terça-feira, 23 de agosto de 2011
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Patrice Lumumba: Negrão Sangue no Zóio!
A foto acima é histórica e triste. Tirada pelo renomado fotógrafo alemão Horst Faas ela nada mais é do que a última imagem do revolucionário congolês Patrice Lumumba (1925-1961) vivo. Lumumba foi uma das figuras centrais no processo de independência de seu país, a República do Congo (antigo Zaire), em junho de 1960, que vivia sobre o domínio da Bélgica. O Congo Belga, como era conhecido, foi fruto da ambição colonial de um dos mais sanguinários reis europeus: Leopoldo II (para saber mais leia O Fantasma do Rei Leopoldo, de Adam Hochschild, Companhia das Letras, 1999). Após a independência do país o revolucionário Lumumba foi eleito primeiro ministro. Entretanto, o líder político enfrentou grandes dificuldades de unificar o país marcado por grandes divisões étnicas. Ao mesmo tempo, a Bélgica continuava a interferir no assuntos políticos do país conspirando contra o novo governo e patrocinando revoltas através de grupos contra revolucionários. Em uma delas, ocorrida na província sulista de Katanga, Lumumba solicitou a ajuda militar da União Soviética.
Num contexto de guerra fria uma ação deste tipo era motivo para a intervenção dos Estados Unidos através de métodos nada ortodoxos. Em dez semanas um golpe de estado patrocinado pelo Tio Sam retirou Lumumba do poder e o colocou em prisão domiciliar. Um agente da CIA foi despachado dos EUA com um tubo de pasta de dente contendo veneno que seria utilizado no assassinato do político congolês. Antes do assassino chegar ao país Lumumba fugiu da prisão domiciliar, mas foi capturado num avião em Elizabethville (atual Lubumbashi, segunda maior cidade do país). Logo depois da prisão Lumumba foi espancado e humilhado em público diante de repórteres e diplomatas. A foto acima foi tirada em cima de um caminhão, logo após esses acontecimentos. Um mês depois Lumumba foi executado a tiros por um grupo de soldados do exército belga. Seu corpo foi enterrado no mesmo lugar da execução e mais tarde desenterrado e dissolvido em ácido. Os ossos foram moídos e espalhados ao vento para se certificar de que nada do revolucinário restaria. O coronel que depôs Lumumba foi Joseph Mobutu (posteriormente Mobutu Sese Seko) que controlaria o país de forma despótica até 1997.
Mas Lumumba e outros nacionalistas partidários seus ficaram também conhecidos por transformar a cerimônia de independência do Congo numa situação extremamente desconfortável para as autoridades belgas. O rei belga Baudouin e o presidente da República do Congo à época Joseph Kasavubu iam em carro aberto no trajeto entre o aeroporto e a capital do país Leopoldville. Em determinado momento um nacionalista surgiu de repente ao lado do rei e lhe roubou a espada antes que os seguranças pudessem fazer algo. A imagem foi registrada pelo fotográfo alemão Robert Lebeck (ver logo abaixo) e passaria a simbolizar o declínio do poder do homem branco no continente africano perante o processo de independência que se intensificaria em vários países.
Lumumba, por sua vez, proferiu um discurso na cerimônia de independência atacando os colonizadores belgas. Bradava ele que "L'esclavage a été imposé à nous par la force!" (A escravidão foi imposta a nós pela força!) e enquanto o rei sentava-se chocado e pálido Lumumba continuou seu discurso afirmando que "Nous avons connu les ironies et les insultes. Nous nous souvenons des coups que nous devions soumettre matin, midi et soir parce que nous étions nègres!" (Nós conhecemos bem ironias e insultos. Nós nos lembramos das tarefas a que éramos submetidos pela manhã, tarde e noite por sermos negros!) e, por fim, "Nous ne sommes plus vos macaques!" (Nós não somos mais os seus macacos!). Extremamente ofendido, o rei estava decidido a tomar imediatamente o avião de volta a Bélgica, mas após a entrada em campo da turma do "deixa disso" ele foi persuadido a mudar de idéia e permanecer no país até o final das festividades. Patrice Lumumba era dos nossos: um original negrão sangue no zóio!
Paz!
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
Parabéns NewYorKibe: 3 Anos de Besteiras!
