sábado, 31 de outubro de 2009
O Pipoca!
"Irmã, Preta Linda, Deusa de Ébano, Filha de Oxum com Xangô, Guerreira Poderosa, Presente Meu da Mama África, Mulher Forte que Sobreviveu ao Estupro Colonial do Homem Branco e Me Traz Serenidade, Força, Axé..."
"Juca, CARALHO, pará de falar e me beija logo, PORRA!"
"Tá bom, Marli, tá bom, amorzinho!.."
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Brasil Mostra a Sua Cara... Machista e Preconceituosa!
(Feminist Art Base: Helen Redman)
"Coitadinha da moça, ela tava com calorzinho....ha, ha, ha, ha, o problema é que tem uns panacas infelizmente que acham que tem o direito de fazer o que querem, eu por mim olharia dava uma babadinha se fosse gostosa (o que não é o caso, pois é feia pra cacete!!!), mas deixava pra lá, nós gostamos de olhar mas na hora de escolher uma mulher sempre escolhemos uma mais séria que realmente queira fazer uma parceria pra vida toda, essas aí a gente usa só como objeto como latrina mesmo, bom pra olhar mas depois de um tempo enjoa, e também as vezes tem outros problemas tipo ela devia estar ovulando, tava com coceirinha, ou esta desesperada pra arrumar macho (que acho que não seja o caso), enfim elas podem se vestir do jeito que quiserem, problema delas, quem quer dar uma de diferente sempre vai pagar o pato, que esteja preparado pra isso e assuma os riscos."
“Eu só quero mulher desnuda ou com roupa realçando as curvas da bunda perto de mim quando vou na zona, pois lá vou quando quero tratar de sexo. Fora de lá, seja na escola, na rua , no ônibus, no metrô, no trabalho, etc., não quero e não admito. Mulher que faz isso será sempre odiada e se tiver uma oportunidade eu agrido mesmo."
“Quis ser puta, quis mostrar pra todos que é puta, foi tratada como tal. Absolutamente normal. Tem que esculachar mesmo, se o frouxo e inútil do pai não teve a competência pra ensinar valores e educação pra sua filha, outros lá fora se encarregarão disto. Foi muito bem feito, essas vadias acham que por serem mulheres podem tudo, podem andar e pisar a vontade que tudo está a mercê delas, que isso sirva de exemplo pra todos. Inconscientemente (ou não) quer sexo; e é mulher, ou seja, por instinto quer dar pra alguém, é uma vagabunda a mais, só isso. A culpada é ela." (ÊNFASES EM NEGRITO MEUS)
Às vezes é difícil acreditar nas coisas que lemos pela web, mas a parada é real. O formato da rede mundial de computadores tem possibilitado que muitas vezes identifiquemos o verdadeiro pensamento de parte da população sobre determinado tema, já que é possível se expressar livremente sem ser idenficad@. O trecho acima - nojento e misôgino - foi retirado de um comentário num site que veiculou a notícia da aluna hostilizada numa universidade de São Paulo, mas li o mesmo em um blog, o Escreva Lola Escreva (muito bom e que recomendo!). Pois é, a história toda começou no dia 22 de outubro, quando uma aluna da Universidade Bandeirantes (UNIBAN) do campus localizado em São Bernardo do Campo resolveu ir à aula usando um vestido curto. No decorrer das aulas a aluna, cujo apelido seria “Loirão”, foi hostilizada pelos colegas ao ir ao banheiro e, posteriormente, sofreu uma espécie de linchamento moral de uma turba de universitários por conta de sua roupa. Os seguranças da universidade, em número reduzido, não conseguiam controlar a situação e a PM foi chamada para garantir a integridade da aluna que ficou trancada numa sala até a chegada dos policiais. A turba, pelo que consta, bradava termos como “puta” e “vagabunda”, e alguns ameaçavam estuprá-la no momento que a mesma foi escoltada da sala para fora do prédio vestindo o avental branco de um professor sobre o vestido curto que usava. Havia imagens no YouTube que registram a confusão até ontem à tarde, mas a notícia que leio nesse momento no site UOL, leia AQUI, acompanhada de um trecho de vídeo, afirma que a UNIBAN solicitou a retirada dos vídeos ao site.
O que o ocorrido nos ensina? Nada mais do que confirmar o que o feministas brasileiras vem repetindo durante muito tempo e a exaustão: que o machismo e a discriminação de gênero continuam firmes e fortes em nosso país. Lola, no post em seu blog, tente a desqualificar um pouco a ação da turba que incentivou o linchamento moral da aluna. Peço licença para discordar apenas nesse ponto da análise da blogueira. De minha parte, penso que interpretar a formação e ação da turba nos ajuda a entender questões/problemas inerentes a sociedade brasileira atual.
O francês Émile Durkheim (1858-1917), um dos pais fundadores da sociologia, cunhou o termo “efervescência coletiva” para classificar estados nos quais indivíduos perdem a sua individualidade para algo maior e, assim, participam e experimentam formas de pertencimento coletivo afirmando valores e a reforçando a união do grupo. Isso pode ser visto em comoções nacionais, em rituais religiosos e linchamentos. Em certa medida, um bom exemplo disso são os linchamentos de negros que ocorriam em estados do sul dos Estados Unidos durante a existência nessa região do Jim Crow (conjunto de leis vigentes entre 1876 e 1965 que estabeleciam a segregação racial e separação entre negros e brancos). Homens, mulheres e crianças brancos afirmavam valores de pertencimento e superioridade racial participando desses eventos que eram um misto de festa e lócus de aprendizado e afirmação de valores.
(Foto de linchamento no sul dos EUA)
A turba que insultou e linchou moralmente a colega de classe na UNIBAN afirma valores retrógrados, conservadores e preconceituosos da sociedade brasileira. Somos uma população que se apresenta como simpática, possuidora de uma cultura flexível que tem uma relação peculiar com o corpo e uma forma de lidar com o sexo que nos distinguiria do puritanismo visto em lugares como os Estados Unidos. Entretanto, esse identidade, construída em parte de estereótipos sobre o corpo e sexualidade da mulher brasileira, mestiçagem e outros elementos esconde uma faceta extremamente hierarquizadora e preconceituosa no que diz respeito ao trato com as mesmas mulheres que podem ser nossas mães, irmãs, esposas, namoradas, amigas e, até mesmo, colegas de trabalho ou de classe numa universidade. O recado que a turba, que se comportou como se estivesse numa grande festa, deu é de que uma mulher, no Brasil, que saia a rua vestindo roupas curtas ou algo que, de algum modo, seja interpretado como provocativo “merece” ser insultada, xingada e, por mais absurdo que soe, ESTUPRADA!
Essas são cenas contemporâneas de um país que tem como um dos seus grandes objetivos entrar no seleto hall dos países classificados como democráticos e desenvolvidos. Fica aqui o recado: democracia e desenvolvimento devem andar de mãos dadas com igualdade (de gênero, racial e de orientação sexual). Para isso é necessário a transformação/mudança dos valores disseminados na sociedade que enfatizam e olham para a desigualdade e desrespeito as diferenças como algo “legal” e tolerável!
MUITA PAZ E INDIGNAÇÃO!
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Africanos, urgh!
A senhora de cabelos grisalhos sentou no banco do ponto de ônibus enquanto esperava sua neta sair da livraria na fresca tarde de sábado. 17 horas e a Avenida Paulista emitia uma tranquilidade impossível de se ver durante a semana. Até os seguranças do Conjunto Nacional vigiavam os traseuntes demonstrando certa preguiça. Tranquilamente, a mulher, já beirando seus 80 anos, começou a verificar os objetos comprados naquela tarde e que se encontravam em duas sacolas. Entretanto, um barulho de madeira batendo contra o chão perturbou sua concentração.
Ao lado no banco sentou um rapaz alto, magro e pele cor de chocolate. Os cabelos compridos batiam no meio das costas, num penteado que ela só havia visto na TV. A calça, que com certeza que não era dele, estava caindo mostrando suas roupas de baixo e tinha sua barra - ou que fora dela - toda rasgada. Camiseta larga, tênis sujo e um fone de ouvido pelo qual vazava uma música esquisita. O garoto, sentado no banco e inquieto, apoiava os pés numa tábua de madeira com rodinhas que, assim como seu penteado exótico, ela também jurava já ter visto na TV. Depois de algum tempo a mulher esqueceu o jovem e voltou sua atenção para as duas sacolas cheias de objetos. Um abajur comprado numa loja de antiquidades, roupas a serem dadas de presente aos netos e bisnetos, livros e uma jóia. Apreciava tudo detidamente quando, de repente, quase pulou de susto... Ouviu um estampido e levantou a cabeça para verificar de onde vinha o som. Foi aí que viu outro rapaz também alto, pele cor de chocolate usando uma espécie de pente em forma de garfo enfiado no meio do cabelo crespo levantado. As roupas dos dois garotos eram parecidas e o estampido tinha surgido do encontro das mãos de ambos. Um cumprimento, ela supôs. O último garoto sentou do seu outro lado e ela ficou bem no meio dos dois.
"Porra, tru! Miliano que num te trombo, mano!"
"Pode crê muleke, variás fita rolando ó"
"Mas então, e aquela pule, lá?"
"Mó da hora, mano! Vários rolê e tal, se pá é nóis no baguio"
"Oh muleke, liga nóis qualqué coisa aí, tá ligado?"
"Firmeza total tru, nóis é nóis jacaré é um bicho, tá ligado?'"
"E aí nego, pego aquele pisante lá?"
"Nem mano, 500 conto num 12 mola?... Xá pra lá, mó preju, tá ligado? Mais 100 cruzeiro e eu meto um iPhone tá ligado, vô paga de gringo no rolê!"
"Pior hein, mano! Mó função hein, loko loko loko!"
"Tô na pegada de uns mano correria aí que vai passa um pra mim, tá ligado? O baguio é quente!"
"E as mina, tru?"
"Tô suavão, ó! Tava com uma Dona Maria aí, mas cê tá ligado né, mano, nóis é vida loka, né?! Vários perdido e tal, tá ligado?"
"Pior! Eu também tô a pampa... Só curtindo, tá ligado?"
"E aí, bem loko esse seu bléqui, hein mano? Deu um tapa onde? Galeria?"
"Lá memo. Tem um vagabundo lá que domina as arte das tesoura, manja? Mas aí, o teu dread tá mó da hora tamem, hein?"
"Vários anos cultivando o baguio né, tru?... Vixe, meu buzo, mano. Aí é nóis, bate um fio pra nóis fazê aquele rolê, hein?"
"Ô demorô, é nóis! Vamos chegá chegando no baguio, tá ligado?"
"Sumemo, tru! Fuiiiiii"
"Firmeza total vagabundo! Vô dá linha na pipa tamem!"
Enquanto um rapaz de pele cor de chocolate subiu no ônibus que estacionara no ponto o outro deu um salto e saiu pela calçada se equilibrando em cima da tábua de rodinhas. A senhora, ainda atordoada pela conversa que ouvira, pensava com seu botões: "Essa gente, viu? Vem pro Brasil e nem fala português direito! Africanos, urgh!".
