quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Revisitando Magazines!

Como muitas mulheres afirmam, em geral, homens são seres meio estúpidos. Raramente leio revistas, mas meses atrás, logo após entrar de férias e depois de meses enfurnado na biblioteca lendo textos sociológicos áridos, não resisti a tentação de comprar um exemplar da King: The Illest Men's Magazine Ever!, uma espécie de revista masculina pra negrão aqui nos USA (Unidos Saudemos a América). Quando digo que homens são estúpidos, faço referência ao conteúdo da revista que comprei: mulheres seminuas (não, essa não é das mais pesadas!), reportagens e anúncios de carros (e calotas de roda que giram [hubcap spinners], vocês precisam ver isso...), roupas, dicas de como se dar bem com as ladies, anúncios de disque sexo, damas oferecendo seus serviços e estimulantes sexuais. Bem, não preciso nem dizer que durante muito tempo somente olhei as fotos da parada, pois estava com receio de ler os textos. Quando o fiz, literalmente quase chorei... Tudo é absolutamente superficial, bobo e sem graça adicionado ao fato de boa parte dos redatores ser de péssima qualidade. Mesmo assim dei umas boas risadas com alguns textos e da minha própria cretinice.

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(Você não compraria?)

Enfim, ler revista atualmente é uma tortura só (a menos que no caso de algumas você use só os olhos e às vezes as mãos). Prefiro bons jornais (The New York Times nos EUA e oscilo entre Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo no Brasil. Não, não leio o Le Monde, pois meu francês é sofrível) e livros uma vez que quem os lê diariamente e possue amigos antenados no Facebook (tudo bem que o Twitter é a crista da onda de agora!) provavelmente pode se abster do desprazer de ler revistas. Talvez as únicas revistas que valham a pena comprar e ler tranquilamente sejam a inglesa The Economist, já que seus textos possuem sempre uma perspectiva analítica político/sociológica difícil de se encontrar em outros periódicos, e a deliciosa The New Yorker. Meu amigo Raphael Neves, meu consultor para assuntos relacionados a política, acha a The Economist às vezes liberal demais, mas enfim, nada é perfeito. No Brasil é fácil descobrir qual a pior revista em circulação, vou dar uma dica: o título começa com v de Viagra (mas você vai brochar quando ler, tenho certeza!).

Entretanto, há até uns 12 anos atrás fui leitor assíduo de revistas. Na adolescência roubava as Capricho de minha irmã tentando entender o universo feminino (até hoje não entendi!) e assinei a Quatro Rodas, como todo bom filho homem pertencente a classe média. Detalhe: meu pai nunca teve carro (só uma bicicleta), eu nunca tive carro também e, para completar a conversa, até hoje não sei dirigir, ou seja, a classe média passou longe lá de casa. Mas continuei firme nas revistas e minha predileta sempre foi Bizz, devido minha fissura por música. Quando tinha alguma grana sobrando, quase nunca, comprava alguma revista gringa como Rap Pages, The Source e Vibe. Na época de faculdade tentei a Caros Amigos - que tirando o mau humor teve números especiais e entrevistas muito boas -, passei pela Carta Capital e fechei minha carreira com a Piauí, que, ao contrário da Caros, às vezes é engraçadinha demais. Contudo, minha maior surpresa se deu em 1996 quando deparei com o primeiro exemplar de Raça Brasil nas bancas de minha querida cidade natal, Limeira.

A Raça foi um tapa na cara do mercado editorial de revistas no Brasi, pois, acredite ou não, até a metade dos anos 1990 havia a crença de pret@s não consumiam e que produtos associados ou voltados para esse contingente da população brasileira estariam fadados ao fracasso comercial. A revista, cuja autoria do projeto foi do ex-engenheiro e ex-modelo Aroldo Macedo, durante muito tempo radicado aqui em NYC, trouxe uma nova imagem da população negra brasileira pegando o bonde da discussão da existência ou não de uma classe média negra no Brasil. Pela primeira vez na história do país era possível ir a banca de jornal e comprar uma revista de qualidade cujo o público alvo era a população negra. Treze anos já se passaram e...

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Semanas atrás minha irmã veio me visitar e pedi que ela me trouxesse um exemplar da Raça. Tomei um susto ao pegar a revista. O número de páginas diminui consideravelmente, o projeto gráfico parece não ter mudado muito desde de sua primeira publicação e os temas dos artigos não são lá muito estimulantes. Fotos, fotos e mais fotos, mas sem muito propósito. É evidente que o mercado de revistas no mundo todo vive uma crise por conta da expansão das novas tecnologias de comunicação, nominalmente a Internet. Para ter acesso a informação basta ter um computador/smartphone plugado a rede e uma certa perspicácia de quais sites visitar. Mais: a produção e transmissão de informações é quase continua, uma vez que a rede é atualizada praticamente durante 24 horas, 30 dias por mês, 365 dias por ano. A revista sai apenas uma vez por mês. Batalha desigual! Em conversa com uma amiga americana jornalista que já trabalhou em várias revistas negras famosas ela me disse que boa parte dos seus ex-colegas, e inclusive ela, estão trabalhando para programas de TV ou em sites da Internet.

