dos DJs que dá pra baixar e ouvir no iPod Touch ou iPhone (além do computador, obviamente!). Outro texto que parece massa é um sobre fotografia e funk nigeriano (vê AQUI )
Aí vai uma dica valiosa de filme a ser assistido. Esqueça os filmes bobos, babacas e moralistas do Tyler Perry, por favor! Também pare de ser enganado pelas comédias ruins de Ice Cube. Assim que puder, adquira uma cópia de Night Catches Us(2010) e assista ao lado de um boa companhia ou mesmo sozinho (DVDs estarão disponíveis para a venda no dia 1 de fevereiro). Uma novidade agradável é que o filme foi escrito e dirigido por uma mulher, Tanya Hamilton. A película conta a história de Marcus Washington (Anthony Mackie, She Hate Me [Spike Lee], 2004) e Patricia Wilson (Kerry Washington, The Last King of Scotland[Kevin MacDonald], 2006). Patricia é uma advogada dos movimentos pelos direitos civis e ex militante do Black Panthers Partyvivendo numa vizinhança da Pennsylvania. Seu marido fora morto num tiroteio com a polícia quando estes tentavam capturá-lo. Washington, também um ex Panther, está voltando a cidade após dois anos praticamente desaparecido. Há suspeitas dentro da organização política de que ele seria o "snitch" (dedo duro, cacoete) que teria entregado o marido de Wilson a polícia.
O enredo do filme fala sobre a dificuldade de superar o passado diante de situações em que as esperanças morrem pouco à pouco. A revolução, tão falada e celebrada no final dos anos 1960 e início dos 1970, parecia não ter mais data para chegar em 1976 e a frustração, desconfiança e raiva pairam sobre aqueles que foram uma vez jovens negros idealistas prontos a dar sua vida pela causa negra. Para completar com chave de ouro, a trilha sonora foi composta pela banda de rap acústico The Roots. Sugestivo ou não? Assista o trailer logo abaixo.
* Para quem quiser encarar assistir o filme em inglês, meu truta Cristiano Rodrigues informou-me via Twitter que dá para baixar a parada AQUI Ó
* Post escrito ao som de Maxwell, álbum BLACKsummer'snight (2009).
* 2:39 pm em NYC e resolvi fazer um pequeno update no post disponibilizando aqui a linda canção de Syl Jonhson, Is It Because I'm Black? (1970), que fecha o trailer de Night Catches Us. Ouça aí, o som é lindo a ponto de dar vontade de chorar...
Minha conta é de que li (ou comecei a ler e larguei) 17 livros por diversão em 2010. Sim, há os livros que são lidos por diversão e prazer e outros que ficam no registro da obrigação. Nessa segunda categoria entra tudo que sou forçado a ler devido aos cursos do doutorado. É óbvio que algumas coisas que leio para os cursos são prazerosas e divertidas, mas a verdade é que mesmo que o sejam, acabo por fazê-lo meio a contragosto devido a pressão e o tempo. Mesmo assim, uma ou duas obras que tive que encarar para escrever algum paper acabou entrando na lista do livros lidos por prazer. Mas vamos a lista...
1- O primeiro livro lido por puro deleite no ano passado foi de autoria do jornalista Toninho Vaz, O Bandido que Sabia Latim(2001, Record, 378 páginas). A obra é uma biografia - talvez a primeira - do poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989). Vaz leva o mérito de ser o primeiro a sistematizar a trajetória desse grande escritor, poeta e intelectual que teve uma vida cercada de altos e baixos morrendo por complicações renais devido ao uso abusivo de álcool. Como já disse em posts anteriores do blog, sou um grande apreciador de biografias e a vida de Leminski é interessante o suficiente para fornecer um ótimo material para esse tipo de empreita. Vaz, que foi amigo do poeta, é um narrador nada neutro, pois muita vezes surge como uma das figuras que compõem o emaranhado de histórias que são apresentadas com intuito de contar o nascimento, ascensão e declínio de um poeta/escritor que sempre teve uma relação ambígua com o mercado editorial, a academia e sua cidade origem. Contudo, acho que ainda há espaço para uma biografia mais intelectual de Leminski, aquela responsável por fazer a ponte entre obra e autor, texto e contexto. Que venha, vou ler com certeza...
2- Enquanto lia a biografia de Leminski escrita por Vaz fui lendo um pouco da sua obra. Confesso que tenho certa dificuldade para ler poesia, uma vez que ela exige um grande esforço de concentração e interpretação. Contudo, o livro de poesias Distraídos Venceremos (1987, Brasiliense, 133 páginas) é daqueles que você lê numa sentada: leve, delicioso e profundo. Publicado num momento que o poeta já se encontrava numa grande debilidade física, os poemas do livro parecem transparecer esse sofrimento - que não era só físico, mas principalmente psicológico - de forma extremamente sublime. Leminski tinha tal domínio do idioma português, da gramática além de muito talento para brincar com ambos e sumarizar ideias em poesia com fina ironia e tamanho humor que seu calvário torna-se um convite ao riso fácil. Isso pode ser notado no poema Bem no Fundo, que transcrevo logo abaixo:
no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas os problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas
Paulo Leminski(1987, página 44)
3- O terceiro livro da lista é uma coletânea de contos do Leminski intitulada Gozo Fabuloso (2004, DBA, 184 páginas). Não tenho certeza agora se a edição de 2004 é a primeira. Nessa primeira experiência que tive com o escritos do Leminski contista, confesso que os mesmos não conseguiram me capturar. Na minha opinião, falta ritmo as histórias e sentia vontade de dormir ou, quando parava no meio de uma história, não tinha mais interesse de voltar a ler, curiosidade para saber o que iria acontecer no final e até saco pra aguentar a história fluir. O interessante é que o Leminski jovem foi extremamente crítico dessa formato literário, o conto. Ironicamente, ele se rendeu a ele posteriormente produzindo várias histórias curtas. Pelo que consta, a ideia original de Catatau, seu grande romancepublicado em 1975, teria surgido de um conto enviado a um concurso literário. O júri, por um motivo que não lembro agora, mas que pode ser lido na biografia feita por Vaz, não teria dado o prêmio a Leminski ainda que seu texto fosse o de melhor qualidade entre os concorrentes. Revoltado, o poeta resolveu desenvolver mais a ideia e transformou o conto em um romance cuja elaboração se estendeu por anos a fio. O resto é história, mas Gozo Fabuloso não fez muito a minha cabeça...
4- Não ria e nem se surpreenda, eu adoro Glória Kalil. Há uns seis anos atrás comprei dela Chic - Homem(1998) e me amarrei na mulher. Queria ou não, essa jornalista e empresária escreve sobre coisas que faltam a muita gente não só no Brasil mas em outras partes (moro em NYC e posso afirmar com tranquilidade): educação e bom senso. Na verdade, essa é a principal mensagem passada no seu curto, usual, prático e divertido manual de etiqueta contemporânea, Alô, Chics! (2008, Pocket Ouro, 181 páginas). Ter etiqueta e ser educado são sinônimos de agir sempre com calma e bom senso. O livro é resultado das respostas da autora a uma série de dúvidas enviadas por seus ouvintes na Rádio Eldorado de SP, internautas do site Chic e telespectadores do programa Fantástico. Urgh, esse último um programinha nada "chic", diga-se de passagem, né Kalil? Mas vale a pena ler o livro com o qual é possível dar boas gargalhadas com as situações descritas por ela. Uma de minhas dicas favoritas é essa aqui:
Primeiro Encontro Alô, rapazes chics! O que as mulheres esperam de um cara num primeiro encontro? Para os homens, este costuma ser um problema complicadíssimo. Eu não posso entender por quê. Sendo mulher, eu acho muito simples. Mulheres querem que vocês venham vestidos sem exageros. Nem de terno e gravata e gel no cabelo, nem como se tivessem levantado da cama. Roupa é importante, mas não é fundamental. Elas querem sentir cheirinho de banho tomado, sem que isso implique perfume demais. Querem que vocês não fiquem olhando para os lados, muito menos para outras mulheres. Querem que vocês venham sozinhos, e odeiam quando trazem um amigo junto. Mulheres tem pavor de homem folgado, exibicionista e que trata mal o garçom. Querem, ou melhor, adoram quando vocês fazem o gesto de pagar a conta. Elas não fazem a menor questão que o lugar seja caro, por isso, que tal escolher um que caiba no bolso e pagar ao menos essa primeira vez? É ou não é fácil agradar uma mulher? (2008, páginas 130-131)
Bem, eu fazia (e ainda faço) tudo isso nos meus primeiros encontros antes mesmo de ler a Kalil. Bom senso, lembra...
5- O quinto livro da lista é Simon's Cat in His Own Book(2009, Grand Central Publishing, 240 páginas)do cartunista inglês Simon Tofield. Well, tod@s vocês sabem o quanto eu adoro gatos e não pude resistir a tentação de comprar esse livro com as charges do miau mais fofo da Inglaterra. Não preciso comentar muito a respeito do bichano uma vez que fiz um post só para ele tempos atrás (leia AQUI ) e ele tem apenas 80 milhões de fãs no YouTube. By the way, já é hora de Tofield providenciar um filme do seu gatinho uma vez que um novo livro foi lançado em outubro do ano passado intitulado Simon's Cat: Beyond the Fence. Comprei o meu, mas ainda não tive tempo de ler! Visite o site do gatinho AQUI e se divirta...
6- Feminism is For Everybody (2000, South End Press, 120 páginas) é um delicioso livro da feminista negra e intelectual radical bell hooks. O livro é dirigido a um público leigo em questões de gênero e escrito numa linguagem acessível que foge do padrão acadêmica chato e sonolento. hooks (se escreve em minúsculo mesmo), pseudônimo de Gloria Watkins, é professora no departamento de inglês e literatura da City College (NYC) e desde os anos 1990 vem sendo reconhecida como uma das grandes acadêmicas/intelectuais/ativistas atuando em temas que cruzam relações raciais, sexualidade e gênero. Feminism Is For Everybody busca historicizar a trajetória do movimento feminista ao mesmo que responde as críticas mais comuns feitas ao feminismo e muitas vezes baseadas em percepções equivocadas sobre esse movimento político. Uma delas, por exemplo, é o imaginário veiculado de que feministas são contra ou odeiam homens ou ainda de que o movimento feminista está empenhado em reverter as posições de dominação apenas trocando um patriarcado por um matriarcado. Apesar do objetivo de hooks ser discutir o feminismo de forma generalizante, ela não deixa de estabelecer distinções dentro do movimento onde a perspectiva e visão das mulheres ativistas é matizada por distinções de raça, classe e orientação sexual. Vale a pena ler!
