domingo, 25 de setembro de 2011

If Beale Street Could Talk

If Beale Street Could Talk é o décimo terceiro livro de James Baldwin (1924-1987), lançado em 1974, e meu romance predileto dele.  Ironicamente, o li apenas uma vez há pelo menos oito anos atrás num exemplar da biblioteca da FFLCH/USP. Mas desde que fui para NYC já comprei três exemplares dele, em diferentes ocasiões, que nunca ficaram na minha estante: foram dados, com amor e carinho, a pessoas especiais.



O livro conta a história de uma garota negra de 19 anos apelidada Tish cujo nome verdadeiro é Clemetine. Ela está apaixonada por um escultor de 22 anos, Fonny, cujo nome original é Alonzo. Ambos moram no Harlem e amor vivido pelo casal os protege de suas respectivas famílias problemáticas e o complexo mundo em convulsão que o cerca. No entanto, logo após o noivado do casal Fonny é falsamente acusado de estuprar uma mulher porto-riquenha, Victoria Rogers. Ele é acusado por um policial racista (Officer Bell) and e é imediatamente preso o que, de certa forma, coloca seu noivado em compasso de espera. Rogers, a vítima de estupro, deixa os Estados Unidos voltando para Porto Rico e a mãe de Tish, Sharon, viaja de Nova York a San Juan buscando reunir provas que possam libertar Fonny. A narrativa de Baldwin alterna os pontos de vistas tanto de Tish como de Fonny. Desde o primeiro capítulo a história é uma combinação entre partes extremamente doces e delicadas com tristeza, amargura e melancolia. Passagens com vívidas descrições de relações sexuais se transformam numa sutileza sem tamanho devido ao talento e capacidade de Baldwin em criar imagens e trazer alegria e humor onde alguém só veria dor e obscenidade. Assim ocorre quando ele narra a  primeira vez em que Tish e Fonny transam e ela perde a sua virgindade ou o sexo dominical (e hilário!) que os pais de Fonny sempre fazem após o retorno de sua mãe da igreja em graça com o Espírito Santo. A narrativa de Baldwin concentrasse no esforço da família Rivers (Tish) em se manter unida até o final do drama vivido por Fonny. Embora a mãe e as irmãs de Fonny não se preocupem em salvá-lo, os Rivers o tomam como seu próprio filho. Eles passam a fazer hora extra no trabalho para juntar dinheiro que é usado para arcar com as despesas com advogado e também pagar a fiança de Fonny, caso ela venha a ser estipulada. Ao final, Fonny consegue sair da prisão sob fiança para ver seu filho nascer, mas não antes de seu pai cometer suicídio.

 
Infelizmente, não há traduções para o português de If Beale... como acontece com The Price of the Ticket (1948), Giovanni's Room (1952), Another Country (1962), The Next Time Fire (1963) e outros que não me lembro agora. Mas se você encarar o idiomazinho imperialista vai só lucrar na leitura desse belo e curto romance. Meu amigo Alex Ratts, professor de antropologia na Federal de Góias, disse que está tirando do forno um texto no qual analisa os livros de Baldwin traduzidos para o português. Estou curioso e ansioso para ler. Enquanto isso, vale a pena dar uma xeretada nesse artigo de Caryl Phillips escrito para o jornal inglês The Guardian em julho de 2007 (leia AQUI). Para uma resenha (em inglês) mais completa do romance If Beale... clique AQUI

Finally, dear Jimmy, thanks a lot for your inspiring books! 

Muita Paz, Bom Domingo!

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Minha vidinha interiorana 1: uma visita a livraria e encontro com John Updike

Limeira Limeira (foto abaixo da gruta da praça central)... Dois dias atrás ia passando em frente a uma das poucas livrarias que há na cidade (acho que são duas!) e resolvi entrar e dar uma xeretada nos livros. Leitore/as assíduo/as de livros estão sempre em busca de uma pechincha e pensei que essa seria a minha chance. Livrarias aqui são um misto de banca de revistas, papelaria e, finalmente, livraria. A moça, negra e com sotaque que remete ao nordeste, me atendeu com um sorrisso e o clássico "posso ajudar."  Abri outro sorrisso e disse que estava apenas dando um olhada. Não havia quase ninguém no local no final da tarde, algo beirando às 17 horas.

Na verdade, minha curiosidade era descobrir que tipo de livros são expostos nas prateleiras de uma livraria de minha querida cidade natal. Pois bem, descobri. Basicamente as obras de indivíduos cujo os nomes tem algum tipo de repercussão na TV ou revistas de grande circulação como a jornalista Miriam Leitão, o escritor/jornalista Fernando Morais e outras figuras que não preciso citar aqui, são aqueles que estão expostos na, digamos, prateleira principal. Na segunda prateleira há uma série de livros embrulhados em sacos plásticos transparentes - para evitar a poeira - e que já evidenciam o peso da idade devido as capas e páginas amareladas por conta da ação do tempo. A solícita atendente caminha até a minha pessoa e, apontando a prateleira citada, explica que os livros dali estão em promoção: metade do preço original. Animo-me e vou checar os valores que, mesmo com a promoção, não soam nada apetitosos para um estudante de doutorado quebrado como eu. Os títulos são os mais variados e prevalecem os romances. Muita coisa velha das editoras Companhia das Letras e Record, mas títulos que não me agradam muito (leia-se "não ando a fim de ler") no momento como Milan Kundera, Gore Vidal, John Updike, Rubem Fonseca e por aí vai.

Em outra prateleira, já próxima das revistas, é possível ver a coleção Folha Explica na qual especialistas de várias áreas são convidados a escrever e explicar temas complexos contemporâneos de forma sintética. Gosto dessa coleção e noto como a mesma foi inspirada pela famosa coleção Primeiros Passos, da saudosa editora Brasiliense. A propósito, essa série foi idéia de Luiz Schwarcz na época que trabalhou na Brasiliense e alguns anos antes de fundar sua própria editora, a Companhia das Letras, com sua esposa Lilia Moritz Schwarcz. Vejo vários títulos que fico com vontade de ler, mas o preço não é nada convidativo. E eis que mais uma vez a atendente amiga me auxilia...



