sábado, 5 de setembro de 2009

O Vai e Vem da Moda!

A moda é um fenômeno social. Alguma dúvida em relação a isso? Espantado? Mas que diabos isso significa? Nada mais que a moda é produto/produtora de relações sociais, ou seja, relações entre pessoas. Desse modo, a moda está impregnada de história e relações de poder evidenciando posições de classe, cultura (na acepção mais ampla do termo), gênero, raça, religião e pertencimentos étnicos.

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Kanye West e sua patota no Paris Fashion Week.

Entretanto, até bem pouco tempo atrás a moda foi tratada como uma frivolidade feminina pela sociologia. Autores que se dedicaram a ela (e outros temas entendidos como marginais) não foram levados muito a sério. Exemplo disso é George Simmel (1858-1918), autor alemão misto de filósofo e sociólogo que escreveu sobre música, moda, amor, prostituição e os aspectos psicológicos da vida urbana moderna. No Brasil, Gilda de Mello e Souza (1919-2005), esposa do sociólogo Antonio Candido, elaborou uma tese no departamento de filosofia da USP intitulada "A Moda no Século XIX" (O Espírito das Roupas, Companhia das Letras, 1997) que somente muitos anos depois seria reconhecida como uma grande contribuição às áreas de estética, sociologia e história. Nesse trabalho, a ex professora do departamento de filosofia busca apreender os significados do vestir na sociedade brasileira do século XIX tendo usado como fontes de sua pesquisa materiais pouco usuais à época como romances, relatos, fotos, pinturas e gravuras.

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Atualmente, a percepção de que a moda é algo dinâmico e produto/produtora das relações sociais é muita mais aceita. Bons estilitas são, em parte, bons leitores do mundo social a sua volta e incorporam no seu trabalho parte das relações sociais e cultura nas quais estão envolvidos. Morar em Nova York e não se dar conta do que está up ou down na moda é praticamente impossível. Estilo, apresentação e bom gosto são elementos sempre valorizados na Big Apple e é difícil passar incólume a experiência de não sofrer certa coerçãozinha de se olhar no espelho antes de sair de casa ou pensar duas vezes ao comprar uma peça de roupa.

Informações básicas de como se vestir e de como a moda tem mudado junto com a sociedade podem ser encontradas em alguns manuais de moda. No Brasil gosto dos livros de Glória Kalil, aliás, acho que ela presta um grande favor aos homens com seu Chic Homem (Editora Senac, 2004), livro onde é possível encontrar dicas sobre estética, moda e estilo. Uma coisa interessante explicada pela jornalista e consultora é a mudança pela qual a moda passou no diz respeito às suas fontes de inspiração. Até o anos 1960 as classes altas ditavam as tendências do que deveria ser vestido, algo que mudou drasticamente no período pós revolução sexual, feminista e outras mais. A rua e os estilos de vários grupos urbanos, desde então, passaram a ser a grande fonte determinadora de novas tendências. Como a primavera vem chegando no Brasil e aqui nos aproximamos do outono, vale a pena saber o que andou sendo usado pelos patrícios gringos na última estação e que podem (ou não!) se tornar hits do verão brasileiro.

Na cabeça, cabelos... Queira ou não, o corte flat top fez uma espécie de revival. Quem viveu o início dos anos 1990 e assistiu filmes como Faça a Coisa Certa (1989) de Spike Lee ou New Jack City (1991) de Maria Van Peebles sabe do que estou falando. Dê uma olhadinha abaixo:


Com falhinha do lado, fica mais style ainda...

Outro corte que foi definitivamente incorporado pela negrada é estilo moicano (mohawk) marca registrada do movimento punk no anos 1970/1980 e que teve como grande adepto entre a população negra daqui o bom e velho Mr. T (do Esquadrão Classe A, lembra?). Abaixo o basqueteiro Greg Oden exibe orgulhoso seu penteado.

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Um fowhawk na parada...

Aliás, a estética punk foi uma grande pedida entre a molecada preta mais descolada. Além de moicanos, vi muita calça justa de couro, jeans velhos com rasgos, alfinetes, arrebites, jaquetas de couro batidas, tênis All Star e coturnos. Acho que na verdade isso ocorreu também por conta de um certo enegrecimento do rock alternativo causado pelo aparecimento de sua mais nova diva, Santogold. Obviamente, que a negrada que incorporou esse estilo não deve ter um emprego em Wall Street ou alguma grande corporação, mas sim em alguma coffee shop do Village, galerias de arte do SoHo ou uma loja da Apple.

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A epidemia hipster (num post futuro explicarei detalhadamente o que é isso) trouxe para o centro da arena elementos como óculos de grau grandes de aro preto e, acredite ou não, pela primeira vez em quase quinze anos as baggy jeans (calças big no Brasil) da moda hip-hop tem seu posto ameaçado no cenário urbano. Sua adversária é o jeans justo colado no corpo, skinny jeans (às vezes me pergunto como os caras andam!), da cultura hipster que andam de mãos dadas com o uso de smartphones (cheque seu email de cinco em cinco minutos) e camisetas com frases irônicas (totalmente sem graça!). Não esqueça dos óculos de sol retrô e tênis All Star ou Vans batido. Mas a negrada ainda continua com a mania de andar com o tênis impecavelmente limpo...

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Olha como o skinny jeans ficou bonitão no Little Wayne... Urgh!

Algo que fez sua aparição ano passado e continua firme e forte nas paradas de sucesso é o kaffiyeh, nome correto do famoso lenço palestino xadrez. De moda hip-hop, virou hipster e agora é qualquer coisa... Tem de todas as cores. Usei um no Brasil quando estive por aí meses atrás e me chamaram de gay. Tomei como um elogio, posto que muitos gays tem bom gosto...