7- Fiquei super a fim de ler The Western Illusion of Human Nature (2008, Prickly Paradigm Press, 112 páginas) do antropólogo norte-americano Marshall Sahlins depois que assisti uma conferência dele com o mesmo título do livro realizada na Columbia University em 2009 (fiz um post sobre a parada, leia AQUI). Esse curto e sofisticado livro é na verdade a aplicação do método desenvolvido por Sahlins e utilizado em outros livros mais longos e complexos como Ilhas de História (1990, Jorge Zahar, 218 páginas). O subtítulo de The Western... já nos dá uma pista da maneira que Sahlins trabalha: With Reflections on the Long History of Hierarchy, Equality, and the Sublimation of Anarchy in the West, and Comparative Notes on Other Conceptions (com reflexões sobre a longa história da hierarquia, igualdade e a sublimação da anarquia no Ocidente, e notas comparativas sobre outras concepções). O que Sahlins faz nesse pequeno de livro de pouco mais de cem páginas é tentar mostrar como a noção de natureza humana como algo mau na sua essência é algo peculiar a civilização ocidental. O antropólogo demonstra, visitando vários pensadores clássicos como Thomas Hobbes, Jacques Rosseau, Adam Smith entre outros, como a percepção negativa da natureza humana tem origem na Grécia Antiga por meio da disseminação dos textos do historiador grego Tucídides sobre a Guerra do Peloponeso. Esse conflito teria sido o momento no qual a natureza humana, na sua mais cruel face, teria se evidenciado uma vez que os soldados teriam agido sem as garras ou limites impostos pela cultura cometendo os mais bárbaros e horrendos atos. Sahlins explica como a dicotomia natureza/cultura é uma peculiaridade ocidental que não é encontrada em outras culturas e como a natureza humana não é necessariamente má em si, mas como isso é uma criação histórica do Ocidente. O livro deverá agradar mais antropólogos e cientistas sociais em geral (talvez um pouco menos cientistas políticos!) do que o público mais amplo. Detalhe: as piadas de Sahlins no decorrer do texto são ótimas. Adoro intelectuais com bom humor!
8- Pimp: The Story of My Life (1969, Holloway House, 320 páginas) é um relato biográfico em primeira pessoa feito por Iceberg Slim, pseudônimo de Robert Beck (1918-1992), um lendário cafetão afro-americano. A cafetinagem masculina é uma prática que é objeto de fascínio, desejo, curiosidade e ódio. Como um homem consegue viver explorando mulheres que se prostituem e se ligam afetivamente a ele? Pimp é a primeira autobiografia de Slim. Ele começo sua vida na cafetinagem em 1936, então com 18 anos, e permaneceu na mesma até 1960, quando então contava com 42 anos. Em 1969 o livro veio a público e transformou Slim no mais bem sucedido autor negro em termos de vendas, ficando atrás apenas de Alex Haley (1921-1992), o autor de Roots (1976) e da autobiografia de Malcolm X. Pimp é considerado por alguns uma espécie de literatura revolucionária negra dos anos 1960 na mesma pegada dos livros de Aldridge Cleaver, George Jackson, Huey P. Newton dentre outros. Apesar de popular na comunidade negra, o livro é totalmente ignorado no espectro mais amplo da literatura norte-americana e mesmo da literatura afro-americana. Ao que consta, até hoje não não há um exemplar do livro na Biblioteca do Congresso (a mais importante, completa e uma das mais antigas bibliotecas do EUA). Durante o governo Nixon, Slim foi motivo de polêmica, pois numa entrevista o escritor afirmou que ganhava mais dinheiro com cafetinagem do que o presidente dos Estados Unidos. Fofocas dizem que o presidente não gostou em nada da piada e enviou agentes do FBI para encontrar Slim em NYC. Nos anos 1970, pimps eram figuras que faziam parte da fauna urbana com seus Cadillacs de cores berrantes (geralmente rosa ou vermelho) e vestuário espalhafatoso que envolvia anéis, bengalas, chapéus e casacos de pele. Na busca por Slim, muitos cafetões foram confundidos com ele e agredidos propositalmente pelos agentes. Desde então, a vestuário pimp vista em filmes clássicos do blaxploitation só é utilizada esporadicamente pelos nossos amigos em bailes e outras ocasiões especiais. By the way, não terminei de ler Pimp, tive de parar na metade, mas volto logo logo...
9- Em fevereiro de 2006 defendi minha dissertação de mestrado em sociologia na USP e na minha banca encontravam-se duas grandes figuras da antropologia brasileira: Peter Fry e Lilia Schwarcz (além do sociólogo Antônio Sérgio Guimarães, meu orientador à época). A arguição de Fry foi tranquila e consegui responder seus questionamentos de forma relativamente razoável. Por outro lado, quando Lili (assim que ela gosta de ser chamada!) deu início a sua arguição lembro que pensei com meus botões, "o que eu vou responder a essa mulher?" Mas outra coisa que me marcou, além de meu súbito e justificado nervosismo, foi um comentário dela sobre uma passagem de meu texto na qual eu dizia algo sobre o imaginário criado sobre a Etiópia e seu imperador, Haile Selassie (foto acima), na diáspora africana. Lili disse que eu deveria ler determinado livro, mas eu não consegui entender o título e mesmo após pegar o exemplar de minha dissertação que ela havia lido e comentado, não consegui entender a sua letra. Ano passado conversava com meu truta Oga Mendonça e sua "primeira dama", Maíra, num bar do Village e novamente a conversa de Etiópia veio a mesa. Foi quando Oga disse: "Você deveria ler O Imperador?" Quando fui a São Paulo e visitei o AP de Oga e Maíra não pensei duas vezes em pedir O Imperador: Os Bastidores do Palácio de Haile Selassie I, O Tirano que Governou a Etiópia por 44 Anos(2005, Companhia das Letras, 200 páginas)do jornalista polonês Ryszard Kapuscinski emprestado para ler. Somente após pegar o livro na mão e folheá-lo que me toquei que aquele era o dito cujo do livro que Dona Lili, leitora voraz diga-se de passagem, tinha me sugerido ler quatro anos antes. O polonês Kapuscinski é considerado um dos maiores correspondentes internacionais do mundo tendo coberto várias guerras e revoluções ao redor do globo. No início da década de 1970 o jornalista foi a Etiópia cobrir um encontro de líderes internacionais que ocorria no país e ficou impressionado com o luxo exibido pelo Imperador Selassie na recepção aos chefes de estado assim como pela pobreza da população vista nas ruas da capital do país, Adis Abeba. Em 1974, meses após Selassie ter sido deposto por uma junta militar, Kapuscinski retornou ao país com o intuito de colher relatos sobre a vida no palácio de Selassie. Arriscando a própria vida o jornalista entrevistou uma série de pessoas que haviam tido os mais diversos tipos de contato com o imperador e funções bastante peculiares na sua corte. O resultado é uma coleção de relatos que apresentam uma imagem multifacetada de Selassie: tirano, vaidoso, indiferente as dificuldades de sua população, confuso e preso as armadilhas do poder com suas tramas e conspirações. A principal crítica ao livro é de que são terceiros falando sobre o imperador, mas esse último, apesar de ser o personagem central no livro, não tem direito a voz. À época o imperador estava preso e incomunicável na Etiópia e viria a falecer em 1975 de causas naturais. Havia e há toda uma mística que envolve Selassie, o ativista negro jamaicano Marcus Garvey e rastafarianismo. Segundo consta, Garvey havia tido uma visão nos anos 1920 que previra a subida de um líder negro no continente africano. A coroação de Selassie, nos anos 1930, foi entendida como a confirmação da profecia. Ao mesmo tempo, na cosmologia rastafari, Selassie é visto como o representante de Deus (Jah) na terra. Enfim, o livro Kapuscinski não foca essas últimas questões e sim a vida privada do palácio que soa, de certa forma, assustadora e muitas vezes absurda.
10- O décimo livro lido ano passado foi Lélia Gonzales (2010, Selo Negro, 176 páginas) de autoria de meus dois amigos Alex Ratts (professor de antropologia na Universidade Federal de Goiás) e Flávia Rios (doutoranda em sociologia na USP). Ratts vem pesquisando há algum tempo a trajetória de ativistas negras e já havia escrito um livro sobre a historiadora Maria Beatriz Nascimento (Eu Sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento, 2007). Nesse livro sobre Lélia Gonzalez (1935-1994) os autores conseguem fazer uma das primeiras sistematizações da vida dessa ativista negra que foi responsável por estruturar as bases teóricas do ativismo negro contemporâneo no Brasil. Gonzalez nasceu de uma família mineira em processo de ascensão as classes médias devido ao sucesso da carreira do irmão jogador de futebol. Ainda criança ela migrou para o Rio de Janeiro. Foi só após cursar a universidade e se casar que Lélia de fato se envolveu com o movimento negro. Gonzalez teve um experiência diferenciada de boa parte do ativismo negro na época uma vez que ela foi uma das primeiras a ter uma atuação acadêmica consistente, ter realizado pós-graduação (mestrado e doutorado), dominar outros idiomas (inglês, francês e espanhol) e circular por espaços e ter experiências de deslocamentos e contatos internacionais coisas que estavam vedados a maior parte da população de ascendência negra/africana no Brasil dos anos 1970 e 1980. Os autores conseguem mostrar como Lélia incorporou elementos de classe, raça, gênero na sua perspectiva teórica vislumbrando alternativas políticas para o movimento negro contemporâneo. Leitura imprescindível para aqueles que estudam relações raciais no Brasil.
11- De novo uma história longa. Zadie Smith é uma dessas autoras sobre a qual li vários comentários, entrevistas e resenhas de seus livros, mas que, por um motivo ou outro, sempre era colocada num canto escuro de minha mente insana (pra não dizer "podre" e "suja!) e esquecida. A última vez que li uma reportagem sobre ela havia sido num exemplar do Village Voice em novembro de 2009 (leia AQUI). Daí que estou a conversar com meu patrício conselheiro para assuntos descolados, Oga Mendonça, e esse começa a falar incessantemente a respeito dessa autora que tem um livro sobre Boston, arte, relações raciais, hip-hope mundo acadêmico. Fiquei intrigado e na minha visita ao apartamento do "casal 20" Oga e Maíra em SP, não pensei duas vezes em pedir emprestado o dito cujo do livro que era na verdade Sobre a Beleza (2007, Companhia das Letras, 448 páginas), da sofisticada e linda escritora inglesa Zadie Smith. Well, fiquei apaixonado por Zadie! Tietagem total, coisa ridícula mesmo... O livro tem uma delicadeza fora do normal. Só lembro de ter lido algo parecido nos últimos com o romance O Que Eu Amava (2004), de Siri Hustvedt, esposa do escritor Paul Auster (esse foi um presente de aniversário da minha amiga Laura Moutinho). Basicamente, a história do livro de Smith se passa entre duas famílias cujo os dois pais, professores universitários, vivem um disputa intelectual que acaba tomando contornos pessoais e familiares. Um fato que me impressionou sobremaneira foi a forma como a autora inglesa retrata um relacionamento inter-racial no livro: de forma leve e sem os velhos traumas ou acusações que sempre recaem sobre o tema. Não falarei mais de Smith, levante a sua bunda da cadeira agora e vá comprar esse livro...
