Já há algum tempo ouço amigos mais velhos que eu e originalmente de SP falarem com nostalgia das festas que ocorriam na casa noturna Sowetho e de como aquele tempo havia sido bom. Localizado na rua João Moura, na famosa área nobre dos Jardins, o período de funcionamento desse clube está inserido no contexto da chegada das festas que ocorriam na periferia ou regiões deterioradas – centro velho – da cidade de São Paulo as manchas de lazer nobres. Nesses últimos espaços não ocorriam/ocorrem “bailes black”, mas sim “noites black”, uma vez que apenas uma noite da programação semanal do clube era reservado ao som de preto que começava a fazer a cabeça dos jovens, na sua maioria brancos, de classe média e alta. Posso estar enganado, mas a primeira experiência desse tipo foi o SubClub, festa que ocorria no subsolo do Columbia Club localizado na rua Estados Unidos. O Sowetho teve pouco tempo de existência e deve ter fechado em 1996 (corrijam caso eu esteja enganado!). Mesmo assim marcou época.
Eram outros tempos! A internet engatinhava no Brasil, era ainda difícil pacas ter acesso a discos e CDs importados, a cena de música eletrônica praticamente não existia com força e os estilos estavam todos misturados: hip-hop, house, techno, dancehall, putz putz e por aí vai! Não é à toa que Mark Mark e Patife, hoje celebrados e internacionalmente conhecidos disc jockeys (DJs) de drum and bass, começaram tocando em bailinhos de periferia antes de se meterem com um ritmo para o qual muitos torciam o nariz à época: jungle. As fronteiras de classe/raça/estilo não estavam muito bem delimitadas e se alguém queria saber das novidades provavelmente teria que se aventurar nessa miscelânea.
As equipes de som como Chic Show, Kaskatas, Black Mad, Zimbabwe, Circuit Power dentre outras menores, continuavam a fazer suas festas na periferia e ganhavam uma grana. Contudo, o surgimento das “noites blacks” apontava novos caminhos para o entretenimento negro em SP. A globalização e a informatização da sociedade via disseminação da web mudou a maneira como as pessoas ouviam, compravam música e se divertiam. Com a estabilidade econômica trazida pelo real e o dólar em queda, ficava muito mais fácil comprar discos e CDs importados assim como aparelhos eletrônicos. A mudança ecônomica e tecnológica possibilitou que DJs, antes atrelados as equipes, tivessem a chance de trilhar caminhos próprios. Caso o DJ tivesse certa projeção, ele poderia animar as “noites blacks” atraindo público por meio de seu nome, sua popularidade e seu acervo musical. Esse movimento tirava o foco de atração das equipes.
A combinação entre surgimento das “noites blacks” mais a autonomização dos DJs aos poucos retirou das equipes de som – cujo os proprietários eram negros – a exclusividade de trabalhar com música negra que elas tinham desde início dos anos 1970 e também o público negro de classe média que frequentava sua festas. Entre o público negro apreciador de bailes, principalmente dos mais aquinhonhados, havia disposição em freqüentar as “noites blacks” uma vez que as casas eram mais confortáveis provendo seus clientes com uma série de serviços que não estavam disponíveis nas festas de equipes de som como estacionamento com serviço de manobristas, ar-condicionado, bares requintados, aceitação de cartão de crédito, fácil localização, listas Vips, descontos nas entradas etc. Os preços mais elevados dos convites e a sofisticação dos lugares também estabeleciam uma distinção de classe no consumo do lazer e os aproximavam de um público branco de classe média e alta. Esses últimos, por sua vez, antes da ascensão das “noites blacks”, tinham dificuldades em frequentar “bailes blacks” uma vez que esses aconteciam em bairros periféricos e estavam envoltos num imaginário de violência, criminalidade e hostilidade a pessoas não negras. Muitos deles tinham medo de sofrer nos bailes o que vários pessoas no Brasil equivocadamente chamam de “racismo as avessas”, em outras palavras, hostilidades de negros contra brancos.
Mesmo com todos os atrativos das “noites blacks” para ambos os públicos, muitos promoters desse eventos tiveram que suar a camisa para fazer as festas vingarem de início. Lembro de uma conversa que tive com um amigo negro – exímio dançarino de samba-rock – à época em que o mesmo se gabava de ser convidado para várias “noites blacks” devido sua popularidade e nunca pagar para entrar. “Porra Kibe, os caras tão fazendo umas festas aí com música de preto, mas precisa de uns negrão pra colar porque o barato só tem branco. Daí já viu né, os caras me chamam lá pra dar uma força e chamar um pessoal”, afirmava ele todo se gabando em meio as algumas cervejas e várias risadas.
Apesar de ter conhecimento de clubes noturnos do início da década de 1990 em SP, o fato de não morar ainda na capital me impossibilitou de frequentá-los logo no seu início. Só vim a conhecê-los de fato a partir de 1997, ano em que me mudei para a Terra da Garoa e período no qual as “noites blacks” passaram a dominar o cenário do entretenimento negro e se tornariam hegemônicas.
