quarta-feira, 27 de junho de 2012

É Tudo no Teu Nome, Jesus!


É Tudo no Teu Nome, Jesus!

“Aleluia irmão, o sangue de Jesus tem poder!”, gritava o homem de terno e gravata modestos no microfone fazendo toda congregação tremer de júbilo. Toda tarde voltando do trabalho Pé de Porco passava em frente a igreja evangélica e ficava por umas dezenas de minutos pensando em entrar. Olhava o pastor, filmava os fiéis, mas não tinha coragem. Pensava, olhava para os lados, mas acabava seguindo seu caminho de volta para casa.

Num belo fim de tarde de primavera Pé fazia seu caminho habitual e passou em frente a igreja como de rotina. O pastor, parado ao lado da porta, convidou o garoto esguio e de boné do Santos na cabeça a entrar e ouvir a palavra de Deus. Pé olhou desconfiado num primeiro momento, mas foi seduzido pelo convite e acabou adentrando o templo sem dizer uma palavra. O dia estressante e a notícia que fora demitido do trabalho, recebida horas antes, também pesaram na decisão. Durante o culto que se seguiu, o pastor olhava para o garoto com uma expressão de satisfação até que em determinado momento dirigiu a palavra ao rapaz perguntando se ele estava pronto para dar seu testemunho e aceitar Jesus. O garoto titubeou mas acabou se levantando, deixando a mochila que trazia a marmita cair no chão, e fitou a congregação que naquele final de tarde contava com uns dez ou doze fiéis entre homens e senhoras já idosas. Num movimento rápido Pé de Porco levantou a camiseta larga da Torcida Jovem e sacou de um revolver calibre 38 bem velho ao que foi logo gritando...“TESTEMUNHO O CARALHO! TODO MUNDO NO CHÃO AGORA, PORRA!”, e se dirigindo ao pastor com um olhar de prazer, “E VOCÊ TIOZÃO, PASSA ESSE MICROFONE SEM FIO PRA CÁ JÁ, ANTES QUE A CHAPA ESQUENTE PRO SEU LADO E VOCÊ VÁ TROCA IDÉIA COM JESUS EM PESSOA, TÁ LIGADO?”...

E foi assim que Pé de Porco se tornou o primeiro MC da quebrada a ter um microfone sem fio nos idos dos anos 1990 causando, inveja na nova e velha escola do hip hop paulistano.

"Da Hip Hop Hood MódaFóca Stories Series!"

terça-feira, 26 de junho de 2012

Meus 10 Livros “Mais Mais” de 2011: Post Número 7


7- Malcolm X: A Life of Reinvention (2011) de Manning Marable. Viking/Penguim. New York City. US$ 10.98 em média. Malcolm X foi assassinado a tiros em 21 de fevereiro de 1965, minutos depois de dar início a uma fala pública em um salão de baile localizado em Washington Heights, região norte da ilha de Manhattan e extensão do Harlem, numa tarde de inverno nova-iorquina. Quarenta e seis anos nos separam desse trágico evento, mas ainda relativamente pouco se sabe sobre as circunstâncias que levaram três homens a abrirem fogo contra Malcolm silenciando uma das mais polêmicas e populares lideranças negras que os Estados Unidos já tiveram. O lançamento de Malcolm X: A Life of Reinvention, de autoria do historiador norte-americano Manning Marable (1950-2011), promete, entretanto, uma reavaliação do caso e da vida do carismático líder negro. Leia o restante de minha resenha, que foi publicada numa revista acadêmica em dezembro último, clicando AQUI... (livro eleito pelo jornal The New York Times com um dos dez melhores livros lançados nos EUA em 2011).
Muita Paz, Muito Amor!

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Meus 10 Livros “Mais Mais” de 2011: Post Número 6


