quinta-feira, 4 de junho de 2009

O Amor e a Família Que Todos Querem! Será mesmo?...

O mundo parou para assistir a cerimônia de casamento da realeza inglesa que se realizou em Londres numa tarde ensolarada de 24 de fevereiro de 1981. O casamento do Charles e Dianna tinha uma áurea de conto de fadas uma vez que a noiva não pertencia a aristocracia inglesa: era uma professora de pré-escola de 19 anos que havia conquistado o coração de um príncipe (veja comentários de Mojana Vargas e Ari Brito ao post). Todos, ao redor do mundo e de todas as classes sociais, invejavam o amor de Lady Di e Charles. Infelizmente, o destino do casamento do casal não foi dos mais felizes e, posteriormente, o fim da vida de Dianna Spencer foi trágico.
 
Passados quase trinta anos, todos invejam e querem algo parecido ao amor de outro casal: Michele e Barack Obama. A imagem da primeira família americana enche os olhos das mais diversas pessoas ao redor do mundo ao mesmo que expõe aspectos irônicos da sociedade contemporânea e da própria concepção de família. Barack, Michele, Malia, Sasha e Bo (o cachorrinho da família ) compõem aquilo que conhecemos como família burguesa, ou seja, o padrão de família que emergiu junto a modernidade e composta por um casal heterossexual, monogâmico, cristão, com filhos legítimos e poder patriarcal (concentrado no homem). Esse é um modelo de família adaptado as necessidades de reprodução da sociedade capitalista e que deve ser seguido/buscado pelas pessoas, é o desejo que todo pai ou mãe tem para com seus filho(a)s junto de um bom emprego e uma carreira de sucesso. O tipo de amor sobre o qual se apóia a família burguesa é o amor romântico, ou seja, a idéia de que há uma “alma gêmea” pela qual nos apaixonamos e que, diferente do amor platônico, nos completa tanto do ponto de vista emocional como sexual. O amor romântico é aquele visto nos enredos de romances lidos pelas mulheres burguesas no início do século XIX, mas que continua a nutrir o imaginário de homens e mulheres no mundo atual.

Famílias Negras

http://www.loc.gov/exhibits/african/images/boat.jpg

Devido a uma série de fatores, dentre os quais talvez o principal tenha sido a escravidão, famílias negras nos EUA nunca foram entendidas como se enquadrando a perspectiva do modelo de família burguesa, mas como desviantes a ele. Nos anos 1940 uma polêmica entre dois intelectuais norte-americanos teve como epicentro justamente essa temática. E. Franklin Frazier (1894-1962) e Melville Herskovits (1895-1963) discordavam sobre as causas de homens negros terem filhos com diferentes mulheres além uma certa tendência a matrifocalidade, ou seja, a autoridade/responsabilidade sobre os filhos estava centrada nas mulheres e não nos homens, visualizada nas famílias negras.

As trajetórias de Frazier e Herskovits de certa maneira explicam suas divergências. O primeiro era um sociólogo negro marxista que lecionava na Howard University, a mais tradicional universidade negra norte-americana. Sua tese de doutorado, defendida na Universidade de Chicago em 1932, versava sobre a família negra e gerou três livros distintos. Seu mais famoso texto é Black Bourgeoisie (1957), uma profunda crítica ao conservadorismo e padrões culturais das classes médias e elites afro-americanas. Frazier também fez pesquisas no Brasil no começo dos anos 1940 morando em Salvador e visitando cidades do sudeste e sul do país. Posteriormente ele produziria um dos primeiros textos que comparam a situação das populações negras no Brasil e EUA.

Herskovits, por sua vez, era um antropólogo judeu que havia se formado na Columbia University tendo tido como orientador Franz Boas (1858-1942): um dos pais fundadores da antropologia contemporânea, teórico do relativismo cultural e crítico das noções biologizadas do conceito de raça. Herskovits fez estudos sobre as chamadas “sobrevivências africanas” e tinha uma certa obsessão em tentar entender os processos de adaptação cultural das populações negras ex-escravizadas ao novo mundo. Boa parte de suas idéias estão contidas no seu livro The Myth of Negro Past (1928).

Resumidamente, Frazier afirmava que o padrão vigente nas famílias negras americanas era resultado da pobreza e penúria que afligiam essa população nos EUA na primeira metade do século XX. Herskovits, por sua vez, defendia a idéia de que os núcleos familiares dos negros reproduziam padrões que podiam ser observados na África e, portanto, eram uma “sobrevivência” ou um “resquício” de padrões culturais africanos.

