segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Jay-Z e Seu The Blueprint 3

1996 pode ser encarado como um marco dentro da história do hip-hop em geral e da rap music em específico. Em setembro daquele ano o rapper Tupac Shakur foi morto a tiros em Las Vegas após ter assistido a luta entre Evander Holyfield e Mike Tyson. Não mais do que seis meses depois, em março de 1997, Notorious B.I.G (ou Biggie Smalls ou Big Poppa) era também morto a tiros em Los Angeles durante um evento em comemoração ao lançamento de seu último álbum. Esses eventos foram precedidos por polêmicas envolvendo ambos os rappers numa disputa/briga que ficou conhecida como West Coast versus East Coast. Até hoje nenhum dos dois assassinatos foi esclarecido e ninguém foi preso.



No mesmo ano de 1996 entrava em cena um novo aspirante ao trono de the greatest rapper ever. Seu nome era Shawn Carter, originário do Brooklyn - área também de Notorious - e bem mais low profile do que seus antecessores. Carter colocava nas ruas/lojas seu primeiro álbum, Reasonable Doubt. Sua alcunha ou nome de guerra, como dizem no Brasil: Jay Z. 13 anos se passaram e Jigga (o apelido para além do codinome), beirando os 40 anos, é um fenômeno maior e diferente se comparado a Tupac e B.I.G.

O curriculum de Jay é impressionante! 11 álbuns, vários números 1 ou top tens na parada da Billboard, ex-dono da Roca A Fella Records, proprietário da Rocawear (grife de roupas que completa 10 anos), presidente por três anos da Def Jam - o maior gravadora de hip-hop dos EUA -, casado com a estrela pop Beyonce Knowles, um dos acionários do New Jersey Nets (time de basquetebol da NBA), dono da 40/40 Club (uma requintada rede de coffee shop/bars esportivos) e ainda com um novo projeto, a Roc Nation, uma empresa de divulgação, entretenimento e admnistração que tem contrato com a megaprodutora de eventos Live Nation. Só se fala em Jay Z em NYC e o motivo é seu novo álbum, The Blueprint 3. Mais um detalhe: Jay-Z é proprietário de todos os seus discos cujo os direitos foram comprados da Def Jam e, no caso de BP3, pela primeira vez um trabalho seu não foi lançado por essa gravadora. A Atlantic Records é responsável apenas pela distribuição do álbum.

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BP3 foi lançado há duas semanas atrás, 11/9, e entrou imediatamente no primeiro lugar da Billboard vendendo quase 500 mil cópias em sua primeira semana (no momento em que escrevo o post canções de BP3 ocupam o segundo e quinto lugar do Top 100). A pergunta é: ele merece? Não só merece, na verdade é necessário parabenizar Jigga por suas empreitas e seu novo álbum. The Blueprint 3 traz maturidade ao hip-hop, uma "cultura" que já chegou a sua maioridade, mas que ainda sofria/sofre da síndrome de Peter Pan. Comprei o álbum via iTunes há alguns dias atrás e meu iPod não toca outra coisa desde então. A versão de luxo do disco contêm 15 músicas e mais dois vídeos, sendo que o álbum paga cada centavo dos US$ 17.00 investido na compra. Jigga conseguiu traduzir toda a arrogância, raiva e pretensão que já estamos acostumado e até mesmo esperamos nas atitudes e letras dos rappers. Nesse sentido vale prestar atenção na temática das letras de BP3, o time de produtores e participações especiais no disco além de uma entrevista concedida por Jay a XXL Magazine. Olhando dessa perspectiva é mais que compreensível entender o sucesso do Sinatra Negro ou César Negro, termos pelos quais Jay se auto-intitula no álbum.

