A foto acima é histórica e triste. Tirada pelo renomado fotógrafo alemão Horst Faas ela nada mais é do que a última imagem do revolucionário congolês Patrice Lumumba (1925-1961) vivo. Lumumba foi uma das figuras centrais no processo de independência de seu país, a República do Congo (antigo Zaire), em junho de 1960, que vivia sobre o domínio da Bélgica. O Congo Belga, como era conhecido, foi fruto da ambição colonial de um dos mais sanguinários reis europeus: Leopoldo II (para saber mais leia O Fantasma do Rei Leopoldo, de Adam Hochschild, Companhia das Letras, 1999). Após a independência do país o revolucionário Lumumba foi eleito primeiro ministro. Entretanto, o líder político enfrentou grandes dificuldades de unificar o país marcado por grandes divisões étnicas. Ao mesmo tempo, a Bélgica continuava a interferir no assuntos políticos do país conspirando contra o novo governo e patrocinando revoltas através de grupos contra revolucionários. Em uma delas, ocorrida na província sulista de Katanga, Lumumba solicitou a ajuda militar da União Soviética.
Num contexto de guerra fria uma ação deste tipo era motivo para a intervenção dos Estados Unidos através de métodos nada ortodoxos. Em dez semanas um golpe de estado patrocinado pelo Tio Sam retirou Lumumba do poder e o colocou em prisão domiciliar. Um agente da CIA foi despachado dos EUA com um tubo de pasta de dente contendo veneno que seria utilizado no assassinato do político congolês. Antes do assassino chegar ao país Lumumba fugiu da prisão domiciliar, mas foi capturado num avião em Elizabethville (atual Lubumbashi, segunda maior cidade do país). Logo depois da prisão Lumumba foi espancado e humilhado em público diante de repórteres e diplomatas. A foto acima foi tirada em cima de um caminhão, logo após esses acontecimentos. Um mês depois Lumumba foi executado a tiros por um grupo de soldados do exército belga. Seu corpo foi enterrado no mesmo lugar da execução e mais tarde desenterrado e dissolvido em ácido. Os ossos foram moídos e espalhados ao vento para se certificar de que nada do revolucinário restaria. O coronel que depôs Lumumba foi Joseph Mobutu (posteriormente Mobutu Sese Seko) que controlaria o país de forma despótica até 1997.
Mas Lumumba e outros nacionalistas partidários seus ficaram também conhecidos por transformar a cerimônia de independência do Congo numa situação extremamente desconfortável para as autoridades belgas. O rei belga Baudouin e o presidente da República do Congo à época Joseph Kasavubu iam em carro aberto no trajeto entre o aeroporto e a capital do país Leopoldville. Em determinado momento um nacionalista surgiu de repente ao lado do rei e lhe roubou a espada antes que os seguranças pudessem fazer algo. A imagem foi registrada pelo fotográfo alemão Robert Lebeck (ver logo abaixo) e passaria a simbolizar o declínio do poder do homem branco no continente africano perante o processo de independência que se intensificaria em vários países.
Lumumba, por sua vez, proferiu um discurso na cerimônia de independência atacando os colonizadores belgas. Bradava ele que "L'esclavage a été imposé à nous par la force!" (A escravidão foi imposta a nós pela força!) e enquanto o rei sentava-se chocado e pálido Lumumba continuou seu discurso afirmando que "Nous avons connu les ironies et les insultes. Nous nous souvenons des coups que nous devions soumettre matin, midi et soir parce que nous étions nègres!" (Nós conhecemos bem ironias e insultos. Nós nos lembramos das tarefas a que éramos submetidos pela manhã, tarde e noite por sermos negros!) e, por fim, "Nous ne sommes plus vos macaques!" (Nós não somos mais os seus macacos!). Extremamente ofendido, o rei estava decidido a tomar imediatamente o avião de volta a Bélgica, mas após a entrada em campo da turma do "deixa disso" ele foi persuadido a mudar de idéia e permanecer no país até o final das festividades. Patrice Lumumba era dos nossos: um original negrão sangue no zóio!
Paz!