Dessa vez sem se aproximar muito de mim ela aponta uma prateleira localizada no alto de sua cabeça e diz que os livros ali, também embrulhados em sacos plásticos transparentes, estão numa promoção especial: R$ 9.90. Ok, acho que finalmente achei algo que se encaixe em meu bolso humilde, mas seletivo. Caminho até a prateleira e começo a verificar os títulos. Logo de cara encontro um clássico da antropologia perdido: Sexo e Temperamento, de Margared Mead (que algum estudante de ciência sociais deve ter encomendado e esquecido de ir buscar). Fuço mais um pouquinho e encontro um Charles Baudelaire, A Arte da Crítica. E, por fim, para ganhar o dia, um livro desconhecido do sul-africano J.M. Coetzee. Olha Limeira aí fazendo a minha alegria. Mas o que me chama a atenção tanto nessa prateleira de livros a R$ 9.90 como na outra que eles custam do seu preço original é a quantitade de títulos do escritor norte-americano John Updike (1932-2009). Updike ganhou notoriedade por ser um fiel observador da classe média norte-americana entre as décadas de 1960 e 2000, um tema que acho extremamente chato. Ele fez fama com os "romances coelhos": uma série de livros cuja as publicações vão de 1960 à 2001 e nos quais Updike explora a vida do personagem Harry "Rabbit" Angstrom do seu nascimento a sua morte. Na minha adolescência li dele Brazil (1994), um livro que foi escrito por conta de uma visita do autor a nossa querida pátria varonil. Nessa obra o escritor norte-americano se utiliza do trama da tragédia grega Tristão e Isolda para contar a história de amor entre um rapaz negro/mestiço oriundo das classes populares com a garota branca e loira pertencente a uma família das elites dominantes. E a história se passa num período bastante especial: momentos antes do golpe militar de 1964. Eu, sinceramente, hoje acho o livro bastante clichê e com um olhar distanciado do Brasil, um Brasil com "z" mesmo, para um autor rotulado como realista.  Entretanto, confesso que quando li o livro pela primeira vez gostei: luxos e ingenuidades da mocidade. Mas ainda me pergunto: porque tantos Updikes para Limeira, hein? A classe média daqui gosta de música sertaneja, rodeio e é católica.

Pois bem, assim que tiver um din din voltarei a livraria e pegarei os meus três achados - Mead, Baudelaire e Coetzee - já que tenho certeza que ninguém irá comprá-los. Há muitos Updikes na frente deles.

Muita Paz!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Realmente Precisamos de Misses Universo?

Alguém por aí deve ter se perguntado o por quê de eu não ter me pronunciado sobre a conquista do título de Miss Universo semana passada por uma negra angolana, Leila Lopes. Well well, é meio difícil explicar as razões do meu silêncio, mas digamos que eu precisava de um pouco de distanciamento temporal do evento para decidir se escrevia ou não o texto que sai agora das teclas do meu laptop. Para início de conversa quero deixar claro que não tinha a mínima idéia de que o concurso de miss universo estava ocorrendo em São Paulo. Só fiquei a par disso através da manifestação das pessoas via Facebook e Twitter durante a realização do evento. Logo após o resultado final do concurso meus/minhas amigo/as começaram a postar mensagens nas redes sociais sobre o fato de uma negra, pela primeira vez, ter vencido a competição. Eram pequenos textos emocionados de gente que até mesmo chorou ao ver a coroação da beleza de uma negra.
 
Pois bem, não quero ser desmancha prazeres, mas minha mais sincera pergunta é: realmente precisamos de misses universo? Em pleno século XXI ainda não conseguimos nos libertar de uma forma de competição e entretenimento que celebra a exploração do corpo feminino e, ao mesmo tempo, impõe padrões de beleza ao restante das pobres mortais mulheres. Alguns irão dizer: "Mas Senhor Márcio Macedo, com a coroação de uma mulher negra esse padrão de beleza foi ampliado." Sim, ampliado em termos raciais. Mas o que percebo mesmo é a necessidade, por parte de nós negros, da legitimação/aprovação da beleza negra por meio de instâncias que remetam a sociedade como um todo. Porém, mesmo Leila Lopes sendo negra, ela é magra, alta, jovem, educada e possue rosto com formatos delicados que, diriam os mais cínicos e irônicos, pouco lembra os traços de seu grupo racial. E o que diremos as mulheres, negras/brancas/asiáticas, que não possuem necessariamente as mesmas formas de Lopes? Mais: indo um pouco além é possível notar como os elementos estéticos valorizados naquilo que alguns autores chamam de branquidade são preponderantes no julgamento da beleza de mulheres negras. E tudo que fugir a isso será entendido como uma "beleza exótica." Well well...
 
Outro ponto que me incomodou nas reações diante da vitória de Lopes foi a impressão de que somente após o resultado do Miss Universo as mulheres negras se tornaram dignas de serem vistas como belas. Ora ora... Concursos de beleza entre a população negra brasileira não são eventos novos. Há quase um século, numa tentativa de emulação da sociedade dominate, a comunidade negra vem realizando seus próprios concursos de beleza. No início do século em São Paulo eles levavam nomes como Bonequinha de Café, nos 1940/1950 os ativistas negros Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos realizavam dois concursos vinculados as atividades do Teatro Experimental do Negro (TEN). Eram eles o Rainha das Mulatas e o Boneca de Pixe. Nos anos 1960/1970 o Renascença Clube localizado no Rio de Janeiro, fundado e frequentado por famílias negras afluentes, ficou famoso por organizar concursos de beleza de mulheres negras e mestiças que acabaram por lapidar a alcunha de "Academia de Mulatas" ao clube. O Renascença foi responsável por revelar Vera Lúcia Couto (foto abaixo) que, após ser eleita Miss Renascença, conquistou o título de Miss Guanabara e segundo lugar no Miss Brasil de 1964. Entretanto, o Miss Brasil só seria de fato conquistado por uma negra vinte anos mais tarde com Deise Nunes (foto acima). Desde os anos 1980 em Salvador o bloco afro Ilê Ayê realiza a Noite da Beleza Negra: um concurso de beleza entre mulheres negras. Mesmo durante minha adolescência nos anos 1990 aqui no interior de São Paulo era comum a comunidade esperar com ansiedade a realização de concursos de beleza nos clubes recreativos que são remanescente da Frente Negra Brasileira (FNB). Em Limeira, por exemplo, ocorria no saudoso Grêmio Limeirense os concursos Miss Pérola Negra e Negro Lindo, esse último uma versão masculina da competição.
 