Pois é, já se passaram três anos desde o primeiro post do NewYorKibe realizado em 12 de agosto de 2008. Infelizmente a data exata do níver passou batida porque na última sexta-feira eu estava preso num voo New York City-Cidade do Panamá-São Paulo, o que me impediu de escrever algo. No sábado e domingo estava quebrado e sem acesso a Internet. Mas tudo bem, aqui estou hoje. O inBLÓGlio está beirando os 400 posts e conta com 235 doid@s que me dão apoio moral como seguidore/as. Detalhe: vocês já devem ter percebido que eu não moro mais no Harlem desde 2009 (ou seja, faço propaganda enganosa!:) Nada mal! Nos últimos meses não tenho escrito muito: falta pique e assuntos legais para serem abordados. O tempo escasso é outro impecilho uma vez que tenho dedicado mais horas e energia ao projeto do meu livro de contos, ao doutorado e a leituras esparsas de literatura que conseguem me manter vivo. Agora mesmo estou me deliciando com um livro de poesias, quatro de contos e um romance. Entretanto, na medida do possível, vou subindo coisas novas no muquifo eletrônico. O NewYorKibe jamais irá morrer por inanição ou causas naturais. Aqui só rola morte violenta, ou seja, "matada" e por enquanto não há nenhum planos de assassinar o inBLÓGlio. Enfim, seja você um/a seguidor/a, visitante esporádico ou esteja na sua primeira vez (que não irá se esquecer!) OBRIGADO pela leitura, comentários e apoio. O NewYorKibe AGRADECE!
Muita Paz!
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
Chuck D Solta o Verbo com Otis Puxando a Orelha de Jay-Z e Kanye!
Chuck D, principal figura do aclamado grupo de rap Public Enemy, soltou o verbo usando sample da canção Respect (1965) do cantor de soul Otis Redding. Com o título de Notice-Know This a faixa pede para que artistas multimilionários como Jay-Z e Kanye "Mala" West sejam mais substanciais em seus trabalhos não se deixando levar pelo o que a mídia valoriza. Chuck D lembra que é totalmente fora de contexto MCs escrever letras falando de riqueza e abundância quando a maior parte da população pobre, negra e hispânica sofre com problemas como a depressão econômica e são vítimas do complexo industrial carcerário (nome dado ao fenômeno relativo ao aumento vertiginoso nas duas últimas três décadas de presídios que possuem uma suprarepresentação de negros e latinos em suas fileiras).
Nas palavras de D “In these difficult times for many people (especially of color), this is a call to artists to continue to inspire, but to reflect the people better than the media does. Here’s to hoping that the Jay-Z & Kanye supergroup can elevate the masses to try a little bit more to reflect Otis’ heart rather than swag, because they’re too good to be less.” (Nesses tempos difíceis para muita gente (especialmente as de cor), isto é um chamado para os artistas continuarem a nos inspirar, mas para representarem o povo melhor do que midia faz. Aqui há a esperança de que o supergrupo Jay-Z e Kanye possam elevar as massas a tentar um pouco refletir mais como o coração de Otis do que se gabar, porque eles são bons demais para menos." Confira o video de Chuck D logo abaixo. Lembrando que o MC ainda é autor do livro Fight the Power: Rap, Race and Reality lançado em 1998 (imagem acima).
Nas palavras de D “In these difficult times for many people (especially of color), this is a call to artists to continue to inspire, but to reflect the people better than the media does. Here’s to hoping that the Jay-Z & Kanye supergroup can elevate the masses to try a little bit more to reflect Otis’ heart rather than swag, because they’re too good to be less.” (Nesses tempos difíceis para muita gente (especialmente as de cor), isto é um chamado para os artistas continuarem a nos inspirar, mas para representarem o povo melhor do que midia faz. Aqui há a esperança de que o supergrupo Jay-Z e Kanye possam elevar as massas a tentar um pouco refletir mais como o coração de Otis do que se gabar, porque eles são bons demais para menos." Confira o video de Chuck D logo abaixo. Lembrando que o MC ainda é autor do livro Fight the Power: Rap, Race and Reality lançado em 1998 (imagem acima).
