sábado, 4 de abril de 2009

Negrada na TV Americana (Negros Evoluídos?/Parte 2)


(Foto de mural com David Alan Grier, estrela de Chocolate News)

DJ Hum, ex-parceiro de Thaide, é, assim como os bons "nego véio" (no singular mesmo!), um ótimo contador de histórias. Anos atrás quando convidamos ele para fazer uma fala no nosso ciclo de seminários na USP, Humberto nos divertiu enormemente com seus contos. A lenda da velha escola do hip-hop relatou que houve uma época em São Paulo que todos os shows dos grupos de rap tinham um espaço para uma espécie de palestra. Era a época da "consciência", do ficar "cada vez mais preto" (título de um disco do DMN), de "escolher o seu caminho" (álbum dos Racionais MCs)... Todo grupo, sem exceção, dava palestra no show. Em uma ocasião uma rapaziada mandava ver no show e um dos rappers parou a apresentação e começou a discussar. De acordo com ele, "era hora de nos libertamos das amarras que nos ligavam ao passado, era hora de recuperarmos nossa ancestralidade, de retomar nosso poder, de voltar para nossas casas, nossos carros, nossas mulheres e nossa terra... Era hora de voltarmos para os Estados Unidos da América!"...

Ok, você pode achar que o truta aí de cima errou o alvo, mas vamos com calma. O imaginário que se espraia a respeito da população afro-americana ao redor do mundo é de associação à riqueza, poder, consumo e hedonismo. Os vídeos de hip-hop e R&B vendem essa imagem e muitos filmes e séries também. Mas é fácil perceber a distorção da realidade - ao menos para mim que vivo aqui, mas sou nascido e criado no Brasil -, já que ela é produzida por ambos os lados da moeda.

Anos atrás, quando trabalhava num projeto de qualificação de professore(a)s da rede pública de ensino de SP, sempre perguntava se ele(a)s sabiam qual é a porcentagem dos negros no universo da população norte-americana. As respostas sempre batiam acima dos 45%, quando eles na verdade não são mais do 13.5%. A distorção é produto das séries e filmes produzidos nos EUA e da TV brasileira. Na primeira há a obrigatoriedade de uma certa representação da diversidade racial que compõe o país, já na segunda os negros/mulatos/mestiços/pretos/morenos/marrom bombons somem! Odeio novela, mas sempre assisto parte de alguma quando janto num restaurante brasileiro no Queens. Aquilo me dá nojo! Olho para TV e não vejo negros e quando topo com algum são serviçais, prostitutas, sambistas etc. Só trabalhando nesse projeto, anteriormente citado, tive certa noção de como a molecada ainda sofre no Brasil devido ao cabelo crespo, o nariz chato e os lábios grossos.

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(Cartaz da série cuja personagem principal é interpretada pela cantora Jill Scott)

Mas as discussões que envolvem raça voltaram com força devido a eleição do "neguinho", Barack Obama. Adoro fazer isso, chamar o cara mais poderoso do mundo de neguinho! Pois bem, todo mundo quer tirar um pedacinho do momento histórico e lucrar com isso, dos fabricantes de moedas e pratos com o rosto do presidente aos produtores de TV. Esta é mais uma razão pela qual a idéia propagada pelo termo post racial, ou seja, de que as categorias raciais perderam a centralidade na dinâmica das relações sociais norte-americanas, me parece furada. Na minha opinião, raça continua a tocar um papel fundamental na sociedade americana, mesmo que as pessoas evitem o debate aberto. E para completar, negrão tá na crista da onda por aqui!... Não é qualquer "negrão", obviamente, mas negrão e rico (ou upper class, como dizem por essas bandas). Um ótimo espaço para se ter uma noção da força do conceito de raça e como ela se relaciona com a Obamania é visto na mídia americana, mais especificamente a TV. Abaixo cartaz de Bamboozled (2000), filme de Spike Lee que faz uma ácida crítica a mídia norte-americana.