Os concursos de beleza femininos tem em comum um elemento de gênero: todos eles visam celebrar um modelo de beleza feminino e um padrão de femininilidade. A partir disso, o corpo feminino acaba sendo utilizado como locus de evidenciamento e disputa de projetos políticos alheios as mesmas e que vão muito além da exaltação da beleza. Os corpos das misses legitimam a violência simbólica de estabelecer modelos/formas que devem ser seguidos pelo restante das mulheres, ou seja, uma normatividade (norma/padrão) pois correspondem ao belo e desejável. No caso de concursos de beleza da comunidade negra especificamente, o corpo da mulher negra/mestiça é utilizado como representante do que há de "melhor" da "raça", ou seja, frente aos estereótipos e imaginário negativo que se associa a população negra como um todo é necessário lançar mão de exemplos (de carne e osso) que combatam essas representações. Ironicamente, essas mesmas figuras emblemáticas não deixam de reproduzir certos padrões - que vão além do aspecto racial - que são acriticamente aceitos e, consequentemente, legitimados. Mulheres gordas, baixas, de cabelos crespos, curtos ou raspados (alguém aí já viu alguma miss que não tenha cabelos longos e lisos?) entre outras caracterísitcas que não irei enumerar aqui, são vistas como indesejáveis, pouco belas e fora do padrão. Daí eu pergunto novamente: realmente precisamos de misses universo? Pois bem, caso ainda necessitarmos já temos uma representante negra: Leila Lopes.

Muita Paz!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Namorado: ter ou não, é uma questão

A coisa que mais gosto de fazer quando acordo é tomar um banho e, logo em seguida, passar um bom café preto que tomo numa enorme caneca preta reluzente enquanto jogo conversa fora com minha mãe (ela toma o mesmo café numa xícara branca), leio minhas mensagens no laptop e xereto as notícias do dia. Logo depois me mando para alguma parte da casa com uns cinco livros dos quais leio umas cinco ou dez páginas de cada, dependendo do tamanho do conto, do capítulo ou ritmo da leitura. Hoje (escrevo ainda na segunda!) acordei cedo (por volta das 10 horas) para quem foi dormir às 5 da manhã. Meu livro predileto de literatura nos últimos dias tem sido Beethoven Era 1/16 Negro e Outros Contos (Companhia das Letras, 2009) da escritora sulafricana Nadine Gordimer, indicação e empréstimo de meu brother Vandão. Pois eis que hoje, ao que começar a leitura do livro, sou estapeado pela frase de abertura de um conto: "Caixas de papéis velhos são como túmulos, nós nunca deveríamos abri-las." Ri alto e corri mostrar a frase para minha mãe que abriu um sorrisso. O motivo: meu quarto extremamente zoneado cheio de caixas abertas com papéis velhos. Estava há mais de uma semana prometendo a minha mãe que iria arrumar o quarto e, finalmente, comecei a arrumação na noite de domingo. Há dias que muitas vezes me demorava quinze minutos antes de dormir devido ao trabalho de tirar de cima da cama um porção de livros, CDs velhos (quem ainda compra CD?), disquetes (quem ainda usa disquetes?), CDs e DVDs regraváveis sem rótulo (que não tenho a mínima idéia do que possuem, talvez um filminho de sacanagem!), trabalhos de faculdade antigos (achei minha primeira resenha musical de 1997), Hip Olívia me olhando com cara de poucos amigos (ela quer voltar para NYC!), revistas velhas e remédios para renite além de ter que mandar embora um dos gatos de minha mãe que habitualmente dorme comfortavelmente em cima de uma pilha de textos fotocopiados e roupas (sujas e limpas).
 
Mas fuçar em "túmulos" também nos recompensa com coisas que vão muito além de "ossos" (lembrei do título do livro de Pedro Nava, Baú de Ossos [1972] que cai aqui como uma luva por se tratar de literatura memorialística). Tenho uma série de cadernos, algo próximo de diários, nos quais rabiscava coisas num passado longínguo em que a Internet não interferia tanto na minha vida. Hoje não escrevo mais a mão, somente anotações rápidas em cadernetas pretas charmosas compradas em papelarias vagabundas novaiorquinas. A tecnologia me deixou orfão nesse aspecto ao perder meu iPhone. Mas eis que no meio de meus rabiscos velhos achei algo fenomenal: um texto bonito pacas de Drummond copiado a mão de sabe-se lá de onde. By the way, o texto cairia muito bem pra um dia dos namorados, mas como essa data está distante para ser novamente comemorada subo ele hoje mesmo. Já vou avisando que não estou apaixonado nem necessariamente procurando namorada (e isso se procura? *rs*), mas achei o texto do grande poeta mineiro válido de uma postagenzinha...

Muita Paz!


Namorado: ter ou não, é uma questão

 

Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação de pele, de saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa de filosofia. 
Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil. 
Namorado não precisa ser o mais bonito, mas aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda, decidida ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo aflição. 
Quem não tem namorado não é quem não tem um amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes, mesmo assim pode não ter namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo de pai, sanduíche da padaria ou drible do trabalho. Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa e quem se ama sem alegria. Não tem namorado que faz pacto de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com felicidade ainda que rápida, escondida, fugida ou impossível de durar. Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas; de carinho escondido na hora que passa o filme; de flor catada no muro e entregue de repente; de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes e Chico Buarque lida bem devagar; de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada; de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metrô, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.

Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, fazer cesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhado de alegria pela lucidez do amor. Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, shows do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.



Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, que não chateia com o fato de ser bem paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem curti sem profundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou no meio dia de sol em plena praia cheia de rivais.  Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar que o outro vá junto com ele. Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho em paz. Não tem namorado que não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de afetivo.
Se você não tem namorado porque descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e de medo, ponha a saia mais alegre, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leve fricção de esperança. De alma escovado e coração estourado saia do quintal de si mesmo e descrubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para passar debaixo de sua janela.
Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas. Cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio. Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.

Carlos Drummond de Andrade

PS: obrigadinho a minha amiga Élida Aquino pelas fotos sempre inspiradoras...

sábado, 17 de setembro de 2011

Repensando Masculinidades

Esse vídeo foi roubado de um post do blog Blogueiras Feministas. Numa semana em que tivemos o horrível caso de uma mulher que foi mantida em cárcere privado e torturada pelo ex marido que, diante de seu filho, a queimou em várias partes do corpo com um ferro de passar roupas e escreveu seu nome nas costas da mesma se utilizando de uma faca aquecida (veja AQUI), é mais do que necessário que reflitamos sobre a misoginia e homofobia que afeta nossa sociedade e é, de forma nada silenciosa, tolerada por todo/as nós. No vídeo abaixo (com legendas em português) o ativista Tony Porter faz uma reflexão a respeito da construção de uma masculinidade pautada por elementos equivocados no que diz a representação do gênero masculino. Um imaginário que reforça e legitima a violência contra mulheres, crianças e homossexuais além de privilégios masculinos. É necessário mudar isso. Muita Paz!



quarta-feira, 14 de setembro de 2011

80 Anos de Frente Negra Brasileira


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Jogo, Mimese e Socialização


E minha amiga/colega de turma na graduação e doutorado Tamara Grigorowitschs lança seu primeiro livro no próximo dia 22 de setembro a partir das 19:00 horas no bar Canto Madalena (clique AQUI para saber como chegar). Jogo, Mimese e Socialização é fruto da sua dissertação de mestrado na área de educação. Parabéns Tamara! Tentarei estar presente. Mais informações sobre o livro segue no texto abaixo retirado do site da editora Alameda Casa Editorial.

