Assistindo ao mais novo vídeo do grupo de rap Racionais MC's lembrei de um trecho do livro Hip Hop America (1999), escrito pelo jornalista afro-americano Nelson George, na qual o autor descreve a novidade trazida por um dos grupos de rap mais importantes da história do hip hop mundial: Public Enemy. De acordo com George, a trumpe liderada por Chuck D foi, na virada da década de 1980 para 1990, responsável por fazer com o que o engajamente político se tornasse algo divertido e hype. Em suma, Public Enemy transformou a política em algo cool, um termo que no limite não pode ser traduzido, pois é entendido como "legal", mas faz referência a algo maior próximo de "descolado". Ao assistir o vídeo "Mil Faces de um Homem Leal (Marighela)", faixa do próximo álbum dos Racionais, senti isso... Ou seja, como os Racionais conseguiram colocar a história de guerrilheiro Carlos Marighela numa perspectiva "cool" e o aproximar da imagética de líderes negros da diáspora africana. Aliás, essa rapaziada de São Paulo volta a suas primeiras influências uma vez que a estética do vídeo está muito próximo da estética vista nos clipes do grupo de Long Island durante o seu período de apogeu. A letra de Brown é boa, mas o letrista está longe de sua melhor forma quando a mesma é comparada com perólas do tipo "Capítulo 4 Versículo 3" ou "Tô Ouvindo Alguém me Chamar". Mas Brown é Brown: ele é o cara e politics is cool!
Muita Paz, Muito Amor!
DaniellaC · 663 semanas atrás
Kibe73 67p · 663 semanas atrás
Obrigado pela leitura do texto e comentário! Só não entendi ao que você se refere como "uma bosta": a letra/música, o vídeo ou ao meu comentário?
Beijão,
Márcio.
Josué Nobrega · 663 semanas atrás
Kibe73 67p · 663 semanas atrás
Obrigado pela leitura e comentário ao post!
Assim como você fez em relação a mim, peço licença para discordar de você. O movimento que eu disse que Racionais fez no vídeo é justamente aquele que todo artista - e não político, militante ou gerrilheiro - deve fazer, ou seja, usar da estética que ele tem em mãos através da sua arte para nos colocar questionamentos, mais do que necessariamente se posicionar de um lado ou de outro. Mais: transformar determinadas artefatos materiais e históricos em coisas carregadas de capital simbólico, coisas que se tornam aprazíveis as pessoas. Ninguém se engaja numa luta que seja apenas justa, mas ela também deve ser estéticamente atraente. Essa é a mágica de determinados movimentos artísticos e culturais.
No que diz respeito a classe média e ao meio universitário, acho que não dá pra homogeneizar. Determinados setores mais progressistas da classe média no Brasil tiveram um papel decisivo no processo de redemocratização do país e ainda hoje continuam envolvidos com uma tentativa de transformação real. Precisamos sair desse ranço marxista que categoriza toda classe média como reacionária, conservadora e que tem que optar pelo "ditadura do proletariado". O mesmo eu diria em relação ao meio universitário. A representação que se constróe na mídia dos jovens que frequentam universidades públicas ou envolvidos com o movimento estudantil é a de filhinhos de papai em busca de uma causa que dê sentido as suas vidas. Acho que a história é mais complexa porque o universo estudantil - privado e público - é bastante heterogêneo com indivíduos com origens diferentes em termos de classe, grupo étnico/racial, gênero e orientação sexual, algo que tem se complexificado ainda mais com as políticas de estímulo ao ingresso e ampliação de vagas no ensino superior público e privado dos últimos 12 anos.
Por fim, acho que a discussão sobre a violência vai longe e é polêmica. Tenho minhas dúvidas se o meio do qual Racionais é oriundo se identifica com a violência. Talvez ocorra uma banalização da violência e do apreço a vida por conta da forma como a exposição e vivência de uma realidade onde a violência se tornou uma espécie de linguagem comum. E mesmo quando pensamos em líderes que em determinados momentos fizeram a opção pela violência, sempre me surpreendo com a dificuldade teórico/prática/ideológica e o desgaste psicológico que os mesmos tiveram em justificar e dosar o seu uso. São momentos difíceis e de radicalidade que podem ser vistos nas trajetórias de Malcolm X, Frantz Fanon, os Black Panthers, Nelson Mandela e outros. É necessário que a partir desses exemplos estejamos conscientes do preço a ser pago pelo recurso a violência mesmo sendo ela "justa" e/ou legitima.
Grande abraço,
Márcio/Kibe.
junhendrix 15p · 663 semanas atrás
Só discordo com o Brown não estar em sua "melhor forma", hahaa. Pra mim ele é um exemplo de cara que se manteve constante na qualidade e inteligente em não fazer música descartável, mesmo que pra isso tenha um intervalo de 3 anos de uma pra outra. "Capítulo 4, Versículo 3" é a obra-prima dos Racionais, melhor música do rap nacional, nunca conseguirão superar isso. Mas o Brown, assumidamente tomou a decisão de mudar bastante a sua forma de compor depois do "Sobrevivendo no Inferno". Eu acho melhor. As músicas pré-NCUDAOD são ótimas, mas em sua nova forma ele ficou mais musical. E desenvolveu um estilo que ninguém conseguiu copiar.