http://cndls.georgetown.edu/applications/posterTool/data/users/untitled.jpeg

Mês passado assisti no canal MSNBC um programa sobre os Newbos, New Black Over Class (algo do tipo "novos multi milionários negros") apresentado pelo jornalista Lew Hawkins e baseado em seu livro homônimo, a ser lançado em junho, Newbos: The Rise of New America's Overclass. Nada interessante! O programa prometia algo novo, mas o que se viu foi o jornalista entrevistando negros ricos que fizeram sua fortuna em ramos já conhecidos: entretenimento e esportes. Hawkins conversou com o dono da BET (Black Entertainment TV), jogadores de basquete, beisebol e futebol americano que controlam sua carreiras, possuem agentes negros que são amigos de infância e investem na comunidade atráves de programas educacionais par jovens, além dos rappers donos da Cash Money Records, gravadora cuja umas das estrelas é o retardado do Lil Wayne (desculpas aquele(a)s que apreciam, mas eu não suporto!). Um dos proprietários do selo, o rapper Briam Williams, a/k/a Birdman, disse no meio da entrevista que tem US$ 500.000 em grillz - adorno usado sobre os dentes por hip-hoppers - na boca, urgh! Enfim, o programa foi uma espécie de mais do mesmo. Vale aqui a afirmação de uma senhora citada por Lawrence Graham em seu livro Our Kind of People (2000) relacionada a recepção do mesmo: "Folks don't want to hear about rich black unless we're playing basketball, singing rap music or doing comedy on TV." Bang!

America's New Multi-Millionaires.Black stars of sports, entertainment and media.A growing class of celebrity entrepreneurs who went from working class to the wealthy class at a young age. Now, many of these African-Americans are building wealth for future generations.Lee Hawkins profiles the success, challenges and responsibilities of the New Black Overclass... NEWBOs.

Na mesma noite o canal HBO apresentou o documentário The Black List volume 2, uma vez que no ano passado eles já haviam produzido o The Black List volume 1. O título brinca com a definição de "lista negra" que, como todo(a)s sabem, faz referência a um grupo de pessoas reunidas numa lista devido a algum aspecto negativo como pendências financeiras. Os filmes - dirigidos por Timothy Greenfield-Sanders - são uma série de entrevistas realizadas por Elvis Mitchell com personalidades negras dos mais variados campos: artístico, político, empresarial, etc. Alguns exemplos de entrevistados são a escritora ganhadora do Nobel de literatura em 1993 Toni Morrison, o ex-jogador de basquete Kareem Abdu- Jabbar, o reverendo Al Sharpton, o comediante Chris Rock, a ativista/acadêmica Angela Davis (que estará no Brasil em agosto lecionando no curso Fábrica de Idéias em Salvador/BA, se estiver por lá vá vê-la) entre outro(a)s. Infelizmente não pude assistir ao programa devido ao meu plano de TV por assinatura não incluir HBO, mas pretendo comprar os DVDs (é possível assistir parte deles on line). O programa da HBO é de longe, falo mesmo sem ter assistido por inteiro, muito melhor do que os NewBos, uma vez que o universo de entrevistados é mais diverso incluindo áreas nas quais os negros não tem tanta visibilidade na sociedade, ciência e design, e os assuntos abordados são variados exibindo a multiplicidade de questões que envolvem a população afro-americana.


(Angela Davis, uma das entrevistadas de Black List Volume 2)

Do outro lado do jogo, há o que poderíamos chamar de um BBB: Black Big Brother. O reality show Harlem Heights é um produção da BET e acompanha a trajetória de oito jovens profissionais afro-americanos recém saídos da faculdade e que moram na meca da cultura negra em NYC: Harlem. O programa tem uma roupagem de politicamente consciente uma vez que a todo instante os participantes fazem referência ao momento ímpar para os negros vivido no país devido a eleição de Obama. No episódio de estréia foi possível ver os participantes acompanhando o anúncio da vitória do "neguinho" em 4 de novembro, chorando - eu também chorei! - e festejando junto com a multidão que tomou as ruas do bairro naquela noite histórica. Contudo, Harlem Heights fica só na intenção de ser um reality show diferenciado.

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(Toda a patota de Harlem Heights reunida)

O centro das relações entre os participantes é nada mais do que flertes e dates entre os quatro rapazes e as quatro senhoritas. Essas últimas, extremamente atraentes, sempre aparecem em cenas cujo os close-ups são de pernas, bundas e peitos exibidos em roupas minúsculas ou de decotes fartos. O rolê das garotas é sempre para fazer compras e o grande problema de todas diz respeito aos relacionamentos entre as amigas e os namorados. Os rapazes também não fogem a regra, aos menos as discussões entre eles se aproximam do que acontece na real (aqui falo com propriedade de homem com anos de boteco), já que as conversas giram em torno de mulher, dinheiro, e um pouquinho - mais bem pouquinho mesmo - de política! Pois é, essa é a BET! De qualquer maneira, a série enche os olhos de qualquer negrão subdesenvolvido como eu já que todo mundo nela é bonito(a), charmoso(a), bem sucedido(a) - ou prestes a ser - e mora no centro da cultura afro-americana. Assista o trailer e você entenderá um pouco o tipo de consumo que é objeto de desejo de muitos negros fora dos EUA e alvo de crítica de Paul Gilroy. Um outro detalhe é que a qualidade da produção também é de colocar o Big Brother Brasil no chinelo: várias cenas são gravadas externamente e o pessoal da BET tenta explorar diferentes lugares do Harlem não deixando aquela sensação claustrofóbica e chata do programa brasileiro.