 6- Vultos da República: Os Melhores Perfis Políticos da Revista Piauí (2010). Humberto Werneck (org.). Companhia das Letras. São Paulo. R$ 49 (em média). Desde o seu estabelecimento em 2006 a revista Piauí vem se firmando como o que há mais interessante no jornalismo brasileiro dos últimos 20 anos. Com textos longos de jornalistas, intelectuais e especialistas de várias áreas (mas sem ser pretensamente intelectual, como o falecido suplemente Mais!, do jornal Folha de São Paulo), tendo um tamanho grande que lembra bastante um jornal e se aventurando por várias áreas como política, literatura, artes e outras paradinhas mais, Piauí tem dado um chacoalhada no mercado de revistas mensais no Brasil (algo pra lá de chato!). Enfim, a Piauí se especializou no estilo criado pelo jornalista e escritor norte-americano Gay Talese: o jornalismo literário. O livro Vultos da República como o subtítulo explica reúne “os melhores perfis políticos da revista Piauí” publicados em edições entre 2006 e 2009. O legal dos perfis é que eles fornecem olhares peculiares sobre figuras importantes da política brasileira. Em minha leitura, as descrições que mais me impressionaram foram de FHC, José Dirceu e o caseiro Francenildo dos Santos – foto acima, pivô da queda do então ministro da fazenda Antonio Palloci (e também o único não famoso, político ou alto burocrata da seleta lista do livro). Ainda constam José Serra (um chato de galocha!), Marina Silva (comprometida politicamente e correta, mas pouco carismática), a atual presidenta Dilma (que não deu entrevista pro jornalista encarregado de elaborar seu perfil), o ex-ministro da justiça Márcio Thomaz Bastos além do o ex-sindicalista e atual presidente da BrasilPrev, Sérgio Rosa. O que se ressalta dos textos é um grande panorama da política e do poder no Brasil nos últimos 15 anos com suas manobras, artimanhas, histórias de ascensão, queda e ostracismo. Deliciosa leitura para os que amam e/ou odeiam política, mas que tem noção de que ela ainda é essencial.
Muita Paz, Muito Amor!

domingo, 24 de junho de 2012

Meus 10 Livros “Mais Mais” de 2011: Post Número 5


5- O Homem Comum (2006). Philip Roth. Companhia das Letras. São Paulo. R$ 36 (em média). Philip Roth - foto acima - é um escritor que ganhou notoriedade nos anos 1970 nos Estados Unidos ao trazer o lado mais obscuro (e até aquela época evitado de se falar em público) da classe média norte-americana. Seus temas preferidos giram sempre em torno de adultério, sexo, decadência, solidão, morte e conflitos familiares. O Homem Comum segue essa cartilha ao descrever a trajetória de um homem no alto dos seus sessenta anos que faz um longo e doloroso exercício de auto-reflexão sobre sua vida. Fracassos, alegrias, tristezas, traições, infortúnios, sonhos não realizados, mediocridade e desejos reprimidos se escondem atrás do cotidiano desse ex publicitário morador da ilha Manhattan que se culpa por ter sufocado seu sonho de se tornar um pintor abstracionista em busca de segurança financeira. A estabilidade em termos monetários não seria acompanhada por um casamento feliz que ele se sente responsável pelo fracasso. O livro de Roth fala de decadência – seguindo a linha de Nadime Gordimer no livro dela descrito há alguns posts atrás - e morte, temas que não são muito agradáveis de serem desfrutados mesmo num livro relativamente curto como O Homem Comum. Minha recomendação é: não presentei ninguém com mais de sessenta anos com esse livro. Boa escrita, mas o tema e a estética de Roth trazem tristeza e depressão ao/a leitor/a. E olha que eu nem cheguei nos quarenta ainda...
Muita Paz, Muito Amor!

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Meus 10 Livros “Mais Mais” de 2011: Post Número 4


4- Murilo Rubião – Obra Completa (2010) de Murilo Rubião. Companhia das Letras. São Paulo. R$ 25 (em média). Murilo Rubião (1916-1991) - foto acima - foi talvez o grande representante brasileiro da escola literária que se convencionou chamar de realismo mágico ou literatura fantástica. É impossível não notar similaridades nos escritos e vida de Rubião com os mestres desse estilo, a saber: Franz Kafka, Jorge Luis Borges e Julio Cortázar. As histórias de Rubião são marcadas por sua experiência biográfica: mineiro, formado em direito, funcionário público durante toda a vida e católico devoto. Nessa edição da Companhia de Bolso está reunida toda a produção do autor publicada de forma esparsa durante toda a vida em livros que foram traduzidos para várias línguas. Os contos de Rubião são de uma qualidade excepcional e tratam de temas filosóficos, religiosos, existenciais e amorosos. Contudo, a leitura de todos os textos nessa antologia completa pode cansar um pouco leitores menos avisados ou familiarizados – um deles este que vos escreve - com o estilo do autor. O que salta aos olhos em vários dos contos é a vida extremamente monótona e sem atrativos do funcionalismo público ou das cidadezinhas interioranas onde se passa boa parte das histórias. Relacionamentos também são uma obsessão do autor. Em geral, as mulheres que aparecem nos contos parecem ter um certo aspecto maligno, que muito lembra a produção de Nelson Rodrigues (1912-1980). Marca registrada de Rubião são as epígrafes dos seus contos compostas sempre por passagens bíblicas que lançam alguma espécie de rumo moral/filosófico a história a ser contada. Ótima leitura embora torne-se meio chatinha com o avançar das páginas: Rubião é um ótimo escritor, mas muito coroinha pro meu gosto! E olha que eu fui coroinha quando criança... 
Muita Paz, Muito Amor!