Muita Paz!

Jogo, mimese e socialização
Os sentidos do jogar coletivo na infância


O que há em comum entre a infância de Walter Benjamin na cidade de Berlim do final do século XIX e o recreio escolar de uma escola municipal no bairro do Butantã, em São Paulo? O que move o brincar infantil? Lançando mão de categorias como “jogo”, “socialização” e “mimese”, Tamara Grigorowitschs apresenta uma análise do brincar que aborda essas e outras questões, revelando o papel do jogo para os processos de socialização e de construção do self na infância. Características do brincar como a fantasia, a repetição e a abstração permeiam mimeticamente tanto o modo lúdico como Benjamin interage com os personagens fantásticos de sua infância – o “Corcundinha” ou então “o monstro que morava no fundo do prato de sopa” – , como também as brincadeiras de perseguição à “Loira do Banheiro” de uma turma de crianças do Ensino Fundamental I de uma escola pública paulistana.

E quais seriam as diferenças entre essas duas modalidades de brincar na infância? Para além das diferenças culturais, temporais e espaciais, que sem dúvida revelam distinções significativas, Benjamin descreve o seu próprio brincar a partir da interação com objetos, seres fantásticos e pessoas adultas, mas não com outras crianças. A turma de crianças observada no recreio escolar, por outro lado, fundamenta o seu brincar também nas relações coletivas, na interação entre pares. Essa peculiaridade do recreio escolar, a possibilidade de encontrar todos os dias um mesmo grupo de crianças em um espaço destinado ao brincar, faz do recreio um momento muito particular de interações infantis. Mas, como compreendê-las?

Este livro revela, sobretudo, que o jogo infantil é uma categoria analítica forte; aqui, na análise da socialização infantil, o pega-pega, o futebol, as brincadeiras de mamãe e filhinha, ganham o mesmo peso que as relações familiares, escolares, de gênero etc., apresentando uma dimensão fundamental dos processos de construção do self infantil e iluminando as teorias sobre a socialização, a infância e a mimese de um ponto de vista singular e ainda pouco explorado por disciplinas como a sociologia, a psicologia e a pedagogia.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Why We Envy Rich People: Explaining Obama's Elitism

 
My American fellas are always complaining to me that in my blog there are never posts in English and therefore they are not able to read the bullshit I usually write over here. Right! I will be dropping more lines in my second language but be ready to see a lot of grammar mistakes since I won't have time and money to pay for someone who really knows English correcting my funny texts. Well, today I am going to post the article of someone else. At this interesting text published today on The Atlanta Post, Yvette Carnell tries to explain the foundation of this supposed President Obama's elitism. I agree in part with the author and her argumentation made me remind a talk with Harvard University sociology professor Orlando Patterson at New School University last spring.

Paterson's current research is focused on the concepts of freedom and disenchantment in the contemporary America and how people experience these ideas in their daily lives. One of his conclusions is that freedom in American history was always embedded in contradictions. Nowadays, liberty is more and more associated with the "freedom" of choice among different commodities and services in the market (consumerism) and less with the perspective of political freedom (elections, political participation, free speech, and so on). At the same time, in the opinion of professor, US is already a plutocratic society where economic inequality is increasing fast and people who owes more money has access to more rights than poor people. Ironically, both poor and rich people disregard the idea of a state regulating the market in a more incisive way and the possibility of more social policies to lower classes that can rise taxes in a general way. What is the reason for poor people support this? The imaginary of this is America and one day they can make it and be rich too.

Peace out!

Why We Envy Rich People: Explaining Obama's Elitism.

September 12, 2011. 

In Maureen Dowd’s September 3rd editorial, she made the following observation: “On MSNBC, the anchors were wistfully listening to old F.D.R. speeches, wishing that this president had some of that fight. But Obama can’t turn into F.D.R. for the campaign because he aspires to the class that F.D.R. was a traitor to; and he can’t turn into Harry Truman because he lacks the common touch. He has an acquired elitism.”

There have been a storm of commentaries regarding the source of President Obama’s malaise. Some say the young President is in over his head, while others view him more as a man on his own, out of touch and out of the loop.

But Dowd goes deeper in assuming that President Obama  isn’t fighting for his base because he’s no longer politically or ideologically aligned with them.  In Dowd’s estimation, he is a man not on his own, but a man with benefactors who’ve wooed Obama over to their side, convinced him to adopt their worldview; a world seen from high atop an enclave of modern day castles and meticulously groomed archways.

A deeply speculative reading, to be sure, but it does explain Obama’s overwhelmingly blah response to the core tenets of American politics; risk taking, core competency and legislative one upmanship. Risk for what? For whom? It could very well be that Obama is now a made man and he knows it.
If President Obama has finally emerged from his inner conflict- one of elite Harvardite turned President versus up from nothing mutt – as an elitist, then he is following a long held American cultural tradition of aspirational elitism.

Most of us have spent the past two years enrapt in the psychological contortions of the Tea Party. This is not to say that there aren’t thoughtful and deliberate thinkers in the ranks of the Tea Party because there are. But many in that evangelical class of low information voters are enthusiastically voting against their own interest and in favor of the interests of multi-billionaires and billionaires.
And before you get all comfy on your perch, consider the number of African Americans who are hypnotized by a particularly virulent genre of luxury worship, also known as hip-hop. This class confusion is evidenced by the Kanye West and Jay-Z song “Otis”.

Most hip-hop heads who rave about the video “Otis” from the album “Watch the Throne”  will never own a Maybach.   Unlike Jay-Z,  most will never count Gwenneth Paltrow among their closest friends, nor should they aspire get in the actress’s good graces. What makes Paltrow’s friendship worth any more than your current BFF?  And if you don’t own a Maybach, why get so excited when Jay-Z or Kanye West rap about how good it feels to spin around in one?

For too long, the most affluent people on the planet have been announcing to us in the most braggadocios way possible that they are better than us. That they deserve more than us. That they don’t even need us.  In unison, we’ve answered back; you’re right. This explains why we contort our values to fit into their worldview and celebrate their achievements as our own.