Quanto a tornar a política cool, acaba sendo meio inevitável pros artistas. Esses tempos me deparei com um grupo de rap/rock brasileiro que se inspirava em Dead Prez e falava de RBG o tempo todo. O mais engraçado é que nada no som dos caras tinha algo a ver com panafricanismo ou afrocentrismo. E um deles (Branco) parecia não fazer a menor idéia do que estava falando quando eu perguntei o que aquilo tinha a ver com RBG, hahaha.
Kibe73 67p · 663 semanas atrás
Valeu pela leitura e comentário ao post!
Concordo plenamento com o seu comentário. Deixe me ser mais claro quando afirmei que o Brown não está na sua melhor forma. Sem dúvida, Brown é um dos maiores compositores da música popular brasileira vindo de uma tradição ainda estranha ao grupo de "um cantinho e um violão". O que acho é que a letra de Marighela deixa ainda um pouco a desejar, já que o Brown não parece tão a vontade como estaria se tivesse escolhido o tema da canção. Lembremos que essa música foi encomendada para compor a trilha sonora do filme sobre o guerrilheiro. Estou curioso para ouvir as outras músicas do disco que vem por aí.
Por fim, o que é "RBG" afinal? *rs*
Grande abraço,
Márcio/Kibe.
junhendrix 15p · 663 semanas atrás
Josué Nobrega · 663 semanas atrás
Mas ainda acho que a estética do clipe pode parecer mais cool, mas não acho que isso torna o conteúdo político em mais cool. Talvez o diretor não tenha escolhido a melhor forma de filmar uma montagem histórica, como o diretor de Diário de um detento, as cores da fotografia do clipe retiram a força da letra da música. A segunda parte do clipe é a mais interessante na minha opinião pois eles gravaram dentro de um prédio invadido no centro de São Paulo, em uma apresentação para os moradores que enfrentam um processo de reintegração de posse. Uma coisa é fato, a estética do clipe fica longe de coisas como "Essa é a Lei" do Ndee Naldinho ou mesmo Diário de um Detento, pois tenho dúvidas que alguém mais cool queira se juntar àqueles grupos do clipes anteriores para falar de revolução rsrs. Eu entendi bem seu ponto da estética do clipe.
Quanto à esquerda universitária, ou classes médias em geral, acho que eu generalizei quando não analisei nada específico, mas não acho que seja uma generalização de todo ruim quando se olha o processo historicamente. As classes médias bancaram a manutenção política do status quo organizado pelo golpe de 64. Isso não é marxismo. Uma minoria muito pequena mesmo da classe média de esquerda se colocou frontalmente contra o golpe. O Brasil paga o preço dessa escolha até hoje, o sistema tributário é pior para os pobres, as oportunidades e investimentos públicos são piores para os pobres, a estrutura de oportunidades dentro do Estado é também nada fácil para os pobres, tendo que pagar inclusive pelos desmandos de uma previdência pública que beneficia muito mais os setores médios que tem acesso a cargos no funcionalismo. O sistema pós 64 foi uma mãe para essas camadas. A bolha estourou na década de 80 para eles, mas os pobres da década de 60 estavam com o mesmo tipo de vida que tinham em 88. Pouco mudou para eles. Acho que nossa redemocratização foi politicamente de cima para baixo, não o contrário. Bem controlada e mantendo privilégios do regime anterior. A crise econômica dos 80 enfraqueceu um regime que parecia servir bem a esse projeto. Por isso cada vez que se tenta falar de aplicação da lei, tortura no Brasil, repressão, nada sai do discurso.
A heterogeneidade social do meio estudantil, além de nova, ela é localizada e bem controlada de acordo com os privilégios já pré estabelecidos.Algo muito recente. Estamos vendo talvez uma primeira geração de pessoas que possuem título universitário vindo de famílias que não tiveram essa experiência em gerações anteriores. Mas sempre de forma controlada, ou você acha que cotas são discutidas na Poli, Medicina, Direito, Odonto, etc? Carreiras que tem claramente viés de privilégios para setores médios. A experiência histórica brasileira é claramente de manutenção de privilégios, e de uma classe média que se sente bem com níveis de desigualdade gritantes. Isso tem pouco de marxista, acho que sou liberal até demais. Essas classes não querem competição justa. Tem medo de competição, tem medo dos pobres inteligentes que tomem o lugar deles. Sou mais realista com relação a isso, e não me prendo aos exemplos das exceções importantes que o Brasil teve. Concordo que está mudando. Bem lentamente. As novas classes médias do período Lula São somente classes de consumo, eles não são médicos, advogados, pequenos empresários ou promotores públicos. Consomem mais mas não tem as mesmas oportunidades, principalmente educacionais.
Não vou falar muito de violência. Mas acho que isso é o grande calcanhar de aquiles desse modelo de distribuição de privilégios e manutenção de desigualdades. Como decisão política geral concordo com você com os cálculos de custos e benefícios. Mas como decisão de grupos localizados, ela é bastante atraente como alternativa.
Valeu pela atenção aos meus comentários toscos
Abraço
j
Josué Nobrega · 663 semanas atrás