sexta-feira, 6 de julho de 2012

Vovó Betina


“Minha bisavó era uma índia bugre e foi caçada no laço pelo meu bisavô!”, disse a garota morena de olhos verdes e dentes bem delineados que denunciavam o uso por vários anos de aparelho ortodôntico. Júlio sorriu e tomou mais um gole de sua cerveja. Noite de sexta-feira e o típico esquema de matar a última aula da faculdade para ir para o bar situado nas redondezas da universidade rolava novamente. “Meu avô era mais preto que você, Julião. Parece que ele era filho de escravos no sul de Minas, tá ligado?”, dessa vez havia sido o rapaz ruivo com sardas no pescoço que seguia o caminho natural da conversa do grupo de jovens universitários ao colocar a cor da pele de Júlio como mote do bate papo regado a cervejas e porções de batata frita. “Vovó Betina era loira dos olhos azuis e veio da Alemanha tentar a vida no Brasil!” Toda a mesa, constituída por uns cinco jovens, olhou surpresa para Júlio. “Nossa, que legal, cara! E ela casou aqui?”, perguntou alguém. “Sim, casou com meu avô que também era alemão e já estava no Brasil há algum tempo antes dela.” “Mas eles são os seus avós por parte de mãe ou de pai?”, perguntou outra voz. “Mãe. Da parte de pai minha ascendência é italiana!”. Silêncio. Júlio tomou mais um gole da cerveja que esquentava em seu copo enquanto observava olhares de dúvida e incerteza. “Legal Julio! Mas... Bem... Então...” ameaçou alguém. “Bicho, não sabia que você era adotado”, finalmente lançou corajosamente um deles. “Adotado? Não, sou filho biológico. Por que você acha que eu seria adotado?”, respondeu Júlio com uma expressão de dúvida no rosto. A mesa estava pasma, mas o universitário não parecia se importar. “Estou querendo tirar minha dupla cidadania, mas tô na dúvida se peço a alemã ou italiana. O que vocês acham?” A conversa parecia tomar contornos surreais pelo olhar de todos os jovens presentes na mesa do boteco. O único que parecia à vontade era o rapaz dono da pele cor de chocolate amargo. “Mas e aí, alemã ou italiana?”, insistiu o jovem abrindo um sorriso de prazer. “Alemã!”, disse uma voz feminina vacilante. “Acho que você tem razão”, disse Júlio com um sorriso, “Sempre quis assumir minhas raízes alemãs!”. Silêncio sepulcral em minutos que pareceram horas... “Pois é... E o Corinthians, hein? Viu o jogo de anteontem?”, emendou o rapaz ruivo meio sem jeito enquanto fazia sinal para o garçom pedindo mais uma loira gelada. “Não fode, pô... Eu sou palmeirense, caralho!” Disse Júlio com cara feia e batendo o copo vazio na mesa.