sábado, 26 de dezembro de 2009

I Get Love Jones For You

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Dias desses estava lendo e tomando café num lugar misto de café/padaria na Lenox Avenue, Harlem. Trocava idéias com o gerente do lugar, um italiano, que eu jurava ser negrão (aparências enganam!), que morre de amores pelo Brasil já que esteve rodando por aí várias vezes. De vez em quando prestava atenção na conversa de uns nego véio que passam à tarde toda e início da noite sentados do lado de fora do estabelecimento conversando, bebendo e olhando o movimento da rua. O papo dos tiozões girava em torno de filmes e um deles dizia: "Shit man, I could take that no more... I didn't want to see no Boys N Hood, no Menace II Society, no Juice..." E eu, me metendo na conversa sem ser chamado, lancei... "BabyBoy, no Baby Boy too" Ao que o nego véio respondeu,  "Yeah, brotha, no Babyboy too" e rimos juntos.

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A conversa dos nego véio fazia referência a onda dos "hood movies" que caracterizam parte dos anos 1990. Esses filmes tinham diretores, atores e público majoritariamente afro-americano e as temáticas giravam em torno da vida do cotidiano do guetos negros norte-americanos dos grandes centros como Nova York (New Jack City: A Gang Brutal, 1990) e Los Angeles (Boys N Hood, 1991) que a essa época viviam o pesadelo da chegada de uma nova droga, barata e devastadora: crack. Tensões raciais marcaram esse período e talvez o marco dessa atmosfera racial assustadora tenha sido os riots que explodiram em LA em 1992 após a absolvição dos policias brancos que haviam espancado Rodney King e que duraram cinco dias. Os hood movies tinham a trilha sonora recheada de rap e não por acaso foi nessa época que ocorreu a ascensão do que veio a ser conhecido como gangsta rap: modalidade desse estilo musical que descrevia o cotidiano e estilo de vida dos membros de gangues como as famosas e arquirivais Bloods (lencinhos vermelhos) e Crips (lencinhos azuis).  Ice T, CMW (Compton Most Wanted), NWA (Niggers With Attitude) são alguns dos nomes que deram o pontapé inicial na parada. Ir ao cinema, assistir um hood movie, ou a um show de rap, ver a perfomance de algum grupo ou rapper, era uma aventura que poucos brancos se arriscavam a fazer. A ascensão dos hood movies consagrou diretores como os Hughes Brothers (Menace II Society, 1993 e Dead Presidents, 1995) e John Singleton que além de Boys N Hood dirigiu outros como Higher Learning (1995), Baby Boy (2001) e, mais recentemente, uma versão multicultural/étnico/racial de hood movie: Four Brothers (2005).

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Mas os "hood movies" estão inseridos numa tradição mais ampla de cinema negro denominada blaxploitation e que teve início no anos 1970. Basicamente, eram filmes com temáticas e atores negros que começaram como produções baratas e alternativas. Os primeiros scripts também canalizavam a situação de insatisfação social vivida pelos afro-americanos em relação a instituições como a polícia e o estado. Esse é o caso do filme que deu o pontapé inicial no movimento Sweet Sweetback's Baadasss Song (1971) de Melvin Van Peebles.  Shaft (1971), de Gordon Parks, impulsionou a faceta comercial do movimento que foi seguida por Superfly (1972) de Gordon Parks Jr. e outros. No final dos anos 1970 o filme Penitentiary, de Jamaa Fanaka, revitalizou o movimento com uma trilogia que terminou no anos 1980. O grande renovador da cena nessa mesma época foi sem dúvida Spike Lee que filmou Do The Right Thing (1989) e abriu as portas de Hollywood para outros diretores negros. Foi a partir dessa época que os hood movies ganharam espaço na produção cinematográfica norte-americana.

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Entretanto, passado algum tempo, essa receita de cinema embedida em temas de violência, conflito entre gangues, jovens negros, tráfico de drogas sempre embalado por uma trilha recheada de rap music  começou a dar sinais de esgotamento. Ninguém mais, na metade dos anos 1990, aguentava mais pagar para ver pretos se matando na tela. Era como se a experiência da população afro-americana fosse apenas aquela e não houvesse outros temas a serem explorados. Foi nessa época que Love Jones (1997) entrou em cena. O filme marca a estréia do diretor Theodore Witcher e conta com um elenco cujo os atores mais conhecidos à época eram Larenz Tate, Nia Long e Isaiah Washington (esse último, pra quem não lembra, é o negrão que foi expulso do seriado Grey's Anatomy ano passado após ter feito comentários homofóbicos contra outro ator da série). O título do filme é algo de nota. Jones é uma gíria que tem dois significados similares no vernáculo negro da língua inglesa dos anos 1970: referência ao uso de drogas ou aos sintomas da abstinência de drogas como heroína. Love Jones, em si, é um termo que é usado para se referir a uma situação na qual não se deixa de pensar na pessoa amada ou as dores da perda de um amor.

