quarta-feira, 3 de junho de 2009

As Cotas Desmentiram as Urucubacas

Não sou de reproduzir textos alheios no meu "brog". Mas ao acordar hoje li esse texto de Elio Gaspari sobre as cotas enviado por minha amiga Bibi Lima via email. Há semanas veio ensaiando de escrever algo sobre esse assunto, mas tudo soava ou muito acadêmico ou muito emotivo. O texto de Gaspari tem a vantagem de ser equilibrado e, por conta desse ser um tema que diz respeito a todos os brasileiros, é sempre bom ter um branco emitindo sua opinião.

Muita Paz!

AS COTAS DESMENTIRAM AS URUCUBACAS

03-Jun-2009
Elio Gaspari - FOLHA DE S. PAULO

Os negros desorganizariam as universidades, como a Abolição destruiria a economia brasileira.

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QUEM ACOMPANHASSE os debates na Câmara dos Deputados em 1884 poderia ouvir a leitura de uma moção de fazendeiros do Rio de Janeiro: "Ninguém no Brasil sustenta a escravidão pela escravidão, mas não há um só brasileiro que não se oponha aos perigos da desorganização do atual sistema de trabalho." Livres os negros, as cidades seriam invadidas por "turbas ignaras", "gente refratária ao trabalho e ávida de ociosidade". A produção seria destruída e a segurança das famílias estaria ameaçada.

Veio a Abolição, o Apocalipse ficou para depois e o Brasil melhorou (ou será que alguém duvida?). Passados dez anos do início do debate em torno das ações afirmativas e do recurso às cotas para facilitar o acesso dos negros às universidades públicas brasileiras, felizmente é possível conferir a consistência dos argumentos apresentados contra essa iniciativa.

De saída, veio a advertência de que as cotas exacerbariam a questão racial. Essa ameaça vai completar 18 anos e não se registraram casos significativos de exacerbação. Há cerca de 500 mandados de segurança no Judiciário, mas isso nada mais é que a livre disputa pelo direito.

Num curso paralelo veio a mandinga do não-vai-pegar. Hoje há em torno de 60 universidades públicas com sistemas de acesso orientados por cotas e nos últimos cinco anos já se diplomaram cerca de 10 mil jovens beneficiados pela iniciativa.

Havia outro argumento: sem preparo e sem recursos para se manter, os negros entrariam nas universidades, não conseguiriam acompanhar as aulas, desorganizariam os cursos e acabariam deixando as escolas. Entre 2003 e 2007 a evasão entre os cotistas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro foi de 13%. No universo dos não cotistas, esse índice foi de 17%.

Quanto ao aproveitamento, na Uerj, os estudantes que entraram pelas cotas em 2003 conseguiram um desempenho pouco superior aos demais. Na Federal da Bahia, em 2005, os cotistas conseguiram rendimento igual ou melhor que os não cotistas em 32 dos 57 cursos. Em 11 dos 18 cursos de maior concorrência, os cotistas desempenharam-se melhor em 61 % das áreas.

De todas as mandingas lançadas contra as cotas, a mais cruel foi a que levantou o perigo da discriminação, pelos colegas, contra os cotistas. Caso de pura transferência de preconceito. Não há notícia de tensões nos campus. Mesmo assim, seria ingenuidade acreditar que os negros não receberam olhares atravessados. Tudo bem, mas entraram para as universidades sustentadas pelo dinheiro público.

Tanto Michelle Obama quanto Sonia Sotomayor, uma filha de imigrantes portorriquenhos nomeada para a Suprema Corte, lembram até hoje dos olhares atravessados que receberam ao entrar na Universidade de Princeton. Michelle tratou do assunto em seu trabalho de conclusão do curso. Ela não conseguiu a matrícula por conta de cotas, mas pela prática de ações afirmativas, iniciada em 1964. Logo na universidade onde, em 1939, Radcliffe Heermance, seu poderoso diretor de admissões de 1922 a 1950, disse a um estudante negro admitido acidentalmente que aquela escola não era lugar para ele, pois "um estudante de cor será mais feliz num ambiente com outros de sua raça". Na carta em que escreveu isso, o doutor explicou que nem ele nem a universidade eram racistas.

