quinta-feira, 4 de março de 2010

For Marx, "Gód Iz Nóiz!"

Leitores/as do meu Brasil varonil, como vão? Espero que tudo esteja firmão! Hoje darei início a nossa série de posts sobre o que os clássicos da sociologia pensaram sobre religião. Começaremos a parada analisando nada mais nada menos do que o alemão barbudo mais famoso da história, Karl Marx (1818-1883). Ok, dá uma disputa boa entre ele e Albert Einstein (1879-1955), mas esse era bigodudo e não barbudo.  Nosso amigão Marx nasceu de um casal de judeus convertidos ao luteranismo da classe média alemã sendo que o pai trabalhava como advogado. Vários "ismos" usados frequentemente no jargão intelectual vieram à tona no pensamento humanístico, político e social por meio dos escritos desse truta que dedicou sua vida a produzir uma obra que marca uma das mais ferrenhas críticas ao sistema econômico capitalismo (leia O Capital, 1867, sua obra máxima). Quem nunca ouviu falar dos palavrões que podiam render "cana" (ao menos no Brasil da ditadura e nos EUA do marcathismo) comunismo, socialismo e materialismo histórico? 

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Lembro que em minha infância, crescendo numa família católica, a idéia de comunismo estava associada a ateísmo. Repetia-se idéias estúpidas que comunistas comiam criancinhas - não no sentido pedófilo, mas canibal mesmo! - e que o estabelecimento de um regime comunista envolvia a perseguição as manifestações religiosas. De fato isso ocorreu na União Soviética, Polônia e China, mas sem muito sucesso. Well, mas vamos por partes, já diria Jack...

Marx, diferente de outros sociólogos como Durkheim e Weber, não possue uma sociologia da religião no sentido forte do termo, pois não fez de nenhuma manifestação religiosa objeto de estudo propriamente. Contudo, isso não significa que o autor não possua uma concepção sociológica de religião. Na verdade, a mesma está subordinada a seu instrumental teórico/metodológico de análise conhecido como "materialismo histórico". Porém, antes de nos debruçarmos sobre o termo para entender o que isso significa vale a pena fornecer uma definição genérica de religião e de como analistas sociais em geral - e sociólogos em específico - a abordam.

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Religião pode ser entendido como um sistema unificado de crenças e práticas baseadas no sobrenatural que estabelece normas de conduta compartilhadas pelos fiéis sobre que é moralmente entendido como certo, errado, socialmente aceito ou reprovável. Religiões variam em número de deuses (monoteístas ou politeístas), ritos, corpo de sacerdotes, forma de relação entre entidades sobrenaturais e crentes, tipos de entidades e idéias de vida pós-morte física. Sociólogos buscam analisar a religião como um fenômeno social, ou seja, como algo que, descartando seu aspecto sobrenatural, só pode ser entendido racionalmente nas relações entre indivíduos vivendo em sociedade. Numa perspectiva sociológica ampla, religião é entendida como uma "instituição social" (assim como família, educação, instituições políticas e econômicas) que nada mais é do que padrões estabelecidos que definem formas específicas de se viver e são responsáveis pela socialização, manutenção, reprodução dos indivíduos e, consequentemente, da sociedade. Apesar de concordarem sobre esses aspectos gerais, sociólogos possuem interpretações distintas do fenômeno social religião. Vamos a elas, mas antes uma pausa para uma tira engraçadinha de Carlos Ruas...

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A famosa frase de Marx de que a religião seria "o ópio do povo" é uma passagem do texto Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843). Basicamente, o que o filósofo afirma aqui é que a religião é uma espécie de auto-alienação dos homens. Passagens similares - irônicas e demonstrando certo desprezo a manifestações religiosas - podem ser vistos em outros textos da juventude de Marx como A Questão Judaíca (1844) - texto que lhe rendeu acusações injustas de anti-semitismo - e A Ideologia Alemã (1845). Marx foi influenciado por Ludwig Feuberbach (1804-1872), filósofo alemão que publicou em 1841 uma ácida crítica a religião em seu livro A Essência do Cristianismo. Feuberbach afirmava que a filosofia hegeliana, hegemônica na Alemanha dessa época, promovia a idéia de que um espírito abstrato produzia e dominava o mundo material e, na crítica desse autor, essa perspectiva era vista como uma forma de idealismo. De acordo com Feurberbach a religião equivalia a uma forma de auto-alienação uma vez que ela representaria a "essência humana" na imagem de um Deus que é perfeito e, consequentemente, estabelece e evidencia a imperfeição dos homens. Para Feuberbach era necessário cessar essa mistificação entendendo a religião numa perspectiva racional findando assim a auto-alienação dos homens.

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Marx concorda com Feuberbach em sua crítica a dialética hegeliana. Contudo, afirma o barbudo que os termos "essência humana" ou "homem" são abstratos ou vazios de significado se não forem entendidos dentro de uma perspectiva histórica. Homens e suas idéias (onde se insere a cultura e religião), para Marx, só podem ser entendidos como produtos sociais de sociedades específicas que mudam no curso do desenvolvimento histórico. Diferente de Feuerbach, que vê a religião como um reflexo da realidade material, Marx entende que há uma relação de determinismo entre formas de organização da produção material dos homens e suas idéias/cultura, essa relação é a chave de entendimento do processo (ou desenvolvimento) histórico: materialismo histórico. Em termos mais humanos isso corresponde a dizer que cada época histórica possue formas específicas de organizar a produção econômica (meios de produção e relações de trabalho entre classes) que determinam as idéias e cultura (ou tudo que seja abstrato) produzidas naquele contexto. O que Marx busca fazer é mostrar os vínculos existentes - e determinantes - entre, de um lado, atividade material/econômica dos homens e, de outro, produção imaterial ou, em termos mais simples, coisas abstratas como idéias, cultura e, consequentemente, religião.

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O sociólogo defende o argumento que entidades abstratas são criadas pelos homens ao produzirem sua sobrevivência material e obtêm autonomia dos mesmos quando passam a fazer parte da esfera da auto-alienação humana.  Isso corresponde a dizer que entidades como o Estado, o dinheiro e Deus se objetificam - uma vez que reificação/objetificação é a prática da alienação - incorporando a "essência humana" e dominando o homem. Assim sendo, o Estado, o dinheiro e Deus passam a funcionar como intermediários entre os homens e a sua própria liberdade. Em suma, homens se subordinam a essas entidades "estranhas" citadas anteriormente, pois as mesmas só passam a ter existência e poder dentro de condições materiais e históricas específicas.

Entretanto, para Marx, a religião teria um papel secundário no mundo contemporâneo uma vez a dominação por excelência se daria na esfera econômica e manifestações religiosas tenderiam a ser toleradas, mas estavam relegadas a contextos/espaços não determinantes das transformações sociais e políticas. Não é preciso refletir muito para concluir que o barbudo estava meio equivocado, né? Basta pensar em momentos históricos de vários contextos em que a religião foi fator prepoderante de organização política como o movimento pelos direitos civis nos EUA dos anos 1960, a  Revolução Islâmica no Irã em 1979/1980, o papel de setores da Igreja Católica na América Latina dos anos 1970/1980 atuando politicamente orientados pela ideologia da libertação e o peso político de líderes religiosos em questões políticas como na intricada e complicada relação Tibete-China.

Na sequência voltaremos com o francês Durkheim.

Muita Paz!