O enredo do filme, por sua vez, é manjado, mas funciona. A história se passa em Chicago, Illinois. Darius Lovehall (Larenz Tate) é um jornalista e ex-DJ metido a poeta e aspirante a escritor. Ele acaba de pedir demissão do trabalho que tinha num jornal para se dedicar em tempo integral a tarefa de escrever seu primeiro livro de poesias. Nina Mosley (Nia Long) é uma fotógrafa que busca reconhecimento e colocação para seu trabalho que tem como grande inspiração a obra do fotógrafo Gordon Parks. Ela terminou um relacionamento recentemente e encontra-se desiludida com sua vida afetiva. Savon Garrison (Isaiah Washington), Josie Nichols (Lisa Nicole Ganson), Hollywood (Bill Bellany), Eddie Colens (Leonard Roberts) e outros compõem o grupo de amigos de cerca o casal e vivencia situações de vida similares. Todos são negros, pertencentes a classe média negra local, com idade beirando os trinta anos e aspirando as profissões ou projetos que envolvem um estilo de vida ao mesmo tempo simples e refinado. Jazz, R&B e hip-hop compõem a trilha sonora do filme e dão o tom do clima no qual a trama é conduzida.  O trailer do filme abaixo fornece uma idéia do que falo, assista o mesmo clicando AQUI O filme fez sucesso justamente por colocar na tela personagens negros livres dos estereótipos explorados pelos hood movies. Lá estavam jovens negros bem educados vivenciando os dilemas de início de uma vida adulta entre relacionamentos, conflitos entre amigos e vida profissional. Não demorou para que outros filmes, com o mesmo apelo e mais fracos que Love Jones, fossem produzidos na sequência como o é o caso de The Best Man (1999), de Malcolm D. Lee, Love & Basketball (2000), de Gina Prince-Bythewood, e Brown Suggar (2002), de Rick Famuyiwa.

Lembro de muitos vagabundos xavecadores que, após assistirem Love Jones, começaram a ler poesia e incorporar as "conversinhas" de Darius Lovehall nas suas táticas de conquista.  Recordo até hoje de um maluco amigo meu que não gostava de ler nem gibi e um dia, do nada, virou pra mim no meio de uma conversa de boteco e disse: "Porra Kibe, o que liga agora é ler poesia, tá ligado? Freqüentar uns saraus e os carai!" Fiquei surpreso, esse era o efeito Love Jones em alguns dos meus trutas... Mas eu também era fã das películas e vivia organizando reuniões de casais em que comprávamos garrafas de vinho, alguns aperitivos e levávamos alguns filmes dessa pegada para assistir na casa de alguém. Para fechar, assista uma das melhores partes de Love Jones, o momento em que Darius xaveca Nina lhe dedicando uma poesia declamada numa sessão de open mic. Muita atenção na letra, sexy e style!



Muita Paz!!!!!

13 comentários:

Anônimo disse...

Como sabia que "Love Jones" é meu filme favorito. Feito em Chicago no fim dos anos '90. Saudades.

Márcio Macedo disse...

Querida,

Eu também sinto muitas saudades da época de Love Jones, mas mais ainda dos momentos que vivi assistindo o filme. Boas recordações!

Beijos carinhosos do Kibe.

Renata disse...

Por um acaso vc estava sentado naquele café/padaria onde nós fomos comer bolo de chocolate depois daquela maravilhosa Soul Food? Anyway, saudades daquele lugar bacana.
Beijocas e ótimo ano novo procê

Rooneyoyo "O Guardião" disse...

Fala Kibe comentarista...se todo jornalista tivesse sua otica, com certeza veria mais filmes do que o normal...abxxxxxxx

Rinaldo disse...

Aê, kibe... Texto daora. Mó aula, valeu!

Anônimo disse...

Oi, Kibe,

Lembrei a primeira vez que vimos este filme onde você morava na vila madalena. Foi bem legal!
Que bom que resistiu à nevasca e que suportou mais um Natal.
Desejo um 2010 cheio de saúde (boa sorte com o resfriado.rsrs), paz, realizações e felicidades.
abrçs

Laércio F Dias

PaulaKristina disse...

Querido Marcio lembro até hj quando vc me emprestou o CD do filme Love Jones.Virou o meu favorito e eu escutava todos os dias.Eu te devolvi ou dei uma de louca?Aqui no Brasil principalmente no meu bairro é dificil encontrar este tipo de filme nas locadoras.Sempre saiu insatisfeita pois não encontro os filmes que quero ver.
Beijos

Mojana disse...

Kibe, sabe qual foi o primeiro filme com temática negra a obter um grande sucesso comercial nos EUA nos anos 1990? Waiting to Exhale, lançado em 1995, dirigido pelo Forest Whitaker e estrelado por Angela Basset, Whitney Houston, Loretta Devine (minha personagem favorita) e Lela Rochon. O filme faturou 67 milhões de dólares só nos EUA.
No mesmo ano em que o Love Jones foi lançado, surgiu um outro filme (também com a Nia Long) chamado Soul Food. Esse faturou 40 milhões nos EUA, contra 10 milhões do Love Jones.
Não estou querendo dizer que por terem faturado mais, os filmes sejam melhores, mas que foram vistos por mais gente, portanto, geraram mais impacto. Pessoalmente, não considero que esse filme esteja entre os mais representativos dessa nova onda do cinema negro norte-anericano que por mais que tenha deixado de retratar o cotidiano dos guetos de maneira quase que exclusiva, passou a abordar temas como disfunções familiares,relações amorosas, posicionamento político-social e homofobia - problemas que de alguma forma já estavam presentes na onda anterior - agora em enredos protagonizados por famílias e indivíduos negros de classe-média e classe-média alta.
Agora uma provocação pessoal: eu acho que você gosta tanto desse filme não por achar que ele seja tãããão bom assim (eu assisti e concordo com o seu adjetivo: o enredo é manjadííííísimo), na verdade, você se identifica muito com o estilo conversinha do protagonista, rsrsrsrs.

oga mendonca disse...