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Meus 10 Livros “Mais Mais” de 2011: Post Número 3

3- Rape New York (2011) de Jana Leo. The Feminist Press. New York. US$ 15.92 (em média).  Jana Leo é arquiteta, artista, professora e filósofa nascida na Espanha. Em meados dos anos 1990, após defender sua dissertação de mestrado em arquitetura na Princeton University, ela se mudou para Nova Iorque onde, junto com o namorado, alugou um apartamento no Harlem. Foi ali, em sua casa e na sua própria cama, que Leo foi estuprada. É sobre essa dolorosa experiência que reside a força de Rape New York, lançado nos EUA ano passado (uma primeira edição do livro saiu por uma editora inglesa). O relato é chocante. A escritora revela detalhes de como se deu a ação do estuprador, dos contornos raciais e de classe que o crime tomara (ela e seu namorado à época eram visto como gentrifiers, ou seja, brancos educados de classe média/alta vivendo num bairro majoritariamente negro enquanto que o estuprador era negro, pobre e com educação básica), da engenharia social que ao coordenar de forma cruel elementos de gênero, classe e raça faz com que o estupro seja tratado como um crime menor uma vez que é perpetrado majoritariamente contra mulheres (ainda fala-se muito timidamente sobre estupro contra homens), de como se deu a investigação, prisão e processo contra o estuprador. Esses são detalhes que passam despercebidos a nós homens, mas que se sobressaem de forma vivida e dolorosa no relato de Leo. Exemplo disso se dá quando a escritora revela os ferimentos que uma penetração vaginal forçada, violenta e sobre coerção podem causar devido ao fato da vítima estar nervosa e, conseqüentemente, não lubrificada ou ainda do fato de que o livro antes de ser publicado desagradava algumas ativistas feministas devido ao fato do estupro de Leo não corresponder ao imaginário popular dessa forma de violência sexual (violento e ocorrido em lugares esmos sobre total coerção) o que dificultava sua utilização como arma política: Leo explica que teve chance de negociar o seu estupro  o que teria tirado o poder simbólico de sua experiência (“menos agressiva” com muitas aspas aqui) a ser usada como arma política por movimentos feministas. Tive o prazer de conhecer e ouvir Jana Leo falar numa aula do curso do professor Terry Williams na New School. A autora é uma mulher espetacular e o livro merece a atenção de todo/as aquele/as engajado/as com o ideal de uma sociedade mais justa, igualitária e livre de violência contra mulheres, gays, negro/as, crianças e outros grupos destituídos de poder.
Muita Paz, Muito Amor!

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Meus 10 Livros “Mais Mais” de 2011: Post Número 2


2- Beethoven era 1/16 Negro e Outros Contos (2009) de Nadine Gordimer. Companhia das Letras. São Paulo. R$ 37 (em média). Nadine Gordimer (foto acima) faz parte de uma categoria bastante interessante de escritores sul-africanos, a saber: literatos pertencentes a classe branca dominante do país que hoje é conhecido como “rainbow nation” (algo eu deve se deve ser ajustado para a escritora, já que Gordimer é “branca”, mas judia). Nesse sentido, as histórias de Gordimer exploram uma faceta que também é vista nos escritos do também sul-africano e branco J.M. Coetzee: a decadência. Os personagens que surgem das páginas dos livros desses dois autores que já faturaram o Nobel de literatura são geralmente figuras que buscam se reinventar juntamente com a nova sociedade sul-africana que emerge no período pós apartheid. Tenham eles contribuído ou não com o sistema de segregação racial anteriormente vigente, todos se beneficiavam com o mesmo pelo fato de serem brancos. Contudo, os privilégios vivenciados na África do Sul anterior aos anos 1990 já não existem mais para esse grupo que agora precisa renegociar seu espaço social e status com uma nova classe média e burguesia negra, a chegada de novos imigrantes e enfrentar muitas vezes a experiência de declínio social e decadência. Mas mesmo a decadência tem o seu charme e é desse modo que ela surge nas histórias de Gordimer. Um de meus contos preferidos no livro é “Sonhando com os mortos” no qual ocorre um encontro fictício entre Edward Said, Susan Sontag, Anthony Sampson e ela num restaurante da vizinhança do SoHo, Nova Iorque. “Finais Alternativos” é um grupo de três contos que fecham o livro de Gordimer e que descrevem três histórias de adultério onde cada traição é descoberta através de um sentido (visão, audição e olfato). A fineza com que a escritora elabora essas três histórias finais é dilacerante, mesmo ela não dando conta dos cinco sentidos: ficam faltando dois contos que dariam conta do paladar e tato. Fiquei curioso em saber o porquê da omissão da autora, se ela os escreveu um dia e, finalmente, de como eles seriam. O conto que dá título ao livro descreve um professor universitário branco de meia idade numa viagem em busca de suas origem negra deliberadamente apagada pela família. Eis aí a analogia com os 1/16 de “sangue” negro de Beethoven. Gordimer é, definitivamente, uma escritora a ser lida.

