Vivemos num mundo cada vez mais chato. Todo mundo é feliz ou deve aparentar ser feliz. A maior parte de meus amigos colocam mensagens no Facebook, no Orkut, no Messenger ou no Twitter dizendo o quanto são abençoados e felizes, agradecidos por tudo que tem e vem conquistando na vida. Correntes de felicidade entopem meu email. Ninguém mais sente (ou quer sentir) tristeza ou ao menos melancolia. Todo mundo é e precisa ser feliz, estupidamente/urgentemente feliz…
Enfim, tô ficando com raiva de quem é feliz! Não suporto ver casais apaixonados na rua trocando beijos em público, crianças correndo no parque com um enorme sorrisso após ganhar um sorvetinho do papai e velhinhas conversando alegremente com suas amigas em coffee shops em fins de tarde. Mais: sinto ódio só de pensar que daqui a alguns meses começará todo aquele frênesi pelo Natal e a necessidade incondicional de estar feliz nessa época do ano. Odeio finais de ano e a sua felicidade! Vou passar meu Natal e virada de ano no frio gelado de NYC, sozinho, assistindo DVDs de filmes do Quentin Tarantino (contei mãe, não espere por mim esse ano e nem conte com o meu presente no amigo secreto da família Macedo) e tomando Bud Light, urgh!
Anos atrás tomava uma cerveja com meu velho parceiro de cachaça Daniel Pereira (que atualmente anda aprontando das suas em Paris). Cara antenado, leitor de Nietzsche, Foucalt, Camus, autor de um dos livros (elaborado como dissertação de mestrado) mais criativos do departamento de sociologia da USP nos últimos e bêbado convicto. Na ocasião Daniel falava do seu incômodo com essa obrigação de ser feliz. Precisamos desesperadamente ser felizes e, caso não estejamos, há alguma coisa de errado conosco. Livros de auto-ajuda - O Segredo e os escritos psicografados e palestras da "família do além", Gasparetto, - vendem a rodo, consultas com astrológos, pais de santo e ida à igrejas onde pastores prometem a felicidade que é não é eterna e nem pós-morte, mas é prometida nesse mundinho mesmo e rapidinho. Caso se tenha um pouco mais de grana e se esteja muito, mas muito triste, cuidado... Você pode estar sofrendo de depressão e aí será necessário uma consulta a um psicólogo, psicanalista ou psiquiatra (não me pergunte o que os diferencia!).
Até eu já fui ao psicólogo achando que precisava de ajuda. Na minha época de graduação na USP a vagabundagem andava comendo solta e me auto-diagnostiquei um procrastinador inveterado que deixava todos os trabalhos e leituras do curso pra última hora certo de que minha inteligência era suficiente para dar conta de tudo tirando uma nota que ficasse entre 9 e 9.5. Quando tirava 8 ficava mal e entrava em... Depressão! Aí valia tudo pra melhorar desde conversas com amigos bêbados às 5 da manhã até preces e muitas velas pro Benê (São Benedito!). Após ir à psicóloga fui diagnosticado como sofrendo com carência de amor além de ser maníaco/depressivo. Durante minhas sessões, sempre pedia um remedinho, mas ela nunca me prescrevia nada (só muito mais tarde fui descobrir que só psiquiatras podem prescrever medicamentos, santa ignorância!). Parecia que tudo ia se resolver quando percebi que estava indo nas sessões de terapia só para ver a psicóloga que era uma gracinha. Repentinamente a tristeza voltou quando descobri que ela estava prestes a se casar. Que injustiça a dela com a minha carência de amor... E novamente fiquei com raiva porque estava triste e não feliz! A coisa se resolveu mesmo quando decidi seguir o lema de meu amigo Uvanderson Vitor: "Enquanto existir a Skol eu não entro em depressão!" Funciona, viu. Éramos bêbados tristes/felizes todas às sextas das 18 horas em diante!
Engraçado que muitas pessoas piram na batatinha no mundo acadêmico fazendo dissertação de mestrado ou tese de doutorado. Ou seja, a universidade não é um lugar de pessoas felizes (vai ver é por isso que estou aqui). Todo mundo entra em crise, fical mal, perde mulher/marido, namorado(a), toma remédio e deixa de trepar. Tenho uma amiga que durante a fase de escrita da dissertação de mestrado perdeu todas as gordurinhas que eu tanto adorava nela - gosto de mulheres gordinhas e bundudas - e até hoje não voltou ao normal. Tudo bem que ela continua LINDA, mesmo sem os quilinhos a mais. Outro tentou passar direto do mestrado para o doutorado sem dar um tempo a si mesmo e, no meio do processo, levou uma bica da namorada: ficou lelé, remedinho nele! Que inveja... Aqui na New School tem até uns psicólogos com convênio com a universidade para atender os alunos que ficam pancada no processo de elaboração da dissertation. Eu, infelizmente, não tiver o prazer de viver a crise da escrita uma vez que estava perdidamente apaixonado - e feliz, estupidamente feliz! - pela minha ex-namorada quando estava escrevendo minha dissertação há três anos atrás. Que chato!
