quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Cabelo Natural, Beleza e Classe


 stylelikeu:

“I used to wear my hair straight when I started college. My sophomore year of college I moved to Brooklyn and just saw all of these fabulous black women embracing their natural hair.” - Kimberly Sumner
To view more images from Kimberly’s closet and watch her video interview with StyleLikeU go to http://stylelikeu.com/closets/kimberly-sumner/

Mais uma vez o cabelo alisado/relaxado encontra-se sobre fogo cerrado. Mais e mais mulheres negras optam por deixar de usar produtos químicos para alisar seu cachos crespos e passam a cultivá-los de forma natural. É meio irônico o fato do termo “natural” ter sido incorporado na forma politicamente correta de se referir a cabelos crespos destituídos de intervenção química. Nos 1960 e 1970 o termo para se referir ao cabelo da negrada sem química era “black power”. O “black” também era incorporado as todas as coisas que eram negras, descoladas e tinham um “Q” de internacional. Vem daí o termo “baile black”, “salão black” e “música black”. Nos anos 1980, 1990 e parte dos anos 2000 o termo étnico tornou-se comum entre mulheres que tinham um visual mais afrocêntrico com tranças (naturais, postiças [o chamado canecalon] e dreadlocks [na época ainda chamadas de trancinhas rastafari]), batas,  vestidos e turbantes feitos com tecidos de origem ou inspiração africana. O estilo usado pela cantora de neo-soul Erykah Badu, no início de sua carreira nos anos 1990, é a personificação do que falo.
 


Mais eis que estamos no início da segunda década do século XXI. Fomos no banheiro dar uma mijadinha e descobrimos que já é 2011... A mulher preta, bonita, descolada, social e ecologicamente responsável não tem mais cabelo “black” ou “étnico”, que eram termos politicamente engajados uma vez que sinalizavam para o cabelo sem intervenção química como uma forma de aceitação da negritude. A mulher preta contemporânea antenada usa cabelos naturais e a justificação é muito mais individualista do que político coletiva. Parte das mulheres evita colocar muita ênfase na idéia de autenticidade que o cabelo crespo sem química traz, uma vez que isso a associa diretamente ao ativismo negro/político que é muita vezes entendido como radical em seus posicionamentos. Há também o incomodo de, uma vez afirmando o cabelo crespo como um símbolo dos “verdadeir@s” ou “autentic@s” negr@s, alocar de forma involuntária @s patríci@s que ainda se utilizam dos produtinhos químicos como fals@s ou men@s autênticos man@s.  Daí a praticidade do termo natural, uma vez que o uso do cabelo sem intervenção química pode ser explicado de forma aracializada ou política. A justificativa é de que o não uso de produtos químicos para alisar os cabelos é saudável devido a quantidade de substancias tóxicas (como amônia) que esses contem e que podem danificar o couro cabeludo e o corpo em geral.

 

Nessa perspectiva, o termo natural está alocado historicamente a um contexto mais amplo em que vivemos onde o culto ao corpo e a diferença toma ares ecologicamente corretos e de classe. O uso do cabelo natural envolve, muitas vezes, o consumo de uma série de produtos orgânicos que são produzidos livres de intervenções químicas e cuja a fórmula não agride a natureza (a maioria deles, diga-se de passagem, mais caros também que a média dos produtos normais). O mesmo discurso aplica-se para o que se entende como viver bem, de forma saudável e ecologicamente correta através de um estilo de vida que incorra no não consumo de carne (vegetarianismo), prática de exercícios (dando preferência as técnicas alternativas orientais como pilates e yoga) e meditação. Em suma, a mulher preta que usa cabelo natural e que explica sua opção nesses termos constrói aquilo que o finado sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) chama de “posição de classe” alocando-se medianamente ou no topo de um espaço social que é multidimensional. Traduzindo em termos mais palatáveis, isso significa dizer que mulheres pretas que usam cabelo natural conseguem criar um estilo esteticamente apreciado devido não só por consumirem produtos mais caros para tratar dos seus cabelos, mas por justificarem suas opções de consumo de forma intelectualmente sofisticada deslocando o cabelo crespo do espaço social de estigmatizado, feio e sujo e incorporando no mesmo capital simbólico. Ou seja, "cabelo natural" é algo que mulheres distintas, seja pela beleza ou classe ou ambos, usam!