Ao lado no banco sentou um rapaz alto, magro e pele cor de chocolate. Os cabelos compridos batiam no meio das costas, num penteado que ela só havia visto na TV. A calça, que com certeza que não era dele, estava caindo mostrando suas roupas de baixo e tinha sua barra - ou que fora dela - toda rasgada. Camiseta larga, tênis sujo e um fone de ouvido pelo qual vazava uma música esquisita. O garoto, sentado no banco e inquieto, apoiava os pés numa tábua de madeira com rodinhas que, assim como seu penteado exótico, ela também jurava já ter visto na TV. Depois de algum tempo a mulher esqueceu o jovem e voltou sua atenção para as duas sacolas cheias de objetos. Um abajur comprado numa loja de antiquidades, roupas a serem dadas de presente aos netos e bisnetos, livros e uma jóia. Apreciava tudo detidamente quando, de repente, quase pulou de susto... Ouviu um estampido e levantou a cabeça para verificar de onde vinha o som. Foi aí que viu outro rapaz também alto, pele cor de chocolate usando uma espécie de pente em forma de garfo enfiado no meio do cabelo crespo levantado. As roupas dos dois garotos eram parecidas e o estampido tinha surgido do encontro das mãos de ambos. Um cumprimento, ela supôs. O último garoto sentou do seu outro lado e ela ficou bem no meio dos dois.
"Porra, tru! Miliano que num te trombo, mano!"
"Pode crê muleke, variás fita rolando ó"
"Mas então, e aquela pule, lá?"
"Mó da hora, mano! Vários rolê e tal, se pá é nóis no baguio"
"Oh muleke, liga nóis qualqué coisa aí, tá ligado?"
"Firmeza total tru, nóis é nóis jacaré é um bicho, tá ligado?'"
"E aí nego, pego aquele pisante lá?"
"Nem mano, 500 conto num 12 mola?... Xá pra lá, mó preju, tá ligado? Mais 100 cruzeiro e eu meto um iPhone tá ligado, vô paga de gringo no rolê!"
"Pior hein, mano! Mó função hein, loko loko loko!"
"Tô na pegada de uns mano correria aí que vai passa um pra mim, tá ligado? O baguio é quente!"
"E as mina, tru?"
"Tô suavão, ó! Tava com uma Dona Maria aí, mas cê tá ligado né, mano, nóis é vida loka, né?! Vários perdido e tal, tá ligado?"
"Pior! Eu também tô a pampa... Só curtindo, tá ligado?"
"E aí, bem loko esse seu bléqui, hein mano? Deu um tapa onde? Galeria?"
"Lá memo. Tem um vagabundo lá que domina as arte das tesoura, manja? Mas aí, o teu dread tá mó da hora tamem, hein?"
"Vários anos cultivando o baguio né, tru?... Vixe, meu buzo, mano. Aí é nóis, bate um fio pra nóis fazê aquele rolê, hein?"
"Ô demorô, é nóis! Vamos chegá chegando no baguio, tá ligado?"
"Sumemo, tru! Fuiiiiii"
"Firmeza total vagabundo! Vô dá linha na pipa tamem!"
Enquanto um rapaz de pele cor de chocolate subiu no ônibus que estacionara no ponto o outro deu um salto e saiu pela calçada se equilibrando em cima da tábua de rodinhas. A senhora, ainda atordoada pela conversa que ouvira, pensava com seu botões: "Essa gente, viu? Vem pro Brasil e nem fala português direito! Africanos, urgh!".
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Deus Está Vivo, é Negrão e Mora nos EUA!
Simples aula de lógica, car@s...
God is Love, Love is Blind, therefore, Stevie Wonder is God!
terça-feira, 27 de outubro de 2009
O Agente do Serviço Secreto no Jantar de Bacana!
Sempre que recebo emails das organizações que administram minha bolsa fico de cabelo pé. Já começo a pensar no que foi que fiquei devendo ou qual deadline perdi. Creiam: sou uma pessoa extremamente desorganizada que se encontra na sua bagunça, mas às vezes me perco nela e fica difícil de me encontrar novamente. Quando morava no Brasil, Dona Joana, senhora minha mãe, era a responsável por lembrar datas de coisas importantes como imposto de renda, justicativas por ter deixado de votar entre outras coisitas.
Há um mês atrás recebi um email da instituição que administra minha bolsa aqui nos EUA e pensei duas vezes antes de abrir o mesmo. Entretanto, relaxei bastante quando li a mensagem. Tratava-se de um convite para participar de um jantar de gala em comemoração aos 90 anos de existência da instituição. De acordo com a mensagem, eu era considerado um proeminente fellow e seria um prazer contar com minha presença no evento. Por fim, solicitavam confirmação de minha presença e, no caso de resposta positiva, a mensagem deveria ser encaminhada com um texto de uma página com informações sobre minha trajetória. O code dress da festa seria black tie e eu compartilharia a mesa de jantar com outros convidados me dispondo a conversar com os mesmos passando informações sobre o programa de bolsa a que estou vinculado, sobre meu país e meus interesses acadêmicos/profissionais. Pois é, quando a esmola é demais, já sabe, né?... Mas se há alguma coisa que um estudante duro não recusa é boa comida e bebida na faixa. Mandei minha mensagem de confirmação quase na mesma hora!
A noite chegou... Tirei meu costume do armário, comprei um camisa e gravata novas, engraxei o sapato e cortei o cabelo. Showtime! Deveria estar no Mandarim Hotel, Midtown Manhattan, por volta das 18 horas para participar do coquetel que rolaria até às 19 horas precedendo o jantar e entrega dos prêmios. Porém, difícil perder o costume de me atrasar. Peguei o metrô (vestindo terno, gravata, barbeado e perfumado) por volta das 17:50 e ainda na dúvida sobre qual baldeação deveria fazer. Sentei num banco e ao meu lado havia um rapaz com claros tiques nervosos. Primeiro, ele me perguntou se aquele trem passava em determinada estação. Respondi que sim e voltei a checar meus emails no celular. Entretanto, notei que o rapaz - alto, branco e usando óculos de grau - continuava a me observar. Depois de alguns minutos ele me olhou detidamente e perguntou: "Are you service secret?" "What?..." Respondi meio incrédulo do que tinha ouvido e ele repetiu, "I'm asking if are you in service secret?" Dei uma risada meio sem querer do absurdo da pergunta e respondi, "No sir, I'm not from service secret!"... Voltei a mim e fiquei pensando que mesmo que fosse do serviço secreto não faria sentindo me identificar. Entretanto, a situação me fez admitir que passei por um processo de mobilidade social ascendente, já que no Brasil iriam me confundir com segurança de casa noturna.
Cheguei em Midtown por volta das 18:25, mas ainda demorei mais uns cinco minutos para localizar o Mandarim Hotel. Carros de polícia, carros do serviço secreto (os verdadeiros!) e confusão de gente na frente do hotel. A confusão toda se dava devido a presença de representantes do corpo diplomático de alguns países. Entrei, me identifiquei e ganhei um crachá ridículo (odeio crachás, nunca uso...). O evento seria no 35 andar do prédio e já no elevador procurei por alguma face conhecida, mas nada. Continuaria por não encontrar nenhum rosto conhecido pelo resto da noite.
Ao chegar no andar do jantar e ver a porta do elevator se abrir dei de cara com uma multidão que se apertava numa espécie de lounge. Como não conhecia ninguém resolvi agarrar uma taça de vinho e simplesmente observar o ambiente. Ao chegar no barman, mudei de idéia diante da pergunta do rapaz: "What are you want sir?" Havia de tudo no esquema desde um suquinho de laranja, passando por água, vinho (branco e tinto), uísque e... Foi aí que lembrei de meu truta Mano Brown "...Champanhe pra abri nossos caminho!..." A propósito, acho que não havia cerveja disponível. Festa de bacana tem corte de classe sutil. Tomei umas duas taças de champanhe e umas duas de vinho e finalmente as portas do salão onde seria servido o jantar foram abertas.
O salão era circundado por janelas de vidro que iam do chão ao teto. Dali era possível ver parte do Central Park e vários prédios da Midtown Manhattan. O palco foi montado tendo como pano de fundo essa vista. Enquanto apreciava a paisagem troquei umas palavras com um senhor que me explicou as mudanças que haviam ocorrido naquela região da cidade nos últimos 10 anos e ainda tivemos tempo de falar sobre a economia do Brasil (todo mundo quer saber ou conhecer o Brasil). Todas as mesas eram numeradas e cada convidado tinha um lugar reservado. Achei a minha, 18, na qual sentei com um empresário americano que, ao saber que eu era brasileiro, disse ter ido a uma recepção em homenagem a Lula na noite anterior (nosso presidente estava de rolê pela cidade devido a um encontro de pica grossas na ONU), dois bolsistas - uma moça da Indonésia e um rapaz russo - de um outro programa e mais uma senhora que fazia parte da burocracia de alta escalão da instituição aniversariante.
Pois é, e lá se foram duas horas de premiações, discursos que reconstruiam histórias de vida, palmas e solicitações de contribuições filantrópicas. Cada convidado tinha junto a seu nome na mesa um pequeno formulário pelo qual era possível fazer doações com cartão de crédito. Como sou estudante, decidi que seria melhor esperar me formar para começar minha carreira na filantropia. Além do mais, não sei como a instituição reagiria a uma contribuiçao de US$ 5 e o abatimento deles na minhas taxes seria ridículo. No problem, outros já haviam cobrido a minha parte. Fiquei surpreso, feliz e aliviado ao ouvir o anúncio pela hostess do jantar que já haviam atingido a pequena soma de US$ 900.000 em doações naquela noite. E olha que estamos em crise!
E esse foi o jantar de bacana. A comida não foi aquelas coisas, mas se tratando de algo na faixa, já dizia o velho e bom Tim: vale-tudo! E na volta de casa, felizmente, ninguém me confundiu com um agente do serviço secreto novamente. Vai ver porque eu já estava bêbado e agentes do serviço secreto nunca bebem em serviço e/ou demonstram estar chapados!
sábado, 24 de outubro de 2009
Push Precious, Push... (Estante de Maloqueiro 2)
"It's Sunday, no school, meetings. I'm a dayroom at Advancement House, sitting on a big leather stool holdin' Abdul. The sun is coming through the window splashing down on him, on the pages of his book. It's called The Black BC's. I love to hold him on my lap, open up the world to him. When the sun shine on him like this, he is an angel child. Brown sunshine. And my heart fill. Hurt. One year? Five? Ten years? Maybe more if I take care of myself. Maybe a cure. Who knows, who is working on shit like that? Look his noise is so shiny, his eyes shiny. He my shiny brown boy. In his beauty I see my own. He pulling on my earring, want me to stop daydreaming and read him a story before nap time. I do." (Sapphire, 1997: 139)
Em fevereiro fiz um post aqui no NewYorKibe intitulado Book, Books and Malcolm no qual escrevi que "um livro realmente te agrada quando você se sente transformado após a leitura dele. Seu humor melhorou, piorou, resolveu prestar vestibular ou dar um basta na sua vida?... Bang! O livro tocou em pontos cruciais da sua biografia, personalidade e subjetividade!" O trecho em inglês no início desse post é o último parágrafo do livro Push cuja autora é Sapphire. Lançando há 12 anos atrás o livro conta a história verídica de uma adolescente negra moradora do Harlem nos anos 1980. O texto é um baque e, sinceramente, durante vários momentos me senti extremamente mal e depressivo ao lê-lo. Não consigo imaginar o impacto de um livro como esse para leitoras, uma vez que o mesmo lida com temas tão complexos e delicados para o universo feminino. Na verdade, comprei Push por acaso. Estava na livraria Barnes and Noble comprando coisas para um curso e vi o livro exposto com um selo de que se tratava da obra cuja os produtores do filme Precious (2009) se basearam para criar o roteiro da película que faturou o Grand Jury Prize e Audience Award no Sundance Festival desse ano.