Outra coisa que enche o saco são todos os hábitos que uma pessoa deve ter/seguir para ser feliz e ter uma vida saudável. Yoga, comida orgânica, capoeira angola, alguma religião (ou como se diz atualmente, "ser espirituoso, mas não religioso"), vegetarianismo, exercícios diários, comunicação com a pessoa que se ama/mora/trepa, pouca ou nenhuma bebida alcoólica, Kama Sutra, comer pouca carne, sucos naturais, sexo tântrico, terapia de casal, dormir oito horas por dia, filosofia oriental, pouca televisão, pouca Internet, ler todos os livros do chatérrimo Dalai Lama e disciplina, muita disciplina. E pensar que tudo isso é o que há de mais descolado numa cidade como NYC. Urgh! O caminho da felicidade é árduo, mas é possível chegar lá!
Pois é, vivemos numa época em estar infeliz é uma falta de educação. Ouvir o quarteto de Miles Davis tocando Blue Green enquanto se toma um conhaque às três da manhã e se está prestes a cair em prantos são coisas para serem feitas longe de todo mundo, no recanto do lar, e não ser contado a absolutamente ninguém. Ouvir Nina Simone então cantando Solitude em público é sinal de anomalia. Mas um leitor atento deve estar a pensar: "O cara tá falando mal de quem está feliz porque na verdade está com inveja, está numa dor de cotovelo fenomenal e quer estragar o bem bom dos outros!" Sim e não. A dor de cotovelo existe, mas...
Não quero aqui ser irônico e repetir a máxima que ouvi ou li em algum lugar: "O otimista é um pessimista desavisado." A verdade é que me inspiro um pouco no texto escrito por Barbara Ehrenreich para o New York Times intitulado The Power of Negative Thinking. Nele a autora defende uma posição no mínimo interessante. Arguindo contra toda uma onda de positive thinking onde livros de auto-ajuda e líderes motivacionais se tornaram extremamente populares e penetrado no mainstream da cultura norte-americana, a autora afirma que eles são em parte responsáveis pela crise econômica que vem castigando o país há mais de um ano. O argumento de Ehrenreich é simples. Positive thinking retira a racionalidade das ações das pessoas ao afirmar que basta pensar e ter uma atitude positiva em relação ao mundo que os problemas se resolverão ou o sucesso virá. Esse tipo de pensamento seria tão influente na sociedade americana atual que permearia as ações de grandes corporações econômicas em parte responsáveis pelo colapso econômico visto recentenmente. Indo além, a autora mostra como a grandeza econômica da sociedade americana foi moldada em parte devido a uma perspectiva negativa da vida. Para isso ela retorna a ética calvinista que permeava as primeiros colonizadores do país e que tinham uma posição ascética do mundo onde trabalho árduo e acúmulo de bens, ainda que valorizados/estimulados, não eram uma garantia da salvação (leia o clássico A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo [1904] de Max Weber [1864-1920]).
Em minha opinião Ehrenreich quase acerta o alvo. Seu erro é encarar a economia como um ciência exata, algo totalmente equivocado. Mesmo o argumento da ética calvinista deve ser colocado num contexto de imprevisibilidade, uma vez que Weber aponta para o fato do capitalismo moderno nascer em parte devido a existência da ética protestante não ser um resultado previsto pelos calvinistas uma vez que suas ações visavam como fim a salvação (ou um sinal de serem os escolhidos ao reino dos céus) e não acúmulo.
Meu argumento é bem mais singelo. Crises, tristeza/melancolia e pensamento negativo são elementos transformadores e criativos. A felicidade vendida em filmes, livros de auto-ajuda ou numa vida balanceada é um utopia que continua a nos cegar por conta do medo que temos de aceitar que nossas vidas são permeadas por dramas e crises. Felicidade deve ser pensada em termos muito mais circunstânciais do que contínuos.