Caramba cara,voltou a postar em grande estilo hein? Eu sou um apaixonado por Blaxploitation, até tentei emplacar ano passado um projeto de mostra com estes filmes...mas a crise tinha afetado o CCBB do Rio e não rolou. Este ano tento novamente! Aliás acabei de ver o Blacula, que é um blaxploitation de terror, bem divertido, tosco, e com ótima trilha, tem que assistir com um olhar "b movies". Quanto aos filmes blacks dos 90, tem um que é bem farofa, mas na época eu curti muito, o Poetic Justice com a Janet gatinha e mandando muito bem na rima. O Love Jones, saiu no Brasil?

Rubitah disse...

Parabens pelo texto... Hood movies e blaxplotation fazem parte da minha formação... Brown sugar e Love Jones naum assisti ainda, e seu texto reavivou a minha vontade d sair à procura deles.
Bjos!

Mila disse...

Lembrei de 1 passagem . . . eu e minha mãe fomos em 1 locadora e a atendente perguntou se podia ajudar, se tinhamos gostado da locadora [a unidade era nova, da gigante blockbuster ] . . . eu, como sempre franca ao extremo disse: "Vocês tem um grande problema, um problema sério!", a moça ficou assustada, perguntou o que era, eu completei : "Vocês não tem filme de negrão!"

Enquanto eles não resolvem este problema, vamos baixando nos torrents e caçando legendas! rs*

Amo seus posts, vc sabe!

Hugs . . . Mila [ sem misericórdia nenhuma das gravadoras, locadoras e distribuidoras! ]

Márcio Macedo disse...

Obrigado a tod@s pela leitura e comentários ao post.

Renata, a padaria é a mesma sim! :)

Paula, você não me devolveu o CD, mas já comprei outro e perdi de novo (dessa vez ficou com minha ex)! :)


Oga, tenho a mesma idéia sobre a mostra de filmes blaxploitattion há anos, mas os caras com os quais tento colocar a parada em pé são uns bundões que sempre mijam pra trás. Vamos conversar, quem sabe não aprontamos alguma palhaçada juntos?! Eu gosto do Poetic Justice, mas, para variar, tem aqueles fins trágicos típicos de hood movie.

Rinaldo e Rooney, valeu pelos elogios, continuem lendo o blog e fazendo críticas e comentários!

Rubia, visitei seu blog hoje e já sou seu seguidor. Estou esperando seus posts com histórias do hip-hop paulistano. By the way, o título de Love Jones em português é "Uma Loucura Chamada Amor" (urgh!) e Brown Suggar eu não lembro o título, mas deve ser algo meio ridículo também. Aliás, não acredito que você não assistiu esse filme sendo uma rapper... O início dele são vários rappers da old school respondendo a pergunta: "quando você se apaixonou pelo hip-hop?"


Mojana, o meu texto é um relato bem pessoal da evolução dos blaxploitations nos EUA. Não tenho dados sobre a bilheteria de Love Jones e com certeza não foram tão altas como as de Waiting for Exhale e Soul Food. Entretanto, posso dizer que o público alvo dos filmes não era o mesmo considerando que mesmo dentro da categoria "público afro-americano" há divisões geracionais, de classe e gênero. Dentro dessa perspectiva, Love Jones visava alcançar um público bem mais jovem do que Waiting for Exhale ou fora do formato família de Soul Food. Pergunte a qualquer afro-americana que hoje encontra-se na casa dos 30 e alguma coisa, mas que na época de Love Jones ainda estava nos seus 20 e tantos, qual o filme favorito delas e tenho certeza que a resposta será Love Jones. Exemplo disso é minha amiga Negara, no topo dessa lista de comentários. Quanto a conversinha do Darius Lovehall, como diz meu amigo Noel Carvalho: "a gente lambe o selo, se colar..." O lance é ser conversinha com propriedade e isso eu sou mesmo! :)

Mila, desista das locadoras... As únicas que sacaram que existia essa demanda eram aquelas situadas na periferia, mas com o barateamento do DVD e expansão da internet e serviços como o Netflix, suspeito que todas as locadoras - inclusive as gigantes do tipo Blockbuster - estão com os dias contados.

É isso, respondi a todo mundo e agora vou dormir.

Bom dia a tod@as!

Márcio/Kibe.

Migh Danae disse...

Brown Sugar? Em português ficou "No embalo do amor", baby. Mas bom do mesmo jeito.
Cheiro,