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
De Passagem
Aqui em Washington DC faz calor! No meio do mormaço eu tento resolver pepinos, estudar, ler por prazer e escrever algo que valha. Saudades do Brasil, de amig@s, de Dona Joana e Sô Jão. Assim caminha a humanidade. Andei fuçando nos inBLÓGios que gosto de ler habitualmente descobri que boa parte das pessoas não tem escrito: falta tempo, deve rolar desânimo e, vez ou outra, ausência de assunto para ser publicado, eu acho. Muita gente também simplesmente desistiu de escrever. Pena. Mas nessas horas dou uma olhada nos textos antigos d@s meus/minhas trutas e sempre encontro umas pérolas que não tenho a mínima cara de pau de roubar para exibir por aqui.
Pois bem, a assaltada de hoje então é a minha amiga Katia Costa-Santos que possue o inBLÓGio WebNeguinha Já falei da moça por aqui ano passado quando ela lançou o seu livro que retrata a vida da cantora Dona Ivone Lara (leia meu post AQUI). Hoje li um trecho traduzido por ela de um clássico da literatura afro-americana e que ela postou no inBLÓGio dela há um bom tempo atrás. A propósito, foi um dos primeiros posts dela. Okay, sem mais delongas leiam a parada logo abaixo. O texto reflete sobre o processo conhecido nos EUA como passing na qual uma pessoa negra possuidora de fenótipos brancos decide mudar de lado em termos raciais (entendeu o porquê da foto acima agora?). Ah, ia esquecendo: sista Katia é PhD em literatura por uma universidade norte-americana e mora atualmente no Rio de Janeiro.
Obrigado Katia!
Beijos do Márcio/Kibe.
Esta é uma tradução minha do texto original, Passing, extraído do livro The Ways of White Folks, lançado pela primeira vez em 1934, do renomado poeta e escritor Langston Hughes [foto ao lado], um dos principais personagens do movimento historicamente conhecido como Harlem Renaissance (Renascença Negra do Harlem) promovido pelos Afro-Americanos.
************************************************************************************
O engraçado, Mãe, é como alguns brancos não gostam mesmo de pessoas de cor, não é? (Se não fosse assim, eu não precisaria passar por branco para preservar o meu bom emprego.) Às vezes eles perdem a linha falando coisas ruins sobre as pessoas de cor, espalhando que somos todos ladrões e mentirosos, ou temos doenças – tuberculose, sífilis e coisas assim. Sem se importarem com o fato de que ao espalharem essas propagandas falsas por aí fica mais difícil para um homem Negro conseguir um bom emprego. Eu não sabia que eles costumavam falar essas coisas terríveis de nós, até eu começar a passar por branco, ouvir as conversas deles, e conviver com eles.
Mas eu não me importo de ser “branco”, Mãe, e foi generoso da sua parte me encorajar a ir em frente e me valer da minha pele clara, e do meu cabelo bom. Isso me ajudou a conseguir este trabalho, Mãe, onde ganho 65 dolares por semana, apesar da crise. E estou para ser promovido a secretário chefe, caso o Sr. Weeks vá para Washington. Quando olho para o porteiro, um rapaz de cor, que também varre a portaria, eu acho que é isto que eu estaria fazendo se a minha pele não fosse clara o bastante para escapar dessa. Não importa o quão inteligente esse rapaz seja, eles não o admitiriam como escriturário, não se soubessem. Apenas como porteiro. É por isso que às vezes eu tenho o maior prazer em dizer uns dasaforos para o chefe, que nem imagina que tem um secretário de cor.
Mas, Mãe, me senti muito mal na noite passada. Foi a primeira vez que nos encontramos em público nessa situação. É o tipo de coisa que torna difícil essa situação de passar por branco. Ter que renegar os própios familiares quando os vê. Claro, sei que a senhora e eu compreendemos que essa é a melhor opção, mas mesmo assim é terrível. Eu te amo, Mãe, e odeio fazer isso, mesmo que a senhora diga que não se importa.