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O mundo do hip-hop é cheio de lendas urbanas, mas talvez as mais frequentes sejam aquelas que associam boa parte de artistas que se tornaram estrelas a alguma espécie de hustling. O termo tem significado amplo, mas no geral faz referência a algum tipo de contravenção ou "trambique" que se estende desde revender mercadorias de procedência duvidosa, traficar drogas chegando até mesmo o uso de força física e assassinato. Jay Z não escapa disso. Segundo a lenda, o rapper traficava drogas no Brooklyn antes de deslanchar na carreira artística. Longe de negar o fato (mas sem também confirmar), o hustling ou a malandragem aprendida das ruas é sempre utilizado no discurso de Jigga para explicar seu sucesso atual.

Em sua entrevista a revista XXL o rapper fala com uma naturalidade e conhecimento do mundo da música negra nos EUA que é difícil de ser visto em qualquer artista. O fato de ter passado por várias posições na "industry", como se diz por aqui, lhe possibilitou um conhecimento do game - forma como o mercado de rap é chamado pelo rappers por aqui - de várias maneiras. Artista, produtor e empresário seguro de si, Jigga não se incomoda nem um pouco em demonstrar prepotência. Afirma que se tivesse que se dar uma nota para sua atuação como presidente da Def Jam daria A+, tira sarro de rappers como Jim Jones e The Game, afirmando que ambos falam mal dele porque Jay-Z é o grande ídolo de ambos e que os mesmos seguem tendências fazendo música para adoslecentes quando já beiram ou extrapolaram os 30 anos. Aliás, esse um ponto importante de BP3: pela primeira vez o rap - ou um rapper - assumiu a maturidade dos quase 40 anos e rimou isso de forma competente.

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As letras de BP3 confirmam a prepotência divertida de Jay-Z. O carro chefe do álbum é a música D.O.A (Death of Auto-Tune) lançada em 5 de junho no programa de Funkmaster Flash, na Hot 97, a mais importante rádio de hip-hop de NYC. O auto-tune é um recurso descoberto por acaso por um produtor que passou a ser marca registrada de artistas como T-Pain e Little Wayne. Feita abertamente contra o uso desse recurso que teve seu ápice ano passado, D.O.A é uma paulada sonora concebida pelo produtor No ID. Segundo a história, ID, Jay Z e Kanye West estavam no estúdio numa noite quando o produtor mostrou a base para Jay-Z. West ficou impressionado e disse a Jigga que o material parecia bem quente. No dia seguinte Jay apareceu com a letra no papel. As rimas atacam e ridicularizam os artistas vinculados ao auto-tune, com frases do tipo "suas calças são muito justas, suas roupas muito brilhantes, suas vozes muito leves" ou "eu sei que enfrentamos uma recessão, mas a música que todos vocês fazem irá transformá-la na Grande Depressão (crise dos anos 1930)". Por fim, Jay-Z apresenta-se com uma banda em seus shows e a produção do disco também se deu de forma acústica limitando o uso de samples e outros recursos eletrônicos.



A lista de participações de artistas convidados nas faixas que compõem o disco é considerável: Young Jeezy (Real As It Gets), Kanye West (Run This Town e Hate), Alicia Keys (Empire State of Mind), Kid Cudi (Already Home), Swizz Beatz (On To Next One), Drake (Off That), Pharrell (So Ambitious), Mr. Hudson (Young Forever), Luke Steele (What We Talkin About) e J. Cole (A Star Is Born). Minha favorita é Already Home que, como bem lembrou meu truta Oga Mendonça de SP, tem um incrível "featuring" de Kid Cudi.

Entretanto, a pergunta que fica é: não seria uma competição injusta? Jay-Z, com todo o seu poder, não estaria acima do hip-hop utilizando todos os seus recursos e fazendo discos imbativeis já que eles reúnem os artistas e produtores mais renomados do momento? A resposta de Jigga é que se trata de estabelecer novos rumos e padrões de qualidade ao hip-hop. Demonstrando conhecimento da história do mundo da música nos EUA, o magnata argumenta que essa tarefa seria destinada a ele e a outros considerados homens de frente, lideranças do hip-hop. Por outro lado, Jigga vem de dois discos irregularidades, Kingdom Come (2006) e American Gangster (2007), que, de certa forma, haviam desapontado seus mais ardorosos fãs.

