segunda-feira, 11 de outubro de 2010

NYC Crime Map: o Mapa da Correria na Gringa!

Tenho escrito pouco aqui. Falta de tempo, como já devem saber. O semestre começou de vez e fica difícil conciliar as milhares de páginas pra ler com o grande prazer que sinto em redigir textos pro blog. Paciência, na medida do possível vou escrevendo. Muita coisa rolou nessas últimas semanas aqui em New York Shit. Teve até a passagem de um tornado pela cidade responsável por derrubar centenas de árvores e, se não me engano, matar uma pessoa. New York New York...  I love this shit!

 

Pois bem, vamos ao que interessa! Uma das perguntas mais recorrentes que fazem para mim sobre minha experiência de viver aqui na gringa é sobre violência. Meus/minhas trutas brasileir@s são extremamente curiosos para saber como o bicho pega nas quebradas da Big Apple. Ironicamente, respondo que não sei da violência, pois como negrão que sou é mais comum as pessoas me verem como perpetrador de violência. Não acredita? Bem, isso é assunto para outro post. Entretanto, semana passada tive um encontro com minha orientadora para conversamos sobre a minha pesquisa e outros assuntos acadêmicos e lembrei de algo que há tempo queria postar aqui no blog e que havia visto no curso de sociologia urbana que ela ministrou ano passado. O barato se chama crime map, mas ele poderia ser traduzido, via bom maloquês paulistano, como o "mapa da correria". A propósito de esclarecimento, "correria" é um termo que envolve vários significados na linguagem de rua de São Paulo. Quando alguém afirma que "o mano é correria", se está fazendo alusão a que ele está envolvido em algum tipo de atividade que pode ser ilícita ou não. Aqui nos referimos a correria como crime!



O NYC Crime Map (clique AQUI para visitar a página) mostra online as estatísticas relacionadas ao crime em New York City e o local onde eles ocorreram. É possível ver quais o tipo de crime (entre roubos, assaltos, agressões, apreensão de drogas, tiroteios e homícidios) que ocorrem em toda a ilha de Manhattan e nos outros quatro boroughs (áreas administrativas) que juntos compõem NYC (na imagem abaixo Manhattan [1], Brooklyn [2], Queens [3], Bronx [4] e Staten Island [5]).

File:5 Boroughs Labels New York City Map Julius Schorzman.png

Essa iniciativa também pode ser considerada parte da política que ficou conhecida como tolerância zero e que teve início na administração do prefeito Rudolph Giuliani, mais conhecido como "Rudy", entre 1994 e 2001. O tolerância zero é elogiado por alguns e criticado por outros. Basicamente, essa política de segurança se baseia naquilo que ficou conhecido como broken windows theory. Explico-me! Em 1982, James Wilson e George Kelling escreveram um influente artigo para a a revista The Atlantic (leia o esquema clicando AQUI) defendendo a idéia de que o combate a desordens vistas como menores (mendicância, não pagar metrô pulando a catraca, prostituição, urinar em via pública, etc.) e sinais de negligência no ambiente urbano (janelas quebradas, paredes e muros pixados/grafitados além de lixo) poderiam fazer uma significativa diferença no combate a crimes mais sérios. Acadêmicos e elaboradores de políticas públicas defendem que o ensaio catalizou uma revolução nas políticas urbanas de cidades européias e norte-americanas. No caso da Big Apple houve uma reestruturação da polícia novaiorquina com aumento do efetivo, combate a policiais corruptos e maior repressão a todo tipo de crime na cidade como um todo pari a passu ao estabelecimento de um processo de gentrification em diversas partes da cidade que substituía moradores pobres e diversificados do ponto de vista étnico/racial por outros majoritariamente brancos e oriundos das classes alta e média.