(Cena de Precious)
Precious Jones é uma garota negra, nascida em 1970, obesa, dark-skinned (termo usado dentro da comunidade afro-americana para se referir a negr@s com pele de matiz mais escura) moradora da Lenox Avenue no Harlem, abusada pelo pai desde os sete anos. Aos 12 anos, após ser espancada pela mãe, deu a luz ao primeiro filho do pai que nasceu com Síndrome de Down. Aos 16 teve o segundo filho do pai. Jones é explorada pela mãe que recebe o dinheiro do welfare state que deveria ir para a filha e o neto doente que na verdade é cuidado pela avó da garota. Além de ser abusada pelo pai com a condescendência da mãe, Precious é obrigada fazer todo o serviço doméstico e cozinhar. Mesmo freqüentando a escola e estar prestes a ir para a high school (equivalente ao ensino médio no Brasil), Jones é analfabeta.
A vida de Jones começa a mudar pouco antes de ela dar a luz ao segundo filho, uma vez que é encaminhada a um programa de ensino alternativo para adultos: Each One Teach One. Ali ela conhece a professora Blue Rain e tem contato com várias outras alunas que tem histórias parecidas a sua: a garota porto-riquenha que viu o pai matar a mãe ao 7 anos de idade e acabou nas ruas se prostituindo e contraindo AIDS, a outra amiga jamaicana que era abusada pelo irmão e foi expulsa de casa pela mãe que não acreditou na sua história e investia todas as fichas na carreira de dentista do filho e ainda outra garota negra homossexual cuja orientação sexual não é aceita pela família e foi estuprada pelo pai da namorada que queria lhe mostrar como uma mulher devia ser portar. Pelo visto, não são histórias nem um pouco fáceis, mas estão todas registradas em Push. A leitura do livro também muitas vezes é difícil já que ele, em várias partes, é escrito no vernáculo negro e é necessário pronunciar o que está escrito em voz alta para entender o significado das palavras. Quando a passagem é muito complicada, há a ajuda da escritora. Veja as partes abaixo:
who tech mi who hep me I don no whut
(who teach me who help me I don't know what)
to sa it hard to xplxn i nver tel mi hole store. Yes I
(to say it hard to explain i never tell my whole story. Yes I)
need tess four AID I skred thas ALL four nov
(need test for AIDS. I scared that's ALL for now)
(Pain)
2/1/89 (pág. 93)
* Quem me ensina? Quem me ajuda? Eu não sei o que dizer, que é duro explicar que eu nunca tenha contado minha estória inteira. Eu preciso fazer teste de AIDS. Eu estou toda assustada agora. Dor! Precious Dor. 1 de fevereiro de 1989.
(Cena de Precious)
Tenho conversado com várias pessoas sobre o livro e como o mesmo me chocou. Duas noites atrás tomava um café com minha amiga de New School, Elisabeth Fallica. Lis é professora de high school no Bronx e é oriunda de uma família de intelectuais de Long Sland: o pai é professor do departamento de mídia na NYU e a mãe antropóloga formada pela New School. Para minha surpresa ela me disse que, apesar de não ter lido o livro, sabe que boa parte dos seus alunos leem e adoram o mesmo. Conclui isso por mim mesmo. Ontem, voltando para casa no metrô, abri o livro e comecei a lê-lo. Havia duas garotas hispânicas na casa dos 18 anos à minha frente e uma delas ficou olhando para a capa do livro. Depois de uma troca de olhares ela comentou: "It's such a good book!", "Yeah, but it's very painful", respondi. "This is reality!" ela retrucou. Enfim, não foi um livro fácil para mim. Como já disse, confesso que em alguns momentos tive vontade de parar de ler tamanho sofrimento que fora experimentado por uma garota de apenas 16 anos ainda mais considerando que o lugar em que ela experimentava esse martírio era seu próprio lar.
O filme entra em cartaz dia 6 de novembro aqui, irei assistí-lo. Meu exemplar do livro já está prometido para Willie, meu truta negrão que trabalha na manutenção da New School. Após lhe contar sobre a estória do livro, Will, que mora na 140 Street do Harlem, ficou mais que empolgado em lê-lo. Fiz esse post rapidinho, já que prometi lhe dar o livro na segunda. Assista o trailer do filme abaixo, cuja direção é de Lee Daniels e que conta com a participação de Mariah Carey e Lenny Kravitz.
Muita Paz!
Em fevereiro fiz um post aqui no NewYorKibe intitulado Book, Books and Malcolm no qual escrevi que "um livro realmente te agrada quando você se sente transformado após a leitura dele. Seu humor melhorou, piorou, resolveu prestar vestibular ou dar um basta na sua vida?... Bang! O livro tocou em pontos cruciais da sua biografia, personalidade e subjetividade!" O trecho em inglês no início desse post é o último parágrafo do livro Push cuja autora é Sapphire. Lançando há 12 anos atrás o livro conta a história verídica de uma adolescente negra moradora do Harlem nos anos 1980. O texto é um baque e, sinceramente, durante vários momentos me senti extremamente mal e depressivo ao lê-lo. Não consigo imaginar o impacto de um livro como esse para leitoras, uma vez que o mesmo lida com temas tão complexos e delicados para o universo feminino. Na verdade, comprei Push por acaso. Estava na livraria Barnes and Noble comprando coisas para um curso e vi o livro exposto com um selo de que se tratava da obra cuja os produtores do filme Precious (2009) se basearam para criar o roteiro da película que faturou o Grand Jury Prize e Audience Award no Sundance Festival desse ano.
(Cena de Precious)
Precious Jones é uma garota negra, nascida em 1970, obesa, dark-skinned (termo usado dentro da comunidade afro-americana para se referir a negr@s com pele de matiz mais escura) moradora da Lenox Avenue no Harlem, abusada pelo pai desde os sete anos. Aos 12 anos, após ser espancada pela mãe, deu a luz ao primeiro filho do pai que nasceu com Síndrome de Down. Aos 16 teve o segundo filho do pai. Jones é explorada pela mãe que recebe o dinheiro do welfare state que deveria ir para a filha e o neto doente que na verdade é cuidado pela avó da garota. Além de ser abusada pelo pai com a condescendência da mãe, Precious é obrigada fazer todo o serviço doméstico e cozinhar. Mesmo freqüentando a escola e estar prestes a ir para a high school (equivalente ao ensino médio no Brasil), Jones é analfabeta.
A vida de Jones começa a mudar pouco antes de ela dar a luz ao segundo filho, uma vez que é encaminhada a um programa de ensino alternativo para adultos: Each One Teach One. Ali ela conhece a professora Blue Rain e tem contato com várias outras alunas que tem histórias parecidas a sua: a garota porto-riquenha que viu o pai matar a mãe ao 7 anos de idade e acabou nas ruas se prostituindo e contraindo AIDS, a outra amiga jamaicana que era abusada pelo irmão e foi expulsa de casa pela mãe que não acreditou na sua história e investia todas as fichas na carreira de dentista do filho e ainda outra garota negra homossexual cuja orientação sexual não é aceita pela família e foi estuprada pelo pai da namorada que queria lhe mostrar como uma mulher devia ser portar. Pelo visto, não são histórias nem um pouco fáceis, mas estão todas registradas em Push. A leitura do livro também muitas vezes é difícil já que ele, em várias partes, é escrito no vernáculo negro e é necessário pronunciar o que está escrito em voz alta para entender o significado das palavras. Quando a passagem é muito complicada, há a ajuda da escritora. Veja as partes abaixo:
who tech mi who hep me I don no whut
(who teach me who help me I don't know what)
to sa it hard to xplxn i nver tel mi hole store. Yes I
(to say it hard to explain i never tell my whole story. Yes I)
need tess four AID I skred thas ALL four nov
(need test for AIDS. I scared that's ALL for now)
pane
(pain)
Precious Pane(pain)
(Pain)
2/1/89 (pág. 93)
* Quem me ensina? Quem me ajuda? Eu não sei o que dizer, que é duro explicar que eu nunca tenha contado minha estória inteira. Eu preciso fazer teste de AIDS. Eu estou toda assustada agora. Dor! Precious Dor. 1 de fevereiro de 1989.
(Cena de Precious)
Tenho conversado com várias pessoas sobre o livro e como o mesmo me chocou. Duas noites atrás tomava um café com minha amiga de New School, Elisabeth Fallica. Lis é professora de high school no Bronx e é oriunda de uma família de intelectuais de Long Sland: o pai é professor do departamento de mídia na NYU e a mãe antropóloga formada pela New School. Para minha surpresa ela me disse que, apesar de não ter lido o livro, sabe que boa parte dos seus alunos leem e adoram o mesmo. Conclui isso por mim mesmo. Ontem, voltando para casa no metrô, abri o livro e comecei a lê-lo. Havia duas garotas hispânicas na casa dos 18 anos à minha frente e uma delas ficou olhando para a capa do livro. Depois de uma troca de olhares ela comentou: "It's such a good book!", "Yeah, but it's very painful", respondi. "This is reality!" ela retrucou. Enfim, não foi um livro fácil para mim. Como já disse, confesso que em alguns momentos tive vontade de parar de ler tamanho sofrimento que fora experimentado por uma garota de apenas 16 anos ainda mais considerando que o lugar em que ela experimentava esse martírio era seu próprio lar.
O filme entra em cartaz dia 6 de novembro aqui, irei assistí-lo. Meu exemplar do livro já está prometido para Willie, meu truta negrão que trabalha na manutenção da New School. Após lhe contar sobre a estória do livro, Will, que mora na 140 Street do Harlem, ficou mais que empolgado em lê-lo. Fiz esse post rapidinho, já que prometi lhe dar o livro na segunda. Assista o trailer do filme abaixo, cuja direção é de Lee Daniels e que conta com a participação de Mariah Carey e Lenny Kravitz.
Muita Paz!
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Viva a Sociologia de Botequim de Magnoli!
E a sociologia de botequim está de volta! Como se não bastasse coisas a la Não Somos Racistas do amigão Ali Kamel temos agora Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial, que acabou de sair do forno do "sociólogo" Demétrio Magnoli. Aliás, me pergunto porque nosso caro truta Magnoli se apresenta como "sociólogo" se a sua formação é geografia? Também não entendo porque alguém que não tem nenhuma produção relevante na área de relações raciais, estudos étnicos e/ou afro-brasileiros é, de uma hora para outra, vista como autoridade nesses temas? Vou te falar viu, meus 5 anos de graduação em ciências sociais, 4 de mestrado e mais 1 de PhD de sociologia não tá valendo nada mesmo...