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Aliás, o exemplo do lencinho palestino é ótimo para refletir sobre esse aspecto social da moda. O kaffiyeh teve sua primeira aparição como símbolo de posicionamento político nos anos 1930 quando camponeses palestinos usaram o mesmo enrolado na cabeça demonstrando solidariedade entre eles contra a ocupação britânica. Nos anos 1960 Yasser Arafat (1929-2004) e seu grupo passaram a lutar pelo estabelecimento de um estado democrático palestino ao mesmo tempo que defendiam um posicionamento anti Israel. O kaffiyeh foi tomado como símbolo de identidade palestina e desde então o mesmo passou a ser identificado com o nacionalismo e luta palestina. Militantes e jovens pró Palestina usam o lenço desde os anos 1980 nos USA (Unidos Saudemos a América), mas em 2007 personalidades urbanitas - Jay Z, Chris "Punch" Brown entre outros - passaram a ser vistas usando o adorno que perdeu sua mensagem política tornando-se um artigo pop. Alguns rappers, como Mos Def e Common, já haviam usado o adereço antes da moda, entretanto, suas letras demonstram conhecimento do significado político da peça de roupa além de serem entendidos como figuras pró Palestina.

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Vai um baggy jeans aí?

Outro exemplo do aspecto social da moda é a lenda urbana que cerca o surgimento das baggy jeans (calças jeans extremamente largas que deixam a cueca samba-canção à mostra, foto acima). As explicações para o surgimento dessa moda variam. A mais famosa e conhecida afirma que o hábito de utilizar calças acima do número surgira entre ex-presidiários afro-americanos e latinos membros de gangues. Quando estes iam para a prisão recebiam uniformes que geralmente eram de tamanho único e, na maior parte das vezes, ficava sobrando na cintura e no comprimento da perna. Quando os mesmos saíam das prisões já haviam se acostumado a usar roupas acima do número e passavam a comprar calças que ficavam abaixo da cintura mostrando as roupas de baixo, no caso cuecas samba-canção. Levando em conta a associação entre gangues e rap, fica fácil entender como o estilo chegou ao mundo do hip-hop.

Por fim, a novidade deste ano foi a gladiator sandals, que notei em várias pretas por aqui. Junto com shorts ou mini saias ficam extremamente elegantes e deixam as black ladies pra lá de sexys.

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http://indiashoes.files.wordpress.com/2009/05/sandals.jpg

Vi comentários num blog que já existem versões masculinas da parada. Vai encarar, pretão?

Muita Paz!

10 comentários:

Ari disse...

qué qué isso? Artigo para a Cláudia (ou equivalente?). Uma longa descrição de tendências da moda, e nenhum pensamento (que eu tenha encontrado) sobre os significados da coisa toda? Tá de gozação, só pode ser....

Jaqueline disse...

Legal, aqui em São Paulo ta todo mundo virando hipstar no rolê, mas confesso que gosto dos calça larga, acho mais elegante.

Punk Canibal disse...

Cacilds, Kibe! Eu não sabia que você manjava tanto assim de moda! Tá provado, ta virando Gay, mesmo. Vai tomar o posto do Daniel.
Pô, mano, essas roupas que você falou que estão na moda entre os negros daí estão na moda entre os roqueiros daqui.
Será que o negro brasileiro preocupado em afirmar sua negritude assimila essa re-rock'n'rollização do negro norte-americano?!
Porque no Brasil o rock ora é visto como música de branco, ora como música de um certo nixo que não é cortado pela cor e sim pela "brasilidade": quem gosta de rock não é tão brasileiro assim. Até o Caetano que sempre mamou no rock (e fez um revivalzinho dessa atitude recentemente) continua até hoje batendo no Raul Seixas, nosso roqueiro do povão. Taí: o Raul é um paradoxo.

Punk Canibal disse...

Ah, só mais uma coisa, o moicano aqui na terrinha também tá disseminado no povão. Entretanto, para as mulheres, continua a democradura da chapinha. A chapinha é a mãe dos pobres!

Curso de História - Miguel Maluhy disse...

Essa turma do Kanye West é sofisticada demais para mim. Essa imagem deles parece uma daquelas capas de discos bizarras das décadas de 70 e 80.

Curso de História - Miguel Maluhy disse...

Gostei desse post.

Unknown disse...

E aí Kibe beleza?Primeiramente quero parabenizá-lo pelo blog ,é uma visão bem ampla do que tá rolando no momento.Nos anos 90 quando residí aí ficava ansioso para cortar o cabelo estilo "flat top"rs num basement na Astor Place ,que existe até hj(estive lá mês passado),lá ainda reunem-se a negrada todos os sábados,pra dar um tapa no penteado rs
Abraço e sucesso

Matuza Melo

Márcio Macedo disse...

Prezad@s Amig@s,

Agradeço a todos os comentários. Infelizmente ando sem tempo para responder individualmente já que minhas aulas voltaram.

Como moda foi um assunto que teve uma boa recepção vou tentar escrever mais sobre o tema em post futuros.

Muito amor e paz a tod@s!

Márcio/Kibe.

Anônimo disse...

Mew, que post bacana! Sou estudante de comunicação e achei esse artigo perfeito! Você faz uma abordagem completa da moda, relacionando com sociedade, cultura, religião! Parabéns! Um post muito bem feito!
Alex Zanichelli

Márcio Macedo disse...

Prezado Alex,

Obrigado pela leitura e elogio ao texto!

Um abraço,

Márcio/Kibe.