Mood, Dolores, Urbano, Branca Leone, Show Bar, Salamandra, Rose BomBom, Piranha, BlackLov.E, Black Joy... Várias festas vieram, algumas continuam e muitas se foram, mas uma das mais conhecidas, faladas e frequentadas era a que acontecia nas noites de sábado num clube localizado na rua Inácio Pereira da Rocha, Vila Madalena, chamado Blen Blen Brasil: o Blen Blen Black! Parte dos jovens negros paulistanos na faixa etária dos 20 aos 35 anos deve sofrer de banzo – termo usado para se referir a saudade misturada a melancolia que os escravos sentiam pela terra natal – do Blen Blen Black uma vez que a mesma acabou devido ao fechamento do clube no início de 2007. Não me pergunte o motivo, eles sempre fechavam no mês de janeiro e voltavam no mês de fevereiro, mas na virada de 2006/2007 ocorreu o fechamento, mas não a reabertura. Em minha opinião, Sowetho e Blen Blen Black são marcos. O primeiro do início e o segundo do fim de um período em que ritmos negros produzidos no eixo New York/Kingston/Londres e suas respectivas festas em SP foram uma novidade para a classe média/alta, branca e negra, frequentadora da noite paulistana. Atualmente as equipes de som praticamente se extinguiram, sobreviveram apenas aquelas envolvidas com os baile nostalgia, os DJs ascenderam e o funk carioca, infelizmente, tem finalmente invadido o universo das festas blacks de SP.
Como bom maloqueiro que era - alguns dizem que ainda sou! - frequentei muito o Blen Blen Black e fiz várias palhaçadas por lá. A maior de todas eu contarei num futuro post ao mesmo tempo em que explico porque o Blen Blen se diferenciava das outras "noites blacks"!
Mais informações sobre os bailes negros podem ser encontrados nos textos e vídeos listados abaixo:
Chic Show e Zimbabwe: a construção da identidade nos bailes black paulistanos. Dissertação de Mestrado de João Batista de Jesus Félix defendida na FFLCH/USP em 2001.
"Anotações para uma história dos bailes negros em São Paulo" presente no livro Bailes: soul, samba-rock, hip-hop e identidade em São Paulo. São Paulo. Quilombhoje, 2007 (o livro também conta com um vídeo com o mesmo título).
"Baladas black e rodas de samba da Terra da Garoa", parte integrante da coletânea Jovens na Metrópole. São Paulo. Editora Terceiro Nome, 2007.
DVD 1000 Trutas 1000 Tretas (álbum de gravação ao vivo de show do grupo Racionais MCs com documentário sobre história dos bailes negros em São Paulo produzido por Mano Brown). Gravadora Cosa Nostra. 2006.
Abaixo um vídeo que achei no YouTube com uma entrevista do meu amigo Humberto Martins, mais conhecido como DJ Hum. Ele dá ótimas explicações sobre a histórias dos bailes em SP...
Paz!
quinta-feira, 5 de março de 2009
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6 comentários:
Grande Kibe, ótimo texto. Tem um paralelo forte com a tradição dos bailes blacks do Rio de Janeiro como vc bem sabe. Lamento que o funk carioca esteja invadindo a cena. Cara, é uma grande discussão essa mas nào sei oq ue acontece com o funk. A molequecada ta estragando o barato da música negra e fazendo trocentas porcarias. Outra coisa, ao fim vc esqueceu a dissertação do Batista sobre os bailes blacks de SP. Essencial ai nessa lista, não acha?
Abs
Marcio André
Kibe, se eu não me engano, o DJ Club teve início em 1995. Ainda assim, este não era o nome do clube. Da 11 às 5 horas da madruga, o pessoal organizava a festa com Rap (apenas o som pesado), e depois tinha o Electro Club, festa com música eletrônica no mesmo espaço que se estendia até às onze. O interessante de tudo foi o fato destas festas terem sido organizadas em um dos "porõezinhos" do Columbia Club, casa dos mauricinhos na Rua Estados Unidos e que tinha como um dos proprietários um jovem empresário chamado Luciano Huck. Coisas de São Paulo.
Cara, eu nunca pensei que diria isto um dia: que saudade do Blem Blem!
Estou gostando muito destas últimas postagens. Acho que agora você entrou na pegada "Intelectual Maloqueiro".
Abraço!
Flávio.
Hey Rapazes (Márcio e Flávio),
Obrigado pela leituras, comentários e sugestões.
Márcio, já inclui o texto do Batistãi lá. Na hora em que escrevi o post tava sem a referência correta. Valeu pelo toque! O lance do funk acho que merece um post inteiro já que há tantas questões envolvidas. Talvez você possa discutir melhor isso já que é do Rio de Janeiro.
Flávio, sim, a sua informação confere. Mas o nome correto da festa era SubClub - DJ Club é o nome do local onde ocorre a festa do KL Jay, Sintonia - justamente pelo fato de rolar no porão do Columbia. Acho que o responsável pela festa era o Eugênio Lima e ele foi muito criticado na época por uma parte do pessoal que frequentava o circuito black pois, de acordo com eles, Lima estava fazendo festa black para playboys. Quem diria, depois de um tempo o esquema virou o padrão!
Sobre a maloqueragem, ela continua e com estilo provando que não é preciso ser chato, ficar num redoma de vidro e falar difícil para ser intelectual.
Tamo nas pista!
Abraços,
Kibe.
SubClub, isso mesmo. Eu tro quei na hora de escrever o meu post.
fala ai..cara acabaram com a black muisic com este FUNK todo discaraterizado.eles nao sabe que a rais do FUNK e a soul muisic;com o pai do souL JAMES BRAUN E O RITMO E O BALANCO E OUTRO
grande kibe. fala pra eles.que o verdadeiro.fank tocou de 1980 a 1987 depois disso comecaram a mudar o ritmo e se tranformou no que e hoje.... querm o verdadeiro fank e so ouvir.krue and gaim jhom bhorone entre outros....
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