Minha impressão é que Frazier tinha o argumento mais lógico, uma vez que se observarmos as famílias afro-americanas de classe alta e média hoje, ambas se assemelham ao núcleo da primeira família atual. Mais: o sociólogo francês Loïc Wacquant num texto de 1998, Inside the Zone: The Social Art of the Hustler in the Black American Ghetto (no Brasil o texto foi publicado no livro A Miséria do Mundo, 2003), mostra como o fato de homens negros terem relacionamentos e filhos com várias mulheres pode ser entendido como uma estratégia racional de sobrevivência a situação de pobreza vivida no gueto. Sintomático disso é o fato que entre os negros pertencentes ao que vem sendo chamado de hip-hop generation (indivíduos nascidos entre 1965 e 1984), termos como baby daddy (pai solteiro) e baby mamma (mãe solteira) se tornaram comuns.

O Casamento Heterosexual

A primeira família norte-americana é fruto de um casamento heterosexual, mas essa normatividade dos casamentos pode estar com os dias contados. Desde os anos 1970, com a ascensão do movimento gay, várias batalhas judiciais vem sendo realizadas nos EUA e em outros países buscando legalizar o casamento entre indivíduos do mesmo sexo.



Nos EUA, em 2009, dois estados já aprovaram a lei: Iowa e Vermount. Em New York, a assembléia legislativa aprovou em 12 de maio deste ano uma legislação que permitiria a aprovação do casamento gay e tornaria o estado o sexto a aprová-lo dentre da federação. O placar da votação foi 89 contra 52, sendo que 5 votos a favor vieram de deputados republicanos. A grande derrota na luta pela matrimônio homossexual fica por conta da Califórnia onde, após ter sido aprovado em 2005, houve um recuo na lei em 2008 e a medida progressista foi desautorizada pela Suprema Corte daquele estado no início de 2009 (ver comentário de Ari Brito).

A Instituição Casamento

Milhares de pessoas se casam todo ano e outras milhares se divorciam também. Muito se fala da falência do casamento como instituição, mas vestidos de noiva, alianças e troca de votos de fidelidade ainda enchem de desejo os olhos e a boca de jovens, adultos e idosos. A imagem de Michele e Barack, com suas duas filhas e mais de uma década de casamento também ajuda a reforçar o imaginário de um amor eterno, e não "infinito enquando dure" (correção aqui feita graças a Mojana Vargas, veja comentário) como disse o brilhante e bêbado poeta Vinícius de Moraes (1913-1980) em um de seus poemas. Moraes, aliás, seguiu a regra suas idéias de casamento, pois se casou e descasou uma porção de vezes sempre com mulheres bem nascidas, bonitas – “as feias que me desculpem, mas beleza é fundamental”, disse ele certa vez! – e na sua maioria mais jovens do que ele.

http://dicasparacasamento.files.wordpress.com/2008/06/casamento1.jpg

Algo de fato positivo é que o estigma que antes existia sobre indivíduos divorciados – principalmente em países de tradição católica como o Brasil – vai deixando de existir pouco a pouco. Ainda lembro como na minha infância mulheres divorciadas – ou “desquitadas” como habitualmente se falava – eram vistas como páreas e os termos pelos quais elas eram classificadas beiravam o xingamento. Havia uma espécie de duplo preconceito, pois era como se uma mulher divorciada fosse de antemão "culpada" por sua situação e condenada a viver "encalhada" pelo resto da vida. Hoje as mulheres que já viveram a experiência de um casamento, mas sairam dele não se degladiam, ao menos teoricamente, com essas visões ultrapassadas.

Cada vez mais se vê famílias onde os filhos são oriundos de outros casamentos e o divórcio dos pais não é experimentado como um grande trauma que marca parte da vida dos filhos. Assim como ser divorciado(a), ser filho(a) de pais divorciados também começa ou já não é mais um estigma.

Divorced Dad Reading Newspaper Beside His Kids
(Divorced daddy reading newspaper)

Outro fato importante é que muitos indivíduos optam por morar juntos ao invês ou antes de se casar legalmente. No Brasil, por exemplo, relações estáveis que duram por um número determinado de anos – acho que 5 ou 6 – já podem ter acesso aos mesmos benefícios legais de um casamento legal.

Como se vê, a existência de uma primeira família negra nos Estados Unidos nos faz olhar para questões como família, casamento e orientação sexual de forma distinta. O mundo, ao menos nessas questões, está mudando… E para melhor, eu diria!

