Racismo é um tema bastante complicado e difícil de ser discutido no Brasil. Contudo, ocorreram muitos avanços nos últimos 20 anos. O documentário Aristocrata, dirigido por Jazmin Pinho e Aza Pinho (2004), explora a história de uma associação recreativa de negros de classe média fundada na década de 1960. Naquela época, havia a convivência com práticas que soam contraditórias: a afirmação da idéia de democracia racial, ou seja, ausência de racismo entre nós, ao mesmo que ocorriam práticas explícitas de racismo. Um dos espaços em que a discriminação contra negros e negras se dava abertamente eram aqueles associados ao lazer e sociabilidade. Esse é o argumento utilizado pelos entrevistados do documentário para justificar o surgimento do Aristocrata Clube.
Entretanto, a história do Aristocrata pode ser colocada num contexto mais amplo. Clubes negros existem em São Paulo desde os anos 1930 e boa parte deles são remanescentes da Frente Negra Brasileira (FNB), fundada naquela década. A FNB foi fechada pelo regime ditatorial de Getúlio Vargas, o Estado Novo, em 1937, uma vez que todas as organizações políticas nesse período foram colocadas na ilegalidade e a FNB havia acabado de se transformar em partido político. Mas nessa época clubes como o 28 de Setembro, de Jundiaí, o 13 de Maio, de Piracicaba, e o José do Patrocínio, de Rio Claro, já haviam sido fundados no interior do estado. Todos eles eram espaços de sociabilidade de uma pequena e precária classe média negra constituída majoritarimente por funcionários públicos.
Nos anos 1950 e 1960 outros clubes surgiram. Seus fundadores eram profissionais liberais que atuavam como médicos, advogados, professores além de pequenos comerciantes e funcionários públicos de carreira. Um dos mais famosos clubes desse período é o Renascença Clube, criado em 1951 na cidade do Rio de Janeiro (leia mais AQUI) e que ficaria conhecido na década seguinte por promover concursos de beleza de mulheres negras (abaixo fotos das garotas frequentadoras do Aristocrata e conhecidas à época como "aristogatas").
Assistir o documentário Aristocrata é adentrar a história de sociabilidade, lazer e relações raciais que permeia a trajetória da população negra em São Paulo e no Brasil. Porém, diferente do argumento utilizado pelo/as entrevistado/as para justificar a decadência do clube, a falta de interesse pelo clube demonstrada pela geração de filho/as do/as fundadore/as explica apenas em parte o problema de continuidade da associação. O outro lado da moeda diz respeito a dificuldade enfrentada por essa pequena classe média em repassar o lugar de classe conquistado por ela para seus filhos e filhas, em outras palavras, a difícil tarefa enfrentada por negro/as de manter e/ou reproduzir riqueza e status social. Mas isso já seria história para outro post. Assistam o vídeo! Leia mais sobre o Aristocrata acessando uma reportagem feita pela revista Época São Paulo (AQUI).