domingo, 26 de julho de 2009

E a USP, hein?! Parte 2

Corporativização do Ensino Superior e o Impasse da Universidade Pública

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Ensino superior privado se tornou um grande negócio no mundo todo. Há grandes conglomerados financeiros que há mais de uma década vem investindo maciçamente na expansão do ensino superior no continente americano como um todo, na Europa e na Ásia. As bolsas negociam apólices desses grupos ao mesmo tempo que as universidades exibem credenciais de serem instituições sem fins lucrativos. Se elas não visam lucros, porque essa expansão, principalmente no caso do Brasil, é acompanhada de perda na qualidade do ensino, precarização das condições de trabalho de professores – que dão aulas e mais aulas de disciplinas diferentes – e diminuição dos valores pagos a esses profissionais?

A expansão responde, num primeiro momento, a uma demanda cada vez maior que existe em relação a ensino superior no país e no mundo. Ao mesmo tempo, o modelo de universidade pública existente no Brasil está próximo do seu esgotamento devido a sua dependência por recursos públicos. Ironicamente, há diferenças gritantes nesse universo homogeneamente conhecido como “universidade pública”. Universidades estaduais irmãs como USP, UNICAMP e UNESP muitas vezes recebem um montante de recursos muito maior do que universidades federais devido a serem dependentes de recursos estaduais e São Paulo ter uma arrecadação considerável de tributos (parte do ICMS estadual do estado de SP vai para as universidades). Mesmo assim parte do orçamento dessas instituições estaduais está comprometida com o pagamento de salários de funcionários e professores o que dificulta sua expansão e muitas vezes manutenção. O que financia a pesquisa, são as agências de fomento federais como CAPES, CNPq e estaduais, FAPESP, fato bem lembrado pelo comentário de Mojana Vargas ao meu último post sobre o tema.

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Essa situação também cria uma crise de legitimidade da universidade, uma vez que todos os cidadãos indiretamente financiam a universidade, mas somente uma parte da população, na grande maioria oriunda da classe média e alta, garante acesso aos assentos da instituição. Alguns irão argumentar que ensino superior historicamente sempre foi privilégio de uma minoria e que não é possível que todos tenham acesso a ele. Contudo, a universidade, como espaço de pensamento, olhar crítico e experimentação de idéias novas deve justamente viabilizar alternativas que busquem resolver esses impasses como medidas que ajudem a recuperar o ensino básico e médio público, as escolas técnicas e sua função na sociedade contemporânea dentre outras soluções alternativas a expansão do ensino de nível superior. Além do mais, como se pode conceber uma sociedade justa e minimamente democrática quando os espaços de ensino público superior estão – devido a diversos fatores – vedados ao pobres e minorias étnico-raciais? Um outro ponto que fica em aberto é como pode a universidade pública oxigenar seu estoque de idéias, perspectivas críticas e visões de mundo quando seu corpo discente e docente possui uma origem tão homogênea?

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O governo federal respondeu a demanda por ensino superior com estímulos ao setor privado, algo que teve início no governo FHC e se manteve no governo Lula. Contudo, essa expansão gerou distorções uma vez que as concessões para a abertura de novos cursos e universidades muitas vezes são dadas sem um controle e inspeção mais rígido da qualidade dos cursos que deve ser feito pelo Ministério da Educação. O resultado dessa política descontrolada de expansão e ausência de inspeção da qualidade dos cursos pode ser vista no altíssimo número de candidatos reprovados no exame da OAB anualmente, considerando que o número de cursos de direito abertos recentemente foi um dos que mais cresceu na expansão do ensino superior privado. O que melhora a qualidade de ensino em qualquer nível de ensino – básico, médio e superior – são instituições sérias, salas de aulas com poucos alunos, professores bem formados, estimulado, bem remunerados, regularmente avaliados por meio de critérios justos além de um projeto pedagógico consistente com a área, discutido e acordado com todos os professores do curso. Infelizmente, nada disso vai de encontro a lógica de expansão estabelecida pelo setor privado.

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Na seara das universidades privadas na sua grande maioria não há projeto pedagógico claro, professores dão muitas aulas (mais de 25 aulas semanais), lecionam mais de duas disciplinas muitas vezes totalmente distintas umas das outras, as salas de aulas possuem de 60 a 80 alunos (às vezes até mais!) e muitas vezes a última coisa que se preza é a qualidade do que se é ensinado. Para agravar a situação, se estabelece a absurda lógica de que o aluno é “cliente” e de que a educação é uma mercadoria/serviço comparável a algo que se compra no supermercado ou se busca no cabeleireiro. Daí eu pergunto: como um professor avalia um cliente? Paradoxalmente, a grande maioria dos estudantes universitários que pagam para ter acesso ao ensino superior são oriundos das classes menos abastadas e a maior parte trabalha durante o dia para pagar a “facul” que cursa à noite ou alguns, mais sortudos e com uma trajetória realizada na ensino público, conseguem ter acesso ao programa Universidade Para Todos (PROUNI) do governo federal.

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E os conglomerados educacionais continuam a crescer seja no estado de São Paulo ou no Rio de Janeiro ou fora do país. As universidades/empresas disputam seus candidatos as suas vagas com opções cada vez mais mirabolantes de cursos: graduação em 2 ou 3 anos, aulas somente aos finais de semana, vestibular com hora marcada e formas de pagamentos das mensalidades com diversos tipos de planos e descontos. Vale tudo na guerra por um aluno, menos qualidade no ensino ou compromisso com a educação!

