Estou estreando uma espécie de coluna no NewYorKibe cujo nome será Estante de Maloqueiro. A idéia nada mais é do discutir, de uma forma bem pessoal, livros que li recentemente ou já há algum tempo.
O.k., nossa coluna vai ter início com a análise de um livro que tem feito bastante sucesso no Brasil, Vale Tudo: O Som e a Fúria de Tim Maia (2007) de autoria do jornalista, escritor, compositor e produtor musical Nelson Motta. O autor é um velho conhecido nos meios daquilo que se convencionou chamar de música popular brasileira e está radicado aqui na Big Apple há um bom tempo. Nos últimos anos Motta vem produzindo livros que vão desde guias culturais de NYC para brasileiros (Nova York É Aqui: Manhattan de Cabo a Rabo, 1997), passando por relatos bastante particulares de sua vivência na música brasileira (Noites Tropicais, 2000), romances pop (O Canto da Sereia, 2002, Bandidos e Mocinhas, 2004, e Ao Som do Mar e a Luz do Céu, 2006) e biografias cuja sua primeira experiência foi com o livro Fluminense: Vida, Paixão e Glória de uma Máquina de Jogar Bola (2005).
Vale Tudo é um livro bem produzido e escrito. Motta tem um jeito leve e informal de escrever que agradam o leitor mediano. Além disso, seu conhecimento do universo relacionado a música popular brasileira lhe trazem legitimidade para escrever sobre um assunto a ponto de várias vezes o autor se auto-referendar no texto. Outro ponto positivo para o livro diz respeito ao biografado, os períodos cobertos e aos gêneros musicais que são dissecados. O Brazilian soul até hoje é algo pouco conhecido no universo musical brasileiro, mesmo considerando que a musicalidade norte-americana dos anos 1960/1970 influenciou boa parte dos músicos brasileiros e até alavancou movimentos culturais e políticos como o Black Rio. Assim sendo, o texto de Motta tem o mérito de, ao biografar Tim Maia, colocar em cena uma série de outros músicos que foram bastante populares e cunharam essa musicalidade mesclando elementos provindos do soul com outros de origem tupiniquim. Artistas do naipe de Hyldon, Cassiano, Luiz Melodia, Tony Tornado, Dom Salvador, Carlos Dafé, União Black e, aproximando-se mais do samba e da bossa nova, Wilson Simonal, Jorge Ben (recuso-me a dizer aquele outro nome dele) e Jair Rodrigues. Por fim, outro ponto positivo em relação ao trabalho de Motta é que o mesmo organizou a discografia de Tim, algo que facilitará a vida de qualquer outro pesquisador que venha a se debruçar sobre o mesmo tema futuramente.
Se você perguntar se vale a pena ler o livro de Motta, minha resposta será sim. Entretanto, o "sim" virá com alguns "poréns". Vamos a eles. O jornalista e produtor musical fez um livro em que as pessoas vão encontrar o Tim Maia que se popularizou através da mídia em geral: que faltava a shows, mulherengo, "cheirador", irresponsável do ponto de vista financeiro, enfim, doidão. O texto promete ótimas risadas, mas o perigo é justamente caricaturar ainda mais uma figura cuja música é uma preciosidade. Obviamente que não se espera do livro uma análise sociológica de Tim, contudo, o leitor mais sofisticado e exigente sentirá falta de uma inquérito mais apurado da trajetória do artista. Outro ponto importante é a intimidade com que Motta trata o biografado, algo que literalmente enche o saco. A necessidade de deixar o texto engraçado fez com que enchesse o livro de histórias cômicas, mas ao mesmo tempo isso resultou na perda de vários outros aspectos igualmente importantes no sentido de entender a carreira musical e trajetório pessoal de Tim. O contexto político e racial do movimento Black Rio, por exemplo, cuja produção do músico está intrinsicamente ligada, é jogado no lixo. Um bom trabalho que consegue fazer a ligação entre a música de Tim e o contexto histórico, político e racial que o Brasil vivia a sua época é o pequeno texto do brasilianista Bryan MacCann "Black Pau: uncovering history of Brazilian Soul" presente no livro Rockin' Las Américas (2004).
Um último ponto. Mesmo após terminar de ler o texto, não consigo entender porque Motta acha que ao conhecer um meia dúzia de pret@s famos@s, já conhece tod@as! O resultado é uma espécie de tratamento de botequim que é bem característico do racismo brasileiro carregado de paternalismo e que ao mesmo tempo que aproxima negros e brancos, reforça a desigualdade existente os mesmos. Enfim, ficaria meio puto se Motta me chamasse de "crioulo" ou "preto"! Mesmo assim, recomendo a leitura da parada.
Obra aprovada pela Estante de Maloqueiro (com ressalvas, é óbvio!).
Muita Paz!
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
6 comentários:
Li este livro no mês passado.Gostei tanto que o devorei em uma semana.Conheci um Tim diferenciado mas também muito citado na mídia,por suas confusões.Na minha visão vi um Tim mas humanizado e caridoso.Gostei pela divisão que Motta trata cada capitulo e conheci músicos que nem sabia que fizeram parte do impulso da carreira de Tim.Eu adoro Biografias,mas sei que toda biografia é uma mão dupla.Sempre falta algo.Mas nem tudo é perfeito.Mas também recomendo o livro.
Pois é Paula,
Eu gosto do Tim Maia, mas não do Nelson Motta. Já tinha certeza, há muito tempo, de que quem fizesse uma biografia de Tim iria se dar muito bem: dito e feito.
Beijos,
Márcio/Kibe.
Endosso as suas preferências.Abraços
O episódio em que Tim Maia permanece em Paris por menos de um dia é magnífico.
Mais legal ainda são os trajes que Tim usava: um robe de chambre.
O que mais impressiona no livro é como Tim, que particularizou tanto seu mundo, cantando onde quer, criando palavras e códigos (estratégia!!!), é um artista atualmente querido pela personalidade e pela obra. Porque meu pai, meus tios e o povo não gostava e não gosta da figura "noia" dele. Em relação a Motta, acredito que anda desfazendo o anticarisma aparecendo mais na mídia e principalmente em canais da Globosat, ta ficando pop o "crioulo" rs.
Postar um comentário