quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Haiti: O Luto da Diáspora Africana
As imagens que temos visto do Haiti desde ontem são tristes e chocantes. O terremoto que abalou sua capital, Porto Príncipe, destruiu a maior parte da cidade e previsões preliminares apontam que o número de mortos irá ultrapassar os 100 mil. São mais de 100 mil vidas que se vão em mais uma catásfrofe que coloca o país próximo ao colapso. Um dos países mais pobres do planeta e lidando regularmente com outros desastres como enchentes e furacões, ditaturas, impasses políticos, corrupção e pobreza o Haiti vive, desde terça-feira à tarde, sua mais séria crise de todos os tempos. O terremoto de ontem tem um aspecto crítico porque ocorreu em sua capital, ou seja, no centro de operações burocráticas e logísticas da ilha. A imagem do palácio do governo em destroços veiculada por vários sites e jornais apontava o grau de destruição da tragédia.
Minha sensação é de tristeza, luto e impotência. Tenho acompanhado as notícias pelo New York Times e outros veículos da imprensa brasileira. Tentei fazer minha doação, mas ainda não consegui devido a problemas no meu cartão de crédito. Desespero maior é daqueles que possuem parentes e amigos morando e/ou trabalhando no país caribenho. Nesse aspecto, o Brasil encontra-se intimamente envolvido ao ocorrido devido a existência da missão brasileira no país. Já foi confirmada a morte de mais de dez brasileiros, dentre elas a da médica e ativista pelos direitos humanos Zilda Arns. New York City é a cidade com o maior número de expatriatos haitianos nos EUA e fora do Haiti. Em entrevistas dadas ao periódico nova-iorquino todos os entrevistados apontavam sua sensação de impotência em lidar com esse novo e inesperado problema (ouça os mesmos AQUI). Não basta reunir dinheiro, roupas, cobertores e alimentos fazendo uma transferência ou shipping para o país. A situação agora é mais complicada. Telefones celulares não respondem, não há Western Union disponível e dinheiro na mão das pessoas nesse momento faria pouca ou nenhuma diferença, não há vôos comerciais para Porto Principe e as informações são desencontradas. O que fazer? A quem recorrer?
Países de todo mundo prometeram ajuda seja com dinheiro, remédios, máquinas e pessoal especializado em buscas e salvamento como bombeiros e médicos. Estima-se que 90% da população de Porto Principe esteja desabrigada nesse momento como resultado da destruição de suas casas ou medo de retornar a elas devido ao receio de novos tremores. Corpos estão espalhados pelas calçadas e são velados ali mesmo sobre as orações de gente desesperada. O principal hospital da capital encontra-se sobre ruínas e não há espaço apropriado, energia elétrica, remédio e nem médicos suficientes para realizar cirurgias e tratar dos feridos.
Um grupo de estudantes brasileiros que viajou ao país com fins acadêmicos vitimou o terremoto. Liderado pelo professor da UNICAMP e pesquisador do CEBRAP Omar Ribeiro Thomaz, antropólogo especialista em conflitos armados e nacionalismo tendo realizado pesquisas em Moçambique, Uganda e Haiti, o grupo tem postado notícias sobre a situação deles e da cidade no seu blog (leia AQUI ). O relato de um dos estudantes afirma que no momento do terremoto o grupo estava divivido em dois e a sensação sentida "foi como se uma onda passasse pelos nossos pé e tudo começou a tremer". Ao sair a rua era possível ver as pessoas levantarem os braços gritando Jesus e Bon Dieu, um posto de gasolina próximo explodiu e feridos começaram a surgir dos escombros e fora deles.