Mas o que a senhora achou da garota que estava comigo, Mãe? É com ela que eu vou me casar. Muito bonitinha, não é? Bem disposta. Os pais têm uma situação estável. A família dela é alemã-americana, e também não têm muito preconceito em relação aos negros. Semana passada eu a levei para assistir a um tetro de revista de gente de cor e ela adorou. Ela disse, “as pessoas escuras são muito graciosas e alegres”. Imagina, o que ela teria dito se eu tivesse contado para ela que eu era de cor, ou meio-de-cor – e que o meu pai era branco, mas que a senhora não era? Mas acho que não vou mexer com isso. Já que eu decidi que vou viver no mundo dos brancos, onde já consegui conquistar o meu espaço (um bom espaço), para que continuar pensando em raça? Ainda bem que não preciso mais pensar nisso, eu já sei o bastante.
Espero que o Charlie e a Gladys não me levem a mal. É engraçado apenas eu, entre os filhos, ter saído claro o bastante para conseguir passar por branco. Charlie é até mais escuro que a senhora, Mãe. Eu sei que na escola ele ficava meio chateado quando os professores pensavam que eu era branco, antes de saberem que nós éramos irmãos. Eu também me sentia mal com isso. Mas agora estou feliz por a senhora ter me apoiado, ter me dito para ir em frente e conquistar na vida tudo o que eu puder. E é isso que vou fazer, Mãe. Vou me casar com uma branca e viver como branco, e se algum dos meus filhos nascer escuro eu juro que não é meu. Nunca mais serei pego pela cor. Não eu. Estou livre Mãe, livre!
Bom mesmo seria se eu pudesse sair de Chicago, fosse transferido para o escritório de Nova Iorque, ou de São Francisco – algum lugar onde o que aconteceu ontem à noite jamais acontecesse de novo. Foi horrível passar pela senhora e não falar. Se fosse a Gladys ou o Charlie que passassem por mim na rua, talvez não tivessem a mesma descrição da senhora – porque eles não parecem muito satisfeitos com o fato de eu estar me passando por branco. Mas eu não vejo o por quê. Eu não estou fazendo nada contra eles, e mando dinheiro para a senhora toda semana e ajudo tanto quanto eles, ou mais. Mãe, diga a eles para não me hostilizarem caso esbarrem comigo e com a minha namorada por aí. Talvez tivesse sido melhor que a senhora e eles dois tivessem ficado em Cincinnati e eu tivesse vindo sozinho quando decidimos nos mudar, depois da morte do velho. Ou pelo menos, deveríamos ter ido para cidades diferentes, não é?
Meu Deus, Mãe, quando eu lembro que o pai deixou tudo para a família branca dele, e que legalmente a senhora não pôde fazer nada pelos filhos, meu sangue ferve. Eu sei que a senhora não teria a menor chance num tribunal de Kentucky, mas se a senhora tivesse pelo menos tentado, os filhos brancos dele poderiam ter dado um cala-a-boca qualquer a senhora. Acho que eles não iam querer que se espalhasse por aí que eles têm irmãos de cor. A senhora foi orgulhosa demais, Mãe, num foi? Eu nao teria sido tão orgulhoso.
Bem, ele comprou uma casa para a senhora e colocou todos nós na faculdade. Ainda bem que eu terminei a faculdade em Pittsburgh antes da morte dele. Pena que o Charlie e a Gladys tiveram que trancar, mas eu espero que Charlie consiga algo melhor para fazer do que trabalhar em uma garagem. E pelo que a senhora me disse sobre a Gladys na última carta, a senhora tem razão de estar preocupada com ela – querer fazer parte do coro de um daqueles cabarés do Sul. Meu Deus! Mas sei que realmente está difícil para as moças conseguirem qualquer tipo de trabalho nesses tempos de crise, principalmente moças de cor, até mesmo a Gladys, que é mulata bem clara, e inteligente. Mas espero que a senhora consiga segurá-la em casa, e longe daqueles chiqueiros do Sul. Aquilo não é lugar para uma moça decente.
Bem, Mãe, fico por aqui porque prometi levar minha perdição ao cinema hoje à noite. Ela não é Linda de se ver, bem loirinha de olhos azuis? Estamos fazendo planos para a nossa casa para quando nos casarmos. Vamos morar em um pequeno apartamento na Zona Norte, em um bom bairro, lá naquelas agradáveis e tranqüilas ruas arborizadas. Eu vou manter uma caixa postal nos correios para as suas correspondências. Felizmente não há nada que impeça as cartas de cruzarem as fronteiras raciais. Mesmo que não possamos nos encontrar com freqüência, podemos nos escrever, não é, Mãe?