Muita Paz à tod@s e vida curta as picaretagens intelectuais e ao reducionismo "sociológico"!
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Vale a Pena Ir...
Pra quem estiver em SP no próximo dia 30/10, vale a pena dar uma colada no Museu do Futebol e assistir o filme de Cao Hamburguer, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias.
É na faixa e tem debate com o diretor após a exibição.
Mais informações no flyer ao lado, clique na imagem para uma melhor visualização.
One Love!
Márcio/Kibe.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Emory Douglas e o Black Panthers Party
Domingo à tarde, 18/10, fui dar um xeretada num exposição num museu próximo ao SoHo, já que queria dar uma relaxada da rotina chata de leituras, leituras e mais leituras. Era o último dia da exibição Emory Douglas: Black Panther no New Museum (Bowery Street, 235). A foto ao lado foi tirada no meu iPhone e é do hall de entrada da mostra onde os caras reproduziram num mural uma obra do artista.
Para quem não sabe, o Black Panther Party For Self Defense foi uma organização negra criada em Oakland, Califórnia, que atuou nos EUA de maneira efetiva entre 1966-1980. Suas figuras de frente foram Bobby Seale e Huey P. Newton. A analogia à Pantera foi incorporada devido a mesma ser, de acordo com os fundadores, um animal que só ataca como forma de auto-defesa. Os Panthers surgiram no contexto dos assasinatos das duas grandes lideranças negras contemporâneas - Malcolm X (1925-1965) e Martin Luther King Jr. (1929-1968) - e incorporavam paradigmas ideológicos que passavam pelo marxismo, maoismo, nacionalismo negro e pan-africanismo. Na exposição havia uma cópia da lista de leituras obrigatórias de um militante panther, que, segundo depoimentos de participantes, tinha um programa intensivo de leitura entre 6 a 8 semanas antes de se juntar a organização. Na lista constavam autores como Frantz Fanon, Marcus Garvey, W.E.B Du Bois, Kwane Kruman, Malcolm X, John Hope Franklyn, C.L.R James, Karl Marx entre outros.
Emory Douglas (nego véio da foto aí de cima) foi ministro da cultura do grupo (ele se apresentavam como um Estado e cada militante tinha uma posição dentro do grupo) e se juntou aos Black Panthers vindo do Movimento de Artes Negras que abateu os EUA nos anos sessenta. Foi o momento em que temas como a descolonização do continente africano e a renovação da estética negra teve um impacto direto nas produção de artistas afro-americanos. Na poesia e literatura apareceram nomes como Maya Angelou, Nikki Giovanni e James Baldwin ao ponto que jazz vivia experimentações profundas através de músicos da avant-garde como Mile Davis, John Coltrane e Charles Mingus, a soul music que incorporava elementos mais críticos nas letras e cuja sonoridade ia se radicalizando por meio de James Brown. Gil Scott-Heron cantava The Revolution Will Not Be Televised e dava, junto com os The Last Poets, os primeiros passos no canto falado que anos mais tarde, juntando-se a ritmos jamaicanos com o toast, formaria o que se conhece hoje por rap. No Harlem (com o bicho pegando devido a vários riots), foi o momento que houve o estabelecimento do The Studio Museum in Harlem local de encontro e produção de artistas negros da Big Apple e de regiões próximas.
A produção de Douglas tem uma pegada, como pode ser vista em algumas imagens aqui do post, de art pop, algo que iria se estabelecer com força na cena artística e tomar as galerias do gentrificado SoHo nos anos 1970 e 1980 através de figuras como Andy Warhol (1928-1987) e seu pupilo Jean-Michel Basquiat (1960-1988). Douglas, por sua vez, tinha objetivos políticos muito mais claros. Pensava a revolução não só como state of mind, mas como realidade. Entretanto, os desenhos do artista não deixam de ter muito humor, algo que me lembra um pouco Ernesto "Che" Guevara (1928-1967): "Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás!". No caso do truta Douglas, seria "não perder o humor"... Veja o quadro dos Pigs (maneira como os Panthers se referiam aos brancos imperialistas do poder nos EUA e na Europa) abaixo...
Em um outro quadro que vi na exposicão há um pig falando ao telefone e segurando um livro intitulado "Manual Para Sequestro do F.B.I.". Ironicamente ele está numa ligação com os Panthers dizendo: "Alô Black Panthers, eu estou muito grato em lhe informar que teremos um grande prazer em marcar uma reunião com o presidente da sua organização". Hilário! Infelizmente, a história da conspiração armada pelo governo americano para o desmantelamento dos Panthers não é nada engraçada. Por volta de 25 lideranças foram mortas em condições suspeitas até o final dos anos 1970. Muitos outros foram presos e alguns continuam na prisão ou no exílio até hoje.
Felizmente, Douglas ainda está aí para contar histórias e produzir mais coisas legais em nome da libertação negra. A imagem abaixo é a capa de um álbum do grupo de rap Digable Planets, Blowout Comb (1994), e foi inspirada no layout do jornal dos Panthers elaborado por Douglas e onde sua produção circulou majoritariamente nos anos 1960/1970.
Pois é, vida longa a Douglas e Muita Paz Rapaziada!
Para quem não sabe, o Black Panther Party For Self Defense foi uma organização negra criada em Oakland, Califórnia, que atuou nos EUA de maneira efetiva entre 1966-1980. Suas figuras de frente foram Bobby Seale e Huey P. Newton. A analogia à Pantera foi incorporada devido a mesma ser, de acordo com os fundadores, um animal que só ataca como forma de auto-defesa. Os Panthers surgiram no contexto dos assasinatos das duas grandes lideranças negras contemporâneas - Malcolm X (1925-1965) e Martin Luther King Jr. (1929-1968) - e incorporavam paradigmas ideológicos que passavam pelo marxismo, maoismo, nacionalismo negro e pan-africanismo. Na exposição havia uma cópia da lista de leituras obrigatórias de um militante panther, que, segundo depoimentos de participantes, tinha um programa intensivo de leitura entre 6 a 8 semanas antes de se juntar a organização. Na lista constavam autores como Frantz Fanon, Marcus Garvey, W.E.B Du Bois, Kwane Kruman, Malcolm X, John Hope Franklyn, C.L.R James, Karl Marx entre outros.
Emory Douglas (nego véio da foto aí de cima) foi ministro da cultura do grupo (ele se apresentavam como um Estado e cada militante tinha uma posição dentro do grupo) e se juntou aos Black Panthers vindo do Movimento de Artes Negras que abateu os EUA nos anos sessenta. Foi o momento em que temas como a descolonização do continente africano e a renovação da estética negra teve um impacto direto nas produção de artistas afro-americanos. Na poesia e literatura apareceram nomes como Maya Angelou, Nikki Giovanni e James Baldwin ao ponto que jazz vivia experimentações profundas através de músicos da avant-garde como Mile Davis, John Coltrane e Charles Mingus, a soul music que incorporava elementos mais críticos nas letras e cuja sonoridade ia se radicalizando por meio de James Brown. Gil Scott-Heron cantava The Revolution Will Not Be Televised e dava, junto com os The Last Poets, os primeiros passos no canto falado que anos mais tarde, juntando-se a ritmos jamaicanos com o toast, formaria o que se conhece hoje por rap. No Harlem (com o bicho pegando devido a vários riots), foi o momento que houve o estabelecimento do The Studio Museum in Harlem local de encontro e produção de artistas negros da Big Apple e de regiões próximas.
A produção de Douglas tem uma pegada, como pode ser vista em algumas imagens aqui do post, de art pop, algo que iria se estabelecer com força na cena artística e tomar as galerias do gentrificado SoHo nos anos 1970 e 1980 através de figuras como Andy Warhol (1928-1987) e seu pupilo Jean-Michel Basquiat (1960-1988). Douglas, por sua vez, tinha objetivos políticos muito mais claros. Pensava a revolução não só como state of mind, mas como realidade. Entretanto, os desenhos do artista não deixam de ter muito humor, algo que me lembra um pouco Ernesto "Che" Guevara (1928-1967): "Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás!". No caso do truta Douglas, seria "não perder o humor"... Veja o quadro dos Pigs (maneira como os Panthers se referiam aos brancos imperialistas do poder nos EUA e na Europa) abaixo...
Em um outro quadro que vi na exposicão há um pig falando ao telefone e segurando um livro intitulado "Manual Para Sequestro do F.B.I.". Ironicamente ele está numa ligação com os Panthers dizendo: "Alô Black Panthers, eu estou muito grato em lhe informar que teremos um grande prazer em marcar uma reunião com o presidente da sua organização". Hilário! Infelizmente, a história da conspiração armada pelo governo americano para o desmantelamento dos Panthers não é nada engraçada. Por volta de 25 lideranças foram mortas em condições suspeitas até o final dos anos 1970. Muitos outros foram presos e alguns continuam na prisão ou no exílio até hoje.
Felizmente, Douglas ainda está aí para contar histórias e produzir mais coisas legais em nome da libertação negra. A imagem abaixo é a capa de um álbum do grupo de rap Digable Planets, Blowout Comb (1994), e foi inspirada no layout do jornal dos Panthers elaborado por Douglas e onde sua produção circulou majoritariamente nos anos 1960/1970.
Pois é, vida longa a Douglas e Muita Paz Rapaziada!
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Cascão Não é Patrício!
Vale a pena ler a notícia do lançamento do livro de história em quadrinhos Negrinha no site do Estadão. A obra foi produzida por uma autora francesa e revive o Rio de Janeiro pré-bossa nova revisitando ainda a clássica ditocomia "morro x asfalto". A matéria do jornal paulista termina com uma pérola do cartunista Mauricio de Sousa: "A propósito: Cascão não é negro, informa Mauricio. Ele lembra que, em uma de suas aventuras, os amigos o limparam com um aspirador de pó e descobriram que não só ele é branco, como tem olhos azuis." Ou seja, Cascão não é patrício, rapaziada. Não adianta chorar (na verdade, tô é morrendo de rir)!
Vibrações positivas pro Cascão aí na caminhada, mesmo ele não sendo um "irmão" de cor!
domingo, 18 de outubro de 2009
Pink Pussy!
Estou eu no meu caminho para jantar no Whole Foods, Union Square, no sábado à noite. Frio, mas o Notorious Big no talo em meu iPhone esquenta o clima. Ao chegar ao final da Washington Square e atravessar a rua vejo duas garotas negras. Uma delas me diz algo e retiro o fone de ouvido para ouvi-lá. "Excuse-me, where's East Village?", "Well, East Village is all around here", respondo. Subitamente a garota olha para meu rosto com cara de espantada. "Are you German?" Solto um sorriso e respondo que sou brasileiro. Ela diz que ficara espantada com meu sotaque e se questionara de onde eu seria considerando que não conseguiu associar meu "acent" com nenhuma nacionalidade além do fato de eu ser negro dificultar mais ainda a tarefa. Rio e digo que não gosto nem de imaginar como meu inglês soa aos americanos.