12- O livro O Caderno Vermelho(2009, Companhia de Bolso, 96 páginas)do romancista novaiorquino Paul Auster foi uma indicação de meu truta Vanderson Silva, a.k.a.Vandão Profissa. Apesar de ter entre meu/minhas amigos grandes entusiastas de Auster (a antropóloga Silvia Aguião é uma delas!), nunca tinha ainda lido um livro do escritor que consegue transformar o Brooklyn em sinônimo de mundo. Nesse pequeno livro de situações reais o autor explora a coincidência e o inesperado. Algumas histórias são tão surpreendentes que parecem mesmo ter saído da imaginação do escritor quando na verdade ocorreram de fato. As histórias relatadas vão da infância até a vida adulta do autor que no próximo mês completará 64 anos de idade e demonstram como o escritor usa a sua vida cotidiana como matéria prima para suas obras e, ao mesmo tempo, como as obras adquirem vida própria e passam a interferir na vida do seu criador. É digno de nota também as técnicas de anotação e a habilidade em transformar situações triviais e banais em um texto que prende a atenção dos leitores mesmo que no fundo no fundo não signifiquem absolutamente. O Caderno Vermelhoé um bom exemplo da capacidade de um autor renomado brincar com a língua e, numa analogia ruim minha, fazer música agradável a partir de ruídos.
13- Quando estive no Brasil, no meio do ano passado, tive o prazer de comparecer ao lançamento de Nas Redes do Sexo: Os Bastidores do Pornô Brasileiro (2010, Zahar, 240 páginas), livro da antropóloga colombiana María Elvira Díaz-Benitez. Conheci María Elvira em 2002 quando fizemos um curso juntos em Salvador, Bahia. O texto é fruto da pesquisa de doutoramento de Benitez defendida anos atrás no programa de pós-graduação em antropologia social do Museu Nacional, Rio de Janeiro. Na ocasião do lançamento, que se deu na Livraria da Vila situada nos Jardins, ocorreu um interessante debate no qual compunham a mesa o diretor de filmes pornô M. Max, o filósofo e ex-diretor de filmes pornô Valter José Maria e a atriz e ex-chacrete Rita Cadilac (há um vídeo do debate no YouTube, veja AQUI). O livro de Benitez explora o universo do cinema pornô no Brasil numa perspectiva histórica e antropológica. A antropóloga mostra como a produção de filmes pornográficos no Brasil pode ser traçada a partir do final dos anos 1970 e início dos 1980 com um grupo de cineastas conhecidos como Cinema da Boca devido as produções B serem produzidas e exibidas numa área de prostituição central na cidade conhecida como Boca do Lixo. Os filmes da Boca foram os primeiros a terem sexo explícito e são posteriores ao que ficou conhecido como pornochanchada nos anos 1970. Nos anos 1990 o pornô nacional começou a ser influenciado por uma nova forma de se fazer pornô criada nos EUA e conhecida como gonzo: filmes filmados em apenas uma tomada, em formato digital, sem enredos/histórias e no qual o diretor/câmera muitas vezes faz parte da cena. A partir da daí a autora apresenta dados do seu trabalho de campo, uma vez que durante a realização de sua etnografia a antropóloga acompanhou a produção de vários filmes e entrevistou diretores, atrizes, produtores e outros profissionais que compõem esse universo. Benitez mostra como há diferenças de gênero na forma como atrizes e atores que atuam nesses filmes são tratados pela sociedade (se mulheres são estigmatizadas, homens tem a sua masculinidade reforçada) e como se dão as relações entre clubes, prostituição e filmes pornôs. Uma das conclusões da pesquisadora é que mesmo sendo transgressivo em determinadas aspectos, o pornô não deixa de reproduzir valores morais entendidos como conservadores.
14-Infiel: A História de uma Mulher que Desafiou o Islã (2007, Companhia das Letras, 504 páginas) escrito por Ayaan Hirsi Ali (foto acima) foi sequestrado da biblioteca de minha irmã, Renata Macedo, e veio parar aqui em NYC. O livro é a trajetória de vida de Ayaan Hirsi Ali, uma negra islâmica nascida na Somália em 1969 mas que foi criada entre o Quênia, a Etiópia e a Arábia Saudita. Ali ganhou notoriedade devido a ter emigrado ilegalmente para a Holanda onde pediu asilo político e posteriormente cursou graduação e mestrado em ciência política ao mesmo tempo que trabalhava como tradutora. Nesse período, Ali passou a denunciar as situações de abuso, violência e privação de liberdade em que mulheres islâmicas estavam submetidas. Em 2003 Ali conseguiu se eleger deputada pelo Partido do Povo Pela Liberdade e Democracia (partido de direita conservador) após um período trabalhando num centro de pesquisa vinculado ao Partido Trabalhista (partido de centro-esquerda). Ali se elegeu em cima de uma plataforma voltada para denúncia do Islã e nos papéis reservados as mulheres nessa tradição religiosa. No começo dos anos 2000 a então deputada conheceu Theo van Gogh, cineasta holandês, com o qual veio a realizar em 2004 o filme Submission(assista AQUI) cujo roteiro é de sua autoria. O filme busca denunciar a situação das mulheres no islã e teve uma repercussão extremamente negativa. Em novembro de 2004, van Gogh foi assassinado por um extremista islâmico que lhe cravou uma faca no peito na saída de sua casa em Amsterdam. Ali passou a viver num regime que envolvia trocas constante de casas e vigilância 24 horas por agentes do serviço secreto holandês. Após algum tempo, devido a uma controvérsia relativa ao seu processo de asilo político e entrada na Holanda, Ali renunciou a posição de deputada. Atualmente ele vive nos EUA onde trabalha para uma centro de pesquisas conservador. Apesar de ser um ótimo relato biográfico, o livro de Ali tem um forte apelo anti-islâmico e conservador. Não é coincidência que o livro tenha sido lançado num momento em que as tensões em relação a comunidade islâmica na Europa vinha tomando contornos cada vez mais violentos uma vez que o continente se tornara alvo de ataques terroristas como os ocorridos em Madri (2004) e Londres (2005). Além disso, como tive oportunidade de ouvir de minha amiga Francirosy Ferreira (antropóloga, professora da USP e especialista em islã), Ali peca por generalizações na sua forma de abordar o islã tanto no livro como na sua atuação política/ativista. O islã, segundo a pesquisadora, é muito mais diversificado e complexo do que aquele pintado por Ali em seu livro e as possibilidades de agência feminina não são inexistentes, mas devem ser pensadas dentro do contexto cultural dessa tradição religiosa. Mas isso é conversa para várias cervejas. No geral, o livro é interessante pela história de violência e superação vivida por Ali.
15- Contos Negreiros (2005, Record, 126 páginas) de Marcelino Freire era um livro que eu estava bem curioso para ler. A obra foi ganhadora do prêmio Jabuti de literatura em 2006 e minha truta Fabiana Lima sempre falava do mesmo com entusiasmo. Pois bem, cheguei em SP fui lá na Livraria Martins Fontes e comprei o dito cujo. Comecei a ler o livro tendo Angu de Sangue (2000), um dos primeiros livros de Freire, na cabeça uma vez que havia gostado do mesmo. Página 1, 2, 3, 15, 30, 40, 50 e... Não gostei! Achei chato e sem ritmo. Freire é um ótimo escritor, mas tem um texto telegráfico que, em Contos Negreiros, aproxima-se muito da poesia e pode não agradar alguns leitores (tipo eu!). Não é à toa que o livro é dedicado ao poeta Castro Alves (1847-1871) e o título da coletâneo de contos é inspirado no livro Navio Negreiro (1880). Minha impressão é que mesmo que o autor busque retratar dramas vividos por negros na vida cotidiana, ele acaba caindo numa simplificação da identidade negra e se resume a candomblé, trabalho doméstico (quase escravo), prostituição e SOFRIMENTO. Aliás, tô cansado de textos muito tristes como e vitimizadores. Ser negrão/negrona, pret@, mulat@, mestiç@, tico tico no fubá e sei lá mais o que é viver situações de discriminação, mas é tirar onda em cima delas também. E a identidade negra é muito mais complexa do que muitas pessoas pensam. Por exemplo, a junção de nordestin@s + negr@s é extremamente problemática e complexa em SP, algo que no livro de Freire é dado de barato, mas que é explorada de forma exemplar em Cidade de Deus (1997), de Paulo Lins. Mas tudo bem, pode ser só birra minha com esse livro de Freire. Já Angu de Sangue eu gostei!
16- Se você acompanha o blog há mais de um mês, deve saber que há uma resenha de Brother West Living and Loving Out Loud: A Memoir (2009, Smiley Books, 288 páginas) de Cornel West/David Ritz bem AQUI Tudo o que eu tinha pra dizer desse livro está lá!
17- The Dew Breaker(2005, Vintage/114th Edition, 256 páginas) escrito por Edwidge Danticat foi um presente da professora Keisha Khan Perry quando estive na Brown University em agosto passado. Danticat é uma das novas sensações da literatura afro-americana. Suas histórias exploram o cotidiano e a história da comunidade haitiana vivendo em NYC. Nesse livro a autora conecta diferentes histórias curtas pelas quais é possível revisitar o ilha caribenha nos anos 1970 e 1980 através das memórias dos personagens. O cotidiano de violência, mortes, instabilidade e disputas políticas além do peso e o horror do passado vividos por aqueles que migraram é retratado de forma admirável nesse livro. Algumas histórias são por demais longas e acabam por dispersando a atenção do leitor, outras, no entanto, tem uma delicadeza na forma de retratar personagens e situações só vista em grandes autores. Exemplo disso é a história do soldado de uma milícia assassina partidária do governo no Haiti que, momentos antes da queda do governo, mata o irmão de sua futura esposa. Mesmo que o casal compactue com a história esse fato é escondido da filha americana até que essa se torne adulta, quando é chegada a hora de encarar o doloroso passado que nunca os deixa em paz.
Muita Paz!
* Post escrito ao som de Ziggy Marley and The Melody Makers, álbum Joy and Blues (1993).
Mais uma vez o cabelo alisado/relaxado encontra-se sobre fogo cerrado. Mais e mais mulheres negras optam por deixar de usar produtos químicos para alisar seu cachos crespos e passam a cultivá-los de forma natural. É meio irônico o fato do termo “natural” ter sido incorporado na forma politicamente correta de se referir a cabelos crespos destituídos de intervenção química. Nos 1960 e 1970 o termo para se referir ao cabelo da negrada sem química era “black power”. O “black” também era incorporado as todas as coisas que eram negras, descoladas e tinham um “Q” de internacional. Vem daí o termo “baile black”, “salão black” e “música black”. Nos anos 1980, 1990 e parte dos anos 2000 o termo étnico tornou-se comum entre mulheres que tinham um visual mais afrocêntrico com tranças (naturais, postiças [o chamado canecalon] e dreadlocks [na época ainda chamadas de trancinhas rastafari]), batas, vestidos e turbantes feitos com tecidos de origem ou inspiração africana. O estilo usado pela cantora de neo-soulErykah Badu, no início de sua carreira nos anos 1990, é a personificação do que falo.