(Brooke Crittendon, à esquerda, e Ashlie Fray, participantes de Harlem Heights)

Algo realmente novo foi a estréia ocorrida domingo passado, 29/3: The No. 1 Ladies' Detective Agency, série em que a personagem principal é nada mais que a cantora e compositora de neo-soul Jill Scott. Também produzida pela HBO, a série aposta na popularidade de Scott que foi descoberta pelo pessoal da banda de rap The Roots no início da década e, posteriormente, tornou-se uma cantora consagrada já tendo lançado três álbuns e ganho três Grammys. Scott também segue o mesmo caminho aberto por personalidades como Will Smith, Queen Latifah, Ice T e Beyoncé, ou seja, da música para as telinhas/telonas. Não tive como fazer uma avaliação mais precisa do programa (lembrem que não tenho HBO no meu pacote de TV por assinatura), mas a expectativa antes da estréia era boa como se percebe pela leitura do artigo Unusual Sleuth, Unusual Setting do New York Times de 27 de março.

No. 1 Ladies' Detective Agency
(Jill Scott em cena de sua série na HBO)

O show da HBO é uma adaptação do livro homônimo de Alexander MacCall Smith que foi o primeiro de uma série de outros nove posteriormente traduzidos para mais de 40 línguas e que já venderam mais de 15 milhões de cópias em inglês. As histórias se passam em Botswana, país ao sul do continente africano, onde também foram feitos as filmagens da série. Scott interpreta Precious Ramotswe, uma mulher de 35 anos, recém divorciada que após ter o filho desaparecido deixa a vida rural no campo para abrir um escritório de investigação na capital do país, Gaborone. Na cidade Precious vivencia questões que apresentam a tensão entre tradição e modernidade que afeta o país e sua população. Exemplos disso são a pressão para que ela molde o seu corpo ao padrão ocidental - leia-se magra - ou o problema da infidelidade masculina que é vista como algo quase que natural no país em plena era de avanço feminista no resto do mundo. Alertando a uma mulher que procura os serviços do escritório para encontrar o marido desaparecido, Precious diz: "Sometimes when a man is missing, he has found interest in another woman." Sem dúvida, um papel a medida para Scott uma vez que as letras de suas músicas abordam muitas das questões tratadas pela série falando de sexo, relacionamentos e pobreza na perspectiva de uma afro-americana tributária das conquistas do movimento pelos direitos civis, revolução sexual e feminismo dos anos 1960.

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(Ms. Scott: sexy, fora de "padrões" e feminista sem perder a feminilidade)

Por outro lado, alguns shows de temática ou com atores e apresentadores afro-americanos lançados ano passado tem futuro incerto. Esse é o caso de Chocolate News (foto no início do post), da rede Comedy Central, e D.L. Hughley Breaks the News da CNN. O primeiro, teve uma audiência abaixo do esperado e após cumprir seu número inicial de 10 programas não foi renovado. No caso do segundo, a CNN resolveu não renovar o contrato de Hughley após o apresentador solicitar que as imagens fossem transferidas de New York para Los Angeles, cidade onde sua família reside (mas o programa era chato, assisti a pelo menos dois episódios). CW, o canal que possue mais comédias com elenco de afro-americanos, anunciou em fevereiro que renovará 6 de suas séries mais populares, mas as suas duas séries de maioria negra, The Game e Everybody Hates Cris (no Brasil ambos podem ser vistos pela Sony, na TV a cabo, enquanto que a Record exibe Todo Mundo Odeia o Cris na TV aberta) não estão entre eles e tem futuro incerto. Enquanto isso a série Do Not Disturb, do canal Fox, foi cancelada após apenas três episódios devido a baixa audiência. Por fim, os talk shows de fim de noite estão dominados por apresentadores brancos.