Mas depois de algum tempo volto ao assunto inicial, "Which place specifically are you looking for?..." Ela hesita, ri e diz está procurando pelo... Ouço um "pussy" no meio e saco de imediato onde é o lugar, já que passo todo dia em frente. "So, it's easy! Go straight, turn West 4 right and then at the next corner turn left and take the West 3 right. Is it a bar or something like that, no?" A garota abri um sorrriso e olha para sua amiga que até aquele momento permanecera calada, a mesma se faz de desentendida. Ambas hesitam e riem. A garota que fala comigo diz em voz baixa, "No, it's not a bar, it's a sex shop! Pink Pussy Sex Shop". Abro um sorriso e espontaneamente falo alto (sem me dar conta de que estou nos EUA), "OH YEAH, COOL! THERE'S A LOT OF SEX SHOP AROUND HERE"... A garota olha para mim num misto de riso, susto e vergonha, "Please, don't speak so loud". Só aí caio na real, "I'm sorry, I'm so sorry! Well, take the West 4 and go straight until the Sixth Avenue!"...
Que saudades da Avenida Ipiranga, centro de São Paulo, onde DVDs de filmes de sacanagem com capas cheias de mulheres e homens pelados são vendidos nas calçadas a R$ 5! Mas tudo bem, se quiser visitar a famosa sex shop novaiorquina aberta em 1972, a The PinkPussyCat Boutique fica na 167 West 4th, West Village.
Muita Paz, Diversão e Prazer no sexo cujo único acessório indispensável é camisinha!
Mas depois de algum tempo volto ao assunto inicial, "Which place specifically are you looking for?..." Ela hesita, ri e diz está procurando pelo... Ouço um "pussy" no meio e saco de imediato onde é o lugar, já que passo todo dia em frente. "So, it's easy! Go straight, turn West 4 right and then at the next corner turn left and take the West 3 right. Is it a bar or something like that, no?" A garota abri um sorrriso e olha para sua amiga que até aquele momento permanecera calada, a mesma se faz de desentendida. Ambas hesitam e riem. A garota que fala comigo diz em voz baixa, "No, it's not a bar, it's a sex shop! Pink Pussy Sex Shop". Abro um sorriso e espontaneamente falo alto (sem me dar conta de que estou nos EUA), "OH YEAH, COOL! THERE'S A LOT OF SEX SHOP AROUND HERE"... A garota olha para mim num misto de riso, susto e vergonha, "Please, don't speak so loud". Só aí caio na real, "I'm sorry, I'm so sorry! Well, take the West 4 and go straight until the Sixth Avenue!"...
Que saudades da Avenida Ipiranga, centro de São Paulo, onde DVDs de filmes de sacanagem com capas cheias de mulheres e homens pelados são vendidos nas calçadas a R$ 5! Mas tudo bem, se quiser visitar a famosa sex shop novaiorquina aberta em 1972, a The PinkPussyCat Boutique fica na 167 West 4th, West Village.
Muita Paz, Diversão e Prazer no sexo cujo único acessório indispensável é camisinha!
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Entre Limonadas e Corinho!
O homem de feições indianas a observava com curiosidade, "May I help you, lady?", disse com forte sotaque britânico. "No thanks, I am just looking at it!". O inglês da moça não permitiu ao vendedor identificar ao certo sua nacionalidade, mas apenas descartar algumas como caribenha e francesa. Talvez, pelas maneiras, fosse norte-americana ou de algum país africano. Ele continuava a observá-la com interesse, tomando a precaução de não se extender demais ou parecer vulgar. Tinha idade para ser seu pai.
A moça beirando seu vinte e cinco anos continuo a olhar pela prateleiras de cosméticos da Harrods e, subitamente, focou a atenção sobre uma foto e abriu um sorriso infantil. O homem olhou para a imagem e, a seguir, voltou-se surpreso para a garota novamente. Pareciam... Não, eram a mesma pessoa. Abriu um sorriso e sentiu-se um pouco mais à vontade "You look gorgeous, mademoseille!", "Thank you, sir", respondeu ela ainda mantendo seu olhar sobre a propaganda do creme hidratante a base de limão que trazia seu rosto. Não, a irônia ou graça da situação não estava necessariamente em se deparar com seu rosto dentre as várias outros modelos que emprestavam a face para advertisements de Lancômes, Dolce & Gabbanas, Vitoria's Secrets, Chanels, Marcs Jacobs e Carrolinas Herreras na seção de beleza da loja de departamentos. Isso já tinha virado rotina após 10 anos expondo seu rosto e corpo para fotógrafos das mais diversas nacionalidades.
Sua memória a fez aterrisar no quintal da casa de um cômodo na qual morava com a mãe e três irmão quando ainda criança. O sabão de cinzas que a mãe usava para lavar a louça era o mesmo que toda a família usava para tomar banho e lavar os cabelos sendo produzido pela família. Sua mãe também era detentora de uma poderosa mágica em produzir algo que, nos supermercados da cidade inacessíveis a eles, era conhecido como condicionador de cabelo. Havia uma planta, babosa, no quintal da qual sua mãe tirava o gel que ajudava a hidratar e pentear seus cabelos crespos antes das tranças serem feitas. Diferente das outras famílias que moravam ao redor, eles raramente passavam fome devido ao quintal farto de milharais, pés de mandioca, beterraba e galinhas. Dessas últimas, sempre uma ou duas cocoricós eram surrupiadas por algum vizinho em situação não tão favorável. Mas havia algo que sua mãe não conseguia dar jeito para além da fome e higiene: o corinho.
Era só chegar o inverno para que a pele dela, de seus irmãos e de sua mãe fosse aos poucos ressecando a ponta de ser possível escrever frases inteiras no braços, costas, peitos e pernas bastando ter um objeto pontiagudo como um galhinho de árvore para fazê-lo. Era constrangedor ir à escola com a pele russa e ser motivo de piadas, os garotos brancos não podiam falar absolutamente nada de seus cabelos arrumados, cortados e trançados ou de suas roupas imaculadamente brancas, mas aquele corinho... Não havia maneira de dar jeito no mesmo uma vez que o preço do creme hidratante o tornava inacessível a sua família. O óleo de cozinha podia ser uma solução, apesar do cheiro e da lambuzeria que fazia. Uma vez, Jessica usou o dito cujo, mas se arrempendeu profundamente, pois não parava na carteira da escola. Ficava dançando para lá e para cá devido a viscozidade do óleo na pele. E além do mais, tinha usado escondido. Óleo era talvez o único produto industrializado que entrava naquela casa de um cômodo construída por seu pai antes dele ir viver com outra família.
Mas tudo mudou um dia quando, cortando limões para uma limonada, Jessica deixou acidentalmente um gomo deles cair sobre sua perna. Ao olhar para ela percebeu que o local em que o limão havia batido estava protegido do corinho dando uma aparência natural a pele escura. Ficou deslumbrada! Cortou mais limão e passou pelas pernas... Era verdade o sulco do limão cobria o maldito corinho. Ficou exultante, aquilo seria a sua salvação e dos seus irmãos. Durante tanto tempo a solução estava lá, no quintal de sua casa, mas nunca tinha ela notado o limoeiro como um possibilidade. Ninguém mais tiraria sarro dela a chamando de quadro negro ambulante ou preta virando branca. Contou a novidade a mãe que, surpresa, também fez o teste. Aprovado! Sua mãe também adotou a nova descoberta, mas com sua sabedoria de nega-véia disse que seria necessário inserir um pouco de água, já que o limão puro em contato com o sol poderia queimar e deixar marcas na pele dos seus pretinhos. E assim a família pobre resolveu seu grande problema de corinho e podia, consequentemente, ir para a missa de todo sábado ou para a escola sem que ninguém comentasse algo sobre a pele russa. A dignidade daqueles pretos altivos havia sido reconquistada e o corinho mandando aos infernos!
Passado alguns anos, foi com surpresa que ela respondeu a pergunta do rapaz louro e de olhos azúis iguais aos da imagem de Jesus que sua mãe mantinha na parede de casa. Dizendo ser um "rédiranter" de uma agência de modelos, o Jesus de cabelo curto olhara impressionado para a sua pele e perguntara qual hidratante a garota usava, "Hidratante, que hidratante?! Eu uso é limão, moço. E é a minha mãe que faz, óh!"
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
O Olhar da Dor!
New York City, 12 de outubro de 2009.
São 8:40 da manhã e estou no metrô voltando para minha casa depois de uma noite de trabalho na Bobst Library (NYU). Após algumas estações em que subi o vagão começa a lotar. É feriado na Big Apple, Columbus Day, mas em NYC há sempre alguém indo ou voltando do trabalho. Em uma das paradas do trem, já lotado, uma senhora negra aparentando seus quase 50 anos entra no vagão. É franzina e carrega uma sacola de loja de departamentos e uma bolsa. Ela senta-se à minha frente...
Seu olhar é tão triste que imediatamente captura minha atenção a ponto me fazer deixar de lado o romance que comprara no dia anterior e estava tão ansioso em começar a ler. Seu olhar é tão amargurado que dá a assustadora impressão que aquela mulher, franzina e carregando sacolas, irá explodir em lágrimas a qualquer momento. Meus olhos se enchem d'água! Em meu iPhone ouço despreocupadamente Maxwell, mas quero compartilhar da tristeza daquela senhora negra que senta à minha frente e cujo o olhar é talvez o mais triste que eu já tenha visto em toda a minha vida... Ao trocar de música acho, incidentalmente, Gil Scott-Heron...
Did you hear what they said,
Did you hear what they said,
Did you hear what they said,
They said another brother's dead,
They said he's dead...but he can't be buried,
They said he's dead...but he can't be buried,
Come on, come on,come on,come on
This can't be real.
Did you hear what they said,
Did you hear what they said,
Did you hear what they said,
They said,they shot him in his head,
A shot in the head to save his country,
A shot in the head to save his country,
Come on, come on,come on,come on
This can't be real.
Did you hear what they said,
Yeah did you hear what they said,
Did you hear what they said,
About his mother and how she cried,
They said she cried,'cause her only son was dead
They said she cried,'cause her only son was dead
Woman,could you imagine if your only son was dead
And somebody told you,he couldn't be buried,
Hey,hey,come on,come on,come on,come on
This can't be real.
As estações passam rápido enquanto ouço a música e noto os detalhes do rosto daquela senhora negra franzina. Tranças rentes a cabeça no cabelo crespo, os dentes irregulares, a pele enrugada, os lábios disformes. Agora tenho certeza que seus olhos estão cheios de lágrimas, mas nenhuma delas surge sobre a sua face. Minha estação chega e continuo a olhar para ela enquanto saio do vagão em direção a plataforma. Ela me fita e eu, mediante um acordo feito no silêncio de olhares, me sinto livre para compartilhar da sua dor. Entretanto, ela, por força moral ou qualquer outra razão, não derramou nem uma lágrima sequer ao ponto que eu, parado na plataforma, via o trem indo embora enquanto minhas faces sentiam algo úmido que despencava de meus olhos...
Ouça Did You Hear What They Said?, de Gil Scott-Heron (foto abaixo), AQUI
Muita Paz!
