Alguém por aí deve ter se perguntado o por quê de eu não ter me pronunciado sobre a conquista do título de Miss Universo semana passada por uma negra angolana, Leila Lopes. Well well, é meio difícil explicar as razões do meu silêncio, mas digamos que eu precisava de um pouco de distanciamento temporal do evento para decidir se escrevia ou não o texto que sai agora das teclas do meu laptop. Para início de conversa quero deixar claro que não tinha a mínima idéia de que o concurso de miss universo estava ocorrendo em São Paulo. Só fiquei a par disso através da manifestação das pessoas via Facebook e Twitter durante a realização do evento. Logo após o resultado final do concurso meus/minhas amigo/as começaram a postar mensagens nas redes sociais sobre o fato de uma negra, pela primeira vez, ter vencido a competição. Eram pequenos textos emocionados de gente que até mesmo chorou ao ver a coroação da beleza de uma negra.
Pois bem, não quero ser desmancha prazeres, mas minha mais sincera pergunta é: realmente precisamos de misses universo? Em pleno século XXI ainda não conseguimos nos libertar de uma forma de competição e entretenimento que celebra a exploração do corpo feminino e, ao mesmo tempo, impõe padrões de beleza ao restante das pobres mortais mulheres. Alguns irão dizer: "Mas Senhor Márcio Macedo, com a coroação de uma mulher negra esse padrão de beleza foi ampliado." Sim, ampliado em termos raciais. Mas o que percebo mesmo é a necessidade, por parte de nós negros, da legitimação/aprovação da beleza negra por meio de instâncias que remetam a sociedade como um todo. Porém, mesmo Leila Lopes sendo negra, ela é magra, alta, jovem, educada e possue rosto com formatos delicados que, diriam os mais cínicos e irônicos, pouco lembra os traços de seu grupo racial. E o que diremos as mulheres, negras/brancas/asiáticas, que não possuem necessariamente as mesmas formas de Lopes? Mais: indo um pouco além é possível notar como os elementos estéticos valorizados naquilo que alguns autores chamam de branquidade são preponderantes no julgamento da beleza de mulheres negras. E tudo que fugir a isso será entendido como uma "beleza exótica." Well well...
Outro ponto que me incomodou nas reações diante da vitória de Lopes foi a impressão de que somente após o resultado do Miss Universo as mulheres negras se tornaram dignas de serem vistas como belas. Ora ora... Concursos de beleza entre a população negra brasileira não são eventos novos. Há quase um século, numa tentativa de emulação da sociedade dominate, a comunidade negra vem realizando seus próprios concursos de beleza. No início do século em São Paulo eles levavam nomes como Bonequinha de Café, nos 1940/1950 os ativistas negros Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos realizavam dois concursos vinculados as atividades do Teatro Experimental do Negro (TEN). Eram eles o Rainha das Mulatas e o Boneca de Pixe. Nos anos 1960/1970 o Renascença Clube localizado no Rio de Janeiro, fundado e frequentado por famílias negras afluentes, ficou famoso por organizar concursos de beleza de mulheres negras e mestiças que acabaram por lapidar a alcunha de "Academia de Mulatas" ao clube. O Renascença foi responsável por revelar Vera Lúcia Couto (foto abaixo) que, após ser eleita Miss Renascença, conquistou o título de Miss Guanabara e segundo lugar no Miss Brasil de 1964. Entretanto, o Miss Brasil só seria de fato conquistado por uma negra vinte anos mais tarde com Deise Nunes (foto acima). Desde os anos 1980 em Salvador o bloco afro Ilê Ayê realiza a Noite da Beleza Negra: um concurso de beleza entre mulheres negras. Mesmo durante minha adolescência nos anos 1990 aqui no interior de São Paulo era comum a comunidade esperar com ansiedade a realização de concursos de beleza nos clubes recreativos que são remanescente da Frente Negra Brasileira (FNB). Em Limeira, por exemplo, ocorria no saudoso Grêmio Limeirense os concursos Miss Pérola Negra e Negro Lindo, esse último uma versão masculina da competição.
Os concursos de beleza femininos tem em comum um elemento de gênero: todos eles visam celebrar um modelo de beleza feminino e um padrão de femininilidade. A partir disso, o corpo feminino acaba sendo utilizado como locus de evidenciamento e disputa de projetos políticos alheios as mesmas e que vão muito além da exaltação da beleza. Os corpos das misses legitimam a violência simbólica de estabelecer modelos/formas que devem ser seguidos pelo restante das mulheres, ou seja, uma normatividade (norma/padrão) pois correspondem ao belo e desejável. No caso de concursos de beleza da comunidade negra especificamente, o corpo da mulher negra/mestiça é utilizado como representante do que há de "melhor" da "raça", ou seja, frente aos estereótipos e imaginário negativo que se associa a população negra como um todo é necessário lançar mão de exemplos (de carne e osso) que combatam essas representações. Ironicamente, essas mesmas figuras emblemáticas não deixam de reproduzir certos padrões - que vão além do aspecto racial - que são acriticamente aceitos e, consequentemente, legitimados. Mulheres gordas, baixas, de cabelos crespos, curtos ou raspados (alguém aí já viu alguma miss que não tenha cabelos longos e lisos?) entre outras caracterísitcas que não irei enumerar aqui, são vistas como indesejáveis, pouco belas e fora do padrão. Daí eu pergunto novamente: realmente precisamos de misses universo? Pois bem, caso ainda necessitarmos já temos uma representante negra: Leila Lopes.