Com amor, do seu filho,
Pois bem, a assaltada de hoje então é a minha amiga Katia Costa-Santos que possue o inBLÓGio WebNeguinha Já falei da moça por aqui ano passado quando ela lançou o seu livro que retrata a vida da cantora Dona Ivone Lara (leia meu post AQUI). Hoje li um trecho traduzido por ela de um clássico da literatura afro-americana e que ela postou no inBLÓGio dela há um bom tempo atrás. A propósito, foi um dos primeiros posts dela. Okay, sem mais delongas leiam a parada logo abaixo. O texto reflete sobre o processo conhecido nos EUA como passing na qual uma pessoa negra possuidora de fenótipos brancos decide mudar de lado em termos raciais (entendeu o porquê da foto acima agora?). Ah, ia esquecendo: sista Katia é PhD em literatura por uma universidade norte-americana e mora atualmente no Rio de Janeiro.
Obrigado Katia!
Beijos do Márcio/Kibe.
Saturday, November 13, 2004
De PassagemEsta é uma tradução minha do texto original, Passing, extraído do livro The Ways of White Folks, lançado pela primeira vez em 1934, do renomado poeta e escritor Langston Hughes [foto ao lado], um dos principais personagens do movimento historicamente conhecido como Harlem Renaissance (Renascença Negra do Harlem) promovido pelos Afro-Americanos.
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De Passagem
Langston Hughes (1902-1967)
Chicago,
Domingo, 10 de Outubro.
Querida Mãe,
Langston Hughes (1902-1967)
Chicago,
Domingo, 10 de Outubro.
Querida Mãe,
Me senti um cachorro, por passar pela senhora na cidade, na noite passada, e não falar. Mas a senhora, no entanto, foi demais. Não deu o menor sinal de que me conhecia, e muito menos de que eu era seu filho. Se eu não estivesse com a minha garota, Mãe, nós poderíamos ter nos falado. Eu já não temo tanto, como antes, que alguém pense que eu sou uma pessoa de cor só por me verem conversando com um Negro na rua. Apesar do que, acho que na aparência eu estou acima de qualquer suspeita. Lembra como era difícil para mim, na escola, convencer os professores de que eu na verdade era de cor? Às vezes mesmo depois de conhecerem a senhora, minha mãe, eles ainda assim não acreditavam. Acho que eles pensavam que eu apenas tinha uma mãe mulata. Desde que comecei a me passar por branco, ninguém jamais duvidou de que eu fosse um homem branco. Aonde eu trabalho, o chefe é do Sul e sempre fala mal dos Negros na minha presença, e nem sonha que eu também seja. Dá vontade de rir!
O engraçado, Mãe, é como alguns brancos não gostam mesmo de pessoas de cor, não é? (Se não fosse assim, eu não precisaria passar por branco para preservar o meu bom emprego.) Às vezes eles perdem a linha falando coisas ruins sobre as pessoas de cor, espalhando que somos todos ladrões e mentirosos, ou temos doenças – tuberculose, sífilis e coisas assim. Sem se importarem com o fato de que ao espalharem essas propagandas falsas por aí fica mais difícil para um homem Negro conseguir um bom emprego. Eu não sabia que eles costumavam falar essas coisas terríveis de nós, até eu começar a passar por branco, ouvir as conversas deles, e conviver com eles.
Mas eu não me importo de ser “branco”, Mãe, e foi generoso da sua parte me encorajar a ir em frente e me valer da minha pele clara, e do meu cabelo bom. Isso me ajudou a conseguir este trabalho, Mãe, onde ganho 65 dolares por semana, apesar da crise. E estou para ser promovido a secretário chefe, caso o Sr. Weeks vá para Washington. Quando olho para o porteiro, um rapaz de cor, que também varre a portaria, eu acho que é isto que eu estaria fazendo se a minha pele não fosse clara o bastante para escapar dessa. Não importa o quão inteligente esse rapaz seja, eles não o admitiriam como escriturário, não se soubessem. Apenas como porteiro. É por isso que às vezes eu tenho o maior prazer em dizer uns dasaforos para o chefe, que nem imagina que tem um secretário de cor.