São 8:40 da manhã e estou no metrô voltando para minha casa depois de uma noite de trabalho na Bobst Library (NYU). Após algumas estações em que subi o vagão começa a lotar. É feriado na Big Apple, Columbus Day, mas em NYC há sempre alguém indo ou voltando do trabalho. Em uma das paradas do trem, já lotado, uma senhora negra aparentando seus quase 50 anos entra no vagão. É franzina e carrega uma sacola de loja de departamentos e uma bolsa. Ela senta-se à minha frente...
Seu olhar é tão triste que imediatamente captura minha atenção a ponto me fazer deixar de lado o romance que comprara no dia anterior e estava tão ansioso em começar a ler. Seu olhar é tão amargurado que dá a assustadora impressão que aquela mulher, franzina e carregando sacolas, irá explodir em lágrimas a qualquer momento. Meus olhos se enchem d'água! Em meu iPhone ouço despreocupadamente Maxwell, mas quero compartilhar da tristeza daquela senhora negra que senta à minha frente e cujo o olhar é talvez o mais triste que eu já tenha visto em toda a minha vida... Ao trocar de música acho, incidentalmente, Gil Scott-Heron...
Did you hear what they said,
Did you hear what they said,
Did you hear what they said,
They said another brother's dead,
They said he's dead...but he can't be buried,
They said he's dead...but he can't be buried,
Come on, come on,come on,come on
This can't be real.
Did you hear what they said,
Did you hear what they said,
Did you hear what they said,
They said,they shot him in his head,
A shot in the head to save his country,
A shot in the head to save his country,
Come on, come on,come on,come on
This can't be real.
Did you hear what they said,
Yeah did you hear what they said,
Did you hear what they said,
About his mother and how she cried,
They said she cried,'cause her only son was dead
They said she cried,'cause her only son was dead
Woman,could you imagine if your only son was dead
And somebody told you,he couldn't be buried,
Hey,hey,come on,come on,come on,come on
This can't be real.
As estações passam rápido enquanto ouço a música e noto os detalhes do rosto daquela senhora negra franzina. Tranças rentes a cabeça no cabelo crespo, os dentes irregulares, a pele enrugada, os lábios disformes. Agora tenho certeza que seus olhos estão cheios de lágrimas, mas nenhuma delas surge sobre a sua face. Minha estação chega e continuo a olhar para ela enquanto saio do vagão em direção a plataforma. Ela me fita e eu, mediante um acordo feito no silêncio de olhares, me sinto livre para compartilhar da sua dor. Entretanto, ela, por força moral ou qualquer outra razão, não derramou nem uma lágrima sequer ao ponto que eu, parado na plataforma, via o trem indo embora enquanto minhas faces sentiam algo úmido que despencava de meus olhos...
Ouça Did You Hear What They Said?, de Gil Scott-Heron (foto abaixo), AQUI
Muita Paz!
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
Companheira/Irmã de C... é R...
Novembro de 1970, área central de São Paulo.
Juca deu um gole na cerveja e já meio alto, efeito da mistura de várias loiras geladas com uns quebra gelos, sentiu seu coração bater mais rápido. No meio da multidão de gente que passava pelo calçadão da rua 7 de Abril avistou uma negra alta na casa dos 20 e alguma coisa vindo em sua direção com um sorriso. Sacolas de compras nas mãos, um calça boca de sino apertada marcando o traseiro volumoso, salto alto e o cabelo crespo alisado com Hené Maru. A nega era grande...
A mesa, cheia de amigos, parou a conversa esperando a beldade de ébano passar. Copos americanos cheios de Maria Mole e breja ficaram suspensos no meio do caminho entre a mesa e a boca. Alguns trutas já preparavam um assobio malicioso, caras, bocas e algum comentário safado. A nega era grande... Até São Benedito, se estivesse na mesa, ia dar uma olhadinha rápida na preta que caminhava com garra e energia. Era como se a patrícia, por alguma peça pregada pela divina providência ou graça da física, andasse em câmera lenta e cada passo seu era acompanhado em detalhes por rapazes que tinham pouco dinheiro, mas virilidade pra dar e vender.
Toc, toc, toc... Ouvia-se até mesmo o som do salto da nega castigando o chão. A nega era grande e pisava com força, andando com elegância e domínio da arte. Andar de salto alto não é pra qualquer uma e existe até mesmo uma hierarquia. Há aquelas que tentam, mas não sabem fazê-lo, de modo que o perigo de se machucar é grande. Depois vem aquelas que andam corretamente, mas sem nenhum charme: são burocráticas. Mas existe a classe superior daquelas que, além de usar salto alto, pisam com força, elegância e de forma sexy, essas andam de salto por prazer. Vixe Maria!... A nega que vinha na direção da mesa fazia parte dessa última categoria e devia ter treinado bastante o seu andar quando ainda menina, roubando os saltos da mãe para desfilar em frente ao espelho.
O assobio de um maluco engasgou... Um copo de Maria Mole caiu no chão... Outro vagabundo desviou o olhar enquanto um quarto saiu de fininho dizendo que ia no banheiro. "Aí rapaziada, essa é a Marli minha companheira!", disse Juca após meter um beijo no beiço da pretona e agarrar o corpo volumoso e macio num abraço de urso. Toda a mesa ficou sem graça, sorrisos amarelos surgiram no rosto dos vagabundos que se corroíam de inveja do mulherão e/ou raiva pelo vexame. "Prazer hein, irmã Marli. Nem sabia que o companheiro Juca tinha se casado". "Casamo naquela né companheiro, tâmo morando junto lá numa casinha germinada na Casa Verde, manja?", disse o Juca. Marli deu um sorriso sem graça pra todo mundo, "Filho da puta, nem contou pros amigos do partido que tinha juntado os trapos!", pensou. "Minha companheira é mó firmeza, óh!" afirmava Juca todo orgulhoso enquanto Marli olhava para todos meio desconcertada.
"O Marli, diz aí irmã, o que você acha dessa parada das mulheres pretas alisarem o cabelo, hein?... Alienação, né?", perguntou um dos trutas. Marli ficou sem graça, sentiu a cabeça fritar. "Mas o irmã, que escola de samba você frequenta?", "Irmã, você é filiada a algum partido?", "Irmã, o que você acha da ditadura?", "Irmã, mas o samba é alienado, né? Os caras só falam de mulher e tal. A MPB é o que liga, Geraldo Vandré é o cara?" "Irmã...?" "Irmã...?" "Irmã...?" "É irmã, a situação do Brasil tá foda!"
Depois de muitas irmãs e companheiras..."Aí rapaziada, eu e a minha companheira vamo saí fora. O último busão pra Casa Verde passa daqui a quinze minutos e a gente tem que acordar cedo amanhã. Tenho uma plenária do coletivo às 9:00, tá ligado?"... "Firmeza Juca, vai lá companheiro!" "Tchau irmã Marli!"
Marli e Juca fizeram todo o trajeto do centro até a Casa Verde sentados um ao lado do outro no ônibus e quietos. O negão, meio chumbado de álcool, não deu muita atenção pra esse fato, pois só imaginava a gostosa noite de amor que iria ter. "Essa noite vai ser literalmente FODA!", pensava enquanto olhava para Marli abrindo um sorriso e dava beijoquinhas no beiço da pretona que, a essa altura do campeonato, já tinha perdido toda a cor vermelha do batom Avon na camisa branca do companheiro.
Casa Verde, quebrada doce quebrada! Ao chegar na casinha germinada Juca jogou as sacolas de compras no chão e deu um tapão no traseiro de Marli que continuava quieta. O pretão era só sorrisos... Meteu um disco do Marvin Gaye na vitrola velha e uma melodia soul invadiu o ambiente... "...I am really trying, baby... Lets get it on...". Marli foi tomar um banho. Juca abriu a geladeira e achou uma garrafa de vinho tinto Chapinha pela metade. Dividiu o conteúdo da garrafa em dois copos e ficou esperando sua companheira sair do banheiro. O pretão gringo na vitrola já ia para quarta faixa quando Marli saiu do banheiro toda perfumada vestindo um baby doll branco e curtinho da DeMillus que ainda estava pagando, pegou um copo de água na geladeira e foi pra cama. Juca olhou a cena e não entendeu nada, mas tirou a roupa e foi só de samba-canção pra cama levando os copos de vinho. Sentou na beira do colchão de casal recém comprado e ofereceu um dos copos para Marli. "Quero não, não bebo!" disse ela. "Não bebe, como num bebe? A gente tava bebendo até agora pouco no centro, preta?!" "Não bebo amor sou IRMÃ, esqueceu?!" "Irmã? Que história é essa, Marli?"... "Sou IRMÃ, meu amor. Não bebo e não trepo antes do casamento!", disse Marli rolando pro outro lado da cama. Juca fez cara de espantado, mas antes que pudesse formular uma resposta levou outro baque... "Outra coisa, COMPANHEIRA é a PUTA QUE TE PARIU", gritou Marli ficando de pé em cima da cama, "Eu sou a sua MULHER, ESPOSA, PRETA, NEGA ou MINA, mas nenhuma dessas VAGABUNDAS vai dar pra você essa noite... Ah, e avisa pra aqueles FILHOS DA PUTA dos seus amigos chatos do partido que a IRMÃ aqui vai continuar alisando o cabelo e indo no samba de alienado, viu?"
Juca deu um gole na cerveja e já meio alto, efeito da mistura de várias loiras geladas com uns quebra gelos, sentiu seu coração bater mais rápido. No meio da multidão de gente que passava pelo calçadão da rua 7 de Abril avistou uma negra alta na casa dos 20 e alguma coisa vindo em sua direção com um sorriso. Sacolas de compras nas mãos, um calça boca de sino apertada marcando o traseiro volumoso, salto alto e o cabelo crespo alisado com Hené Maru. A nega era grande...
A mesa, cheia de amigos, parou a conversa esperando a beldade de ébano passar. Copos americanos cheios de Maria Mole e breja ficaram suspensos no meio do caminho entre a mesa e a boca. Alguns trutas já preparavam um assobio malicioso, caras, bocas e algum comentário safado. A nega era grande... Até São Benedito, se estivesse na mesa, ia dar uma olhadinha rápida na preta que caminhava com garra e energia. Era como se a patrícia, por alguma peça pregada pela divina providência ou graça da física, andasse em câmera lenta e cada passo seu era acompanhado em detalhes por rapazes que tinham pouco dinheiro, mas virilidade pra dar e vender.
Toc, toc, toc... Ouvia-se até mesmo o som do salto da nega castigando o chão. A nega era grande e pisava com força, andando com elegância e domínio da arte. Andar de salto alto não é pra qualquer uma e existe até mesmo uma hierarquia. Há aquelas que tentam, mas não sabem fazê-lo, de modo que o perigo de se machucar é grande. Depois vem aquelas que andam corretamente, mas sem nenhum charme: são burocráticas. Mas existe a classe superior daquelas que, além de usar salto alto, pisam com força, elegância e de forma sexy, essas andam de salto por prazer. Vixe Maria!... A nega que vinha na direção da mesa fazia parte dessa última categoria e devia ter treinado bastante o seu andar quando ainda menina, roubando os saltos da mãe para desfilar em frente ao espelho.