Muita Paz!
Pois bem, não quero ser desmancha prazeres, mas minha mais sincera pergunta é: realmente precisamos de misses universo? Em pleno século XXI ainda não conseguimos nos libertar de uma forma de competição e entretenimento que celebra a exploração do corpo feminino e, ao mesmo tempo, impõe padrões de beleza ao restante das pobres mortais mulheres. Alguns irão dizer: "Mas Senhor Márcio Macedo, com a coroação de uma mulher negra esse padrão de beleza foi ampliado." Sim, ampliado em termos raciais. Mas o que percebo mesmo é a necessidade, por parte de nós negros, da legitimação/aprovação da beleza negra por meio de instâncias que remetam a sociedade como um todo. Porém, mesmo Leila Lopes sendo negra, ela é magra, alta, jovem, educada e possue rosto com formatos delicados que, diriam os mais cínicos e irônicos, pouco lembra os traços de seu grupo racial. E o que diremos as mulheres, negras/brancas/asiáticas, que não possuem necessariamente as mesmas formas de Lopes? Mais: indo um pouco além é possível notar como os elementos estéticos valorizados naquilo que alguns autores chamam de branquidade são preponderantes no julgamento da beleza de mulheres negras. E tudo que fugir a isso será entendido como uma "beleza exótica." Well well...
Outro ponto que me incomodou nas reações diante da vitória de Lopes foi a impressão de que somente após o resultado do Miss Universo as mulheres negras se tornaram dignas de serem vistas como belas. Ora ora... Concursos de beleza entre a população negra brasileira não são eventos novos. Há quase um século, numa tentativa de emulação da sociedade dominate, a comunidade negra vem realizando seus próprios concursos de beleza. No início do século em São Paulo eles levavam nomes como Bonequinha de Café, nos 1940/1950 os ativistas negros Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos realizavam dois concursos vinculados as atividades do Teatro Experimental do Negro (TEN). Eram eles o Rainha das Mulatas e o Boneca de Pixe. Nos anos 1960/1970 o Renascença Clube localizado no Rio de Janeiro, fundado e frequentado por famílias negras afluentes, ficou famoso por organizar concursos de beleza de mulheres negras e mestiças que acabaram por lapidar a alcunha de "Academia de Mulatas" ao clube. O Renascença foi responsável por revelar Vera Lúcia Couto (foto abaixo) que, após ser eleita Miss Renascença, conquistou o título de Miss Guanabara e segundo lugar no Miss Brasil de 1964. Entretanto, o Miss Brasil só seria de fato conquistado por uma negra vinte anos mais tarde com Deise Nunes (foto acima). Desde os anos 1980 em Salvador o bloco afro Ilê Ayê realiza a Noite da Beleza Negra: um concurso de beleza entre mulheres negras. Mesmo durante minha adolescência nos anos 1990 aqui no interior de São Paulo era comum a comunidade esperar com ansiedade a realização de concursos de beleza nos clubes recreativos que são remanescente da Frente Negra Brasileira (FNB). Em Limeira, por exemplo, ocorria no saudoso Grêmio Limeirense os concursos Miss Pérola Negra e Negro Lindo, esse último uma versão masculina da competição.
Os concursos de beleza femininos tem em comum um elemento de gênero: todos eles visam celebrar um modelo de beleza feminino e um padrão de femininilidade. A partir disso, o corpo feminino acaba sendo utilizado como locus de evidenciamento e disputa de projetos políticos alheios as mesmas e que vão muito além da exaltação da beleza. Os corpos das misses legitimam a violência simbólica de estabelecer modelos/formas que devem ser seguidos pelo restante das mulheres, ou seja, uma normatividade (norma/padrão) pois correspondem ao belo e desejável. No caso de concursos de beleza da comunidade negra especificamente, o corpo da mulher negra/mestiça é utilizado como representante do que há de "melhor" da "raça", ou seja, frente aos estereótipos e imaginário negativo que se associa a população negra como um todo é necessário lançar mão de exemplos (de carne e osso) que combatam essas representações. Ironicamente, essas mesmas figuras emblemáticas não deixam de reproduzir certos padrões - que vão além do aspecto racial - que são acriticamente aceitos e, consequentemente, legitimados. Mulheres gordas, baixas, de cabelos crespos, curtos ou raspados (alguém aí já viu alguma miss que não tenha cabelos longos e lisos?) entre outras caracterísitcas que não irei enumerar aqui, são vistas como indesejáveis, pouco belas e fora do padrão. Daí eu pergunto novamente: realmente precisamos de misses universo? Pois bem, caso ainda necessitarmos já temos uma representante negra: Leila Lopes.
Muita Paz!