Aspirationalism is a part of us. I suspect it is an evolved behavior that grew out of abject poverty and an unchecked appetite for something better- one day. I guess if you can’t reach a particular goal, or own certain possessions, the next best thing is to cheer on those with whom you identify. So Tea Partiers are cheering for their externalized and better off reflection; white, button-downed CEOs in navy blue suits.  And African Americans are reimagining themselves as rappers with gaudy diamond encrusted jewels and whips. It’s escapism at its worse.

But if we’re ever to move forward, it must be with a cohesive psyche. We must realize who and what we are, as well as whom and what we are not.  We are all a part of an economic class, be it lower, middle, or upper class. Our fortunes may improve with consistent effort, but that’s not what this is about. You don’t do battle from an imagined position. You do battle from where you are.

If Obama is, as Dowd alludes, a turncoat, then he should be held to account for betraying the ideals he feigned allegiance to during the campaign. But we should all acknowledge that we led the way for Obama. We turned on our collective selves long before Obama was ever in a position to turn on us. By and large, our predicament is our own fault.

Yvette Carnell is a former Capitol Hill Staffer turned political blogger. She currently publishes two blogs, Spatterblog.com and BreakingBrown.com

domingo, 11 de setembro de 2011

Nine Eleven


Desci do circular da USP naquela manhã ensoralada no ponto ao lado do prédio de história e geográfica da faculdade de filosofia, um prédio cuja arquitetura e formato podem ser comparados a de uma antiga rodoviária dessas de cidade do interior.  Estava acompanhado de minha americana Uju Anya que à época morava em São Paulo. Naquela manhã eu havia ido com ela até o hospital da Cidade Universitária onde a mesma havia feito um pequeno procedimento cirúrgico e necessitava de alguém que a assistisse na volta para casa.  Ao passar pelo prédio da história topamos com um aluno que corria e gritava de forma evasiva "Os Estados Unidos estão sendo bombardeados, os Estados Unidos estão sendo bombardeados." Para quem conheceu o cotidiano da USP nos anos 1990 e 2000, comportamentos como esse não eram de surpreender: mais um doido andando pela faculdade e gritando absurdos. Não levei a parada muito a sério, mas percebi o olhar de preocupação de minha amiga e resolvemos nos dirigir até o centro acadêmico de ciências sociais (CEUPES) para ver o que estava de fato acontecendo. Ao chegarmos na sala minúscula que abrigava o centro acadêmico nos deparamos com um grupo de 30 pessoas entre alunos, professores e funcionários olhando atentamente para o aparelho de TV que era basicamente usada para transmitir jogos de futebol nas noites de quarta-feira, pronunciamentos políticos esporádicos ou propaganda política na época de eleição (ciências socias USP, sacou?). Foi então que vimos imagens de aviões se chocando contra o World Trade Center: era o nine eleven. Minha amiga ficou desesperada. Sua família não era de Nova York, mas ela tinha um primo que trabalhava e morava na Big Apple. Durante dias ninguém conseguiu localizar seu primo e apenas depois de algum tempo ele reapareceu dizendo que no dia dos ataques estava fora da cidade passando férias do trabalho. Em alguns lugares da faculdade de filosofia, muita gente (maioria aluno/as) comemorava os ataques como se os mesmos se equiparassem a uma partida de futebol. Muitos entendiam aquilo como um claro sinal do declínio da hegemonia político/econômica norte-americana ao redor do mundo. Não é necessário ser gênio para descobrir que numa faculdade de ciências humanas, onde o clima é extremamente politizado/ideologizado, a aversão ao papel e a figura dos EUA é altíssima. Nove anos depois, já morando em Nova York, eu assistiria pela Internet num domingo à noite uma euforia muito parecida a que vi nos alunos da FFLCH em 2001: norte-americanos, em frente à Casa Branca, comemorando o assassinato de Osama Bin Laden. Em ambas as situações/comemorações lembrei de um comentário de um professor amigo ao saber da atitude dos alunos da USP em 2001: "Eles estão comemorando os atentados?... É muita ingenuidade!"

Paz! 

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Netflix Brasil: Já Estava na Hora Mesmo...



Enquanto escrevo esse post assisto o filme Milk (2008) numa outra janela de meu laptop. A novidade? Well, o legal é que não o faço por algum site gringo vagabundo que me deixou horas esperando para assistir um filme na faixa ou que baixei o arquivo do filme em algum site suspeito ou que ainda comprei uma cópia piratona do bagulho. Não. Estou assistindo a película via Netflix, o serviço de empréstimos e exibição de filmes online que acaba de chegar no Brasil nessa segunda-feira, 5 de setembro.  O Netflix foi responsável por uma revolução na forma como as pessoas locam e assistem filmes nos Estados Unidos nos últimos 3 anos. O empreedimento dessa locadora de filmes virtual colocou empresas como a BlockBuster na idade da pedra e forçaram o mercado de DVD a mudar a ponto de até mesmo o ato de comprar filmes piratas fosse repensado, em seu aspecto de vantagem pecuniária, por quem faz uso desse "serviço" do black market. Basicamente, o que o Netflix faz é locar pela web filmes que podem ser enviados para a sua casa via correio ou assistidos pela Internet a partir da disponibilidade do filme no catálogo de películas oferecidas para o desfrute online. O serviço nos EUA custa em torno de US$ 8 a assinatura mensal e a previsão é de que no Caribe, Brasil e no restante da América Latina, localidades que estão sendo incorporadas a partir dessa semana, o preço varie entre US$ 8 e 13. O grande desafio para o sucesso do Netflix no Brasil (não sei dos outros países do Caribe e América Latina) é a qualidade das conexões de banda larga em nosso país. Para que imagem, som e rapidez de transmissão não sejam comprometidos, é mais do que necessário ter uma conexão com bom desempenho, algo que infelizmente ainda é um sonho para os consumidores tupiniquins. Mesmo assim, já dá para usar o serviço e há uma promoção de adesão na qual é possível experimentar a parada por um mês sem pagar. Para tal, basta ter um cartão de crédito. Mas as delícias do Netflix poderão ser experienciadas de forma diferenciada mesmo para os possuídores de iPad e HDTV. Para os primeiros porque já existem aplicativos que permitem a visualização de filmes baixados pelo site nos tablets da maçãzinha mais poderosa do mundo. Também estão em vantagem os donos de TVs de alta definição, pois as mesmas já vem com adaptador que permite a visualização de imagens enviadas pela Internet ao laptop. Se interessou pelo Netflix? Leia mais AQUI

Paz!

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Humor no Brasil: Nota 0!