O assobio de um maluco engasgou... Um copo de Maria Mole caiu no chão... Outro vagabundo desviou o olhar enquanto um quarto saiu de fininho dizendo que ia no banheiro. "Aí rapaziada, essa é a Marli minha companheira!", disse Juca após meter um beijo no beiço da pretona e agarrar o corpo volumoso e macio num abraço de urso. Toda a mesa ficou sem graça, sorrisos amarelos surgiram no rosto dos vagabundos que se corroíam de inveja do mulherão e/ou raiva pelo vexame. "Prazer hein, irmã Marli. Nem sabia que o companheiro Juca tinha se casado". "Casamo naquela né companheiro, tâmo morando junto lá numa casinha germinada na Casa Verde, manja?", disse o Juca. Marli deu um sorriso sem graça pra todo mundo, "Filho da puta, nem contou pros amigos do partido que tinha juntado os trapos!", pensou. "Minha companheira é mó firmeza, óh!" afirmava Juca todo orgulhoso enquanto Marli olhava para todos meio desconcertada.
"O Marli, diz aí irmã, o que você acha dessa parada das mulheres pretas alisarem o cabelo, hein?... Alienação, né?", perguntou um dos trutas. Marli ficou sem graça, sentiu a cabeça fritar. "Mas o irmã, que escola de samba você frequenta?", "Irmã, você é filiada a algum partido?", "Irmã, o que você acha da ditadura?", "Irmã, mas o samba é alienado, né? Os caras só falam de mulher e tal. A MPB é o que liga, Geraldo Vandré é o cara?" "Irmã...?" "Irmã...?" "Irmã...?" "É irmã, a situação do Brasil tá foda!"
Depois de muitas irmãs e companheiras..."Aí rapaziada, eu e a minha companheira vamo saí fora. O último busão pra Casa Verde passa daqui a quinze minutos e a gente tem que acordar cedo amanhã. Tenho uma plenária do coletivo às 9:00, tá ligado?"... "Firmeza Juca, vai lá companheiro!" "Tchau irmã Marli!"
Marli e Juca fizeram todo o trajeto do centro até a Casa Verde sentados um ao lado do outro no ônibus e quietos. O negão, meio chumbado de álcool, não deu muita atenção pra esse fato, pois só imaginava a gostosa noite de amor que iria ter. "Essa noite vai ser literalmente FODA!", pensava enquanto olhava para Marli abrindo um sorriso e dava beijoquinhas no beiço da pretona que, a essa altura do campeonato, já tinha perdido toda a cor vermelha do batom Avon na camisa branca do companheiro.
Casa Verde, quebrada doce quebrada! Ao chegar na casinha germinada Juca jogou as sacolas de compras no chão e deu um tapão no traseiro de Marli que continuava quieta. O pretão era só sorrisos... Meteu um disco do Marvin Gaye na vitrola velha e uma melodia soul invadiu o ambiente... "...I am really trying, baby... Lets get it on...". Marli foi tomar um banho. Juca abriu a geladeira e achou uma garrafa de vinho tinto Chapinha pela metade. Dividiu o conteúdo da garrafa em dois copos e ficou esperando sua companheira sair do banheiro. O pretão gringo na vitrola já ia para quarta faixa quando Marli saiu do banheiro toda perfumada vestindo um baby doll branco e curtinho da DeMillus que ainda estava pagando, pegou um copo de água na geladeira e foi pra cama. Juca olhou a cena e não entendeu nada, mas tirou a roupa e foi só de samba-canção pra cama levando os copos de vinho. Sentou na beira do colchão de casal recém comprado e ofereceu um dos copos para Marli. "Quero não, não bebo!" disse ela. "Não bebe, como num bebe? A gente tava bebendo até agora pouco no centro, preta?!" "Não bebo amor sou IRMÃ, esqueceu?!" "Irmã? Que história é essa, Marli?"... "Sou IRMÃ, meu amor. Não bebo e não trepo antes do casamento!", disse Marli rolando pro outro lado da cama. Juca fez cara de espantado, mas antes que pudesse formular uma resposta levou outro baque... "Outra coisa, COMPANHEIRA é a PUTA QUE TE PARIU", gritou Marli ficando de pé em cima da cama, "Eu sou a sua MULHER, ESPOSA, PRETA, NEGA ou MINA, mas nenhuma dessas VAGABUNDAS vai dar pra você essa noite... Ah, e avisa pra aqueles FILHOS DA PUTA dos seus amigos chatos do partido que a IRMÃ aqui vai continuar alisando o cabelo e indo no samba de alienado, viu?"
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Refletindo Seriamente Sobre o Aborto!
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Sol...
Essa é a magia da música e, por conseguinte, do hip-hop: nos trazer motivação e inspiração para continuar vivendo e correndo atrás de nossos objetivos. Agradeço a Slim Rimografia, grande rapper paulistano, pela canção Sol, responsável por me trazer good vibrations aqui em NYC vindas diretas de SP.
Confira o vídeo da música abaixo.
Muita Paz e, mais uma vez, obrigado Slim!
Texto a seguir retirado da página do Central Hip-Hop no YouTube: "Escrita numa madrugada, "Sol" foi inspirada na mesma paisagem que serviu de cenário para seu videoclipe, o terceiro do MC Slim Rimografia. Na laje do Mokado Records, no M'Boi Mirim, zona sul da capital paulista, Slim aponta para um sol que anuncia uma nova fase de beats & rimas. Wear your sunglasses!"
Confira o vídeo da música abaixo.
Muita Paz e, mais uma vez, obrigado Slim!
Texto a seguir retirado da página do Central Hip-Hop no YouTube: "Escrita numa madrugada, "Sol" foi inspirada na mesma paisagem que serviu de cenário para seu videoclipe, o terceiro do MC Slim Rimografia. Na laje do Mokado Records, no M'Boi Mirim, zona sul da capital paulista, Slim aponta para um sol que anuncia uma nova fase de beats & rimas. Wear your sunglasses!"
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Notívagos, Seres Estranhos...
Você deve ter algum amigo que diz que "intelectual acorda tarde", tem problemas de agendar qualquer compromisso antes das 14 horas e atende o telefone, numa ligação feita na hora do almoço, como se tivesse acabado de sair da cama ou ainda estivesse nela. Pois é, você está lidando nesses casos com notívagos, aqueles sujeitos estranhos que trabalham de noite e dormem de dia. Vigias noturnos não entram nessa categoria, já que boa parte deles dorme em serviço. Notívagos são pessoas que as três horas da manhã estão lendo, fazendo um chazinho, digitando algum texto no computador ou preparando algum seminário/aula ou numa animada conversa com outro notívago via MSN ou Skype. Tem notívagos que adoram, como eu gostava de fazer no Brasil, limpar o apartamento de madrugada. Boa parte dos meus amigos, e inclusive eu, são notívagos.
O grande problema dessa espécie é que ela funciona em horário contrário a grande maioria da humanidade. Por exemplo, tomam café da manhã à tarde e o almoço praticamente não existe, já que sempre jantam. Mas como notívagos tem amigos notívagos, as coisas acabam de certa forma funcionando. Por exemplo, sempre sei os horários de ligar para um amigo que mora em Washington DC e que tem a mesma rotina que a minha. Temos acaloradas discussões em conversas de telefone feitas as três ou quatro da manhã. Entretanto, notívagos sofrem às vezes do estigma de serem confundidos com vagabundos, já que acordam tarde e não se incomodam em deixar transperecer seu incômodo ao serem acordados antes das 14:00 devido a algum compromisso: "Que tal nos encontrarmos às 10:00 e depois almoçarmos?", notívago, "10:00??? Jesus, você não dorme não???"
Problema também é ter professores notívagos. Tive uma na USP. Mesmo as aulas do curso sendo vespertinas, ou seja, tinham início às 14:00 e se estendiam até 18:00, minha querida professora tinha um problema seríssimo de chegar no horário devido suas atividades noturnas. Geralmente dava aula mal humorada, bebericando várias xícaras de café e fumando cigarros que eram acendidos um na bituca do outro - naquele tempo ainda era permitido fumar em sala de aula e vendia-se cigarros na Cidade Universitária.
Todavia, notívagos tem uma idiossincracia em comum: apesar de adorar trabalhar durante a noite toda, odeiam ir dormir depois do amanhecer, uma espécie de "síndrome de vampiro". Então, não tente pegar o notívago numa espécie de vácuo entre o horário deles e o de pessoas "normais". Em outras palavras, nunca ligue pro notívago às 6:00, logo após acordar, tentando saber como foi o rendimento da noite de trabalho anterior ou saber das novidades antes de ir para o escritório. O notívago já vai estar dormindo, afinal, é necessário de 6 a 8 horas de sono diário para repor as energias e sempre ir para a cama antes do maldito sol dar as caras!
O grande problema dessa espécie é que ela funciona em horário contrário a grande maioria da humanidade. Por exemplo, tomam café da manhã à tarde e o almoço praticamente não existe, já que sempre jantam. Mas como notívagos tem amigos notívagos, as coisas acabam de certa forma funcionando. Por exemplo, sempre sei os horários de ligar para um amigo que mora em Washington DC e que tem a mesma rotina que a minha. Temos acaloradas discussões em conversas de telefone feitas as três ou quatro da manhã. Entretanto, notívagos sofrem às vezes do estigma de serem confundidos com vagabundos, já que acordam tarde e não se incomodam em deixar transperecer seu incômodo ao serem acordados antes das 14:00 devido a algum compromisso: "Que tal nos encontrarmos às 10:00 e depois almoçarmos?", notívago, "10:00??? Jesus, você não dorme não???"
Problema também é ter professores notívagos. Tive uma na USP. Mesmo as aulas do curso sendo vespertinas, ou seja, tinham início às 14:00 e se estendiam até 18:00, minha querida professora tinha um problema seríssimo de chegar no horário devido suas atividades noturnas. Geralmente dava aula mal humorada, bebericando várias xícaras de café e fumando cigarros que eram acendidos um na bituca do outro - naquele tempo ainda era permitido fumar em sala de aula e vendia-se cigarros na Cidade Universitária.
Todavia, notívagos tem uma idiossincracia em comum: apesar de adorar trabalhar durante a noite toda, odeiam ir dormir depois do amanhecer, uma espécie de "síndrome de vampiro". Então, não tente pegar o notívago numa espécie de vácuo entre o horário deles e o de pessoas "normais". Em outras palavras, nunca ligue pro notívago às 6:00, logo após acordar, tentando saber como foi o rendimento da noite de trabalho anterior ou saber das novidades antes de ir para o escritório. O notívago já vai estar dormindo, afinal, é necessário de 6 a 8 horas de sono diário para repor as energias e sempre ir para a cama antes do maldito sol dar as caras!
sábado, 3 de outubro de 2009
Brasil, País da Esperança!