Mais eis que estamos no início da segunda década do século XXI. Fomos no banheiro dar uma mijadinha e descobrimos que já é 2011... A mulher preta, bonita, descolada, social e ecologicamente responsável não tem mais cabelo “black” ou “étnico”, que eram termos politicamente engajados uma vez que sinalizavam para o cabelo sem intervenção química como uma forma de aceitação da negritude. A mulher preta contemporânea antenada usa cabelos naturais e a justificação é muito mais individualista do que político coletiva. Parte das mulheres evita colocar muita ênfase na idéia de autenticidade que o cabelo crespo sem química traz, uma vez que isso a associa diretamente ao ativismo negro/político que é muita vezes entendido como radical em seus posicionamentos. Há também o incomodo de, uma vez afirmando o cabelo crespo como um símbolo dos “verdadeir@s” ou “autentic@s” negr@s, alocar de forma involuntária @s patríci@s que ainda se utilizam dos produtinhos químicos como fals@s ou men@s autênticos man@s. Daí a praticidade do termo natural, uma vez que o uso do cabelo sem intervenção química pode ser explicado de forma aracializada ou política. A justificativa é de que o não uso de produtos químicos para alisar os cabelos é saudável devido a quantidade de substancias tóxicas (como amônia) que esses contem e que podem danificar o couro cabeludo e o corpo em geral.
Nessa perspectiva, o termo natural está alocado historicamente a um contexto mais amplo em que vivemos onde o culto ao corpo e a diferença toma ares ecologicamente corretos e de classe. O uso do cabelo natural envolve, muitas vezes, o consumo de uma série de produtos orgânicos que são produzidos livres de intervenções químicas e cuja a fórmula não agride a natureza (a maioria deles, diga-se de passagem, mais caros também que a média dos produtos normais). O mesmo discurso aplica-se para o que se entende como viver bem, de forma saudável e ecologicamente correta através de um estilo de vida que incorra no não consumo de carne (vegetarianismo), prática de exercícios (dando preferência as técnicas alternativas orientais como pilates e yoga) e meditação. Em suma, a mulher preta que usa cabelo natural e que explica sua opção nesses termos constrói aquilo que o finado sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) chama de “posição de classe” alocando-se medianamente ou no topo de um espaço social que é multidimensional. Traduzindo em termos mais palatáveis, isso significa dizer que mulheres pretas que usam cabelo natural conseguem criar um estilo esteticamente apreciado devido não só por consumirem produtos mais caros para tratar dos seus cabelos, mas por justificarem suas opções de consumo de forma intelectualmente sofisticada deslocando o cabelo crespo do espaço social de estigmatizado, feio e sujo e incorporando no mesmo capital simbólico. Ou seja, "cabelo natural" é algo que mulheres distintas, seja pela beleza ou classe ou ambos, usam!
O mais interessante é que o consumo de produtos químicos em alguns contextos passa a ser patologizado e visto na forma de dependência similar a drogas. Conversando com minha amiga Fabiana Lima (que possui um canal no YouTube intitulado Beleza de Preta, visite clicando AQUI) ela comentou comigo de alguns sites e blogs nos quais mulheres fornecem testemunhos de quando usavam o cabelo alisado. O processo de “desintoxicação” é registrado através de fotos nas quais o cabelo que sofreu intervenção vai aos poucos sendo retirando através de cortes e, por fim, já com todo o cabelo natural, passa a se comemorar ou contar o tempo em que não se alisou mais o cabelo. Não é preciso ser gênio para sacar que esse é o mesmo método de trabalho dos alcoólicos anônimos ou grupos de ajuda a dependentes químicos e outras formas de vício. O relato das mulheres sempre resvala para a descrição de uma transformação sofrida e o (re)encontro com o seu corpo/cabelo.
Pensando nisso tudo, fico imaginando como seria legal fazer um trabalho analisando a corporalidade negra numa perspectiva histórica. Lembro aqui do comentário feito ontem à tarde pelo meu professor Terry Williams no seu curso Youth Culture: Sex, Drugs, Comedy. Williams descrevia como a cultura ocidental tradicionalmente tende a visualizar/olhar as pessoas frontalmente e como o hip-hop, oriundo de outras tradições culturais, desloca essa forma de olhar alocando como forma de beleza e desejo a parte de trás dos corpos: a bunda. Mas, saindo da bunda e voltando pros cabelos, acredite em mim: uma preta que usa cabelo natural não é qualquer preta!
Todas as imagens exibidas nesse post foram retiradas do blog Natural Hair Rules!, cujo arquivo de imagens é fantástico e pode ser visitado AQUI (ótimas dicas para quem busca por novos visuais!). Agradeço a minha amiga Élida Batista por ter publicado essa dica no mural do seu profile no Facebook. Para fechar com chave de ouro esse post, clique AQUI e ouça um som que é um clássico brega e DJs fizeram dele um clássico do samba-rock. Essa canção também resume um pouco da história aqui: "Deixa o Meu Cabelo em Paz" de Osvaldo Nunes.
Gostaria de estar em São Paulo hoje. Sim, um pouco por conta do feriado, mas sinto muitas saudades dessa megalópole cheia de problemas, mas também abundante em coisas agradáveis. Não posso me gabar de ser paulistano. Nasci em Limeira, cidade do interior do estado, e me mudei para a capital quando fui estudar na USP. Entretanto, desde criança sonhava em morar na "cidade grande". Isso ocorria por conta da influência de um tio já falecido chamado Messias (o nome já é sintomático de algo) que morava no fundão da zona leste paulistana. Messias, irmão mais novo de meu pai, havia migrado do sul de Minas Gerais para São Paulo no começo da década de 1970. Após poucos anos morando na Terra da Garoa, meu tio possuía um carro, uma casa própria e trabalhava numa indústria que produzia rodas para carros. Para uma família de negros cuja até aquela geração todos haviam nascido na região rural e poucos se quer completavam o ensino fundamental (naquela época, da primeira a quarta série), meu tio significava o sucesso em pessoa, pois incorporava os símbolos de status social que o poderiam diferenciar do restante da família (um emprego estável, casa própria e carro). Toda vez que meu tio nos visitava no interior eu tinha oportunidade de passear de carro (algo que raramente fazia) e ver meu pai agindo de uma forma que quase nunca presenciava no cotidiano. Ele estava entre irmãos, podia deixar de lado seu ar contido e severo que exibiam austeridade e autoridade para os filhos e estranhos. Meu tio era alto, escuro, carismático e de riso fácil. Foi por influência dele que me tornei corintiano (não um dos mais devotados!) e ainda devo a ele meu amor pela cidade de São Paulo. Minha devoção e esse time e essa cidade já haviam sido antecipados numa foto do final dos anos 1970 em que eu, por volta dos meus cinco anos, estou no Viaduto do Chá vestindo um camisa do Timão. Minha melhor foto até hoje!
As duas fotos que ilustram esse post são da antiga Estação Rodoviária de São Paulo (demolida ano passado) que funcionou em frente a Praça Júlio Prestes entre 1961 e 1982 tendo sido construída na administração do prefeito Adhemar de Barros. O prédio foi alocado naquela área sem nenhum planejamento e foi em parte responsável pela deterioração dos seus arredores. Entretanto, o design do prédio, de arquitetura kitsch, sempre exerceu fascinação sobre mim com suas bonitas placas coloridas. Leia reportagem sobre a demolição do prédio clicando AQUI. A rodoviária velha foi a porta de entrada de São Paulo para meu tio, para mim e várias outras pessoas que hoje amam a cidade como se tivessem nascido nela.
Negr@s Metid@s (da série “Grandes Figuras da Negritude Brasileira: ensaios em densa profundidade do Doutor Altamiro Brandão, Ph.D. em Negrologia”)
O negro ou negra metida é o oposto do negro ou negra normal, aquele ou aquela negra que conhece o seu lugar. O negro metido ou negra metida é o tipinho que se veste bem e fala corretamente sem o uso de gírias como “mano”, “truta”, “é nóis” e por aí vai, certo? Eles são gente metida à besta que usa termos como “hipoteticamente”, “paradigma”, “indubitavelmente”, “perspectiva”, “procrastinação” e “postergando” cujo significados eles provavelmente não sabem, mas devem achar bonito a sonoridade e um "Q de gente inteligente com um QI superior que elas carregam ao serem pronunciadas. Geralmente o negro ou negra metida diz ter um emprego estável e dirige um carro nacional caro ou importado, mas vive reclamando que é constantemente parado pela polícia e confundido com bandido. Que neurose! Freqüentemente o negro ou negra metida se apresenta como médic@, advogad@, empresári@, professor/a universitário/a e outras profissões em que raramente se vê um/uma negro normal. Negros ou negras metidas tem mania de falar sobre a universidade pública ou privada de elite que cursaram e como ele/ela era o/a únic@ negr@ da turma, fato que fazia tudo ser mais difícil de acordo com o/a mesm@. O negro ou negra metida domina, por razões profissionais, outro idioma além do português, algo como inglês, francês, espanhol (alguns ousam até o alemão!) e vive com um livro a tiracolo fazendo de conta que o lê como se estivesse na recepção de um psicólogo onde faz terapia por conta da esquizofrenia que diz sofrer devido sua condição de negr@ metid@. Cômico! Você já viu um negro normal lendo ou indo ao psicólogo? O negro metido ou negra metida não quer morar na periferia, subúrbio ou favela e matricula os filhos em uma instituição de ensino particular a qual se refere como “colégio” e não “escola” só para o/a filha ter a experiência de ser o/a únic@ negrinh@ metidinh@ da classe. O negro ou negra metida viaja muito, geralmente de avião, e sente-se ofendid@ quando nas aeronaves ou no saguão do aeroporto alguém pergunta a ele/ela se o mesmo é pagodeiro, boleiro, atriz, ator ou dançarina de show de mulatas como o do saudoso Sargenteli: “Mas eu já te vi na televisão?” é a pergunta que sempre enfurece negros ou negras metidas. Que coisa, todo mundo quer ser confundido com gente famosa menos essa categoria ingrata dos negros ou negras metidas. Mas a negra metida fica de fato PUTA da vida quando acham que ela é uma PUTA PUTA MESMO disfarçada de profissional liberal circulando por um hotel cinco estrelas numa região nobre de São Paulo que sedia um seminário internacional. Você sabe como essas PUTAS são uma PUTA FODA que na verdade estão na captura de um gringo! Há negros e negras metidas que são tão atrevidos ao ponto de apreciar música clássica deixando de lado a batucada dos nossos tantans. Em termos musicais há ainda os negros metidos entendidos de jazz, ritmo importado dos patrícios upitty niggers da América, mas atualmente só apreciado por brancos além de negros metidos, é claro. Negr@s metid@s gostam de comprar roupas e sapatos em lojas de shopping centers caros que geralmente não estão preparados para lidar com a categoria de negr@s metid@s uma vez que lá, como ainda em vários outros lugares, só existe a categoria dos negros normais com sua vocação natural para a área de segurança e limpeza. O negro ou negra metida não é patriota ou nacionalista, já que diz ter se sentido muito bem na sua viagem aos Estados Unidos da América, um país RACISTA em que brancos e pretos até bem pouco tempo atrás viviam separados e lugar onde o presidente é um negro metido com nome esquisito. Ora bolas! A única raça existente é a humana e nós, como bons e felizes brasileiros mestiços, NÃO SOMOS RACISTAS que nos deixamos levar por UMA GOTA DE SANGUE para fazer a diferença. É ou não é, Mané? Mas de acordo com o negro ou negra metida nos States ele/ela pode se encontrar com a versão gringa do negr@ metid@, o upitty nigger, e trocar figurinhas sobre o que é ser um negr@ metid@ dentro de uma dimensão global articulando-se com negros e negras metidas de outras partes do mundo. Enfim, negros e negras metidas são uma epidemia de ordem nacional e é preciso fazer algo para conter a expansão desse grupo. Afinal, se a Terra Brasilis foi construída com o trabalho e energia de negros e negras normais, o que faremos sem eles? Meu Deus! Como viveremos sem nossas mucamas modernas e capitães do mato contemporâneos? Ou o que será da seleção brasileira de futebol sem novos Pelés, Garrinchas, Diamantes Negros e Didis? Imagine se todos os negros e negras normais aspirarem se tornarem negros e negras metid@s indo para universidades por meio dessa estapafúrdia idéia de cotas ou ação afirmativa tornando-se todos profissionais liberais, engenheiros, embaixadores? Perderemos mais uma Copa do Mundo? Quem cuidará da faxina de casa ou da molecada? Não... Negros e negras metidas go away: nossos japoneses são mais criativos e o problema aqui é de classe, coisa que negros normais ainda não possuem e negros e negras metidas tem em demasia!