Muita Paz, Muito Amor!

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Meus 10 Livros “Mais Mais” de 2011: Post Número 1

Esse post tem um irmãozinho mais velho nascido ano passado, em meados de janeiro daquele ano, quando escrevi sobre todos os livros que havia lido por diversão em 2010. É claro que li mais de dez livros durante o ano de 2011. Entretanto, diferente do que ocorreu ano passado, não quero me estender numa lista longa de pequenas resenhas (sendo alguns livros muito pouco interessantes, diga-se de passagem). Sendo assim, escolhi as dez obras mais legais – na minha humilde opinião – que tive o prazer de desfrutar da leitura em 2011. Escreverei sobre um livro a cada dia. Vamos lá…


1- Black Skins White Masks (2008 [1952]) de Frantz Fanon. Grove Press. New York. Preço de US$ 14.33 (em média). Frantz Fanon (1925-1961) - foto acima - não precisa de apresentações, mas caso você ainda não tenha ouvido falar nesse psiquiatra, filósofo e revolucionário martiniquense vale a pena comprar esse livro (que possui tradução para o português) e lê-lo de cabo a rabo. Peles Negras Máscaras Brancas publicado em 1952 é fruto da tese de doutorado reprovada de Fanon. Sim, ela foi reprovada quando apresentada a banca e, anos depois, Fanon publicou o texto na íntegra em forma de livro. O texto traça um panorama psiquiátrico das relações entre negros e brancos mostrando como as duas categorias são construções sócio-políticas que possuem uma relação dialética e afetam/conduzem a ação dos indivíduos no que diz respeito a interações das mais diversas, informando a construção de desejos (sexuais e outros), expectativas, hesitações, pré concepções etc. Fanon estabelece um diálogo entre teorias psiquiátricas com a tradição do marxismo francês forjando críticas ao movimento de escritores negros francófonos (negritude) e despindo as engrenagens de funcionamento do colonialismo na sua terra natal, a Martinica. Nesse movimento ele constrói um diálogo crítico com a obra do também martiniquense Aimé Césaire (1913-2008), seu ex-professor e mentor intelectual, ao mesmo tempo que elabora os primeiros passos teóricos do que viria a ser os estudos pós-coloniais que tem como alguns dos livros fundadores (além de Peles Negras) Os Condenados da Terra (1961), também de autoria de Fanon, e Orientalismo escrito por Edward Said em 1978. Os escritos de Fanon, especialmente Condenados... e Toward the African Revolution (1964), foram fontes de influência para a ideologia vigente nos grupos radicais afro-americanos dos anos 1960 como o Black Panthers Party por discutirem a relação classe, raça, exploração econômica e uso da violência como estratégia política e meio revolucionário. Por fim, para Fanon tanto “negro” como “branco” são categorias que devem ser implodidas no caminho de um novo humanismo, pois as mesmas tiranizam tanto negros como brancos em suas inter-relações ao estabelecer uma inferioridade negra correspondida por uma superioridade branca. Um grande exemplo de como a proposta de Fanon presente em Peles Negras... continua contemporânea pode ser visto no livro Entre Campos: Nações, Culturas e o Fascínio da Raça, onde o sociólogo britânico Paul Gilroy tenta conciliar os conceitos de Fanon de crítica a noção de raça e busca por um novo humanismo com as propostas trazidas pelo filósofo francês Michel Foucault sumarizadas em categorias como biopoder, técnicas disciplinares e o aspecto discursivo da racialização vigente no mundo contemporâneo. Fanon faleceu prematuramente vítima de leucemia em 1961 nos EUA - país que se negava terminantemente a visitar, devido sua posição imperialista - onde veio tratar de sua doença e após tornar-se revolucionário no processo de independência da Argélia.

Muita Paz, Muito Amor!