E para aqueles que achavam que o hip-hop só falava de crimes e pobreza é melhor ouvirem BP3. Essas temáticas ainda continuam lá, mas são tratadas de uma outra forma ou, como dizem os americanos, at another level: a vida de multi-milionário, poder e a chegada aos 40 anos que aponta para o fim da eterna juventude que o hip-hop sempre prometeu e está registrada na letra da faixa Young Forever. E agora José, ops, Jay-Z, o que virá depois disso?...

6 comentários:

Ari disse...

Voltou ao pop, né? Coisas da vida....Um dia quem sabe dê para a gente conversar a sério sobre algumas coisas, mas, enfim, cada um na sua, e deus contra todos, Seu Macedo. Tú é bloggeiro, e bloggeiro escreve o que os leitores querem ler, senão, já viu, num tem leitores.... Sendo assim, fique bem...E, saiba, não é "ambos os assasinatos", é "nenhum dos assassinatos". Got it?

Curso de História - Miguel Maluhy disse...

não tive tempo para ouvir todas as faixas, mas gostei de "thank you" e "on to the next one".

Bonitopacas disse...

Primoroso seu texto Kibe! Valeu pela citação.

Acho que um episódio que ilustra bem a inteligência do jigga, foi uma entrevista do Lil Wayne "o rap do momento" de 2008, quando perguntaram pra ele (Blender magazine): "O Jay-Z disse que vc é o melhor rap da atualidade, o que vc acha disso?", o moleque de forma insolente respondeu: " Eu acho que sou melhor do que ele aliás!". Ao invés do Jayz-Z destruir ele em uma rima, ou entrevista, ele convidou o moleque insolente pra rimar no disco dele, e o Lil Wayne, com o rabinho entre as pernas, foi lá e gravou a Mr. Carter (já que os dois tem o mesmo sobrenome), onde o Jay-Z mostra a sua superioridade, e ao mesmo tempo sem brigar, botou o novato no lugar dele, como feat. do disco seu disco, ganou uma disputa sem xingar a mãe do outro, e gerando um puta single, que rendeu milhões pro bolsos dos dois, só isso já mostra por que o cara é o melhor no game!

Márcio Macedo disse...

Prezados,

Valeu pelos comentários! Ari, levo um CD do Jay-Z pra você quando for ao Brasil, viu?! ...hahahahaha...

Abraços,

Márcio/Kibe.

Gabriel Rocha Gaspar disse...

Salve, Kibe. Parabéns pelo blog e por essa resenha primorosa. Depois de ler este texto aqui, percebi que havia cometido uma injustiça ao associar Kanye West ao uso do auto-tune e mudei o post que você comentou lá no Afroências. Foi meio auto-texto da minha parte... Hehehehe

Agora, fiquei muito impressionado com a quantidade e a qualidade das referências do seu texto. Realmente enriquecedor. Principalmente pra quem está aqui ao sul do continente e não acompanha o game tão de perto quanto você. Vou atrás do Blueprint 3 para ver qual que é desse rap na idade do lobo. E Marcio Kibe, vc vai me ver aqui direto: já te elegi o melhor correspondente de negrices da terra do Tio Sam.

Abraço!

Márcio Macedo disse...

Fala Gabriel,

Valeu pela leitura do blog. Gostei muito do seu blog também, estou seguindo daqui. A propósito, nem acho que você está errado quanto ao Kanye West, pois ele já fez uso do auto-tune em algumas de suas produções, mas o que o Jay-Z critica é a disseminação dessa ferramenta como uma espécie de "trend" no mercado de música negra aqui.

Vamos nos falando...

Abraço,

Márcio/Kibe.