A verdade é quando se olha para indivíduos que produziram coisas absurdamente lindas e inspiradoras, a maior parte deles se constituía de uns famigerados tristonhos, depressivos, drogados, maníacos/depressivos e farrapos humanos. Billie Holiday (1915-1959) foi violentada ainda menina por um vizinho, durante toda a vida foi psicologicamente dependente de homens que a exploravam e a espancavam e morreu de forma absurdamente triste mesmo tendo esbanjado uma forma sexy, cool e linda de cantar temas que estilizavam a melancolia ao extremo. Leia a letras de Strange Fruit e My Man e você entenderá. Charles Mingus (1922-1979), começa a sua autobiografia descrevendo uma noite de orgia em que havia transado com cinco mulheres. Após terminar o relato ele solta uma gargalhada para, logo em seguida, cair aos prantos diante de seu psiquiatra. Sua música incorporava todas essas oscilações e surpreendem um ouvinte desavizado. Thomas Mann (1875-1955) escreveu A Montanha Mágica (1924) após uma experiência num sanatório onde se internou para se tratar de tuberculose. Marcel Proust (1871-1922) descreveu a experiência melancólica de sua vida problematizando sua constante enfermidade (asma) e homossexualidade em seu Em Busca do Tempo Perdido (1913-1927).
A lista de gente triste e melancólica que produziu coisas belas é longa indo de Friedrich Nietzsche (1844-1900), o próprio Max Weber citado acima, o inventor do bebop Charlie Parker (1920-1955), o pintor Francis Bacon (1909-1992) e a pintora Frida Kahlo (1907-1954) para ficar apenas em alguns. Mas não se intimide, a "verdade" é que ainda sim "precisamos ser" felizes. Custe o que custar, nem que seja até mesmo a última gota de sangue, a última... Toda vez que ouço a obra de Mozart (1756-1791) - outro infeliz -, me sinto feliz!
Muita Paz e (In)Felicidades!
PS: e no momento em que acabo esse post vivencio minha felicidade circunstancial já que estou saindo para ir ao JFK Aiport buscar minha irmã que veio me visitar em NYC. Obviamente, a felicidade irá acabar quando começarmos a brigar sobre quem paga a conta do jantar e/ou eu ouvir ela roncando enquanto dorme...
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
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9 comentários:
Putz.... pode crer. Foi uma onda de ir nas psicólogas da USP. E por que será que eram todas mulheres?
Como é que era a frase pra sua: Alice no país das maravilhas...rs.
da mesma forma que se usa blog para se dizer o quanto se é inteligente... Cada um com sua "verdade".
Pra mim, falar sobre felicidade inexistente ou melancolia não decadente é a mesma masssaroca.
E o pior de tudo é que as pessoas te forçam a demonstrar essa tal felicidade, afinal, meus problemas e dramas cotidianos são menores do que o de fulano... "Por que essa cara emburrada todo dia, até o meio-dia no trabalho?" As pessoas ficam acobertando as crises internas...
E essa parada de motivação!?!... Meu trampo me "obrigou" a ouvir duas palestras motivacionais, onde os palestrantes ganham muita grana (como os autores de auto-ajuda também) pra dizer uma pá de baboseira! Pra eu ouvir que a motivação está em mim, que toda minha alegria e felicidade está dentro de mim! como seu eu estivesse isolada do mundo, sem relações sociais que me abalassem para o bem ou para o mal... Ai, ai, viu! Daí eu tenho de forçar a simpatia! Ou ficar antipática pelo resto do dia...
Anger,depression, melancholy and all other types of unhappiness make life more interesting. I am all for it! Great blog!
pois é, agora vc tá nessa de diferente, mas melhor.... Prá cada um down que conseguiu fazer algo que ficasse, quantos só sofreram sem que nem porquê? Enfim, faladô, vc NÃO gosta de gente sorrindo porque essa visão te faz INFELIZ. E, como todo mundo, vc não gosta de ser infeliz..
gostei do que esse ari disse...
Obrigado à tod@s pela leitura e comentários ao post! E que bom que o anônimo gostou de algo no meu blog...
Abraços,
Márcio/Kibe.
esse Ari é bom
Aff!
odeio qualquer coisa obrigatória, mesmo que a felicidade...
e por falar me psicologia, essa semana mesmo estava lendo o vozinho Freud e ele dizendo que a felicidade é reconhecida como tal por ser momentanea. Aquilo que fica permanente acaba ficando cotidiano e perdendo o brilho... hehehe Realmente, ele viveu a muito tempo, mas entre uma coisa e outra, deu algumas contribuições! kakak
Vou passar por aqui com mais frequencia!!
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