O mais interessante é que o consumo de produtos químicos em alguns contextos passa a ser patologizado e visto na forma de dependência similar a drogas. Conversando com minha amiga Fabiana Lima (que possui um canal no YouTube intitulado Beleza de Preta, visite clicando AQUI) ela comentou comigo de alguns sites e blogs nos quais mulheres fornecem testemunhos de quando usavam o cabelo alisado. O processo de “desintoxicação” é registrado através de fotos nas quais o cabelo que sofreu intervenção vai aos poucos sendo retirando através de cortes e, por fim, já com todo o cabelo natural, passa a se comemorar ou contar o tempo em que não se alisou mais o cabelo. Não é preciso ser gênio para sacar que esse é o mesmo método de trabalho dos alcoólicos anônimos ou grupos de ajuda a dependentes químicos e outras formas de vício. O relato das mulheres sempre resvala para a descrição de uma transformação sofrida e o (re)encontro com o seu corpo/cabelo.

 

Pensando nisso tudo, fico imaginando como seria legal fazer um trabalho analisando a corporalidade negra numa perspectiva histórica. Lembro aqui do comentário feito ontem à tarde pelo meu professor Terry Williams no seu curso Youth Culture: Sex, Drugs, Comedy. Williams descrevia como a cultura ocidental tradicionalmente tende a visualizar/olhar as pessoas frontalmente e como o hip-hop, oriundo de outras tradições culturais, desloca essa forma de olhar alocando como forma de beleza e desejo a parte de trás dos corpos: a bunda. Mas, saindo da bunda e voltando pros cabelos, acredite em mim: uma preta que usa cabelo natural não é qualquer preta!

Todas as imagens exibidas nesse post foram retiradas do blog Natural Hair Rules!, cujo arquivo de imagens é fantástico e pode ser visitado AQUI (ótimas dicas para quem busca por novos visuais!). Agradeço a minha amiga Élida Batista por ter publicado essa dica no mural do seu profile no Facebook. Para fechar com chave de ouro esse post, clique AQUI e ouça um som que é um clássico brega e DJs fizeram dele um clássico do samba-rock. Essa canção também resume um pouco da história aqui: "Deixa o Meu Cabelo em Paz" de Osvaldo Nunes

Post escrito ao som de Van Hunt!

2 comentários:

Anônimo disse...

Boa tarde Marcio, li seu post e considerei-o
interessante e elucidativo embora uma das razões que me levaram ao processo de assumir o cabelo natural, foi por uma observação inusitada feita por uma conhecida numa conversa informal que foi a seguinte: A conversa girava em torno de como a mulher de uma maneira geral é exposta paulatinamente de forma negativa pelos meios de comunicação; sobre a falta de respeito consigo mesma, sendo banalizada e degradada através de escândalos de todo tipo como por exemplo, na minha opinião, em novelas onde personagens de gosto tremendamente duvidoso e big brotheres numa baixaria total alimentando
uma legião desinformada e alienada.
Bem, a conhecida desabafou com este comentário:
- Nossa! Como a imagem da mulher está cada vez mais esculhambada e por culpa nossa mesma...
Nesta afirmação eu saltei: Epa! Quem está exposta negativamente é a imagem da mulher
branca não da mulher preta! Tu vês alguma mulher "fruta" preta? Quando eu digo preta é aquela preta em todos os sentidos.
Perguntei: Tu vês a mulher preta nas baixarias
das novelas? - ela respondeu: não.
Perguntei: Tu vês a mulher preta nos big brothers da vida? Ela respondeu: não
Quando aparece escândalos do governo tu vês
algum preto ou preta? Até se observares as prostitutas de rua... tu vês alguma mulher preta? Difícil...
O que quero dizer -disse eu- que esta mulher que se expõe tão negativamente não somos nós! Eu não tenho cabelo liso tu também não, o nosso cabelo é carapinha, nós não temos nariz fino, nosso nariz é de negra brasileira( nem fino nem grosso) nós não temos pele branca, nossos conceitos e valores não tem absolutamente nada a ver com a tal imagem distorcida apresentada nos meios de comunicação então..
por que há mulheres negras que insistem em querer embranquecer se espelhando nestas tais se a força, a dignidade e realeza está conosco?
Hoje mais do que nunca não quero ser confundida, equiparada ou igualada com esta carne podre que é oferecida todos os dias! O meu cabelo afro é minha coroa e jamais vou destrui-la novamente!
Este é meu singelo comentário e espero que cada vez mais pretas se conscientizem disto!
Abraço.
Valquiria

Anônimo disse...

Engraçado...apesar de tanta informação e da luta pela igualdade, ainda existem pessoas que diferenciam os outros pela cor...estou falando desta senhora anônima que coloca o branco em desvantagem em relação ao negro...ah, me poupe...se toca, vai...ninguém é melhor que ninguém por ser negro, branco, amarelo etc.
Preconceituosa! Carne podre é a do teu cérebro por pensar assim.