“O Novo Jim Crow: Controle e Morte Social"*
Marian Wright Edelman (foto abaixo)
"Jarvious Cotton não pode votar. Assim como seu pai, avô, bisavó e tataravó, lhe é negado o direito de participar em nossa democracia eleitoral. O tataravó de Cotton não podia voltar por ser escravo. Seu bisavó foi espancado até a morte pela Ku Klux Klan por tentar votar. Seu avó foi impedido de votar devido a intimidação da Klan. Seu pai foi barrado de votar por não pagar impostos e devido a ser analfabeto. Hoje, Jarvious Cotton não pode votar porque ele, assim como muitos homens negros nos Estados Unidos, foi rotulado como criminoso e está atualmente sobre liberdade condicional".
"A história de Cotton ilustra, de muitas formas, o velho adágio "Quanto mais as coisas mudam, mais ele permanecem as mesmas"... Na era de "colorblindness" (cegueira de cor), não é mais socialmente permitido usar, explicitamente, raça como uma justificativa para discriminação, exclusão e desdém social. Pois bem, não usamos. Melhor do que se basear em raça, usamos nosso sistema de justiça criminal para rotular pessoas de cor como "criminosos" e daí engajar em todas as práticas que supostamente deixamos para trás... Uma vez que você é rotulado criminoso, as velhas formas de discriminação - na procura por emprego, moradia, negação do direito de votar, oportunidades educacionais, auxílio alimentação e outros benefícios públicos, além da exclusão de participação em júri popular - são repentinamente legais. Como criminoso, você tem pouquíssimos direitos mais, e provavelmente menos respeito, do que um negro vivendo no Alabama no ápice do Jim Crow*. Nós ainda não findamos a casta racial na América; nós meramente a reprojetamos."
Assim começa a introdução do extraordinário livro The New Jim Crow: Mass Incarceration in the Age of Colorblindness (2010) de autoria da jurista e ex-advogada Michele Alexander (foto abaixo). The New Jim Crow vem sendo elogiado por documentar em convincentes detalhes como os atuais níveis históricos de encarceramento nos Estados Unidos tem desproporcionalmente mirado comunidades de cor e funcionado com um meio de controlar pessoas de cor, justamente como a escravidão e Jim Crow fizeram no seu tempo.
Alexander reconhece que muitas pessoas acham esse argumento difícil de acreditar na era da "colorblindness". Muitos americanos queriam ver a histórica eleição do Presidente Obama como o esperançoso e derradeiro sinal de que nossa nação avançou sobre seu "passado racial" e muitos acreditam que milhões de outros negros americanos que são presos e privados de direitos estão nesta condição somente por conta de escolhas individuais ruins. Quando confrontados com os fatos de que os índices de encarceramento de nossa nação tem quintuplicado nas últimas décadas e os Estados Unidos tem a maior população presidiária do mundo que aprisiona os mais altos números da sua população minoritária, Alexander diz que americanos simplesmente aceitam o mito prevalecente que "há, é claro, uma "colorblind" explicação para tudo isso: índice de criminalidade. Nossa população presidiária explodiu de 300.000 para mais de 2 milhões em poucas décadas, é dito, por causa do crime crescente. Nós é dito que a razão pela qual muitos homens negros e pardos (brown) encontram-se atrás das grades entrando num permanente status de segunda classe é porque acontece deles serem os rapazes ruins (vilões)". Mas como The New Jim Crow argumenta, os dados mostram que isto simplesmente não é verdade.
Enquanto encarceramento pode estar enraizado em escolhas individuais ruins para alguns, a evidente disparidade racial em buscas, prisões, condenações e sentenciamentos pelos mesmos crimes sugerem que nossa nação não trata as decisões ruins de todos igualmente. O que tem crescido exponencialmente ao longo dos anos não são os índices de criminalidade de nossa nação - os quais tem na verdade caído abaixo na média internacional -, mas sim os números de condenação por drogas nos EUA como resultado da nossa declarada "Guerra às Drogas". Muitas pessoas logo assumem que com certeza criminosos negros estão sendo encarcerados por crimes de drogas em índices recordes porque eles são os que estão cometendo esses crimes. Em alguns estados, negros compreendem de 80 a 90 por cento de todos os condenados mandados para a prisão. Mas The New Jim Crow diligentemente enfatiza como a mídia e estratégias políticas manufaturam as imagens populares da Guerra às Drogas como um ataque contra assustadores e violentos traficantes negros quando, de fato, "estudos mostram que pessoas de todas as cores usam e vendem drogas em índices notavelmente similares. Se há diferenças significativas a serem achadas nas pesquisas, elas freqüentemente sugerem que brancos, particularmente jovens brancos, são mais prováveis de engajarem em crimes de drogas do que pessoas de cor". Enquanto isso, como The New Jim Crow mostra claramente, o dramático crescimento no tamanho das penas em regime fechado mesmo para crimes não-violentos e as conseqüências a longo prazo que advém ao ser classificado como criminoso mesmo após uma sentença ser cumprida tem feito do encarceramento hoje uma histórica forma punitiva de controle e morte social - exatamente ao mesmo tempo em que números recordes afro-americanos são mantidos confinados.
É assim que encarceramento em massa funciona como o novo Jim Crow, com previsíveis resultados destrutivos para comunidades e famílias negras. Para aqueles de nós preocupados com a crise do Cradle to Prison Pipeline* de nossa nação, este último perigo ameaça oprimir e destruir o futuro de milhões de nossas crianças. Ao identificar e dar nome a ele, Michele Alexander colocou um holofote crítico sobre uma realidade que nossa nação não dar-se ao luxo de negar. Nós ignoramos sua cuidadosa pesquisa e ficamos em silêncio sobre os devastantes efeitos do encarceramento em massa sobre perigo nosso e da nossa nação.
Marian Wright Edelman é presidente da Children's Defense Fund Child. Sua coluna Watch Column é publicada semanalmente no The Huffington Post e Change.org
*Texto publicado no Huffington Post em 11 de março de 2011. Leia AQUI em inglês.
*Jim Crow faz referência ao sistema de segregação racial que prevaleceu no sul dos Estados Unidos entre 1876 e 1965. A origem da expressão "Jim Crow" tem sido atribuída ao termo "Jump Jim Crow", umacanção e dança caricatural de afro-americanos realizada pelo ator branco Thomas D. Rice (1808-1960) usando o rosto pintado de preto (blackface) que surgiu pela primeira vez em 1832 e era usada para satirizar as políticas populistas do presidente Andrew Jackson (1767-1845). Como resultado da fama de Rice, "Jim Crow" se tornou uma expressão pejorativa que designava um africano americano por volta de 1838. Posteriormente, as leis de segregação racial, que estabeleciam separação entre negros e brancos, ficariam conhecidas como leis Jim Crow.
* O termo faz referência a um relatório lançado pela Children's Defense Fund/CDF (Fundo de Defesa das Crianças) em 2007 cujo os argumentos criavam a analogia de que nos Estados Unidos haveria um tubo/cano que ligava do berço à prisão (cradle to prison pipeline) jovens negros e latinos devido a intersecção entre pobreza e raça.