Entretanto, apenas o avanço da Internet não explica totalmente a crise da Raça Brasil ou ao menos eu não me contento com essa explicação. O sociólogo Roger Bastide (1898-1974) nos anos 1960 fez uma afirmação bastante interessante sobre a imprensa negra no Brasil. De acordo com ele, esses periódicos teriam funções de reivindicação, solidariedade e de educação entre os negros a partir da atuação e disseminação de valores de classe média. Penso que a Raça ainda pode ser enquadrada dentro dessa perspectiva que, embora seja saudada pelo movimento negro em geral, caso não seja aplicada com muito criatividade é um tiro no pé do ponto de vista editorial.

Encucado com meus insights, resolvi fazer um pequena comparação da Raça com suas similares aqui nos EUA. Comprei um exemplar da Ebony e outro da Essence para comparar com a revista brasileira patrícia. A Ebony é o mais antigo periódico mensal voltado a população afro-americana enquanto que Essence é uma espécie de Claúdia da mulher preta norte-americana. Vamos a alguns pontos observados em minha análise das revistas e na comparação com a Raça.

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A simples referência a existência dessas duas revistas aponta a diversificação que o mercado de revista sofreu nos últimos anos. Tem revista para tudo! Cada uma atende um nicho de mercado específico e, ao menos nos EUA, há uma variedade enorme de revistas voltadas para a população negra. Penso que no caso da Raça, a revista perdeu, com o passar do tempo, a noção de para qual tipo de público ela é voltada, uma vez que a população negra brasileira é bastante diversificada do ponto de vista da classe, gênero, idade e estilo de vida. Fazer uma revista que agrade pessoas tão diferentes é difícil!

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Há um grande apelo visual nas revistas americanas, as imagens (fotos e diagramação/projeto editorial) tem um papel central, igual ou até mesmo maior do que os textos veiculados na revista. O que está exposto na revista deve ser desejado e consumido através do olhar seja lendo, observando ou ambos. Quando se é criança, e não se lê ainda, o aspecto visual é muito mais evidente em nossa percepção, pois só se explora as imagens de um livro ou revista. Ao mesmo tempo, a linguagem utilizada nos textos deve estar antenada com o tipo de leitor da revista. No caso da Raça, o projeto gráfico me pareceu ultrapassado e os textos são chatos pra dedéu! Só há uma ladainha de valorização do pertencimento racial, mas tudo sem muito humor e vivacidade. Alguns textos parecem ter sido retirados de livros escolares! Urgh...

As revistas devem apresentar novidades, fornecer visões e abordagens diferentes de assuntos que estão em pauta na grande mídia e/ou apresentar reportagens que lancem polêmicas. Ninguém compra revista para ter a mesma versão das histórias que são veiculadas na TV, nos jornais ou na Internet. Na Raça...

As capas dos periódicos devem trazer personalidades populares e conhecidas. Ninguém vai cobrar uma revista com a minha foto na capa... A capa da Raça que tenho foi a ex-apresentadora do Fantástico, Glória Maria que, por sinal, anda meio sumida, né?!

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Há seções nos periódicos que nunca devem faltar e sempre devem estar antenadas com as últimas novidades como entretenimento, moda, beleza, vida amorosa (relacionamentos e sexo). Mas para isso, é necessário existir um vínculo com centros legitimadores das novas tendências como Paris, Londres e Nova York, algo que não vi na Raça. São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador só fazem sentido nos seus vínculos com o resto do mundo.

Enfim, penso que a Raça necessita, urgentemente, de gente antenada à frente e sangue novo na redação. Gente que não tenha medo de sair do lugar seguro das frases feitas e exaltação do orgulho racial para colocar o dedo na ferida em assuntos polêmicos, trazer novos pontos de vista, apresentar as novidades da moda, música, literatura, cinema, tecnologia e política sem frescura e da forma mais agradável e descolada possível.

Muita Paz!

4 comentários:

Curso de História - Miguel Maluhy disse...

Acho que o futuro da Revista Raça seja mesmo o do destaque das imagens e redução do texto, a não ser que formássemos uma geração de aticulistas negros criativos e heterodoxos. O que é difícil.

Márcio Macedo disse...

Flávio,

Acho que o futuro da Raça Brasil é negro! Desculpe o trocadilho...

Abraços,

Márcio/Kibe.

Mila disse...

Comentei essa semana com meu pai, que é jornalista [ não da revista Raça ] sobre a atual situação da revista. Incrível como seu texto vem de encontro o que eu comentei, com o que eu penso!

Parabéns pelo blog . . . Sucesso na jornada.

Márcio Macedo disse...

Pois é Mila, gostaria de não ter tido que escrever um post evidenciando essa situação da revista, mas... Ela é um veículo de comunicação importante e tem um significado político, mas precisa ser pensada como um negócio (acima de tudo!).

Obrigado pelo comentário e elogio ao "brog"!

Sucesso pra você também...

Abraço,

Márcio/Kibe.