terça-feira, 8 de novembro de 2011

A Sociologia de Jay-Z

Tradução do texto Hoyas and Hova — Georgetown sociology course focuses on rap star Jay-Z publicado em 2 de novembro de 2011 no jornal The Washington Post por Chris Richards.

 
 
É segunda de manhã na Universidade Georgetown (Washington DC) e Michael Eric Dyson está na página 176 de Decoded, o livro de memórias da super estrela do rap Jay-Z.

Andando pela classe no seu terno quadrado azul royal, o professor de sociologia empurra seus óculos acima do nariz e mergulha numa passagem que é uma meditação do rapper sobre raça e auto-imagem: "Jay-Z está falando sobre a concepção imagética da negritude que é evocada em um mundo branco pensando sobre cultura negra." Estudantes, abarrotados na sala de aula, tomam nota desta idéia em seus cadernos espirais e outros a digitam em seus laptops. Essa é uma das incontáveis afirmações que joram da mente do professor durante o que tem se tornado um dos cursos mais populares do campus - SOCI-124-01 ou Sociologia do Hip-Hop - Teodicéia Urbana de Jay-Z. Talvez seja o único curso da Georgetown que possa ser discutido na MTV.

A super estrela do rap, que escapou de uma juventude pobre no Marcy Projects, Brooklyn, e ascendeu a linha de frente da consciência pop americana, está sendo agora examinado nas torres de marfim da academia. Todos o conhecem como Hova. Shawn Carter. O marido de Beyoncé. O cara de 41 anos que borrou a linha separadora entre artista e empreendedor e ajudou a cultura sobre a qual eles cresceram. Mas Dyson está pedindo a seus alunos que pensem maior: "Qual é o predicado intelectual, teológico e filosófico para o argumento de Jay-Z?"

Jay-Z estará no Verizon Center na quinta-feira para um show com Kanye West e lá também estarão um punhado de alunos de Dyson. Mas apenas ser um fã não se traduz numa aprovação imediata no curso. "Esta não é uma classe do tipo sentar na cadeira e lançar um 'Cara, essas rimas são foda!', diz Dyson, um autor formado em Princeton, apresentador de rádio sindicalizado e ministro batista ordenado. "Nós estamos lidando com tudo que é importante em uma classe de sociologia: raça, gênero, etnicidade, classe, desigualdade econômica, injustiça social... O corpo do seu trabalho provou ser poderoso, efetivo e influente. E é tempo de lidar com ele."

Em suas aulas, Dyson defende a idéia da gravidade inadvertidamente política da música rap. "O hip-hop globalizou uma concepção de negritude que tem tido um impacto político, independente do fato de se existia ou não um intento político," diz ele exaltado.

Ele desenvolve paralelos entre os escritos do pioneiro dos movimentos pelos direitos civis W.E.B. Du Bois e as rimas da 'lenda do rap dos anos 90, Notorious B.I.G. Ele examina a adolescência de trambiqueiro de rua de Jay-Z como um pequeno exemplo das dinâmicas do capitalismo tardio que o sociólogo Max Weber descreveu em seu trabalho de 1905, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Ele examina como as lutas de classe da América do século vinte e um promoveram a ascensão dos protestos Ocupe Wall Street - tudo tendo como pano de fundo a ascensão do rapper que foi do fundo dos noventa e nove por cento ao topo do um por cento (referência a uma das afirmações do movimento Ocupe Wall Street de que a elite econômica constituída de um por cento da população norte-americana concentra oitenta por cento da riqueza em detrimento dos noventa e nove restantes que dividem apenas vinte por cento da riqueza).

Tudo isso é típico do que tem acontecido na sala de aula de Dyson às segundas e quartas de manhã deste semestre - um auditório cheio de idéias e corpos. 

Quando as oitenta vagas do curso foram preenchidas na primeira semana de matrículas do semestre, Dyson o realocou para uma sala maior que pudesse acomodar cento e quarenta estudantes. Esta é a contagem oficial, de qualquer modo.

"Eu não tinha espaço no meu horário para fazer essa aula," diz a aluna de última ano Jackie Steves, que tem assistido as aulas como penetra, com a permissão de Dyson. "Mas eu venho sempre que eu posso." Depois da aula, ela aglomera a frente da sala de aula junto de uma dezena de outros alunos que ajudam a compor uma das mais diversificadas reuniões em Georgetown, uma universidade onde as minorias são vinte e um por cento do corpo discente da graduação.

"Apenas o fato dessa classe existir já mostra que há opções não ortodoxas nas universidades mais tradicionais e estruturas sociais da América," diz Tate Tucker, um estudante de segundo ano também esperando para falar com o professor. "Então, com muita esperança eu estarei preparado para forgar meu próprio caminho, muito da mesma forma que ele fez."

Tucker não está falando sobre Jay-Z. Ele está falando de Dyson que tem sido uma estrela no campus desde sua chegada em 2007. "O boca a boca sobre os cursos de Michael é enorme," diz Timothy Wickham-Crowley, chefe do departamento de sociologia da Georgetown. Wickham-Crowley afirma que este estudo do trabalho de Jay-Z é valioso de uma perspectiva sociológica porque ele ressoa com um larga porção de humanidade e gera discussão. "Quando [Dyson] sai da sala de aula, ele traz os alunos a reboque e há essas discussões animadas, conversas engajadas acontecendo," ele diz. 