Mas, Mãe, me senti muito mal na noite passada. Foi a primeira vez que nos encontramos em público nessa situação. É o tipo de coisa que torna difícil essa situação de passar por branco. Ter que renegar os própios familiares quando os vê. Claro, sei que a senhora e eu compreendemos que essa é a melhor opção, mas mesmo assim é terrível. Eu te amo, Mãe, e odeio fazer isso, mesmo que a senhora diga que não se importa.
Mas o que a senhora achou da garota que estava comigo, Mãe? É com ela que eu vou me casar. Muito bonitinha, não é? Bem disposta. Os pais têm uma situação estável. A família dela é alemã-americana, e também não têm muito preconceito em relação aos negros. Semana passada eu a levei para assistir a um tetro de revista de gente de cor e ela adorou. Ela disse, “as pessoas escuras são muito graciosas e alegres”. Imagina, o que ela teria dito se eu tivesse contado para ela que eu era de cor, ou meio-de-cor – e que o meu pai era branco, mas que a senhora não era? Mas acho que não vou mexer com isso. Já que eu decidi que vou viver no mundo dos brancos, onde já consegui conquistar o meu espaço (um bom espaço), para que continuar pensando em raça? Ainda bem que não preciso mais pensar nisso, eu já sei o bastante.
Espero que o Charlie e a Gladys não me levem a mal. É engraçado apenas eu, entre os filhos, ter saído claro o bastante para conseguir passar por branco. Charlie é até mais escuro que a senhora, Mãe. Eu sei que na escola ele ficava meio chateado quando os professores pensavam que eu era branco, antes de saberem que nós éramos irmãos. Eu também me sentia mal com isso. Mas agora estou feliz por a senhora ter me apoiado, ter me dito para ir em frente e conquistar na vida tudo o que eu puder. E é isso que vou fazer, Mãe. Vou me casar com uma branca e viver como branco, e se algum dos meus filhos nascer escuro eu juro que não é meu. Nunca mais serei pego pela cor. Não eu. Estou livre Mãe, livre!
Bom mesmo seria se eu pudesse sair de Chicago, fosse transferido para o escritório de Nova Iorque, ou de São Francisco – algum lugar onde o que aconteceu ontem à noite jamais acontecesse de novo. Foi horrível passar pela senhora e não falar. Se fosse a Gladys ou o Charlie que passassem por mim na rua, talvez não tivessem a mesma descrição da senhora – porque eles não parecem muito satisfeitos com o fato de eu estar me passando por branco. Mas eu não vejo o por quê. Eu não estou fazendo nada contra eles, e mando dinheiro para a senhora toda semana e ajudo tanto quanto eles, ou mais. Mãe, diga a eles para não me hostilizarem caso esbarrem comigo e com a minha namorada por aí. Talvez tivesse sido melhor que a senhora e eles dois tivessem ficado em Cincinnati e eu tivesse vindo sozinho quando decidimos nos mudar, depois da morte do velho. Ou pelo menos, deveríamos ter ido para cidades diferentes, não é?
Meu Deus, Mãe, quando eu lembro que o pai deixou tudo para a família branca dele, e que legalmente a senhora não pôde fazer nada pelos filhos, meu sangue ferve. Eu sei que a senhora não teria a menor chance num tribunal de Kentucky, mas se a senhora tivesse pelo menos tentado, os filhos brancos dele poderiam ter dado um cala-a-boca qualquer a senhora. Acho que eles não iam querer que se espalhasse por aí que eles têm irmãos de cor. A senhora foi orgulhosa demais, Mãe, num foi? Eu nao teria sido tão orgulhoso.
Bem, ele comprou uma casa para a senhora e colocou todos nós na faculdade. Ainda bem que eu terminei a faculdade em Pittsburgh antes da morte dele. Pena que o Charlie e a Gladys tiveram que trancar, mas eu espero que Charlie consiga algo melhor para fazer do que trabalhar em uma garagem. E pelo que a senhora me disse sobre a Gladys na última carta, a senhora tem razão de estar preocupada com ela – querer fazer parte do coro de um daqueles cabarés do Sul. Meu Deus! Mas sei que realmente está difícil para as moças conseguirem qualquer tipo de trabalho nesses tempos de crise, principalmente moças de cor, até mesmo a Gladys, que é mulata bem clara, e inteligente. Mas espero que a senhora consiga segurá-la em casa, e longe daqueles chiqueiros do Sul. Aquilo não é lugar para uma moça decente.