Pra fechar, assista parte de dois episódios de um dos desenhos atuais mais legais sobre família: Family Guy.



Esse é com o bebê mais charmoso e psicopata do desenho, Stewie, e Brian, o cachorro intelectual que fala. Atenção: cenas fortes de violência! "Where is my money, man??"...hahahahaha...





7 comentários:

Gabriel Swahili disse...

Salve Márcio...

Muito feliz seu post...acredito que a questão do modelo de relacionamento/família é central para se pensar (e fazer!) um futuro melhor para a comunidade negra no mundo. Não há como desviar de fatores históricos, econômicos e culturais ao se discutir o modo como nossas famílias se organizam (e desorganizam)...um texto que me marcou muito e toca neste ponto é o "vivendo de amor", da Bell Hooks...tem um trecho q diz:

"O Impacto da Escravidão no Ato de Amar

Nossas dificuldades coletivas com a arte e o ato de amar começaram a partir do contexto escravocrata. Isso não deveria nos surpreender, já que nossos ancestrais testemunharam seus filhos sendo vendidos; seus amantes, companheiros, amigos apanhando sem razão. Pessoas que viveram em extrema pobreza e foram obrigadas a se separar de suas famílias e comunidades, não poderiam ter saído desse contexto entendendo essa coisa que a gente chama de amor. Elas sabiam, por experiência própria, que na condição de escravas seria difícil experimentar ou manter uma relação de amor.Imagino que, após o término da escravidão, muitos negros estivessem ansiosos para experimentar relações de intimidade, compromisso e paixão, fora dos limites antes estabelecidos. Mas é também possível que muitos estivessem despreparados para praticar a arte de amar. Essa talvez seja a razão pela qual muitos negros estabeleceram relações familiares espelhadas na brutalidade que conheceram na época da escravidão. Seguindo o mesmo modelo hierárquico, criaram espaços domésticos onde conflitos de poder levavam os homens a espancarem as mulheres e os adultos a baterem nas crianças como que para provar seu controle e dominação. Estavam assim se utilizando dos mesmos métodos brutais que os senhores de engenho usaram contra eles. Sabemos que sua vida não era fácil; que com a abolição da escravatura os negros não ficaram imediatamente livres para amar."

Vamo que vamo...

abraços!

Mojana disse...

Kibe, só uma humilde correção: eu não sou fã do Vinícius, mas tenho ficado horrorizada com a forma como as distorções sobre a obra dele se perpetuam e, como ex-professora de Literatura (dá-lhe Unipalmares, rsrsrsrs), esse é um dos casos que mais tive oportunidade de ver.
A obra que você cita no seu post é um poema chamado "Soneta da Fidelidade" um dos muitos escritos do poeta/diplomata/pinguço. Esse verso específico diz o seguinte: "Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja INFINITO enquanto dure".
No caso, não se trata de duração no tempo, pois o autor já assume que o amor acaba (como as chamas se apagam), mas da intensidade do sentimento entre duas pessoas.
Eu sei que pode paracer um tanto pedante, mas esse negócio tem se perpetuado desde que o Netinho gravou uma música que trazia o verso desse jeito, inclusive, com o sentido totalmente oposto.

Mojana disse...

De novo Kibe, aqui fala Dona Chatonilda.
Essa coisa de conto de fadas só pode ser chamada disso mesmo. Inclusive eu fui uma ativa participante nesse imaginário, ávida que fui pela experiência do encontro da famosa alma gêmea. Juntamente com grande parte do mundo, acompanhei a cerimônia de casamento de Charles e Diana transmitida ao vivo, via satélite e fiquei maravilhada com a possibilidade de passar de anônima a princesa da noite para o dia. Enfim, coisas da infância.
Meu comentário tem a ver com a formação dos mitos, caso da Princesa de Gales. Veja como são as coisas, a Diana foi vendida pela mídia exatamente da forma como você a descreveu, a professorinha primária que conquistou o coração do herdeiro da coroa, mas de fato, Diana Spencer era sim integrante da aristocracia britânica, tanto que era filha de um nobre, o Visconde de Althorp e foi batizada por uma sobrinha da rainha Elizabeth e pelo presidente da Christie's, a maior casa de leilões da Inglaterra e uma das maiores do mundo e, durante sua infância, Lady Di costumava frequentar a residência da família real, ou seja, estava muito longe de ser uma coitada qualquer, como a imprensa costuma fazer pensar. Apregoava-se também que ela havia sido agraciada com o título de Lady como formalidade para facilitar o casamento com Charles, mas, de fato, o título fora obtido ainda durante sua adolescência, quando seu pai elevou-se de Visconde a Conde (ou seja, subiu na escala da realeza, rs).
E só pra arrematar as fofocas reais, antes de interessar-se pela Diana, Charles namorou a irmã mais velha da futura princesa.
Quer dizer, conto de fadas uma ova! Uma das coisas mais óbvias nas relações humanas é que as pessoas tendem a procurar parceiros amorosos nos seus círculos sociais, levando em consideração uma série de fatores que não cabe discutir aqui, mas o fato é que romances não caem do céu, como muitas vezes querem no fazer crer.
A idéia do amor romântico, baseia-se justamente em relações que beiram a ficção - tal como a de Charles e Diana - e não no esforço diário de manter unidas duas personalidades absolutamente individuais em meio a problemas materiais que afetam diretamente os rumos dessa relação. Creio que já está mais do que na hora, especialmente no caso das mulheres, de acordar pra vida e ver que o buraco pode ser - e certamente é - bem mais embaixo do que parece. Infelizmente, acho que vivemos um momento de retrocesso, do qual o fortíssimo crescimento da indústria do casamento é um dos sinais.