 
E o humor vai mal no Brasil. Nem vou comentar os programas televisivos como Pânico na TV e CQC, pois para mim continuam presos numa fórmula de humor cunhada nos anos 1980/1990. Entretanto, numa época em que celebramos as conquistas dos movimentos negro, gay e feminista, a maior parte dos quadros de humor veiculados na web ainda se baseiam em material que caricaturam ou ridicularizam mulheres, homossexuais, negros e judeus. Esses dois últimos grupos numa proporção um pouco menor, já que a lei anti-racismo tem funcionado meio que como um semáforo ligado no vermelho para comediantes. Mesmo assim ainda ocorrem casos como a da Mulher Feijoada (assista AQUI) e as piadinhas de Danilo Gentili no Twitter sobre pretos e judeus.  Já dissertei um pouco sobre esse tema aqui no blog (leia AQUI). Mas acho super estranho que quadros meio esdrúxulos que só repetem palavrões, grosserias e preconceitos façam tanto sucesso entre as pessoas. Há vários teorias elaboradas sobre o que nos faz rir, qual é a função do riso e o que é e o que não passível de ser material para piadas. Por exemplo: é justo um comediante homem fazer piadas sobre estupro contra mulheres? Uma mulher que ri de uma piada deste tipo está legitimando esse tipo de ação? Tudo depende. A piada pode ser crítica ao crime de estupro e o contexto na qual ela é realizada irá demarcar a sua interpretação pelas pessoas, sejam elas homens ou mulheres.  O que é certo é que o humor é uma zona de sombra onde assuntos delicados e tabus podem ser tratados de forma espontânea e, supostamente, livre de julgamentos morais. É como se estívessemos num espaço/momento de exceção moral.



Mas a história é bem mais complicada. Exemplo disso é que as piadas em determinados contextos são utilizadas no sentido de (re)estabelecer uma hierarquia social sobre os grupos ridicularizados (negros, mulheres, homossexuais, judeus, portugueses, etc.) se utilizando estrategicamente do espaço de comforto propiciado pelo humor (caso bastante frequente no Brasil). Mas o que é interessante em alguns comediantes brasileiros atuais é que os mesmos passam uma mensagem subliminar que poucas vezes é notada pelas pessoas que os assistem. Há preconceitos de classe, raça, gênero e orientação sexual embutido nos quadros e eles são construídos não só através do texto da piada, mas na própria apresentação dos comediantes. E isso tem muito haver com a ascensão de novas classes sociais - a tão discutida classe C - a novos padrões de consumo e certo reconhecimento social ganho nos últimos anos. Um comediante como Gil Brother (foto acima) - ex Hermes e Renato e agora com um canal na Internet, Canal Away - ridiculariza a si mesmo como um negro, de dreadlocks, usando terno e gravata, mas que, mesmo não dominando o padrão culto da língua portuguesa/inglesa, se vê no direito de emitir opiniões sobre assuntos do dia. A opinião de Brother geralmente se baseia em constatações corretas do que ocorre como problemas sociais ou fatos da grande mídia, mas suas soluções sempre descanbam para o absurdo, autoritário e violento que é recheado por palavrões que supostamente evidenciariam a indignação do mesmo. Assista vídeo logo abaixo:



Mas a história pessoal/real de Jaime Gil da Costa, nome real de Gil Brother, é a mesma história de negros pobres brasileiros. Sua tumutualda e não esclarecida relação com o pessoal do grupo Hermes e Renato também fornece claros sinais de como pobres e negros são tratados nas margens da ilegalidade/informalidade/intimidade (leia AQUI reportagem da revista Trip na qual a polêmica é revelada: versões da história à parte, o fato é que o mesmo trabalhava sem contrato para a ex trumpe da MTV). A pergunta enfim é: o que nos faz rir em Gil Brother? Suas piadas ou sua ridicularidade que envolve o fato de ser a representação de um negro pobre, cego de um olho, semi-escolarizado e ignorante com cara de doidão vestindo terno e dando opiniões esdrúxulas sobre assuntos do dia? Pense e responda...

 

Pois bem, quase na mesma linha é o caso do quadro do comediante mineiro Gustavo Mendes (foto acima) em cima da figura da presidenta Dilma Rousseff. O próprio fato de ter um homem travestido de mulher para imitar a presidenta já demonstra de antemão os traços misóginos sobre os quais a piada irá se desenvolver. O que está por trás do quadro é uma tentativa de criar comicidade no desencontro entre a representação de mulher veiculada na sociedade como bela, meiga, heterossexual, carinhosa e voltada apenas para atividades tidas como frívolas com a necessidade de pulso firme que cargos políticos geralmente exigem. Esse é um dilema que todas as mulheres que assumem posições majoritariamente dominadas por homens se veem diante. No sentido de "bagunçar" a representação de gênero e criar riso, o comediante expõe uma "Dilma" firme e desbocada, deslocando-a de uma suposta feminilidade e a apresentando-a como masculinizada. O resultado final já é previsto: depois de tantos palavrões e esporros, a presidenta não pode ser mais uma mulher "feminina" e sua performance de gênero a leva ao estereótipo da lésbica masculinizada, pejorativamente conhecida como "sapatão" ou "Maria João". Assista o vídeo AQUI
 
Por fim, vale a pena refletir sobre a experiência de uma web serie norte-americana que considero um bom exemplo de como fazer humor livre de estereótipos e/ou brincando com eles de forma inteligente. The Misadventures of Awkward Black Girl conta com 7 episódios feitos de forma totalmente independente por Issa Rae e um grupo de jovens atores e produtores. Os episódios foram veiculados pela Internet e fizeram um sucesso estrondoso no primeiro semestre desse ano. Visando dar continuidade ao projeto Rae e seu grupo começaram uma campanha para arrecadar doações em dinheiro pela web e a soma conseguida foi em torno de US$ 40.000 que financiará mais outros 5 episódios.  O show vai um pouco na linha de séries como 30 Rock, Curb Your Enthusiasm e The Office .  Assista o primeiro vídeo da parada AQUI (infelizmente não há legendas em português).

Paz!

domingo, 4 de setembro de 2011

Procurando Motivos Para Sair do Facebook?

