Algo que poucos críticos musicais tem apontado é que o surgimento e ascensão da música rap brasileira foi responsável pelo "resgate" (não gosto desse termo, mas vou usá-lo aqui) e exposição para um público mais amplo de uma outra tradição da música popular brasileira: a MPB, ou seja, música preta brasileira!
Os críticos musicais no Brasil tem historicamente privilegiado o diálogo com tradições musicais muito específicas, literalmente aquelas que tiveram e tem uma aceitação maior entre a classe intelectualizada ou as classes média e alta como a bossa nova, a MPB e, mais recentemente, o rock/pop e o samba de faceta mais erudita (que hoje atende pelo nome espúrio e ultrajante de "samba de raiz"!): Noel Rosa e Cartola são os preferidos dos "raizeiros" de plantão. Já fiz um pouco dessa discussão em um post publicado aqui sobre o vulgo "samba de raiz" (leia AQUI ). Isso significa dizer que a tal denominado MPB (música popular brasileira) não é e nem foi tão popular assim. O termos MPB ou "samba de raiz" são recortes e classificações que vão além do aspecto estético dos ritmos musicais. Eles sãos políticos e excluem o que boa parte da população de fato ouvia e ouve. Dentro dessa perspectiva é perfeitamente "aceitável" assumir que ritmos como o ieieie da jovem guarda e o samba soul dos anos 1960/1970 eram mais pobres do ponto de vista estético além de alienados em termos políticos quando comparados a MPB. Contudo, o número de fãs desses dois ritmos era muito maior quando comparado à MPB cujo principal público era formado por gente mais intelectualizada oriunda das camadas média e alta urbanas da época.
Junto do talento e qualidade de artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Maria Bethania, Gal Costa entre outr@s, a distinção estético/política criada pela crítica é uma das razões pelas quais esses músicos vinculados ao rótulo "MPB" conseguiram se manter em evidência e atividade nos períodos posteriores aos anos 1970. Jorge Ben, um carioca que começou a fazer sucesso no início da década de 1960, viveu um período de invisibilidade e vacas magras nos anos 1980 e início dos 1990. Foi também nesse período que o cantor mudou seu nome artístico de Jorge Ben para Jorge Benjor (e posteriormente "Ben Jor"!) com a justificativa de que internacionalmente seu nome poderia ser confundido com o do guitarismo norte-americano George Benson, algo e que geraria problemas relativos a direitos autorais e pagamento de royalites. Apesar da fria recepção aos seus discos nos anos 1980, Jorge Ben continuava como uma das principais referências de música negra brasileira para os frequentadores de bailes black de São Paulo. Ele dividia as atenções com as músicas de outros renegados dos anos 1970 como Hyldon, Cassiano e Carlos Dafé, figuras ainda com certo destaque (apesar das palhaçadas!) como Tim Maia e artistas novos apadrinhados do gordinho doidão como a cantora Sandra de Sá. No caso desses dois últimos artistas, eles também passaram a ser figuras constantes em shows organizados por grandes equipes de baile daquela época como a paulistana Chic Show.
É portanto dessa relação entre a popularidade dos artistas de Brazilian soul dos anos 1960 e 1970 e o cultivo dessa musicalidade dentro dos bailes black que fez com que uma legião de fãs de Jorge Ben muito jovem surgisse. Gente cujo os pais ouviam Ben nas vitrolas de casa e que influenciaram os gostos musicais dos filhos ou ainda jovens que anos 1980 e 1990 ao frequentar bailes eram presenteados por DJs com as pérolas Ben lançadas no auge de sua carreira. Esse é o caso de Mano Brown e também do redator das linhas que você lê nesse exato momento. Mas como disse anteriormente, o carioca torcedor do Flamengo que almejava ser jogador de futebol esteve em baixa com a carreira nos anos 1980. Ele só retornou com força no início dos anos 1990 ao lançar o hit "W/Brasil" canção que fazia claras referências a agência de publicidade W/Brasil, de propriedade de Washington Oliveto, e era uma homenagem ao amigo Tim Maia (o "síndico", apelido que o mesmo ganhara devido ao fato ter se tornado síndico do prédio onde morava no Rio de Janeiro). Entretanto, para o público negro e baileiro apreciador de Ben, as músicas dignas de se ouvir do cantor eram aquelas dos anos 1960 e 1970. Isso era responsável por gerar certos dissabores a esses fãs quando frequentavam shows recentes do artista uma vez que Ben, agora Ben Jor, privilegiava seu novo repertório composto por músicas mais pops e dancantes em detrimento das baladas cheias de swingue mais antigas com as quais fazia apenas um pout-pourri.
A admiração de Brown por Ben rendeu o primeiro fruto em 2004 quando ambos dividiram o palco em um show do grupo de rap na zona leste de São Paulo cantando a faixa "A Benção Mamãe, A Benção Papai". Esse momento foi registrado no DVD lançado em 2006 do grupo de rap paulistano intitulado "1000 Trutas 1000 Tretas". Seis anos depois Brown e Ben novamente se reuniram novamente, mas dessa vez para a regravação da canção "Ponta de Lança Africano (Umabarauma)" presente no álbum África Brasil de 1976. A nova versão da música produzida pela dupla de artistas foi usada numa campanha publicitária da Nike durante a Copa do Mundo. Entretanto, é interessante pensar como a junção da dupla BB sintetiza elementos tão presentes na identidade nacional. Tanto Brown como Benjor são negros e grandes torcedores de futebol. O primeiro é um paulistano santista enquanto o segundo é carioca flamenguista. A música escolhida para regravação fala de futebol, mas está inserido em um dos mais belos discos de Ben. Em África Brasil constam canções como Xica da Silva, África Brasil (Zumbi), O Plebeu, Hermes Trimegisto Escreveu dentre outras perólas. E é esse o Ben que nós, pretos e curtidores de baile, gostamos de ouvir. Nada de W/Brasil...
Assista ao clipe da nova versão de Ponta de Lança Africano.
Muita Paz!
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Um Brown entre "Ben" e "Benjor"!
2010-08-06T06:11:00-03:00
Márcio Macedo
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