O curso sobre Jay-Z da Georgetown tem também gerado conversas entre estudantes e os pais que assinam os cheques das suas mensalidades - US$ 40,920 pelo ano acadêmico 2011-2012. Ryan Zimmerman, um último anista se formando em governança e sociologia, diz que a sua família não estava tão excitada quando ele se matriculou. "Hip-hop não existia quando meus pais estavam crescendo com Billy Joel, Van Morrison e os Rolling Stones," diz Zimmerman. "Meu pai agiu tipo,  'Com licença, filho? O que?'"

Dyson entende. "Eu estou certo que há um certo puxa-empurra de alguns pais de estudantes," ele diz. "Mas eu digo a eles, 'Tragam seus pais aqui. Deixe-os ver o que nós estamos fazendo. Isso pode mudar a mente deles.' " Esta é a especialidade de Dyson -  buscar lacunas geracionais em busca de pontes. Ele é um desavergonhado auto-promotor que aparece regularmente em canais de notícias, rádios públicas e programas como Real Time With Bill Maher (Em Tempo Real Com Bill Maher). Parte da sua contínua missão tem sido fazer a bagunçada diplomacia entre a geração hip-hop e sua frequentemente desdenhosa geração mais velha.

"Eu sou um ala [posição intermediária no basquete], cara! Eu não pude marchar com o Doutor King e seus comparsas. E eu sou muito velho para ser um hip-hopper," diz o professor de 53 anos durante seu horário de atendimento extra classe. "Mas eu ganhei um status honorário em cada geração... Eu vejo a minha língua como uma ponte sobre a qual ideias podem viajar de um lado para o outro."

Dyson ofereceu sua primeira classe sobre hip-hop em nível universitário em 1995 na Universidade da Carolina do Norte. Desde então ele tem ensinou em Columbia, DePaul e na Universidade da Pennsylvania, onde ele ofereceu uma classe sobre Tupac usando o seu livro de 2002, Holler if You Hear Me: Searching for Tupac Shakur (Passe Adiante Se Você Me Ouvir: Em Busca de Tupac Shakur).
 
Em anos recentes, a Boston University ensinou sobre Bob Dylan e a New York University sobre Beatles, mas cursos de faculdade sobre rappers são raros. Cursos sobre rappers contemporâneos são praticamente inexistentes.

Dyson vê o seu curso como outro passo em diração a validar o hip-hop para uma geração mais velha que frequentemente desdenha da música por sua violência e misoginia. "Isto não significa que eles não tenham críticas legítimas," Dyson diz. "Mas a forma de arte em si não pode ser descartada."

Para fortalecer essa mensagem em Georgetown, ele pontilhou seu programa com professores convidados, incluindo acadêmicos como Mark Anthony Neal e James Peterson, e Zack O'Malley Greenburg, escritor do staff da revista Forbes cujo livro Empire State of Mind: How Jay-Z Went from Street Corner to Corner Office está também na lista de leituras do curso. Textos sociológicos tradicionais não estão listados, mas Dyson espera que os alunos façam referência aos teóricos que ele cita durante as aulas nos seus trabalhos e provas. 

E Dyson está ainda tentando trazer uma aparição ainda maior na sua sala de aula: Jay-Z em pessoa. Ele é amigo do rapper e o tem cortejado a vir ao campus, frequentemente enviando raps a ele via mensagens de texto. "Eu mando algumas rimas pra ele via texto," Dyson diz. "Vê como eu sou doido?"

Na segunda, Jay-Z respondeu a sua mensagem: "Tenho ouvido ótimas coisas sobre a aula! Obrigado e se mantenha representando a poesia! Respeito, J." (O rapper se recusou a ser entrevistado para este artigo.) "Seria uma honra e um golpe," Dyson diz da visita em potencial. "Ele sabe o que está acontecendo." E os estudantes sabem que ele sabe. Dyson gosta de gabar-se de sua amizade com famosos em classe referindo-se a recentes conversas que teve com o cantor de R&B Trey Songz e o Reverendo Jesse Jackson - tema de um pequeno seminário que Dyson está também ensinando em Georgetown esse semestre. (Jackson visitou a turma.)

A única aparição na aula de segunda foi Omekongo Dibinga, o assistente de ensino de Dyson que também é DJ de iPod na aula. Ele solta Minority Report, um dolorido canto fúnebre de 2006 que Dyson descreve como "uma das mais pungentes e poderosas canções sobre o Furação Katrina."

Lamentando a impotência dos pobres e perscrutando fundo na própria consciência do rapper, ela é uma das mais duras críticas de Jay-Z ao sistema - e a si mesmo.

"Sure, I ponied up a mill, but I didn't give my time (Claro, eu contribui com um milhão, mas eu não dei meu tempo)/ So in reality, I didn't give a dime, or a damn (Então, na real, eu não dei sequer 10 centavos, or qualquer  droga)/ I just put my monies in the hands, of the same people that left my people stranded (Eu apenas coloquei o meu dinheiro nas mãos, das mesmas pessoas que deixaram meu povo encalhado)"
 
Cabeças balançam sobre o sensível efeito da batida da música. Lábios silenciosamente se movem acompanhando a letra. Mesmo os estudantes sentados imóveis em suas cadeiras estão ouvindo cuidadosamente, tentando aprender o que um garoto negro dos conjuntos habitacionais de Marcy, Brooklyn, pode nos ensinar sobre a América e nós mesmos.

Para assistir uma vídeo/entrevista com Michael Eric Dyson, clique AQUI