sábado, 3 de outubro de 2009

Brasil, País da Esperança!

Tod@s @s brasileir@s estão exultantes de alegria e ufanismo. 2014 Copa do Mundo, 2016 Olimpíadas. Onde? Brazil - com "z" mesmo. Há mais motivos. A crise econômica não foi necessariamente uma "marolinha" como prometia nosso presidente corinthiano no ano passado, mas, comparando com a situação de outros países, nos safamos bem. A descoberta das reservas de petróleo no litoral paulista vem sendo comemorada pela Petrobras e por tod@s @s brasileir@s, com exceção de usineiros. A desigualdade de renda no país tem diminuido e nossa economia - junto com a China, Índia e África do Sul - é vista como um dos grandes mercados a serem explorados nas próximas décadas. O sistema financeiro também se modernizou e, tirando o alto índice de juros e impostos cobrados, o país se torna mais e mais atraente para capitais internacionais. Para o bem ou para o mal, há uma hegemonia brasileira na América do Sul e obviamente alguns países se sentem incomodados com esse fato. Por fim, temos um presidente que se encontra entre os mais populares e fanfarões do mundo, mas que vem se colocando como o representante dos países em desenvolvimento (termo que se consagrou pós derrocada socialista no início do anos 1990). Levando tudo isso em consideração, a de se considerar: o Brasil é o da país da esperança, não há dúvida!

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Entretanto, se olharmos com calma perceberemos que esse sentimento de missão mundial a ser cumprida não é algo novo em nossa história. Quando escreveu Casa Grande & Senzala (1933) o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987) conseguiu transmitir um pouco desse sentimento em um livro que se transformou num sucesso de vendas em um ainda insurgente mercado editorial. Freyre conseguiu, através de uma prosa refinada e consistente conhecimento histórico/antropólogico, recolocar o mito das três "raças" fundantes do país numa perspectiva positiva que se contrapunha ao pensamento raciológico racista das décadas anteriores e que condenava o país por conta de sua origem mestiça. Para se ter uma idéia do que falo, basta comparar C&S com o livro do intelectual paulista Paulo Prado (1869-1943), Retrato do Brasil (1928), cujo subtítulo era: "ensaio sobre a tristeza brasileira". Muito das idéias presentes no livro de Freyre foram questionadas posteriormente, principalmente a noção, que em C&S toma mais forma, de que o país seria uma democracia racial, ou seja, ausente de conflitos raciais. Porém, no contexto em que foi produzido e lançado, o livro proporcionou, talvez pela primeira vez, motivos para uma exaltação de orgulho nacional. Não éramos uma nação mixuruca, mas sim o Brasil mestiço que tinha a ginga negra/africana, o espírito empreendedor do branco português e a força do indígena autoctone.

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Freyre pagando de gatão ao autografar livro!

Contudo, esse clima de euforia presente nos meios intelectuais e acadêmicos teve que esperar mais de uma década para se espraiar pela sociedade como todo devido ao Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas que se instaurou no Brasil entre 1937 e 1945. Nesse período, diga-se de passagem, o mundo viveu seu mais sangrento conflito armado: a II Guerra Mundial. O Brasil teve uma participação pequena enviando soldados quase ao final da guerra, mas seu grande papel seria no que viria após o conflito. A UNESCO, orgão de cultura das Nações Unidas, financiou uma pesquisa no Brasil, uma vez que o mesmo era visto como exemplo de convivência armoniosa entre grupos raciais diferentes e sua experiência poderia ser divulgada ao velho mundo que saira de um guerra que teve claros contornos étnicos/raciais.

O Brasil estava na crista da onda! A democracia voltara em fins de 1945 e o país vivia um onda de desenvolvimento e nacionalismo. Deixávamos de ser um país rural, de economia agrária para nos tornar urbanos e industrializados. Nesse clima, um intelectual austríaco/judeu que havia aportado no Brasil fugindo do nazismo, Stefan Zweig (1881-1942), escreveu o livro que cunhava termos que hoje podem voltar a ser bradados: Brasil, País do Futuro (1941). Ok, perdemos a copa de 1950 em casa, mas... Tudo isso passou a ter um charme especial quando em 1958 ganhamos a copa na Suécia e revelamos Pelé ao mundo, a bossa nova despontou como o ritmo mais cool do planeta e apelidamos o presidente Juscelino Kubitscheck (1902-1976) com o nome do ritmo brazuca misto de samba e jazz. Nas praias cariocas mulheres começaram a usar biquinis e a mobilidade social ascendente das poucas famílias urbanas ia de vento em popa.

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Muita gente afirma que esse período florido acabou em 1964 com um golpe militar que levou generais sizudos ao poder. Porém, na década de 1970 mesmo em meio a repressão política, torturas, mortes e guerrilha, o país viveu um período de grande crescimento econômico. Os militares, que diziam ter visão estratégica, investiram pesado na criação de universidades federais e iniciou-se o processo de expansão dos ensino fundamental e médio. Uma ditadura, por meio de um "milagre econômico", levaria o país ao lugar merecido entre as grandes potências econômicas, algo que a democracia não havia conseguido fazer. Entretanto, tudo veio abaixo com a década perdida nos anos 1980. A democracia voltaria em 1986, mas recuperação econômica de fato só recomeçaria na metade dos anos 1990.