Márcio Macedo disse...

Bem, o que seria do NewYorkibe sem meus extremamente críticos e antenados leitores?!

Obrigado Gabriel e Mojana pela leitura e comentários!

Aliás, Gabriel, bell hooks é uma das leituras que estou guardando para as férias. Li algumas coisas dela, mas tudo muito disperso e não um livro inteiro o que fornece uma noção mais precisa do trabalho. A propósito, a passagem que você transcreveu no seu comentário fez me lembrar dois romancistas: Richard Wright e Toni Morrison. O primeiro mostra esse processo de educação pela violência em seu livro "Black Boy" no qual descreve sua infância em Chicago. Contudo, qualquer preto(a) acima dos 25 entende muito bem dessas coisas, pois deve ter levado uns cascudos quando criança ou adolescente. Toni Morrison, por sua vez, em seu livro "Beloved" descreve a dificuldade de se constituir uma família negra à época da escravidão nos EUA. Para quem não gosta de ler - vergonha, hein?! - dá pra assistir o filme baseado no livro que conta a atuação de Danny Glover e Oprah Winfrey.

Mojana, sem palavras para as suas correções. Eu estava comprando essa versão da "professorinha pobre" até hoje. Aliás, o que você diz sobre as lógicas presentes nos matrimônios é o que as pesquisa demográficas vem demonstrando em números: pobre casa com pobre, classe média casa com classe média e rico casa com rico. Laura Moutinho, no trabalho que eu resenhei dela, passa em revista a esses estudos demográficos e evidencia esse achado. Nem vamos acrescentar aqui outros elementos com raça e etnicidade que a coisa fica mais evidente ainda. Onde há um pouco mais de diversidade é na classe média onde indivíduos de background diversos se encontram (estando eles num processo de ascensão ou descenso social). Quanto ao Vínicius, tudo bem que eu errei no poema, mas que ele era bêbado, ah isso era! ...hahahahaha....

Beijos e abraços,

Márcio/Kibe.

Ari disse...

Nobre, não, da classe alta. Diana Spencer não era oficialmente membro da nobreza, simplesmente porque na Inglaterra só é nobre quem tem um título. Antes, quem era da House of Lords, hoje há nobres que foram retirados da Casa. Quer dizer, filhos de nobre não são nobres. Mas podem e devem estar, embora não necessariamente, na classe alta. Diana Spencer, de família antiga, foi escolhida, entre outras razões, porque era virgem, o que hoje soa até engraçado... Mas ela própria não era rica. Uma Sloane, como se diz, mas não rica. Apenas umw comentário que não afeta o principal da coisa...

Ari disse...

Get your facts straight, man. Num foi a Alta Corte da California que deu prá trás, em relação ao casamento gay, mas sim o resultado de um plebiscito que disse não ao casamento gay, que foi aceito como superior a uma ordem legislativa. Oq ue a corte fez foi aceitar que a "Voz do Povo" vale, NO CASO, mais que a vontade de legisladores. Um caso espinhoso para quem é democrata (não do partido norte-americano). Ficou tão estranho que os casamentos gays ocorridos antes da aceitação do plesbicito como válido continuam valendo...

Márcio Macedo disse...

Grande Professor Ari,

Obrigado pelos comentários e correções!

Abraço do Kibe.