quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Realmente Precisamos de Misses Universo?

Alguém por aí deve ter se perguntado o por quê de eu não ter me pronunciado sobre a conquista do título de Miss Universo semana passada por uma negra angolana, Leila Lopes. Well well, é meio difícil explicar as razões do meu silêncio, mas digamos que eu precisava de um pouco de distanciamento temporal do evento para decidir se escrevia ou não o texto que sai agora das teclas do meu laptop. Para início de conversa quero deixar claro que não tinha a mínima idéia de que o concurso de miss universo estava ocorrendo em São Paulo. Só fiquei a par disso através da manifestação das pessoas via Facebook e Twitter durante a realização do evento. Logo após o resultado final do concurso meus/minhas amigo/as começaram a postar mensagens nas redes sociais sobre o fato de uma negra, pela primeira vez, ter vencido a competição. Eram pequenos textos emocionados de gente que até mesmo chorou ao ver a coroação da beleza de uma negra.
 
Pois bem, não quero ser desmancha prazeres, mas minha mais sincera pergunta é: realmente precisamos de misses universo? Em pleno século XXI ainda não conseguimos nos libertar de uma forma de competição e entretenimento que celebra a exploração do corpo feminino e, ao mesmo tempo, impõe padrões de beleza ao restante das pobres mortais mulheres. Alguns irão dizer: "Mas Senhor Márcio Macedo, com a coroação de uma mulher negra esse padrão de beleza foi ampliado." Sim, ampliado em termos raciais. Mas o que percebo mesmo é a necessidade, por parte de nós negros, da legitimação/aprovação da beleza negra por meio de instâncias que remetam a sociedade como um todo. Porém, mesmo Leila Lopes sendo negra, ela é magra, alta, jovem, educada e possue rosto com formatos delicados que, diriam os mais cínicos e irônicos, pouco lembra os traços de seu grupo racial. E o que diremos as mulheres, negras/brancas/asiáticas, que não possuem necessariamente as mesmas formas de Lopes? Mais: indo um pouco além é possível notar como os elementos estéticos valorizados naquilo que alguns autores chamam de branquidade são preponderantes no julgamento da beleza de mulheres negras. E tudo que fugir a isso será entendido como uma "beleza exótica." Well well...
 
Outro ponto que me incomodou nas reações diante da vitória de Lopes foi a impressão de que somente após o resultado do Miss Universo as mulheres negras se tornaram dignas de serem vistas como belas. Ora ora... Concursos de beleza entre a população negra brasileira não são eventos novos. Há quase um século, numa tentativa de emulação da sociedade dominate, a comunidade negra vem realizando seus próprios concursos de beleza. No início do século em São Paulo eles levavam nomes como Bonequinha de Café, nos 1940/1950 os ativistas negros Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos realizavam dois concursos vinculados as atividades do Teatro Experimental do Negro (TEN). Eram eles o Rainha das Mulatas e o Boneca de Pixe. Nos anos 1960/1970 o Renascença Clube localizado no Rio de Janeiro, fundado e frequentado por famílias negras afluentes, ficou famoso por organizar concursos de beleza de mulheres negras e mestiças que acabaram por lapidar a alcunha de "Academia de Mulatas" ao clube. O Renascença foi responsável por revelar Vera Lúcia Couto (foto abaixo) que, após ser eleita Miss Renascença, conquistou o título de Miss Guanabara e segundo lugar no Miss Brasil de 1964. Entretanto, o Miss Brasil só seria de fato conquistado por uma negra vinte anos mais tarde com Deise Nunes (foto acima). Desde os anos 1980 em Salvador o bloco afro Ilê Ayê realiza a Noite da Beleza Negra: um concurso de beleza entre mulheres negras. Mesmo durante minha adolescência nos anos 1990 aqui no interior de São Paulo era comum a comunidade esperar com ansiedade a realização de concursos de beleza nos clubes recreativos que são remanescente da Frente Negra Brasileira (FNB). Em Limeira, por exemplo, ocorria no saudoso Grêmio Limeirense os concursos Miss Pérola Negra e Negro Lindo, esse último uma versão masculina da competição.
 
Os concursos de beleza femininos tem em comum um elemento de gênero: todos eles visam celebrar um modelo de beleza feminino e um padrão de femininilidade. A partir disso, o corpo feminino acaba sendo utilizado como locus de evidenciamento e disputa de projetos políticos alheios as mesmas e que vão muito além da exaltação da beleza. Os corpos das misses legitimam a violência simbólica de estabelecer modelos/formas que devem ser seguidos pelo restante das mulheres, ou seja, uma normatividade (norma/padrão) pois correspondem ao belo e desejável. No caso de concursos de beleza da comunidade negra especificamente, o corpo da mulher negra/mestiça é utilizado como representante do que há de "melhor" da "raça", ou seja, frente aos estereótipos e imaginário negativo que se associa a população negra como um todo é necessário lançar mão de exemplos (de carne e osso) que combatam essas representações. Ironicamente, essas mesmas figuras emblemáticas não deixam de reproduzir certos padrões - que vão além do aspecto racial - que são acriticamente aceitos e, consequentemente, legitimados. Mulheres gordas, baixas, de cabelos crespos, curtos ou raspados (alguém aí já viu alguma miss que não tenha cabelos longos e lisos?) entre outras caracterísitcas que não irei enumerar aqui, são vistas como indesejáveis, pouco belas e fora do padrão. Daí eu pergunto novamente: realmente precisamos de misses universo? Pois bem, caso ainda necessitarmos já temos uma representante negra: Leila Lopes.

Muita Paz!

Comentários (7)

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Eleva-se Angola ao patamar da África do Sul? É um projeto político usando a imagem de Leila Lopes? É isso Márcio?
Sou mais Alek Wek.
Aplausos, muitos aplausos à este post. é realmente necessário olhar para os esteriótipos midiáticos que nos forçam guela abaixo. Porém, não se pode negar, Leila é linda!
muito bom !
Esqueci de te dizer: toda vez que assisto Bernie Mac, lembro de você. Sei que nunca te vi pessoalmente, mas, acho que tu parece com ele.
Ah, e sobre Leila: postei uma foto dela porque a acho bonita, sim. Mas também acho Gabourey Sidibe bonita. E sim, melhor será quando não precisarmos mais de misses.
Beijinho,
Além do mais a Leila Lopes é a QUARTA mulher negra a ganhar o Miss Universo! Eu vi isso no Google ontem, hehe!
beijos
Realmente não precisamos de misses nada, mas parece que não tem jeito, enquanto quem não se enquadra nos estereótipos hegemonicos achar que promomover seus próprios concursos muda alguma coisa, nada muda... e na sociedade do espetáculo altamente estetizada de hoje não parece que nada vai mudar mesmo.
Recentemente, depois de participar de um projeto que diz promover a autoestima a partir da beleza e fotos com padrão de produção profissional e perceber que aquilo não me fazia mais feliz em nada, estive pensando: Por que diabos a gente se preocupa tanto com beleza? O próprio conceito de beleza (física humana) só existe para classificar e portanto sempre vai excluir alguns, esse é mesmo seu papel!
Liguei o foda-se e iquei mais bonita
“O mytho é o nada que é tudo”. Fernando Pessoa. “Somos todos vítimas de posters”. Jean Genet.
ou "We Don't Need Another Hero". Tina Turner

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