Sim, preguiça de escrever, mas vontade de postar uma coisinha. Assim sendo, enquanto meu post sobre os livros que li em 2010 não sai (tá longo pacas!), vai pipocando uns textos curtinhos escritos por mim mesmo ou roubados aqui e ali. Hoje quero recomendar o site super charmoso de duas irmãs etíopes que residem em Oakland, California, intitulado Afro Urbanites. Cheguei até ele por intermédio de minha amiga Ogonnaya Dotson-Newman, uma californiana moradora de Bed-Stuy (Brooklyn, NYC). A proposta da parada é próxima de uma revista eletrônica focada na experiência de ser um "novo africano" ou descendente de africanos vivendo em qualquer canto do mundo. Aqueles temas que todo já sabe entram na pauta: moda, música, comportamento, vida saudável, ativismo, comida e outras paradinhas. Tem até umas dicas de como fazer um rango etíope. Já pensou trutão, você surpreendendo a nega véia com uma comida da terrinha? As garotas mantêm também um blog bem legalzinho e foi de lá que roubei o que estou postando aqui hoje. Vai lendo aí, o texto original em inglês tá AQUI Ó... (porque aqui no NewYorKibe a gente mata a cobra e mostra o pau!)
STROMAE
O cantor belgo-ruandês Stromae encarna aquilo que significa ser um "New African". Sua canção "Alors sobre Danse" (Então Eles Dançam) já conseguiu um imprevisível sucesso mundo devido a ele mesclar suavemente hip-hop e música eletrônica para criar seu próprio som. Stromae criou seu nome pela inversão das sílabas da palavra "maestro". Nascido de pai ruandês e mãe belga, Stromae descobriu uma maneira de integrar a identidade africana num contexto europeu. Sua música é um belo exemplo do que parece vir a ser o "New African".
Quero fazer um post rápido hoje. Basicamente, estou morrendo de vontade de ler todos os livros da coleção Personalidades Negrasda editora Garamond. Não sei como anda a divulgação dessa coleção em jornais e revistas aí no Brasil, mas que ela deveria merecer atenção especial isso deveria. Fiquei sabendo da parada meio que por acidente. Dias desses conversava com Fabiana Lima que estava lendo uma biografia de Dona Ivone Lara escrita por nossa amiga em comum Kátia Santos. Quando visitei o blog de Kátia, o WebNeguinha, vi que a capa do livro que ela tinha escrito era bastante parecida com a de um livro sobre Emanoel Araújo e que tinha tomado ciência lendo o blog da escritora Cidinha da Silva. Mais alguns minutos xeretando e descobri que os mesmos faziam parte de um coleção que conta com 11 interessantíssimos títulos. Além do livro de minha amiga exposto ao lado e intitulado Ivone Lara: a dona da melodia a coleção conta com os títulos Aleijadinho: homem barroco, artista brasileiro, de Maria Alzira Brum Lemos, Carolina Maria de Jesus: uma escritora improvável, de Joel Rufino dos Santos, Cruz e Souza: o poeta alforriado, de Godofredo de Oliveira Neto, Emanoel Araújo: o mestre das obras, de Nelson Inocêncio, José do Patrocínio: a imorredoura cor de bronze, de Uelinton Farias Alves, Machado de Assis: num recanto, um mundo inteiro, de Dau Bastos, Mãe Beata de Yemonjá: guia, cidadã, guerreira, de Haroldo Costa, Mestre João Grande: na roda do mundo, de Maurício Barros de Castro, Pelé: estrela em campos verdes, de Angélica Basthi e Tia Carmen: negra tradição da Praça Onze, de Yara da Silva.
A chegada de uma coleção desse calibre é gratificante tanto para os pesquisadores de temáticas afro-brasileiras como o público mais amplo que deseja conhecer mais sobre negros e negras ilustres, mas que não tiveram a oportunidade de serem conhecid@s fora de seus redutos de atuação. Esse é o caso, por exemplo, de Tia Carmen, uma figura cuja trajetória está vinculada a cidade do Rio de Janeiro e área conhecida como Pequena África, simbolicamente tido como o local da formatação do samba no seu formato contemporâneo. Ainda me lembro que ao resenhar o livroArtes do Corpoem 2004, dei início ao texto da seguinte forma: "Ao atentarmos para a historiografia brasileira, percebe-se que a despeito dos afro-brasileiros terem contribuído de maneira significativa para a constituição daquilo que conceberíamos como "cultura" ou "identidade nacional", há pouquíssima produção que trate de evidenciar os negros como produtores culturais do ponto de vista individual". Espero que o livro organizado pelo meu amigo antropólogo Vagner Gonçalves da Silva sete anos atrás assim como a recente coleção Personalidades Negras sejam passos no sentido de reverter essa realidade.
O Caribe é uma espécie de Bahia gringa. Assim como nosso estado brasileiro, essa região é marcada pela presença negra que remonta a quatro séculos e pela existência de uma incrível quantidade de ritmos musicais. Outros elementos menos agradáveis também aproximam essas duas regiões como a pobreza e a existência de preconceito e discriminação contra os descendentes de africanos. Estou lendo um livro interessante intitulado Rastafari: roots and ideology(1994), do antropólogo Barry Chevannes, o qual afirma que as ilhas do Caribe receberam um terço de todos os escravos trazidos para as três Américas durante o tráfico negreiro. No caso da Jamaica (bandeira acima), o comércio de escravos foi responsável por aportar na ilha 700.000 africanos que foram utilizados para trabalhar nas plantationsde cana de açúcar e posteriormente formaram o maior grupo racial do país. Talvez os dois jamaicanos mais ilustres e conhecidos mundo afora até hoje sejam o líder nacionalista negro Marcus Garvey (1887-1940) e o cantor de reggaeRobert Nesta Marley, a.k.a. Bob Marley(1946-1981).
Reggae, calypso,dub, ska,rock-steady e raggamufinsão ritmos jamaicanos já conhecidos do público em geral. Outro menos conhecido é o mento, business dos "nego véio" charmosos do The Jolly Boys. O grupo tem um longa história que remonta aos anos 1950. Segundo consta, mento é a base de todos os outros ritmos locais citados anteriormente e era tocado por grupos musicais nos salões de baile da ilha nos 1950 e 1960. Porém, muitas vezes o ritmo era promovido como calypso para facilitar o entendimento e atrair a atenção dos turistas. O mento foi eclipsado pela ascensão do reggae nos 1970 e passou a ser uma jóia desconhecida daqueles que não tinham oportunidade de visitar a ilha ou eram realmente entendidos de música jamaicana apesar da grande popularidade dos The Jolly Boys no país. Nos anos 1980 e 1990 o grupo finalmente conseguiu repercussão internacional na categoria de world musiclançando dois discos: Pop 'n' Mento (1989) e Sunshine 'n' Water(1991). Ano passado veio a luz o novo projeto do grupo intitulado The Great Expectation: The Jolly Boys Featuring Albert Minott, álbum constando de 13 faixas e cujo carro chefe é uma regravação do hitRehab, de Amy Winehouse. Atualmente o grupo é formado por Derrick "Johnny" Henry (rumba box), Joseph "Powda" Bennet (maracas), Egbert Watson (banjo), Allan Swymmer (percussão) além do vocalista Albert Minott com seu jeito carismático e sua voz rouca e charmosa que é uma mistura de Louis Armstrong com Nat King Cole. O resultado pode ser conferido no vídeo de Rehab, que segue logo abaixo.
O mini-documentário de sete minutos e meio The History Behind The Jolly Boysapresenta os músicos da banda.
Agradeço minha amiga Laura Moutinho por ter me enviado a dica dos velhinhos charmosos jamaicanos.
Texto interessante enviado por minha amiga Fabiana Lima... Ele pode ser lido no seu link original clicando AQUI O Silêncio do Macho Mulheres e gays nunca falaram tanto sobre o que são e o que querem. Mas qual é o desejo dos homens heterossexuais nos dias de hoje? Eliane Brum
ELIANE BRUM ebrum@edglobo.com.br
Repórter especial de ÉPOCA, integra a equipe da revista desde 2000. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de Jornalismo. É autora de A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).