 

O resultado geral foi um queda considerável do índice de criminalidade em NYC, uma espécie de limpeza (étnica/racial e no que diz aos prédios reformados e livres de pixo/grafite) do aparelho urbano e um aumento na sensação de segurança dos indíviduos. Entretanto, críticos afirmam que a maneira como o tolerância zero funciona tende a penalizar comunidades pobres constituídas majoritariamente por negros e latinos, violar direitos individuais de privacidade (no caso de câmeras de vigilância instaladas em diversas áreas da cidade), expulsão/retirada da população de rua de áreas consideradas nobres além da privatização de áreas públicas como parques e praças (ver o famoso caso do Bryant Park em Midtown, Manhattan). Loïc Wacquant, sociólogo francês e professor na University of California at Berkeley, afirma que o tolerância zero se enquadra dentro de uma lógica neoliberal de administrar a pobreza pelo estado. Assim sendo, o estado que antes se caracterizava como um welfare state, ou seja, fornecendo um mínino de renda, bem estar e assistência aos mais pobres, tende a atuar agora como um penal state onde políticas de bem estar são retiradas e em seu lugar passa a ocorrer um grande investimento no aumento dos efetivos policiais e presídios que visam administrar a pobreza do capitalismo tardio ou a "marginalidade avançada" nos termos do autor (caso tenha interesse leia Urban Outcasts [2007] cuja tradução para o português leva o título de As Duas Faces do Gueto).



Manhattan é um lugar seguro. Você presencia coisas que são totalmente impensáveis para uma cidade como São Paulo como gente usando seu laptop ou iPad no metrô, turistas ou moradores locais carregando e usando câmeras fotográficas/vídeo profissionais ou semi-profissionais caríssimas na rua além de ser perfeitamente possível caminhar pela cidade de madrugada sem ter a mesma sensação de medo que aflige a maioria dos paulistanos e outros moradores de outras grandes e médias cidades no Brasil. Entretanto, esse clima de tranquilidade se restringe a ilha de Manhattan e é necessário saber qual o preço que se paga por essa segurança. Os números que apontam os Estados Unidos como contendo a maior população carcerária do mundo além da suprarepresentação nesse universo carcerário de negros e latinos são sintomáticos de algo, não?

Muita Paz!

Comentários (5)

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Ótimom texto meu velho! Se tiver um tempo leia este artigo...na época que estava por aí esse escandá-lo estava bombando. Falava justamente sobre como os policiais estavam abusando da força em Bed Stuy... http://blogs.villagevoice.com/runninscared/archiv...
Aê, Kibão!
E você dá um rolê pelos outros bairros também? Acredito que sim, né. Já postou coisas aí do Brooklin e tal. Como é a sensação de segurança por lá? Pelo fato de você ser negro a situação muda, pelo jeito.
Oi Kibe, E engrecado que voce tem um mapa de Baltimore! Acho que voce deve escrever um post sobre o fato que algumas pessoas acham que o/as negro/as sao os perpetradores de toda a violência.
Caracas Kibe, lendo o seu texto, penso no que está ocorrendo no Rio de Janeiro, principalmente nos ultimos 30 dias, não que aqui em Sampa as coisas andam as mil maravilhas, mas os arrastôes que vem ocorrendo na "Cidade Maravilhosa" , (dois por dia segundo noticias da "GROBO"); Me faz pensar: será que as mesmas medidas tomadas em Manhatan dariam certo por aqui? Vou colocar sua materia na Cultura Black e lá deixar essa pergunda no ar, lembro-me que o texto que voce escreveu aqui, sobre negros esnobes, e que levei pra Cultura Black, rendeu muito por aqui.
Abcs Amigão
MUITO BOM!!!!!
Hei kibe, achei muito bom esse artigo. Mesmo num espaço pequeno e limitado, acho que ajudou muito as pessoas a pensarem em ver como é NY, do ponto de vista, pra além do que se fala na mídia, e também a concatenar as idéias higienistas e ultra-elitisadas, quando na aplicação em cidades como S. Paulo e RJ. Há semelhanças entre esses casos.
Há um filme muito bom de Spike Lee (nao lembro o nome agora), que aporta um pouco o histórico de algumas cidades, na qual as comunidades mais pobres (e discriminadas), são forçadas por N "motivos" a deixarem suas casas, etc.
Sem retirar nada do que vc aportou, fiquei na dúvida (expectativa), se há ou como se comportaram, as forças contrárias, ou resistências à estas políticas, principalmente contra a repressão policial, e mudanças de casa (levando os mais pobres para bairros mais periféricos). Houve ou há algum tipo de resistência, mesmo que por vias parlamentares ou instituições "democráticas"??
Grande abraço mlk! (jhuniors@hotmail.com - Celso jr)

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