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Kibe. Depois de uma semana de aventuras e fortíssimas emoções no Rio de Janeiro estou aqui de volta com a minha maleza proverbial, rsrsrs.
Eu já falei bastante no outro post sobre a USP e nesse aqui vou dar apenas uns poucos pitacos. Como ficou grande, reparti o texto em duas partes.
Você levantou uma série de problemas no seu post e eu quero me ater apenas a alguns deles pra não te encher o saco. O primeiro diz respeito a uma distinção que eu acho muito importante fazer antes de iniciar qualquer discussão sobre universidade: é preciso separar o debate sobre acesso ao ensino superior em geral(que é parte do debate ainda mais amplo sobre educação no país), do debate sobre a universidade pública enquanto integrante do conjunto de instituições brasileiras. Digo isso porque, embora esses problemas possuam muitos pontos de interseção, também possuem aspectos distintos.
No que diz respeito ao acesso ao ensino superior, é preciso lembrar que o Brasil é um dos países mais atrasados do continente americano nesse aspecto. Assim como no caso da escravidão, nosso país foi um dos últimos a estabelecer um sistema educacional público e obrigatório para a população, graças às escolhas históricas das nossas elites coloniais e, depois, republicanas. O Brasil foi o último país do continente a ter uma universidade, quando nossos vizinhos hispânicos já vivenciavam processos de reforma do ensino superior que buscavam justamente o que procuramos obter ainda hoje: um ensino superior público mais democrático. Acredito que o modelo de ensino superior baseado em grandes universidades tem a sua função mas é insuficiente não por atender ou deixar de atender às necessidades do mercado, mas por não levar em conta as especificidades locais e a diversidade da população em um país gigantesco como o nosso. Instituições públicas com um perfil mais voltado para a qualificação profissional têm sim um papel importante por atender não só à demanda mercadológica por trabalhadores mais qualificados como também por oferecer diferentes opções de ensino superior para indivíduos com diferentes perfis. Vamos encarar: ninguém precisa ter feito 5 anos de USP para ser bancário ou carteiro ou atendente de telemarketing. Mas essa é uma das poucas opções de que nossa população dispõe. A política adotada pelo governo atual para ampliar as possibilidades de acesso ao ensino superior foi o PROUNI, que, a despeito das muitas críticas que podem ser feitas, tem cumprido um papel importante ao permitir que uma parte significativa da nossa população (em especial a mais jovem), possa melhorar seu perfil educacional e ter melhores oportunidades profissionais. Numa realidade maravilhosa em que nossas políticas públicas tivessem perfil de POLÍTICA DE ESTADO e não de Política de Governo, essa fase PROUNI poderia representar uma transição entre a atual situação do ensino superior brasileiro insuficiente, elitizado e descolado da nossa sociedade para outra em que tivéssemos um ensino superior mais adequado.

Anônimo disse...

Quanto à INSTITUIÇÃO universidade pública, eu quero restringir minha avaliação ao eixo sul-sudeste, pois acho que ainda falta informação para avaliar a situação brasileira como um todo. Eu concordo com a maior parte dos seus argumentos, em especial no que diz respeito à falta de legitimidade das universidades frente à população pela ausência dessa relação universidade-sociedade, mas eu acho importante também ressaltar que isso não ocorre por acaso, do meu ponto de vista, nós estamos lidando é com diferentes concepções de universidade e essa que usa o dinheiro público para atender a uma parte muito reduzida da população é uma entre várias concepções possíveis. É a mesma concepção que se baseia no discurso da meritocracia para repelir qualquer tentativa de políticas que ampliem o acesso da população à instituição de ensino e no dilema da segurança para impedir o acesso da população ao campus enquanto espaço público que é. Em minha modesta opinião, falta é construir um projeto alternativo pras nossas universidades, incorporando as demandas existentes no seio da sociedade e permitindo que elas se tornem efetivamente espaços democráticos de reflexão e transformação social, se é que queremos que elas
assim o sejam.
No que diz respeito ao financiamento, eu concordo que a dependência financeira das instituições em relação ao Estado é grande, entretanto, num país como o Brasil, as alternativas são pequenas. Ainda que instituições como USP, Unicamp e Unesp possuam um potencial ainda inexplorado para obter recursos privados, esses recursos nunca serão capazes de substituir o investimento estatal nas mesmas. E isso porque são os nossos grandes centros nacionais de produção científica, imagina as Universidades existentes no restante do país? Como em vários outros setores, não há saída imediata para o ensino superior público brasileiro que não passe pela intervenção do Estado, pois o investimento no aumento das vagas no ensino superior cresceu de forma muito concentrada no sudeste do país, mesmo com o PROUNI. Pra você ter uma idéia, no Brasil todo existem 2281 IES, sendo que desse total, 2032 são instituições privadas. 983dessas IES privadas estão no sudeste e São Paulo concentra 51% delas. Quer dizer, ninguém quer abrir universidade no Pará, no Piauí ou em Rondônia, ainda que seja pra receber dinheiro do PROUNI. Educação superior, assim como geração de energia, é investimento a fundo perdido e, no Brasil, só quem faz esse tipo de investimento é o Estado.
Pra terminar, eu gostaria de sugerir um texto de um professor da UNB que discute justamente esse problema do financiamento do ensino superior, cujas conclusões podem não ser satisfatórias para todos mas que ajuda a organizar as idéias: http://www.scielo.br/pdf/cp/n110/n110a02.pdf