Bem divertido o vídeo "You Need to Get Off of Facebook" escrito e dirigido pelo truta Ross Gardiner (foto abaixo) sugerindo as pessoas que saiam do Facebook. A parada toda foi filmada nas ruas de alguma cidade da Coréia do Sul e é um pouco caída para o lado das chamadas conspiration theories tão ao gosto de pessoas pouco informadas e suscetíveis a explicações facéis e hollywoodianas para temas complicados, ou seja, a idéia que nos acontecimentos políticos, sociais, econômicos além dos meios vinculados a mídia e tecnologia do mundo contemporâneo há sempre um grupo de pesssoas conspirando para levar vantagem de alguma forma, dominar o mundo ou manter padrões de desigualdade ou hierarquia social. De forma resumida, coisas do tipo: "você sabia que os judeus dominam a indústria de entretenimento nos EUA?" ou "o 11 de setembro foi uma manobra deliberada do império norte-americano para abrir espaço e legitimar a guerra contra o terror e dominar as reservas de petróleo de parte do oriente médio."
 
A mensagem passada pelo vídeo abaixo é a de que as redes sociais e a Internet são a causa do processo de imbecilização que o mundo atual vem sofrendo. Well, não discordo da banalização que tem se postado sobre a cultura contemporânea. Teóricos da Escola de Frankfurt, como Theodor Adorno e Max Horkheimer (leia Dialética do Esclarecimento, 1947), tem nos alertado sobre isso desde os anos 1930 com a emergência do que eles pejorativamente chamaram de indústria cultural. Intelectuais mais sintonizados com a perspectiva pós-moderna vão defender que o pastiche e o culto ao ridículo é um traço do mundo contemporâneo desenvolvido. Entretanto, a Internet e as redes sociais, na minha opinião, são mais um sintoma do que causa da imbecilização. Talvez valha a pena fazer uma discussão de como as pessoas usam a Internet, mas culpá-la pela superficialidade das relações atuais e falar para as pessoas deixarem de usá-la é meio ridículo. Basta lembrar do teórico canadense Marshall MacLuhan, um dos primeiros a se debruçar sobre o aparato midiático contemporâneo, que defendia que as mídias devem ser entendidas como extensões dos sentidos humanos (fala, audição, tato e visão). 

Mas chega de papo sociológico e assista ao vídeo de Gardiner...

PS: obrigadinho a minha amiga Daniela Castanheira por me apresentar o vídeo! 

sábado, 3 de setembro de 2011

Brazilian Day: Não Vá Nessa Merda!


Existem eventos ou lugares que devem ser evitados em NYC. Por exemplo: eu não recomendo a nem mesmo ao meu pior inimigo que encare a região da Times Square, bem no meio de Manhattan, como uma atração turística.  Um eventozinho que definitivamente é algo para ser evitado é o Brazilian "Fucking Shitty" Day que acontecerá no próximo domingo, 4 de setembro!  Atrações ruins (eu não assistiria ao show do Luan Santana nem de graça ou mesmo com algum incentivo financeiro!), compatriotas bêbados com uma euforia meio besta tirada sei lá de onde, gringos estranhos caçando alguma brasileira que se encaixe nos estereótipos de mulher brasileira sexy e fácil além de um empurra empurra para chegar a lugar algum. A comida é também ruim: paga-se uns US$ 3 por pastéis, coxinhas e outros tipos de salgados horríveis (não os salgados em si, mas aqueles vendidos na festa).  Ainda tem o Sérginho Groissman, mais um do time de apresentadores chatos da famigerada Globo. Urgh! Sinceramente, ir ao Brazilian Day da Globo em NYC me faz sentir vergonha de ser brasileiro... Mas se você é corajoso e quer ir na festa, vá pra essa página AQUI  e assista o vídeo que já dá arrepios.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Somos Só Corpo e Mais Nada

Preguiça de escrever. Resultado: a assaltada de hoje é Fabiana Lima via um texto do seu abandonado e gostoso blog SoulSista. Há dois anos atrás a negona fiz um post maravilhoso sobre poesia erótica que tomei a liberdade de reproduzir logo abaixo. Visite o blog de Fabiana clicando AQUI  Divirta-se com o post lendo, recitando e praticando... Hummm!

Terça-Feira, 21 de julho de 2009
Somos Só Corpo e Mais Nada

 
Ele me beijará com os beijos de sua boca.
Seu abraço me transportará mais alto que o vinho.

Suave é o aroma dos teus ungüentos,
como ungüento derramado é o teu nome,
por isso, as donzelas te amam
(Cântico dos Cânticos de Salomão, 1, 2-3)

Não, não, de jeito algum sou hedonista, mas digo logo, só acredito em alma colada a corpo. A percepção que nos é dada como humanos coloca o corpo, esse ente amedrontador, como o centro de tudo. Se sentimos medo, dor, prazer, desejo, tudo isso é o corpo que vai indicar, sinalizar, esconder ou mostrar. É isso! Eros passa por tudo! Nesse sentido sou bem erótica mesmo!

Divagando em minhas reflexões fantasiosas, nada sociológicas, fico pensando se o afastamento absurdo que diversas culturas promovem do próprio corpo não significa, no fim de tudo, um medo absurdo de nossa finitude. É, gente, faz um certo sentido, porque, de fato, o prazer sexual é muito forte, inexplicável e passageiro, transitório como a própria vida.

Como podemos dar conta de tamanha contradição? Sei não, como se trata de um pensamento baseado na imaginação, dou-me o direito de não achar respostas. Mas também me dou o direito ao espanto, quando me deparo com discursos que separam tudo: corpo de alma, céu de inferno, poesia de sexo. Aí não dá! Se literatura se funda na vida e nas relações sociais, para mim, nada mais "natural" do que o corpo erotizado, em excitação, compor linhas de inúmeros poetas e poetisas.

Há mais ou menos dois meses apresentava um trabalho acadêmico ao lado de uma renomada pesquisadora de literaturas africanas e literatura afro-brasileira. Fechei minha fala lendo este poema:

 [Poema+de+Marise.png]
Na hora do debate, não lembro bem por que, mas a pesquisadora falou mais ou menos assim: "Ia ler também esse poema da Marise, mas achei erótico demais, achei que poderia chocar vocês." O meu espanto foi que esse poema nunca me chocou e mais de uma vez já o levei para discutir com os meus alunos, tanto pela riqueza rítmica dele quanto pela perspectiva feminina. Mulher no comando da prática sexual, no mínimo, trai imagens correntes de mulheres passivas, receptáculos de tudo no mundo, inclusive do prazer sexual. Além do mais, meus amig@s desafrocentrad@s que me desculpem, mas a sutileza da palavra "jazz" coroando esse ato de prazer, não só faz referência expclícita ao gozo, já que uma das etimologias possíveis da palavra é essa, mas também afro-poetiza essas linhas, relacionando-as a um gênero musical afro-americano.