Tod@s @s brasileir@s estão exultantes de alegria e ufanismo. 2014 Copa do Mundo, 2016 Olimpíadas. Onde? Brazil - com "z" mesmo. Há mais motivos. A crise econômica não foi necessariamente uma "marolinha" como prometia nosso presidente corinthiano no ano passado, mas, comparando com a situação de outros países, nos safamos bem. A descoberta das reservas de petróleo no litoral paulista vem sendo comemorada pela Petrobras e por tod@s @s brasileir@s, com exceção de usineiros. A desigualdade de renda no país tem diminuido e nossa economia - junto com a China, Índia e África do Sul - é vista como um dos grandes mercados a serem explorados nas próximas décadas. O sistema financeiro também se modernizou e, tirando o alto índice de juros e impostos cobrados, o país se torna mais e mais atraente para capitais internacionais. Para o bem ou para o mal, há uma hegemonia brasileira na América do Sul e obviamente alguns países se sentem incomodados com esse fato. Por fim, temos um presidente que se encontra entre os mais populares e fanfarões do mundo, mas que vem se colocando como o representante dos países em desenvolvimento (termo que se consagrou pós derrocada socialista no início do anos 1990). Levando tudo isso em consideração, a de se considerar: o Brasil é o da país da esperança, não há dúvida!
Entretanto, se olharmos com calma perceberemos que esse sentimento de missão mundial a ser cumprida não é algo novo em nossa história. Quando escreveu Casa Grande & Senzala (1933) o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987) conseguiu transmitir um pouco desse sentimento em um livro que se transformou num sucesso de vendas em um ainda insurgente mercado editorial. Freyre conseguiu, através de uma prosa refinada e consistente conhecimento histórico/antropólogico, recolocar o mito das três "raças" fundantes do país numa perspectiva positiva que se contrapunha ao pensamento raciológico racista das décadas anteriores e que condenava o país por conta de sua origem mestiça. Para se ter uma idéia do que falo, basta comparar C&S com o livro do intelectual paulista Paulo Prado (1869-1943), Retrato do Brasil (1928), cujo subtítulo era: "ensaio sobre a tristeza brasileira". Muito das idéias presentes no livro de Freyre foram questionadas posteriormente, principalmente a noção, que em C&S toma mais forma, de que o país seria uma democracia racial, ou seja, ausente de conflitos raciais. Porém, no contexto em que foi produzido e lançado, o livro proporcionou, talvez pela primeira vez, motivos para uma exaltação de orgulho nacional. Não éramos uma nação mixuruca, mas sim o Brasil mestiço que tinha a ginga negra/africana, o espírito empreendedor do branco português e a força do indígena autoctone.
Freyre pagando de gatão ao autografar livro!
Contudo, esse clima de euforia presente nos meios intelectuais e acadêmicos teve que esperar mais de uma década para se espraiar pela sociedade como todo devido ao Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas que se instaurou no Brasil entre 1937 e 1945. Nesse período, diga-se de passagem, o mundo viveu seu mais sangrento conflito armado: a II Guerra Mundial. O Brasil teve uma participação pequena enviando soldados quase ao final da guerra, mas seu grande papel seria no que viria após o conflito. A UNESCO, orgão de cultura das Nações Unidas, financiou uma pesquisa no Brasil, uma vez que o mesmo era visto como exemplo de convivência armoniosa entre grupos raciais diferentes e sua experiência poderia ser divulgada ao velho mundo que saira de um guerra que teve claros contornos étnicos/raciais.
O Brasil estava na crista da onda! A democracia voltara em fins de 1945 e o país vivia um onda de desenvolvimento e nacionalismo. Deixávamos de ser um país rural, de economia agrária para nos tornar urbanos e industrializados. Nesse clima, um intelectual austríaco/judeu que havia aportado no Brasil fugindo do nazismo, Stefan Zweig (1881-1942), escreveu o livro que cunhava termos que hoje podem voltar a ser bradados: Brasil, País do Futuro (1941). Ok, perdemos a copa de 1950 em casa, mas... Tudo isso passou a ter um charme especial quando em 1958 ganhamos a copa na Suécia e revelamos Pelé ao mundo, a bossa nova despontou como o ritmo mais cool do planeta e apelidamos o presidente Juscelino Kubitscheck (1902-1976) com o nome do ritmo brazuca misto de samba e jazz. Nas praias cariocas mulheres começaram a usar biquinis e a mobilidade social ascendente das poucas famílias urbanas ia de vento em popa.
Muita gente afirma que esse período florido acabou em 1964 com um golpe militar que levou generais sizudos ao poder. Porém, na década de 1970 mesmo em meio a repressão política, torturas, mortes e guerrilha, o país viveu um período de grande crescimento econômico. Os militares, que diziam ter visão estratégica, investiram pesado na criação de universidades federais e iniciou-se o processo de expansão dos ensino fundamental e médio. Uma ditadura, por meio de um "milagre econômico", levaria o país ao lugar merecido entre as grandes potências econômicas, algo que a democracia não havia conseguido fazer. Entretanto, tudo veio abaixo com a década perdida nos anos 1980. A democracia voltaria em 1986, mas recuperação econômica de fato só recomeçaria na metade dos anos 1990.
Estamos a três meses de uma nova década, a segunda do século XXI. Sente-se no ar novamente a esperança de que finalmente vamos chegar lá. Campeonatos mundiais de futebol e olimpíadas são eventos esportivos, mas não deixam nem um pouco de lado os aspectos político e econômico. Ser sede desses dois eventos num espaço de apenas dois anos diz algo sobre o Brasil. Nos gabamos de ser um povo alegre, amistoso, criativo e que sabe aproveitar a vida nas suas mais diversas formas. Entretanto, há muitos problemas a serem resolvidos em nosso país: violência, pobreza, vários tipos de discriminação (racial, de gênero e orientação sexual), corrupção, educação de péssima qualidade e, por mais que ela tenha diminuido, muita desigualdade. O ufanismo que sentimos ontem, ao saber da escolha do Rio de Janeiro como sede das olímpiadas de 2016, não deve morrer no vazio, mas sim servir de estímulo para que olhemos seriamente para nossos problemas e coloquemos esse ano como uma boa data para termos resolvido ou amenizado boa parte deles.
Muita Paz e Parabéns ao Rio e ao Brasil!
Entretanto, se olharmos com calma perceberemos que esse sentimento de missão mundial a ser cumprida não é algo novo em nossa história. Quando escreveu Casa Grande & Senzala (1933) o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987) conseguiu transmitir um pouco desse sentimento em um livro que se transformou num sucesso de vendas em um ainda insurgente mercado editorial. Freyre conseguiu, através de uma prosa refinada e consistente conhecimento histórico/antropólogico, recolocar o mito das três "raças" fundantes do país numa perspectiva positiva que se contrapunha ao pensamento raciológico racista das décadas anteriores e que condenava o país por conta de sua origem mestiça. Para se ter uma idéia do que falo, basta comparar C&S com o livro do intelectual paulista Paulo Prado (1869-1943), Retrato do Brasil (1928), cujo subtítulo era: "ensaio sobre a tristeza brasileira". Muito das idéias presentes no livro de Freyre foram questionadas posteriormente, principalmente a noção, que em C&S toma mais forma, de que o país seria uma democracia racial, ou seja, ausente de conflitos raciais. Porém, no contexto em que foi produzido e lançado, o livro proporcionou, talvez pela primeira vez, motivos para uma exaltação de orgulho nacional. Não éramos uma nação mixuruca, mas sim o Brasil mestiço que tinha a ginga negra/africana, o espírito empreendedor do branco português e a força do indígena autoctone.
Freyre pagando de gatão ao autografar livro!
Contudo, esse clima de euforia presente nos meios intelectuais e acadêmicos teve que esperar mais de uma década para se espraiar pela sociedade como todo devido ao Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas que se instaurou no Brasil entre 1937 e 1945. Nesse período, diga-se de passagem, o mundo viveu seu mais sangrento conflito armado: a II Guerra Mundial. O Brasil teve uma participação pequena enviando soldados quase ao final da guerra, mas seu grande papel seria no que viria após o conflito. A UNESCO, orgão de cultura das Nações Unidas, financiou uma pesquisa no Brasil, uma vez que o mesmo era visto como exemplo de convivência armoniosa entre grupos raciais diferentes e sua experiência poderia ser divulgada ao velho mundo que saira de um guerra que teve claros contornos étnicos/raciais.
O Brasil estava na crista da onda! A democracia voltara em fins de 1945 e o país vivia um onda de desenvolvimento e nacionalismo. Deixávamos de ser um país rural, de economia agrária para nos tornar urbanos e industrializados. Nesse clima, um intelectual austríaco/judeu que havia aportado no Brasil fugindo do nazismo, Stefan Zweig (1881-1942), escreveu o livro que cunhava termos que hoje podem voltar a ser bradados: Brasil, País do Futuro (1941). Ok, perdemos a copa de 1950 em casa, mas... Tudo isso passou a ter um charme especial quando em 1958 ganhamos a copa na Suécia e revelamos Pelé ao mundo, a bossa nova despontou como o ritmo mais cool do planeta e apelidamos o presidente Juscelino Kubitscheck (1902-1976) com o nome do ritmo brazuca misto de samba e jazz. Nas praias cariocas mulheres começaram a usar biquinis e a mobilidade social ascendente das poucas famílias urbanas ia de vento em popa.
Muita gente afirma que esse período florido acabou em 1964 com um golpe militar que levou generais sizudos ao poder. Porém, na década de 1970 mesmo em meio a repressão política, torturas, mortes e guerrilha, o país viveu um período de grande crescimento econômico. Os militares, que diziam ter visão estratégica, investiram pesado na criação de universidades federais e iniciou-se o processo de expansão dos ensino fundamental e médio. Uma ditadura, por meio de um "milagre econômico", levaria o país ao lugar merecido entre as grandes potências econômicas, algo que a democracia não havia conseguido fazer. Entretanto, tudo veio abaixo com a década perdida nos anos 1980. A democracia voltaria em 1986, mas recuperação econômica de fato só recomeçaria na metade dos anos 1990.
Estamos a três meses de uma nova década, a segunda do século XXI. Sente-se no ar novamente a esperança de que finalmente vamos chegar lá. Campeonatos mundiais de futebol e olimpíadas são eventos esportivos, mas não deixam nem um pouco de lado os aspectos político e econômico. Ser sede desses dois eventos num espaço de apenas dois anos diz algo sobre o Brasil. Nos gabamos de ser um povo alegre, amistoso, criativo e que sabe aproveitar a vida nas suas mais diversas formas. Entretanto, há muitos problemas a serem resolvidos em nosso país: violência, pobreza, vários tipos de discriminação (racial, de gênero e orientação sexual), corrupção, educação de péssima qualidade e, por mais que ela tenha diminuido, muita desigualdade. O ufanismo que sentimos ontem, ao saber da escolha do Rio de Janeiro como sede das olímpiadas de 2016, não deve morrer no vazio, mas sim servir de estímulo para que olhemos seriamente para nossos problemas e coloquemos esse ano como uma boa data para termos resolvido ou amenizado boa parte deles.
Muita Paz e Parabéns ao Rio e ao Brasil!
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
Triunfo by Emicida!
Ótima canção e videoclipe da nova geração do rap paulistano, Emicida!
O moleque é foda, confira...
O moleque é foda, confira...
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