A coisa que mais gosto de fazer quando acordo é tomar um banho e, logo em seguida, passar um bom café preto que tomo numa enorme caneca preta reluzente enquanto jogo conversa fora com minha mãe (ela toma o mesmo café numa xícara branca), leio minhas mensagens no laptop e xereto as notícias do dia. Logo depois me mando para alguma parte da casa com uns cinco livros dos quais leio umas cinco ou dez páginas de cada, dependendo do tamanho do conto, do capítulo ou ritmo da leitura. Hoje (escrevo ainda na segunda!) acordei cedo (por volta das 10 horas) para quem foi dormir às 5 da manhã. Meu livro predileto de literatura nos últimos dias tem sido Beethoven Era 1/16 Negro e Outros Contos (Companhia das Letras, 2009) da escritora sulafricana Nadine Gordimer, indicação e empréstimo de meu brother Vandão. Pois eis que hoje, ao que começar a leitura do livro, sou estapeado pela frase de abertura de um conto: "Caixas de papéis velhos são como túmulos, nós nunca deveríamos abri-las." Ri alto e corri mostrar a frase para minha mãe que abriu um sorrisso. O motivo: meu quarto extremamente zoneado cheio de caixas abertas com papéis velhos. Estava há mais de uma semana prometendo a minha mãe que iria arrumar o quarto e, finalmente, comecei a arrumação na noite de domingo. Há dias que muitas vezes me demorava quinze minutos antes de dormir devido ao trabalho de tirar de cima da cama um porção de livros, CDs velhos (quem ainda compra CD?), disquetes (quem ainda usa disquetes?), CDs e DVDs regraváveis sem rótulo (que não tenho a mínima idéia do que possuem, talvez um filminho de sacanagem!), trabalhos de faculdade antigos (achei minha primeira resenha musical de 1997), Hip Olívia me olhando com cara de poucos amigos (ela quer voltar para NYC!), revistas velhas e remédios para renite além de ter que mandar embora um dos gatos de minha mãe que habitualmente dorme comfortavelmente em cima de uma pilha de textos fotocopiados e roupas (sujas e limpas).
Mas fuçar em "túmulos" também nos recompensa com coisas que vão muito além de "ossos" (lembrei do título do livro de Pedro Nava, Baú de Ossos [1972] que cai aqui como uma luva por se tratar de literatura memorialística). Tenho uma série de cadernos, algo próximo de diários, nos quais rabiscava coisas num passado longínguo em que a Internet não interferia tanto na minha vida. Hoje não escrevo mais a mão, somente anotações rápidas em cadernetas pretas charmosas compradas em papelarias vagabundas novaiorquinas. A tecnologia me deixou orfão nesse aspecto ao perder meu iPhone. Mas eis que no meio de meus rabiscos velhos achei algo fenomenal: um texto bonito pacas de Drummond copiado a mão de sabe-se lá de onde. By the way, o texto cairia muito bem pra um dia dos namorados, mas como essa data está distante para ser novamente comemorada subo ele hoje mesmo. Já vou avisando que não estou apaixonado nem necessariamente procurando namorada (e isso se procura? *rs*), mas achei o texto do grande poeta mineiro válido de uma postagenzinha...
Muita Paz!
Namorado: ter ou não, é uma questão
Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação de pele, de saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa de filosofia.
Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.
Namorado não precisa ser o mais bonito, mas aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda, decidida ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem um amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes, mesmo assim pode não ter namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo de pai, sanduíche da padaria ou drible do trabalho. Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa e quem se ama sem alegria. Não tem namorado que faz pacto de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com felicidade ainda que rápida, escondida, fugida ou impossível de durar. Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas; de carinho escondido na hora que passa o filme; de flor catada no muro e entregue de repente; de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes e Chico Buarque lida bem devagar; de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada; de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metrô, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, fazer cesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhado de alegria pela lucidez do amor. Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, shows do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, que não chateia com o fato de ser bem paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem curti sem profundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou no meio dia de sol em plena praia cheia de rivais. Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar que o outro vá junto com ele. Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho em paz. Não tem namorado que não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de afetivo.
Se você não tem namorado porque descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e de medo, ponha a saia mais alegre, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leve fricção de esperança. De alma escovado e coração estourado saia do quintal de si mesmo e descrubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para passar debaixo de sua janela.
Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas. Cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio. Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.
Carlos Drummond de Andrade
PS: obrigadinho a minha amiga Élida Aquino pelas fotos sempre inspiradoras...
Mas fuçar em "túmulos" também nos recompensa com coisas que vão muito além de "ossos" (lembrei do título do livro de Pedro Nava, Baú de Ossos [1972] que cai aqui como uma luva por se tratar de literatura memorialística). Tenho uma série de cadernos, algo próximo de diários, nos quais rabiscava coisas num passado longínguo em que a Internet não interferia tanto na minha vida. Hoje não escrevo mais a mão, somente anotações rápidas em cadernetas pretas charmosas compradas em papelarias vagabundas novaiorquinas. A tecnologia me deixou orfão nesse aspecto ao perder meu iPhone. Mas eis que no meio de meus rabiscos velhos achei algo fenomenal: um texto bonito pacas de Drummond copiado a mão de sabe-se lá de onde. By the way, o texto cairia muito bem pra um dia dos namorados, mas como essa data está distante para ser novamente comemorada subo ele hoje mesmo. Já vou avisando que não estou apaixonado nem necessariamente procurando namorada (e isso se procura? *rs*), mas achei o texto do grande poeta mineiro válido de uma postagenzinha...
Muita Paz!
Namorado: ter ou não, é uma questão
Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação de pele, de saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa de filosofia.
Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.
Namorado não precisa ser o mais bonito, mas aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda, decidida ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem um amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes, mesmo assim pode não ter namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo de pai, sanduíche da padaria ou drible do trabalho. Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa e quem se ama sem alegria. Não tem namorado que faz pacto de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com felicidade ainda que rápida, escondida, fugida ou impossível de durar. Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas; de carinho escondido na hora que passa o filme; de flor catada no muro e entregue de repente; de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes e Chico Buarque lida bem devagar; de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada; de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metrô, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, fazer cesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhado de alegria pela lucidez do amor. Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, shows do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, que não chateia com o fato de ser bem paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir; quem curti sem profundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou no meio dia de sol em plena praia cheia de rivais. Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar que o outro vá junto com ele. Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho em paz. Não tem namorado que não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de afetivo.
Se você não tem namorado porque descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e de medo, ponha a saia mais alegre, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leve fricção de esperança. De alma escovado e coração estourado saia do quintal de si mesmo e descrubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para passar debaixo de sua janela.
Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas. Cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio. Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.
Carlos Drummond de Andrade
PS: obrigadinho a minha amiga Élida Aquino pelas fotos sempre inspiradoras...