O sociólogo francês Daniel Welzer-Lang (foto abaixo)está no Brasil para falar de seu novo livro, ainda sem tradução para o português. Nous, les mecs poderia ser traduzido como “Nós, os machos” ou “Nós, os caras”. Nele, o sociólogo, professor titular do departamento de Sociologia e pesquisador do Laboratório Interdisciplinar Solidariedades, Sociedades, Territórios, da Universidade de Toulouse II, fala sobre algo crucial do nosso tempo. Estudioso da masculinidade e da violência, Welzer-Lang diz: “Nós estamos vivendo, hoje, uma época paradoxal: nunca antes as mulheres, ainda submetidas a formas variadas de dominação masculina, falaram, discutiram e contestaram tanto. Nunca antes os gays, lésbicas e bissexuais abordaram tanto seus modos de vida. Entretanto, os homens continuam em silêncio”. Welzer-Lang cita o sociólogo canadense Marc Chabot: “A palavra dos homens é o silêncio”.
O que é ser homem, hoje? Pergunta difícil. O lugar do homem no mundo contemporâneo é uma excelente pergunta ainda com poucas respostas. Provavelmente porque a crise da masculinidade levará não a um modelo fechado, mas a múltiplas possibilidades. No espaço público e privado, os homens pouco debatem suas dores, muito se debatem com as fronteiras difusas do seu papel. Tenho observado a trajetória errática de amigos e conhecidos, tentando entender o que o mundo – e as mulheres – espera deles. E sem coragem de fazer uma pergunta mais perigosa, que vai doer mais, mas talvez os leve para um lugar no qual possam se reconhecer: qual é o meu desejo?
Perguntar sobre o que somos é sempre uma indagação sobre o desejo. Penso que os homens heterossexuais têm se perguntado muito pouco sobre seu desejo. Quase como se não tivessem direito à pergunta, menos ainda à resposta. É como se, culpados por séculos de opressão das mulheres e igualmente condenados por séculos de afirmação homofóbica, não tivessem direito a querer nada. É a vez das mulheres, dos gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros pronunciarem o seu desejo – e quanto mais alto melhor. Aos homens heterossexuais coube introjetar um “cale-se, vocês já falaram durante séculos”. Resta a eles o silêncio.
Voltam-se então para o que nós, as mulheres héteros, cada vez mais verborrágicas, esperamos deles. E nós, também tão confusas sobre o que esperar de nós mesmas, diante de tantos imperativos à altura apenas de super-heroínas, os enlouquecemos. O “homem novo” seria uma mistura de ursinho puff com godzilla (meigo, mas com pegada). Potente, mas voltado apenas para a satisfação do nosso desejo, ele teria de alcançar, nos confins do nosso corpo, pontos nebulosos cada vez mais avançados no alfabeto.
O “homem novo” deve ser sensível, mas se “falhar” no sexo, algumas de nós contarão do “fracasso” para a amiga com secreta satisfação no dia seguinte. E ele nunca mais será olhado com o mesmo respeito. Enchemos a boca para falar de nossa carreira, de nossa independência e do dinheiro que ganhamos, mas não estamos muito dispostas a sustentar um marido desempregado ou num mau momento profissional, sem considerá-lo um loser. Reservamos epítetos machistas para as ex-mulheres de nossos homens, e muitas de nós competem com as filhas desses casamentos como se disputássemos o mesmo lugar.
Por outro lado, esperamos que eles sejam os pais de nossos filhos, quando soar o alarme dos 30 e poucos, mas também podemos reduzi-los a um espermatozóide anônimo num banco de esperma, se for necessário. E se eles não quiserem ter filhos, uma escolha legítima nos dias de hoje, pelo menos para nós, no caso deles é porque não cresceram, seguem estacionados na adolescência e, de novo, não conseguiram tornar-se homens.
Esse comportamento não é circunscrito às mulheres de classe média. Tenho observado e conversado com mulheres pelas periferias de São Paulo. Muitas sustentam a casa, criam os filhos e não sabem bem para que serve o homem dentro de casa. Algumas parecem manter os maridos por uma crença de que é importante, ainda que devido a um certo status na comunidade, ter um. Mas não têm muita esperança de descobrir para que mais servem. E falam deles com um desprezo acachapante.
No mesmo sentido, basta ir a qualquer bairro de periferia de uma grande cidade, para descobrir que as mulheres não estão em casa durante o dia, mas muitos homens sim. E para não assumir o território ainda tabu do lar, ficam pelos bares, pelas ruas, se alcoolizando ou se drogando. Ou arrumando briga, a violência como um espaço que ainda reconhecem como seu. Sem trabalho, sem perspectiva, sem lugar. E sem conseguir verbalizar essa dor, menos ainda elaborá-la.
Se perguntarem a nós, mulheres-alfa (!!!?), o que esperamos do novo homem, machos de todas as classes sociais vão descobrir que é muito mais fácil passar por um ritual de virilidade de alguma tribo indígena. Ou matar um lobo numa caverna, como fez Leônidas, o rei de Esparta, no filme 300. Aliás, num mundo em que todos os rituais e os privilégios do macho foram eliminados ou estão sub judice, como se reconhecer? Como não silenciar diante do barulho dos “dominados”, que invocam o direito de igualdade? Como saber o que é um homem se não é preciso mais de um nem para fazer um filho?
Em uma entrevista ao Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM), uma das entidades que o trouxe ao Brasil, Welzer-Lang diz, com muita lucidez: “Nós somos socializados, enquanto dominantes, na luta para ver quem é o melhor, o mais forte. Mas também somos socializados de maneira homofóbica e vistos como ‘os grandes incapazes afetivos’. É tempo de os héteros fazerem também seu coming out, falarem da pluralidade de seus desejos e de suas práticas”.
Sou otimista. Acredito que essa profunda crise do masculino levará a homens muito mais livres em suas possibilidades. E penso que cabe a nós, mulheres, suspender um pouco a nossa verborragia tão perto da histeria e escutar com mais generosidade nossos parceiros. Escutar sem os preconceitos dos tantos papéis que assumimos – e dos tantos que impingimos a eles. Escutar é talvez o mais profundo ato de amor. E é sempre um começo sedutor para um encontro entre corpos com alma.
Os homens não são os únicos a bater cabeça por aí. Também nós sofremos e nos confundimos o tempo todo. Assim como continua não sendo fácil ser gay, lésbica ou transgênero. Mas acho que hoje é mais difícil para um homem saber o que é, qual é o seu lugar e qual é o seu desejo. Penso que são os homens heterossexuais que hoje vivem um grau variado de repressão. E, diante de demandas tão contraditórias, sofrem sem ousar perguntar qual é o seu desejo. A esses homens, sugiro suspender por um tempo a questão do que nós, mulheres, esperamos de vocês – e passar a perguntar o que querem de si, para si.
Minha geração, que já passou a casa dos trinta, cresceu ouvindo hip-hop. Meus ídolos na adolescência foram Public Enemy, Thaíde e DJ Hum e Racionais MCs. Dia desses ao ouvir raps de décadas passadas algo que me veio à cabeça foi a pergunta: por que rappers não rimam mais sobre relações amorosas? De tempos pra cá só é possível ver nossos trovadores urbanos declarando seu amor as suas mães. Mas e as outras mulheres? Sim, há outras mulheres nas canções, mas elas sempre ocupam um lugar negativado: traiçoeiras, interesseiras, depravadas e promíscuas. Resumindo: ou elas são as digníssimas mães (próximas de santas) ou são a personificação de prostitutas cujo objetivo é levar vantagem sobre homens ingênuos. A pergunta que não quer calar é: o que aconteceu com o amor romântico no hip-hop? Onde estão as mulheres que não se enquadram nos estereótipos de progenitora ou meretriz nas letras das canções? Tentarei responder essas questões ao final desse longo post.
Minha tese central é de que o hip-hop nunca esteve à vontade para falar de amor devido a dois motivos. O primeiro diz respeito a uma compartimentalização da música negra norte-americana no que diz respeito a tópicos. Relações amorosas sempre foi uma tema restrito ao soul, rhythm and blues e derivados contemporâneos como o neo-soul. Marvin Gaye, Barry White,Al Green eram e ainda são os grandes galãs e fazedores de ritmos que marcavam as baladinhas em que os pares dos casais dançavam coladinhos um ao outro. Por outro lado, o hip-hop ou a sua música, o rap, focavam como tópicos de suas letras temas mais diversos como festas, relatos cotidianos, brigas e disputas. Além disso, o imaginário construído em torno da figura do rapper o apresentava como uma espécie de tough guy (rapaz durão), o tipo de identidade masculina mais comum nas classes trabalhadores (meio no qual o hip-hop surgiu). Assim sendo, um homem falar em amor no contexto desse imaginário era entendido como demonstração de fraqueza e feminilidade. Sumarizando, Teddy Pendergrass sempre esteve autorizado a falar de amor, algo que não seria aceito tão facilmente vindo da parte de um Grandmaster Flash,já que isso afetaria sua credibilidade como rapper. Well, podemos complicar a história, obviamente. A golden era do hip-hop (1986-1993) registra várias canções em que rappers falam abertamente de sentimentos. Lembro que nos idos dos anos 1990 presenteei uma paquera minha com um álbum de LL Cool J em que uma das músicas falava justamente da necessidade de amor. I Need Love (1987) pode ser considerada o primeiro rap balada e fez grande sucesso numa época em que diferentes estilos de rap ainda não estavam tão bem estabelecidos. Assista o vídeo de LL Cool J logo abaixo e confira...
O sucesso da canção de LL Cool J deixou rappers mais à vontade para explorar esse terreno e outras coisas interessantes surgiram. Um som que não me sai da cabeça é Minha Mina (ouça AQUI) música que consta do primeiro álbum de Thaide e DJ Hum intitulado Preste Atenção lançado em 1989. Thaide rima as qualidades de sua amada e a atração que sente por ela em cima de um quase break beat que no refrão é combinado ao sample de For The Love of You (ouça AQUI) um clássico de 1975 doThe Isley Brothers e sucesso certo em qualquer baile nostalgia de São Paulo (beijei muita preta dançando esse som!). Ainda nesse disco do grupo de rap paulistano havia a canção Coisas do Amor (ouça AQUI), uma balada no melhor estilo black falando de separação e de um amor perdido cujo sample para a base foi retirado da canção do grupo Tavares, Never Had a Love Like This Before (ouça AQUI) de 1979.
