quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A "Chupadinha" de Tim Maia Esclarecida por Gay Talese


Lembro de ter lido uma reportagem na revista Bizz em meados dos anos 1990 que falava sobre o período que o cantor Tim Maia (foto acima) havia passado nos Estados Unidos entre fins dos anos 1960 e início dos 1970.  Tim, de acordo com a reportagem, afirmava que após chegar nos EUA passou a ser conhecido entre as garotas gringas do seu bairro por ser brasileiro e fazer algo que, ao menos para elas, soava bastante inusitado na cama: cunilíngua (sexo oral). Well, digamos que fiquei encafifado com essa informação (e meio na dúvida da veracidade!). Mesmo no livro de Nelson Motta sobre Tim (leia minha resenha sobre o livro AQUI), que cobre de maneira mais detalhada a estadia dele nos EUA, não há nenhuma informação sobre isso. E olhe que essa anedota seria um prato cheio para o estilo de escrita cheio de piadinhas do mala sem alça Motta (peço desculpas aos fãs desse "adorável" senhor, mas o mesmo não me desce). Mas não é que mês passado, ao ler um delicioso livro do jornalista norte-americano Gay Talese - foto abaixo -, cheguei a conclusão que há uma considerável chance da anedota de Tim ser verdade...  Para explicar o esquema terei que antes falar do livro de Talese. Vamos a ele.

Em A Mulher do Próximo Gay Talese, criador do estilo que ficou conhecido como "novo jornalismo" ou "jornalismo literário", descreve as transformações ocorridas na forma como os norte-americanos vivenciavam a sexualidade entre os anos 1950 e 1970.  O autor narra as várias batalhas travadas em favor/contra a pornografia que envolvia a proibição de livros e prisão de donos de editoras, a história de Hugh Hefner - criador da revista Playboy -, as várias idéias vigentes sobre sexualidade e amor livre num relato histórico que resgata grupos religiosos existentes no século XIX que, baseados em interpretações peculiares da bíblia, praticavam sexo livre entre casais e criavam os filhos de forma coletiva e como os mesmos eram bastante similares aos grupos de casais que também praticavam sexo livre em comunidades alternativas nos anos 1970. Fazendo uso da técnica de pesquisa nascida entre antropólogos e conhecida como observação participante, Talese chegou a até mesmo a trabalhar como gerente de uma casa de massagens (onde distribuiu cadernos para as massagistas fazerem anotações sobre o que os clientes falavam, pediam e suas impressões em geral) e fez sexo em várias das reuniões que participou de uma comunidade alternativa sediada na Califórnia, algo que abalou e quase pôs fim ao seu casamento. O que desponta da narrativa esplendida de Talese é como a luta contra a pornografia ou as mudanças que ocorriam no comportamento sexual extremamente puritano dos norte-americanos da metade do século XX era entendida como uma cruzada por grupos conservadores vinculados a administração de Richard Nixon. Não é de se estranhar que se falava frequentemente numa "guerra contra a pornografia". É desse modo que Talese deu crédito as afirmações de Tim Maia ao descrever a forma como o sexo oral era entendido na sociedade estadunidense até bem pouco tempo atrás. Leia trecho do livro logo abaixo depois da fotinho história de Tim.



"....[Alvin] Goldstein praticamente não ouvira falar de cunilíngua e muito menos por esse nome. Nas raras ocasiões em que ouvira falar a respeito, no Exército ou no distrito do Brooklyn em que vivera, as descrições eram sempre sórdidas e repulsivas, como se fosse algo indigno. Nenhum macho das ruas do Brooklyn que conhecia jamais admitira já ter-se entregado a um ato assim. Era considerado pouco viril, se não mesmo anti-higiênico. Colocava o homem no papel de submissão à mulher. Era basicamente para pervertidos.

Goldstein pesquisou o assunto nas enciclopédias de sexo de diversas bibliotecas e descobriu que a cunilíngua, assim como a felação, era oficialmente definida pelo Governo como um ato obsceno, uma forma de sodomia, sendo ilegal na maioria dos Estados americanos, mesmo quando praticado na intimidade por pessoas devidamente casadas. Em Connecticut, o crime de sexo oral podia ser punido com 30 anos de cadeia. No Ohio, a sentença podia ser de 20 anos. Na Geórgia, esse "crime contra a natureza" podia levar o praticante à prisão perpétua com trabalhos forçados, uma pena muito mais rigorosa do que fazer sexo com animais, que era punido com apenas cinco anos.

As leis contra o sexo oral evidentemente derivaram da lei eclesiática, que desde a Idade Média determinara serem esses atos não-procriativos antinaturais, apesar de terem sido perfeitamente naturais para as multidões que os praticaram desde os primórdios registrados da civilização. Imagens de pessoas empenhadas em cunilíngua e felação foram encontrados em pergaminhos chineses datando de 200 A.C. Também aparecem em peças orientais, como tigelas de arroz, vasos de perfumes e vidros de rapé. Figuras esculpidas em posturas de erotismo oral podem ser vistas em templos antigos da Índia. No primeiro século da era cristã, o satirista romano Juvenal referiu-se frequentemente ao cunilíngua e à felação, insinuando que, naquela época, eram tão comuns entre os heterossexuais como entre os homossexuais. Embora a Igreja medieval condenasse severamente os que confessavam tais prazeres e criava um sentimento de culpa nos que não admitiam seus pecados, a predileção oral continuou a subsistir pelos séculos afora, na intimidade. É verdade que raramente era descrita e representada abertamente, a não ser na arte e literatura proibidas, como a novela Fanny Hill do século XVIII e a obra tão censurada de Henry Miller."

É isso aí: e viva o sexo oral!

Muita Paz e Muito Amor!