Foi naquele momento de indignação que comecei a pensar em trazer pra cá alguns textos que me deixam, diríamos, molhada. Também comecei a constatar como a intimidade sexual é normalmente vista como algum tipo de perversão ou algo espúrio, pura sacanagem, que deve ser mantida debaixo das camas, bem lá no fundo mesmo. Pedi a 3 amigos que escrevem poesias, para que disponibilizassem as suas mais quentinhas. Todos três deram desculpas evasivas e literalmente fugiram. Ficando impedida de publicar inéditos aqui neste blog, vamos a poesias já conhecidas mesmo.

A poesia que fala do corpo erotizado desce ao nível do leitor comum, por isso é interessante ver um poeta tradicionalmente visto como o mestre dos parnasianos, aquele que escrevia "longe do estéril turbilhão da rua", escrevendo o delírio de um homem ao dar prazer sexual a uma mulher.


Delírio


Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E em frêmitos carnais, ela dizia:
Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!


Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.


Em suspiros de gozos infinitos,
Disse-me ela, ainda quase em grito:
Mais abaixo, meu bem! Num frenesi


No seu ventre pousei a minha boca
Mais abaixo, meu bem! Disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci...


Olavo Bilac

Ou mesmo o, a meu ver, infantilizado Manuel Bandeira, que morre velho, mas carrega, em sua biografia, o peso da tuberculose que o condenou à morte ainda moço. Aos olhos de quem se resume a conhecer o poeta pelos bancos escolares, tratava-se de um homem triste que pouco aproveitou a vida, voltado que era para as suas memórias da infância numa Recife perdida. A poesia A Cópula, no entanto, mostra um Bandeira maravilhosamente devasso, pervertidamente humano.

Depois de lhe beijar meticulosamente
o cu, que é uma pimenta, a boceta, que é um doce,
o moço exibe à moça a bagagem que trouxe:
culhões e membro, um membro enorme e tujescente.


Ela toma-o na boca e morde-o. Incontinente.
Não pode ele conter-se, e, de um jato esporrou-se.
Não desarmou porém. Antes, mais rijo, alteou-se
E fodeu-a. Ela geme, ela peida, ela sente


Que vai morrer: - "Eu morro! Ai, não queres que eu morra!?
Grita para o rapaz que aceso como o diabo,
arde em cio e tesão na amorosa gangorra


E tintilando-a nos mamilos e no rabo
(que depois irá ter sua ração de porra)
lhe enfia cona a dentro o mangalho até o cabo.

Essa história de armado e desarmado é ótima! Até na hora do sexo, para o homem, impera a batalha, a luta, a guerra. Nossa! E pelo que vemos, nossos poetas sérios e conseqüentes gostam mesmo, em suas simulações sexuais, é de mulheres nada recatadas. Não quero separar nada aqui, por isso não caio na cilada de dizer que as mulheres que gritam de prazer nas duas últimas poesias são somente para foder, na cabeça dos homens. Recuso-me a me limitar às representações mais comuns e acho sim que homens, tal qual as mulheres, ora unem o prazer sexual ao sentimento amoroso e ora separam ambos os espaços. Cuti une liricamente sexo à intimidade amorosa no maravilhoso Luz na Uretra:


O coração na cabeça do pênis
sístole e diástole sou-te
na vagina
e
num vôo riacho
espalho-me
via láctea
no teu infiníntimo.

E também De Paula imagina um deliciosíssimo ICE-CREAM, alimento do corpo e da alma, que, além de saborosamente prazeroso, aquece e funde dois amantes apaixonados:

Teus lábios... framboesa.
Meu sorvete... chocolate.
Você chupa...
A gente se aquece, se funde...
O gelo derrete....
Você amolece,
Eu me enrijeço.


Teus lábios... morango.
Minha cobertura... caramelo.
Arfando... gemendo,
Meu creme transborda,
Em jorros de emoção,
Prazer ... e alimento.

Mulheres, falando poeticamente de experiência sexuais, dão voz a séculos de silenciamento. A solidão de um sábado à noite se transforma, na poesia Nós Voláteis de Lia Vieira, em uma erótica experiência a sós.

Billie Holliday e aquela solidão arretada,
numa noite de sábado.
O feriadão levara as pessoas.
Para disfarçar o tempo, queimou um comercial
e ligou a tevê sem o som.
Para ocupar suas idéias,
um variação de literatura esotérica.
Nesta digressão filosófica, o teto começou a vibrar.
Atentou para o ruído e
percebeu que a libido no apartamento de cima começara.


Estavam literalmente fodendo na sua cabeça.
Aqueles rangidos e gemidos ritmados
lhe despertavam desejos adormecidos até então.
Seu corpo retesou-se e arqueou-se em ondas, enquanto a
dupla alienígena
contemplava a encenação.


Lá fora, a vida fervilhava, e ela
solitariamente pegava uma carona
nesse trem de fantasias.

A partir de perspectiva onírica, a portuguesa Maria Tereza Horta encena a descoberta do ato sexual entre esses seres imaginários que talvez representem a inocência diabólica do corpo e de todos os prazeres eróticos:

Os anjos


Os anjos descobrem
a vulva
no mesmo instante


em que sabem
do pênis:


com
as pernas ligeiramente
abertas
e desviando as asas


São raríssimas as
asas
que não partem dos seios


a florir nos
ombros


Como um manso púbis
com os seus veios
de sombra


E o anjo
debaixo
ficou a acariciar o pênis
do anjo que voava
por cima


de manso
procurando
o fundo da vagina

De maneira mais explícita, também cantamos o membro que nos absorve, enruga e arrepia, tal qual Regina Amaral, em Tesão:

Teu falo é um facho
Fascinante.
Eu me encrespo
Sempre...
Teu facho é um fato
irreversível!

Se inicei com um texto bíblico em que o vinho torna mais alto o ambiente de Sulamita e Salomão, termino com o que o efeito Baco desperta em meu corpo. Já me perguntaram inclusive se não sou eu a Tarada Num Carro. Quem sabe? O poema foi feito por Ana C. Pozza, que inclusive tem uma produção para lá de quente, mas, como leitora que é leitora se apossa do alheio pra ela, pode ser que seja eu mesma.

Eu não minto
Eu invento
E se tomo vinho tinto
Logo me esquento!
Quando sinto,
Eu tento.
Percorro o labirinto,
Busco o vento.
Arranco o teu cinto,
Deixo-te sedento
Aí vejo o teu pinto
E sento!

Há ainda infinitas possibilidades de erotismo poético. Isso aqui na verdade é só um aperitivo. Não selecionei poesias que tratam, por exemplo, da prática homossexual por puro desconhecimento. Outras seleções certamente virão. Por ora, quem quiser ler mais, vale a visita ao site Poesia Erótica.