Na gringa em 1989 o grupo De La Soullançou seu álbum 3 Feet High and Rising que continha a canção "Eye Know." A letra é um cortejo em que o rapper tenta convencer sua paquera que as qualidades dele são melhores que de seus concorrentes. As referências a sexo são tímidas e passageiras. O refrão confirma isso quando ele diz que "eye know eye love you better" (eu sei que eu a amarei melhor). Esse mesmo esquema foi seguido no ano seguindo pelo grupo A Tribe Called Quest numa canção que se tornaria clássica no universo do hip-hop:"Bonita Applebum". Constando como uma faixa do álbum de estréia do grupo intitulado People's Instinctive Travels and the Paths of Rhythm, a canção é um flerte no qual os rappers do A Tribe... tentam impressionar uma suposta garota, Bonita, com o refrão "Bonita Applebum you got put me on." O sample usado na produção da faixa foi retirado da canção "Memory Band" (1967) do grupo Rotary Connection (ouça AQUI). Tanto a canção como o vídeo são leves, sem referências sexuais e lembram uma turma de adolescentes descobrindo as delícias da paquera e do amor através de flertes e festinhas. Há rumores de que a garota referida na música era amiga de Q-Tip no colégio onde ele e seus amigos estudavam. As batidas do grupo, sempre produzidas com samples de jazz e soul, dão uma noção de como era a sonoridade do hip-hop mais alternativo produzido em NYC nessa época e que tinha representantes nomes como Gangstare Digable Planets. Assista o vídeo do A Tribe logo abaixo:
Mas estávamos nos anos 1990. Muita coisa acontecia e uma delas era a chegada de fato do gangsta rap ao mainstream com o sucesso das carreiras de rappers da costa oeste norte-americana, leia-se Los Angeles: Ice-T, N.W.A (Niggers With Attitude), C.M.W. (Compton Most Wanted), Too Shortdentre outros tinham uma maneira bastante peculiar de referir as mulheres. O gangsta rap era entendido como uma espécie de hardcore rapincorporando temas como violência policial, drogas, o cotidiano e as disputas entre gangues. Termos como bitch, ho, slut, goldigger, chicken head passaram a ser formas comuns de se referir a mulheres nas letras de raps que sempre eram associadas a prostitutas, interesseiras e vistas exclusivamente como objetos de prazer sexual. Em 1990 o grupo paulistano Racionais MCs lançou seu primeiro álbum intitulado Holocausto Urbano no qual a canção "Mulheres Vulgares" (ouça AQUI) já ressoava a influência e atitude gangsta (no fundo nada mais do que machismo aberto e declarado) em relação as mulheres. Nessa faixa Mano Brown (à época apenas "Brown") e Edy Rock simulam uma conversa de telefone onde conversam a respeito de mulheres, o refrão é claro "mulheres vulgares, uma noite e nada mais." Assim sendo, o amor desaparece. As únicas mulheres retratadas são aquelas moralmente equivocadas devido a sua profissão (prostitutas) ou ainda outras que não são necessariamente prostitutas mas que agem como tal dormindo com vários homens e interessadas no que eles podem lhe oferecer em termos materiais.
Um outro fato que deve ser lembrado e é notado por alguns intelectuais que tem escrito sobre hip-hop nos EUA como Cornel West (leia Questão de Raça [1994]), Paul Gilroy (leia Entre Campos [2007]), e Tricia Rose (leia Hip-Hop Wars [2008]) é que o gangsta rap incluía em sua fórmula de se fazer rap o machismo, misoginia e sexualização de corpos femininos e negr@s que permeiam toda a sociedade americana, mas que permaneciam até aquele momento numa espécie de subterrâneo ou eram um "assunto tabu" para usar uma expressão de West. Retratar mulheres como prostitutas, interesseiras ou hiper sexualizadas deixava rappers à vontade para lidar com temas que envolviam relações de gênero, uma vez que essas representações se encaixam perfeitamente à identidade masculina prevalecente entre jovens negros e latinos, pobres, da classe trabalhadora e vivendo em áreas urbanas deterioradas, as inner-cities. Mais: a mercantilização desse tipo de rap também tinha como público ávido uma classe média branca fascinada com corpos negros e histórias de violência. O processo de sexualização da música negra não se restringiu ao rap. O dancehall e o rhythm and blues também foram ritmos que incorporaram de forma crescente essa tendência. Como mostra Paul Gilroy artistas como Jodeci, R. Kelly (foto abaixo), Lady Saw, Super Cat dentre outros deram suas contribuições a essa tendência ao dois ritmos citados anteriormente e que tiveram como ancestrais o reggae, no caso do dancehall, e o soul, no que diz respeito ao rhythm and blues.
Mas nem tudo estava perdido. Em 1991 o grupo inglês PM Dawn lançou o seu primeiro álbum Of the Heart, of The Soul and of the Cross: The Utopian Experienceemplacando a faixa "Set Adrift on Memory Bliss."Essa garotada realmente representava um estilo diferente no universo do hip-hop uma vez que o visual dos irmãos Attrel e Jarret Cordes não se enquadrava em nada do que se via nos EUA à época. Nem batas afrocêntricas nem uniformes de presídios ou calças baggy, mas sim um vestimenta que poderia ser classificada como neo-hippie. Novamente a letra da canção descreve um encontro e cortejo cujo refrão deixa claro a primeira impressão deixada pela garota: "benzinho, você me joga num barco de felicidades atracado na memória." A música se enquadrava bem ao estilo dessa rapaziada: calma e estilosa, perfeita com o sample da canção True(1983), do grupo Spandau Ballet (ouça AQUI). Assista ao vídeo do PM Dawn logo abaixo...
Para não deixar nosso país de fora, vale a pena lembrar que em 1992 a dupla Thaide e DJ Hum (foto abaixo) lançou o disco Humildade e Coragem São As Nossas Armas Para Lutarque continha a balada "A Noite." A canção não é necessariamente uma balada romântica, mas se enquadra perfeitamente na forma que rappers falam de sentimentos, ou seja, comendo pelas beiradas. A letra de Thaide é, de certa forma, uma declaração de amor a noite com suas belezas e perigos (ouça AQUI)
Em 1992 Apache, rapper de New York City falecido ano passado, fazia sua declaração de amor em "Gangsta Bitch",canção que iria compor seu álbum solo, Apache Ain't Shit, lançado no ano seguinte. Ou seja, de acordo com ele, para um truta gangsta nada melhor do que uma garota tão durona quanto ele próprio. A letra é clara: "I need a gangsta bitch... Puffin on a blunt, sippin on a Heineken... Give a ghetto girl, kick this Soul Train hoe..." (Eu preciso de uma puta gangsta... Puxando um baseado, tomando uma Heineken... Dê-me uma mina do gueto, dê um pé na bunda dessa vagaba Soul Train). Well well, esse era o estilo gangsta de falar de amor. Veja o vídeo aí...
Em 1993 o rapperBig Daddy Kane fez um dueto com Spinderella na canção Very Special (ouça AQUI) no que era uma das faixas do álbum Looks Like a Job For... Novamente a fórmula do encontro da mulher perfeita, cortejo e xaveco em cima de rimas. No entanto, Big Daddy se diferencia uma vez suas rimas são bem superiores em relação as letras de outros rappers. Ele consegue realizar uma cantada sem cair em frases açucaradas, mas sim se utilizando de ironia e referências a outros cantores. É possível notar isso quando ele diz "Cuz I fell straight into your trap/And since they say love is blind/I'm the Ray Charles of rap" (Porque eu me sinto preso na sua armadilha/E uma vez que dizem que o amor é cego/Eu sou o Ray Charles do rap)...
Nesse mesmo ano, Los Angeles dava provas de que mesmo sendo a capital do gangsta rap ainda havia grupos e canções que não se enquadravam totalmente nesse estilo. A canção "Passin' Me By" consta como uma das faixas do álbum Bizarre Ride II The Pharcyde do grupo Pharcyde e descreve a história de um garoto e sua paixão platônica por sua bela professora cujo marido é um bandido. Mesmo após ele crescer, ela continua apenas "passando por ele" em sua vida, o que confirma o aspecto central desse tipo de amor: a impossibilidade dele se realizar. Na minha opinião, o videoclipe dessa canção é um dos mais belos feitos na história do hip-hop: é sexy sem chegar a vulgaridade. Assista aí e dê sua opinião...
Ainda continuamos em 1993. "Lots of Lovin" é outra de minhas canções preferidas. Pete Rock e CL Smooth lançaram nesse ano o álbum Mecca and The Soul Brother que continha essa música como uma das faixas. Yeah, finalmente uma declaração de amor em que CL Smooth rima retratando o cotidiano de um casal e fazendo juras de amor a sua amada. O vídeo também é legalzinho, vê aí:
Para terminar aquele ano ainda teríamos na gringa um outro lançamento de peso com nada menos do que 2Pac (aquela época ele escrevia assim seu nome artístico) pondo na rua seu segundo álbum intitulado Strictly 4 My N.I.G.G.A.Z. e contendo uma faixa que se tornou clássica, "Keep Ya Head Up." A canção, produzida em cima de um sample da maravilhosa "Be Alright" dos irmãos Zapp & Roger (ouça AQUI), não falava de amor propriamente, mas era uma espécie de mensagem aberta as mães solteiras dependentes do welfare afirmando que elas não deveriam se render as dificuldades e "manter a cabeça erguida" ao criar seus filhos com ou sem a ajuda dos pais. 2Pac ou Tupac é realmente cativante nessa canção. Em determinada altura ele se pergunta: "I wonder why we take from our women/Why we rape our women, do we hate our women?/I think it's time to kill for our women/Time to heal our women, be real to our women"(Eu me pergunto por que nós desvalorizamos nossas mulheres/Por que nós estupramos nossas mulheres, nós odiamos nossas mulheres?/Eu acho que é hora de matar por nossas mulheres/Hora de curar nossas mulheres, sermos honestos com nossas mulheres). O rapper colocava nas rimas sua própria experiência pessoal uma vez que ele também havia sido criado por uma mãe solteira. Afeni Shakur era ativista dos Black Panthers Party e soube que estava grávida de Tupac quando encontrava-se presa. A ironia dessa canção é que mesmo tendo escrito essas rimas tão engajadas e belas em novembro desse mesmo ano o rapper seria preso, e posteriormente condenado, por ter, junto com dois de seus seguranças, estuprado um fã num quarto de hotel em NYC. Assista o vídeo de "Keep Ya Head Up":
Em 1994 a onda gangsta já havia dominado New York Shit. Talvez o melhor representante da versão gangsta da Big Apple tenha sido nada mais nada menos do que Notorious BIG. Nesse ano cairia nas ruas seu álbum de estréia entitulado Read to Diee que contava com a faixa "Me and My Bitch"cuja letra estabelecia a maneira thug life de falar sobre relacionamentos. A faixa tem início com Puffy Daddya capela perguntando a uma voz feminina se ela mataria alguém por ele.Nasequencia Notorious entra rimando e relatando a história do encontrou de uma verdadeira mina que o apoiava em todas as horas, fazia sexo como ninguém assim comobrigava com ele como ninguém e o ajudava nos seus planos de gangster até ser morta por seu inimigos. A canção de BIG é a clássica história de um amor bandido numa versão feminina. Ouça a canção AQUI
Outra canção desse álbum que se tornaria clássica é "Big Poppa" que descreve o lifestyle de um verdadeiro player com baladas, consumo conspícuo e uma grande lábia para ganhar dinheiro, atrair e se relacionar com várias mulheres ao mesmo tempo além do convívio com mulheres espertas que tiram proveito de homens ingênuos. O sample usado na produção dessa faixa foi retirado da canção Between the Sheets do grupo The Isley Brothers(ouça AQUI). Na minha opinião, o refrão de "Big Poppa" é um dos mais divertidos do hip-hop: "I love it when you call me Big Pop-pa/ Throw ya hands in the air, if you's a true playa/I love it when you call me Big Pop-pa / To the honnies gettin money playin fellas/niggaz like dummies uh / I love it when you call me Big Pop-pa / You got a gun up in your waist please don't shoot up the place (why) Cause I see some ladies tonight that should be havin my baby Bay-bey" (Adoro quando vocês me chamam de Big Pop-pa / Jogue suas mãos para o alto se você é um verdadeiro player/ Adoro quando vocês me chamam Big Pop-pa/ Para todas os docinhos ganhando uma grana fazendo esses trutas/pretos de trouxa uh / Eu adoro quando vocês me chamam de Big Pop-pa / Você aí que tem um cano na cintura por favor não dê uns pipocos no salão (porque?) Por que eu tô vendo umas minas essa noite que deveriam ter meu bebê). Assista o vídeo aí...