(Everybody Hates Chris da CW)

De acordo com o artigo No Smooth Ride on TV Networks' Road to Diversity do New York Times a NAACP (Associação Nacional Para o Avanço das Pessoas de Cor) apurou que ocorreu um queda considerável de atores pertencentes a minorias étnicas/raciais atuando na TV americana entre 2006-7. A única rede que apresentou aumentou foi a ABC.


(D.L. Hughley na CNN)

De qualquer modo, há novidades à vista. Uma delas é o desenho The Cleveland Show produzido pela Fox e um derivado de Family Guy (no Brasil, "Uma Família da Pesada"). Todos os personagens da família são dublados por atores negros embora o criador de Cleveland Brown tenha sido Mike Henry que é branco. No início do projeto esse detalhe foi ponto de preocupação dos executivos da Fox, mas todos ficaram mais tranquilos com o enquadramento dado por Henry aos personagens e pela diversidade étnico/racial da equipe que produz The Cleveland Show. A Fox ainda possue mais um piloto de série com maioria de atores negros intitulado Brothers com previsão de lançamento no segundo semestre. Enquanto isso a ABC está considerando um piloto intitulado The Law e um derivado da série NCIS cujo título ainda não foi definido, mas sabe-se que o rapper e ator L L Cool J será uma das atrações. Entretanto, esses são apenas quatro projetos piloto num universo de 70 sobre desenvolvimento pelas TVs americanas.



A escassez de programas televisivos com a atuação majoritaria de negro(a)s nas redes de TV mais renomadas abriu caminho para o sucesso do produtor Tyler Perry com o seu House of Payne exibido na TBS e que é a parte mais rentável do seu conglomerado de comédias. Recentemente ele lançou no cinema a comédia Madea Goes to Jail e as bilheterias tem sido generosas. O filme segue a velha receita lançada há muitos anos atrás por Dustin Hoffman em Tootsie (1982) do homem vestido de mulher interpretando um papel feminino, mas que foi renovado por Eddie Murphy na refilmagem de The Nutty Professor (1996).



A falta de shows voltados para públicos de minorias é creditado por Paula Madison, executiva vice-presidente da NBC Universal, a maneira como Hollywood faz a seleção da maioria de seus roteiristas e diretores. Geralmente buscasse esses profissionais em escolas de cinema e cursos de pós-graduação onde não há muita diversidade, algo que resulta numa TV bastante monocromática. A saída que ao menos a NBC tem buscado é oferecer mais dinheiro para os shows que incluirem mais membros de grupos minoritários as suas equipes de redação e produção. Enquanto isso, no Brasil... Ao menos teremos o lançamento do primeiro longa metragem de Jeferson De, Bróder, no segundo semestre!

Abaixo um videozinho com The Cleveland Show!

Muita paz e amor!

7 comentários:

Unknown disse...

negão, seu blog tá cada dia mais fodaço mesmo.

outra hora vou resenhar este seu.

muito bom mesmo, a vera.


(depois, lhe digo umas coisas em off)

abraço grande e ó, virei leitor e divulgador.

Léo

Quênia Lopes disse...

Adorei o blog!!!Parabéns mesmo!!!
me identifiquei muito!!!
um abraço
Quênia Lopes
www.queniatrancas.blogspot.com

Rogério Ferro disse...

Da hora cara! Não conhecia o blog n! Me empolguei tanto que tomei a liberdade de divulgar pra rapaziada.

Dia desses, quando terminar a revisão do meu TCC "O negro sem cor no telejornalismo brasileiro", eu mando pra vc dar uma olhada. Daí vc vai perceber minha empolgação com o blog.

Abrs,
Rogério

lafayette hohagen disse...

Belíssimo trabalho Kibe!!! Cara, é muito bom ler seus posts,que são bons demais.Grande abraço do Lafa

:: Soul Sista :: disse...

Grande serviço, Kibe! Desmistificações necessárias daí e daqui. Parabéns!!!

Paz e amor procê tb!

Alex disse...

Pô, Kibe, o espaço é curto, então spo digo que a estória do Cleaver é de rachar o bico. Preciso trombar com o Noel pra ver o que ele anda fazendo. Abraço.

Márcio Macedo disse...

Prezado(a)s Trutas Leitore(a)s,

Obrigadíssimo pela leitura, comentários, críticas e elogios!

O NewYorkibe continua com o sua proposta de falar de coisas legais, sérias, polêmicas e pornográficas sem cair na chatice, pedantismo e moralismo sempre com uma caidinha black... Viva a sociologia/antropologia de botequim! Vamos ver até quando conseguiremos??!! Tcham tcham tcham tcham...

Muita paz e muito amor à todo(a)s!