Bem, Mãe, fico por aqui porque prometi levar minha perdição ao cinema hoje à noite. Ela não é Linda de se ver, bem loirinha de olhos azuis? Estamos fazendo planos para a nossa casa para quando nos casarmos. Vamos morar em um pequeno apartamento na Zona Norte, em um bom bairro, lá naquelas agradáveis e tranqüilas ruas arborizadas. Eu vou manter uma caixa postal nos correios para as suas correspondências. Felizmente não há nada que impeça as cartas de cruzarem as fronteiras raciais. Mesmo que não possamos nos encontrar com freqüência, podemos nos escrever, não é, Mãe?
Com amor, do seu filho,
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
Rolês em Washington DC
O inBLÓGlio anda meio devagar! Preguiça, pepinos para resolver e falta de inspiração. Focar outras coisas de vez em quando faz bem, né? Pois bem, quando as outras começam a dar errado voltamos pro inBLÓGlio. Escrevo diretamente de Washington DC onde passo uns dias na casa de uma amiga. Calor infernal, mas não reclamo já que odeio o frio da terra do mel e do ouro. By the way, estou nessa exato momento trabalhando no meu café predileto aqui em DC (os gringos pronunciam "'díci"): O Tryst Coffeehouse (visita o site AQUI). Lugar legal (região da Adams Morgan, uma espécie de Vila Madalena daqui), ambiente agradável, café gostoso, cerveja gelada, vinho, sandubas relativamente baratos e outros quitutes. Entretanto, o mais importante de tudo é o wifi na faixa: dá pra trazer o laptop, livros, cadernos e trabalhar à vontade. Outro lugar bastante recomendável por aqui é BusBoys And Poets (xereta AQUI), um misto de coffehouse, restaurante e livraria com espaço para pocket shows e saraus literários. Há dois deles em DC, um em Arlington, Virginia e outro em Baltimore, Maryland (VA e MD são os dois estados que circundam o distrito federal). Em DC recomendo o Bus situado na 14th Street que é mais legal e sempre tem uma negrada bonita e descolada. Também fica próximo da U Street, uma região tradicionalmente negra, mas que vem sofrendo um processo de gentrification vertiginoso nos últimos anos. Andando um pouquinho mais pela U St você passa pelo Ben's Chilli Bowl (site AQUI), uma lanchonete que serve vários sanduíches de chilli (uma espécie de carne moída apimentada!). O estabelecimento faz parte ainda da história negra da região. Adentrando o local você irá se deparar com uma fotografia enorme de Obama tirada na ocasião em que o presidente foi fazer um lanchinho no estabelecimento. Um pouquinho mais à frente, na Shaw Metro Station (linhas amarela e verde do metrô), está situada a mais importante universidade negra dos EUA: Howard University. A U Street tem vários cafés, restaurantes etíopes, barzinhos com música ao vivo e outras paradas. Vale a pena chegar! Minha dica é uma baladinha jamaicana chamada Patty Boom Boom (site AQUI). A casa é voltada para as diversas vertentes da música jamaicana e tem eventos diferentes a cada noite de terça a domingo com DJs e bandas tocando ao vivo. Dá ainda pra tomar a famosa cerveja jamaicana Red Stripe e comer uma empada jamaicana (jamaican patty) bem apimentada! Bom para dançar, mas não pra encontros românticos. Fazer rolê em DC é legal, mas o metrô não ajuda muito se você estiver fazendo balada entre domingo e quinta: nesses dias ele pará por volta da meia-noite. Nas sextas e sábados a bagaça funciona até as 3 da matina facilitando a vida dos baladeiros. Contudo, táxi por aqui é um pouco mais barato do que NYC e SP, é possível pegar um sem ser "assaltado" pelo taxímetro (há menos que você vá pra algum lugar muito distante, obviamente!). Os taxistas também são mais simpáticos do que os novaiorquinos e adoram um boa tip!
Muita Paz!
PS: a foto lá de cima é do meu café predileto no Tryst Coffehouse, o Cuban!
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