Malcolm X disse em sua auto-biografia que a prisão é um ótimo lugar para refletir sobre a própria existência, uma vez que não há muita coisa para fazer além de ler, pensar e sofrer. É uma filosofia bastante dura, mas que tem lá a sua razão se pensarmos os livros que foram escritos ou discos produzidos na cadeia. Essa é quase a história do álbum Me Against the World, terceiro disco de Tupac lançado em 1995 quando o rapper estava preso. O artista conseguiu canalizar todas as pressões que sofria durante o processo no qual foi condenado a cumprir pena por estupro nas letras das canções de Me Against... Juntando seu talento ao trabalho a ótimos produtores (como Easy Moe Bee, Tony Pizzaro, Shock G. dentre outros) Tupac criaria um álbum que ficaria clássico. O disco continha a canção "Dear Mama"uma espécie de declaração de amor e ao mesmo tempo uma reconciliação que o rapper fazia com a mãe, Afeni Shakur, devido aos anos conturbados de juventude. A canção é também paradigmática porque seu formato se tornou recorrente na forma como rappers falavam de sentimentos, ou seja, dirigindo os mesmos a progenitora ou amigos. Veja o vídeo de "Dear Mama":
A pegada "ghetto love" bastante parecido ao "Me and My Bitch" de Notorious BIG reaparece no duo feito entre o rapperMethod Man e a cantora de rhythm and bluesMary J. Blige canção"I'll Be There For You/You're All I Need To Get By." A música foi produzida usando um sample e reatulizando a canção de Marvin Gaye "You're All I Need To Get By" lançada em 1968 e cantada numa parceria com a cantora Tammi Terrel (ouça AQUI ). A fotografia do vídeo de Method Man e Mary J. Blige é fenomenal. Convido tod@s a assistirem o vídeo logo abaixo (nesse link AQUI dá pra acompanhar com a letra da canção, basta clicar nessa opção no menu).
Posso estar enganado (leitore/as me ajudem!), mas foi em 1995 ou 1996 que o grupo Ataliba e a Firma lançou o álbum que continha o som "Política", carro chefe do disco intitulado com o mesmo nome do grupo. Entre as faixas havia a mais que romântica "Feminina Mulher"com a qual sei que muita gente dançou e beijou bastante nas sessões de música lenta dos bailinhos black que os DJs anunciavam de forma bem irônica: "Chegou a hora de pegar no macio!". Ouça AQUI a canção que imortalizou o refrão "Seu olhar vai na rua um brinde a madrugada/É uma simples moldura a Lua prateada."
Uma canção que vai quase na mesma linha de "Dear Mama" é "All That I Got Is You" do primeiro álbum solo de Ghostface Killah (formalmente membro do grupo Wu Tang Clan)intitulado Ironman e lançado em 1996. Killah descreve sua infância de pobreza e como sua mãe teve que se virar para criar os filhos sozinha após seu pai a deixá-la quando ele tinha apenas 6 anos de idade. Novamente a canção é uma homenagem e declaração de amor à aquela que enfrentou uma série de dificuldades em nome d@s fih@s. Assista o vídeo de Killah logo abaixo... Ah, a canção conta conta com a participação da diva Mary J. Blige (foto acima) que manda super bem no refrão...
Algo interessante é que a mistura de elementos de rhythm and blues, reggae e soul aliado e uma vocal feminino foi uma fórmula certeira e manjada para falar de amor no meio hip-hop. Foi nos anos 1990 que essa rap se aproximou especialmente do R&B de forma consistente por meio de cantoras como Mary J. Blige (cuja voz fez parceira com vários rappers como já vimos) e Faith Evans (diga-se de passagem, ex de Notorious BIG) para ficar nos exemplos mais conhecidos. Entretanto, quem de fato sacralizou-se essa fórmula de maneira consistente foi Lauryn Hill em seu álbum de estréia de 1998 intitulado The Miseducation of Lauryn Hill emplacando o hitDoo Woop(That Thing) cujo vídeo é uma obra-prima (a letra não fala necessariamente de amor, mas vale a pena assisti-lo AQUI ) O álbum de Hill está cheio de canções românticas como "When It Hurts So Bad", "I Used To Love Him"(com a participação de Mary J. Blige),"To Zion", "Ex-Factor", "The Miseducation of Lauryn Hill", a faixa escondida "Can't Take My Eyes Off You"e"Sweetest Thing (Mahogany Mix)."Esseé um ponto interessante uma vez que The Miseducation... é um disco de uma rapper cuja produção levou a um estilo híbrido entre rap, reggae e soul ao mesmo tempo em que as letras de mais da metade das faixas falam de amor. Na verdade, essa fórmula já havia sido testada quando Hill ainda estava no grupo The Fugeesatravés da regravação de Killing Me Softly With His Songno segundo disco do grupo, The Score (1996),canção clássica gravada por Roberta Flack em 1971, e ainda a linda e pouco conhecida The Sweetest Thing, incorporada a trilha sonora do filmeLove Jones(1997). Resumindo, rappers femininas que soubessem cantar em cima de bases cuja produção misturava batidas de hip-hop com elementos melódicos de outros ritmos negros era a forma mais comercial e viável de vender canções de amor no universo hip-hop.
Foi em 1999 que Xis, ex-rapper do grupo DMN, lançou seu álbum solo Seja Como For, álbum produzido pelo DJ dos Racionais MCs, meu truta KL Jay. A música que estourou nas rádios foi a famosa "Us Mano As Mina". Entretanto, o disco ainda trazia uma faixa intitulada Só Por Você produzida em cima de um sample da canção Luther Vandross, "Don't You Know That"(ouça AQUI). Xis provou que sabia falar de amor sem deixar a malandragem de lado, grande som! Na gringa a fórmula do dueto voltaria em grande estilo com um casal que formou um verdadeiro casal romântico na vida real: Common e Erykah Badu. Na canção "The Light"o rapper faz rimas amorosas numa suposta carta endereçada a sua amada. Badu cantou o refrão numa versão remixada da canção que entrou na trilha sonora do filme Bamboozled(2000) de Spike Lee. Ouça a versão remixada AQUI da bagaça e assista logo abaixo o vídeo da versão de "The Light" que saiu no álbum Like Water for Chocolatelançado por Common em 2000!
Pois é, mas nos anos 2000 as coisas mudaram. Canções falando sobre amor romântico ficariam cada vez mais raras no universo hip-hop e seriam substituídas pelas que retratavam festas, flertes com fortes apelos sexuais e a capacidade de conquista de players. Esse estilo era na verdade uma espécie de gangsta chic que tinha mais haver com sexo sem compromisso do que amor propriamente e tão bem retratado nas canções "Girls Girls Girls" (do álbum The Blueprint, 2001)e"Excuse Me Miss"(do álbum The Blueprint 2, 2002) ambas de Jay-Z. Assista os vídeos aí logo abaixo. Snoop Dog ainda em 2003 lançaria"Beautiful"(do álbum Paid tha Cost to Be da Bo$$)que, assim comoem"Excuse Me Miss" de Jigga, contava com o vocal de Pharrel e colocou de vez a cidade do Rio de Janeiro, com suas favelas, praias e mulheres no imaginário do hip-hop norte-americano como uma espécie de segundo Caribe.
E...
Well, daí em diante é história. Sexo e sexualização dos corpos negros, masculinos ou femininos, vem desde então tendo muito mais espaço na indústria fonográfica e vendem mais discos do que a temática amorosa. A crítica cultural Tricia Rose, em seu livro Hip-Hop Wars (2008), defende o argumento de que as transformações que a indústria fonográfica e as mídias de comunicação como rádio, TV passaram nas últimas duas décadas além do advento da Internet são responsáveis pela formatação de um hip-hop comercial que exploram unicamente temáticas focadas em violência, drogas e sexo. Outros estilos alternativos seriam deixados de lado ou não teriam espaço em grandes gravadores, majoritariamente controlados por empresários (e não músicos) mais preocupados com o número de discos vendidos do que propriamente com a qualidade e estilo das músicas. Esse é um argumento também defendido no documentário de Andrew Shapter intitulado Before The Music Dies (assista AQUI) e lançado em 2007. A nova audiência do hip-hop também seria um fator decisivo, uma vez que jovens e adultos jovens brancos de classe média moradores de subúrbios seriam grandes consumidores de um gênero musical que transforma em mercadoria um estilo de vida marcado pelo cotidiano muitas vezes violento e disfuncional das inner-cities (áreas centrais e deterioradas das cidades onde se localizam a maior parte dos guetos negros e latinos). Assim sendo, rappers, que já não se sentiam muito à vontade para falar de amor em suas canções, não tem mais nenhum estímulo para fazê-lo uma vez que é mais fácil falar de relacionamentos superficiais que se resumem ao sexo, festas além de sexualizar e objetificar corpos femininos. Assim sendo, só há espaço para duas representações de mulher no imginário dos rappers: aquela com a qual se faz sexo ou aquela que lhe deu a luz. Mesmo assim, há ainda exemplos de canções e músicos criativos que tentam fugir desses lugares comuns. Mano Brownescreveu e gravou recentemente (talvez não muito!) Mulher Elétricae na gringa Q-Tip com sua já famosa elegância gravou a charmosaWe Fight/We Love com a participação de Raphael Saadiq. Entretanto, minha suspeita é de que o hip-hop, mesmo que o faça poucas vezes, lida com a temática amor de uma forma muito mais complexa que outros ritmos que apenas reproduzem a fórmula do amor romântico.
Muita Paz!
PS: toda seleção é pessoal e a minha, no que diz respeito as músicas aqui listadas/comentadas, não foi diferente, caso você se lembre de uma outra canção de amor (ou com um assunto correlato) no hip-hop joga no comments e divide com nóiz! Valeu...