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Estamos a três meses de uma nova década, a segunda do século XXI. Sente-se no ar novamente a esperança de que finalmente vamos chegar lá. Campeonatos mundiais de futebol e olimpíadas são eventos esportivos, mas não deixam nem um pouco de lado os aspectos político e econômico. Ser sede desses dois eventos num espaço de apenas dois anos diz algo sobre o Brasil. Nos gabamos de ser um povo alegre, amistoso, criativo e que sabe aproveitar a vida nas suas mais diversas formas. Entretanto, há muitos problemas a serem resolvidos em nosso país: violência, pobreza, vários tipos de discriminação (racial, de gênero e orientação sexual), corrupção, educação de péssima qualidade e, por mais que ela tenha diminuido, muita desigualdade. O ufanismo que sentimos ontem, ao saber da escolha do Rio de Janeiro como sede das olímpiadas de 2016, não deve morrer no vazio, mas sim servir de estímulo para que olhemos seriamente para nossos problemas e coloquemos esse ano como uma boa data para termos resolvido ou amenizado boa parte deles.

Muita Paz e Parabéns ao Rio e ao Brasil!

6 comentários:

:: Soul Sista :: disse...

Uunh, se rendendo ao Rio, né? Mais do que obrigação... rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs
Brincadeirinha com fundo de verdade! srsrsrsrsrs
Mas adorei o entusiasmo consciente do texto! Embarquemos nessa onda, sem tirarmos os pés do chão!

Forte abraço!

Curso de História - Miguel Maluhy disse...

Carioca sem essa merda já era chato,agora aguenta.
Tomara que o Flamengo volte a ser campeão em 2017.

Ari disse...

Olim piadas no Rio? Nada de novo, piadas é com carioca mesmo....

Curso de História - Miguel Maluhy disse...

Putz, e a galera atribui a vitória ao Lula. Se o serra vacilar, vai perder pro PT de novo. Vou dar risada.

Unknown disse...

Vou botar água na fervura...

Quem me conhece sabe o quanto eu sou carioca e minha "devoção" pela minha cidade (leia-se aqui Rio de Janeiro, cuja capital é o Subúrbio Carioca). Pois bem, o que o Rio (os dois lados) ganharam com com o PAN?

Para as Olimpíadas foram feitas as mesmas promessas que foram feitas para o PAN, nem precisaram mudar o caô..

Que os outros não nos ouçam... Mas nós cariocas estamos assinando um atestado de otário.

Espero sinceramente queimar a língua sobre esta caozada de 2016.


A propósito, além da Lilia Schwarcz, que é contra as cotas e amiga do Demétrio Magnoli e Yvonni Maggie, o Nei Lopes também ganhou o prémio Jabuti na categoria de livros didátcos e paradidáticos, com o livro "História e Cultura Africana e Afro-Brasileira".


Um abração,
Rolf Malungo

Márcio Macedo disse...

Obrigado à tod@s pelos comentários!

Independente da rivalidade existente entre paulistas e cariocas, estou muito contente pela escolha do Rio de Janeiro. Essa cidade, tirando os cariocas, é ótima! ...hahahahahaha...

Rolf, o que farão com o complexo a ser montado/construído por conta das olimpíadas está relacionada as velhas disputas políticas que, como já sabemos, se dão no contexto nacional. Mas acho que, como no caso do pan, essa falta de compromisso também é um pouco de nossa culpa pensando na maneira como o bem público é visto/tratatdo no Brasil, ou seja, de todo mundo, mas ninguém se mobiliza para cuidar e, por fim, acaba sendo apropriado de maneira privada.

Muitos PARABÉNS ao Nei Lopes pelo Jabuti, fiquei sabendo de seu premiação pelo blog da Fabiana Lima. Aliás, hoje foi lançado em SP uma pequena biografia dele escrita pelo meu amigo jornalista Oswaldo Faustino e que faz parte da série Retratos do Brasil, editora Selo Negro. Fazem parte da série também uma biografia de Sueli Carneiro e outra de Abdias do Nascimento.

Sobre a Lilia, sim, ela não é a favor de cotas. Mas colocá-la ao lado de figuras como Demétrio Magnoli é covardia. Lilia vem escrevendo/pesquisando há muitos anos sobre questão racial no Brasil enquanto o figura aí que se diz "sociólogo" não tem nenhuma pesquisa nessa área e pegou a discussão sobre cotas/estatuto como uma forma de se auto-promover. Nem vou citar o outro figura, o jornalista da Globo cujo nome começa com K. Quanto a Yvonne Maggie... Pois bem, conheço Yvonne pessoalmente e acho que ela tem se equivocado em várias análises anacrônicas e sem sentido que na verdade apelam muito mais ao medo de que o Brasil se torne uma Ruanda (do genocídio) ou África do Sul (do apartheid) do que a apresentação de argumentos consistentes que justifiquem sua posição. Por fim, penso que essa discussão está dicotomizada e politizada de tal forma que não há espaço para um debate intelectual sério e aberto. Dizer que é a favor ou contra é fácil, difícil é explicar o porquê de tal posição. Eu sou a favor e tenho amigos em ambos os grupos!

Valeu mesmo pelo comentário e estou esperando a volta do seu blog sobre masculinidades!

Abraço à tod@as,

Márcio/Kibe.