5 comentários:

:: Soul Sista :: disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
:: Soul Sista :: disse...

Desculpe descer o calão aqui no seu digníssimo "brog", mas só posso copiar um inteligente amigo em resposta ao email da manhã.

Xô, urucuBABACAS!!!!

Beijos

Mojana disse...

Eu li esse artigo anteontem no jornal lá na Fundação e não pude deixar de reparar nos olhares meio desconfiados de alguns dos meus colegas professores, rsrsrsrs.
Toda vez que surge alguma conversa sobre cotas ou qualquer outro tipo de ação afirmativa, fica um clima estranho no ar da sala dos professores.
Sabe que lá somos apenas dois professores negros, eu e um engenheiro baiano que, penso eu, acha que não é preto e nem baiano, hahahaha.
Lá, sempre tem alguma referência ao fato de eu ser muito jovem - na verdade nem sou tão jovem assim, os caras é que já estão todos na 3ª idade - mas até hoje, parece que ninguém notou ainda a minha carinha preta - segundo o Kibe, só 25% preta - por perto. Eu acho interessante como as pessoas tendem a ver a cor como um não-fator em determinadas situações e ambientes. De um certo ponto de vista, o fato de que todos os docentes que fizeram a minha banca de concurso eram brancos pode até ser positivo, rsrsrsrsrs.

Márcio Macedo disse...

O que é muito comum acontecer comigo é que quando as pessoas sabem que passei no vestibular da USP em 1997 e entrei no mestrado em 2002 sem me utilizar de cotas, elas automaticamente me colocam no grupo dos contrários as cotas quando na verdade sou totalmente pró.

No Brasil ninguém quer assumir a responsabilidade sobre a pobreza e exclusão da população negra e mestiça, como se essa situação tivesse construída por nós mesmos, como se pobreza/riqueza fossem coisas naturalizadas, surgidas do nada e não fruto de processos históricos que favorecem determinados grupos em detrimento de outros. Boa parte dos recursos com que as primeiras iniciativas de industrialização foram feitas no Brasil, entre fins do século XIX e as primeiras décadas do XX, vinha de capital acumulado com o tráfico negreiro. Nunca houve reforma agrária no país e a terra na qual escravizados trabalhavam ficaram concentradas nas mãos de latifundiários cujo os descendentes até hoje lucram com essa situação. Falar em reparação é como usar um palavrão em público.

Sempre ouço meus trutas descendentes de imigrantes afirmarem que os negros devem trabalhar duro, se esforçar e reverter a situaçao de pobreza na qual vivem, assim como os bisavós deles fizeram. Engraçado, ninguém compara a diferença de ir para o Brasil como imigrante e escravo. A verdade é que há uma amnésia histórica - ou desconhecimento histórico mesmo - que aflige as pessoas e me incomoda cada vez mais nas discussões que giram em torno de cotas, desigualdade e justiça social no Brasil.

O mais hilário de tudo é que durante todos esses anos não cansam de me classificar como "radical" (atitude vinda tanto de brancos como negros). Bem, se ser radical é ter consciência histórica, então sou mesmo!

Ari disse...

SE vc tem consciência histórica, pertence ao mainstream , coisa que vem do século XIX...
Mas, claro, tava na cara que ia acontecer como aconteceu, porque no Brasil ia ser diferente (uma das coisas mais engraçadas daqui é o pessoal achar que aqui tudo é diferente...). Bem antes da entrada de gente de outras cores e nacionalidades nas faculdades americanas, paíse europeus haviam liberados suas universidades elitistas de séculos para as classes pobres. E a cantilena foi a mesma, perda de qualidade, etc. e tal. Num deu outra, os pobres (no caso, da mesma cor) agarraram com as duas mãos a oportunidade e subiram socialmente aos pulos. Não há exemplo contrário na história da educação mundial.