No meio de tanta dor ainda há espaço para demonstrações de ignorância. Este foi o caso do Reverendo Pat Robertson que em seu culto transmitido pela TV culpou os desastres e problemas sofridos pelo Haiti como resultado de um pacto com o demônio que o país teria feito no século XIX como forma de libertar do julgo da França (assista a palhaçada no vídeo abaixo). De acordo com Robertson, o país teria se libertado de seus colonizadores, mas o preço estaria sendo cobrado através do sofrimento visto em todas as tragédias e pobreza vivenciada pela nação haitiana contemporânea. O exemplo dado para confirmar seu argumento seria a prosperidade vivida pelo país vizinho, a República Dominicana que fora colônia da Espanha. Com certeza, os mais ingênuos e cegos em relação a história, aceitarão essa explicação barata, ignorante e cercada de preconceito. A verdade é que o Haiti, assim como Cuba, são pedras no sapato de grandes potências. O primeiro país tem um lugar próprio e glorioso na história da Diáspora Africana uma vez que se libertou do julgo colonial num processo doloroso que transcorreu entre 1791 e 1804 que aboliu a escravidão e declarou a independência em relação a França. No Brasil colonial do século XIX, o grande número de escravos negros geravam receios em senhores e até no governo imperial de que algo similar a Revolta de São Domingo, nome pelo qual a ilha era conhecida à época, pudesse ocorrer em terras nacionais. Um relato histórico do processo de independência haitiano pode ser lido no livro clássico de C.L.R James intitulado Os Jacobinos Negros e traduzido para o português em 2000. Em seu texto James registrou e celebrizou os atos de uma das maiores figuras do panteão de líderes negros da Diáspora Africana: Toussaint L'ouverture (1743-1803) - imagem acima -, responsável por conduzir boa parte do processo revolucionário na antiga colônia francesa.
Desde então o Haiti, antiga Colônia de São Domingos, tem sofrido o impacto do bloqueio de apoio econômico de outras nações, é fantoche do interesse de grandes potências - dentre eles o Brasil - e vítima de parte de suas elites políticas autóctones corruptas. A Diáspora Africana está de luto e as perguntas a serem feitas são: até quando iremos pensar e rezar pelo Haiti, parafraseando a canção? Rezar é suficiente? Acho que não! Então, faça a sua doação...
Banco do Brasil
SOS Haiti
Agência 1606-3
Conta Corrente 91000-7
Muita Paz e Comforto ao Povo Haitiano!
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4 comentários:
Uma das coisas mais tristes que tenho visto na TV a respeito do Haiti é a explicação para a situação de pobreza e atraso econômico do país. É interessante como a imprensa reproduz o discurso da chamada "comunidade internacional" que se isenta da responsabilidade para com a situação daquele povo, afinal, um terremoto pode acontecer com qualquer um, certo?
Esse tal reverendo parace ignorar dois fatos: primeiro, a França só aceitou efetivamente a independência haitiana em 1838, em troca de uma acordo comercial que que reduziu em 50% as taxas alfandegárias para produtos francesas que entrassem no Haiti. Segundo fato: O Haiti independente foi mantido em isolamento diplomático e comercial por quase meio século após sua independência pelos grandes poderes europeus, por importantes vizinhos continentais como o Brasil, mas principalmente, pelos EUA, que apenas em 1864 aceitaram estabelecer relações diplomáticas com a ilha. O problema? Como receber diplomatas negros em um país em que a população negra vive escravizada?
Depois disso vieram os marines, os Duvalier e os Tonton Macoutes, mas o estrago já estava feito.
Prezada Mojana,
Obrigado pelo comentário. A mídia oficial, de forma geral, é imediatista, carniceira e estúpida. Agora vai começar o festival de circular fotos com imagens de gente morta e feridos pela internet via Tweeter e/ou email. Devemos evitar esse tipo de coisa, ou seja, a exploração e espetacularização da desgraça alheia.
Abraços,
Márcio/Kibe.
Fiz minha doação! E você, já fez a sua???
Dá uma olhada no blog naosomosracistas.wordpress.com
tem algumas coisas sobre o Haiti e o absurdo Consul Racista
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