Em meu primeiro ano de USP, 1997, Gildo havia acabado de retornar de um estágio de pós-doutoramento nos EUA e foi dar aula para os pentelhos do primeiro ano como eu. Ainda lembro de minha primeira pergunta dirigida a ele. O professor explicava a diferenciação feita por Max Weber no clássico texto Ciência e Política: Duas Vocações entre as éticas da convicção e da responsabilidade e tentei enfiar Malcolm X na conversa. Gildo foi extremamente simpático e respondeu dizendo que na autobiografia de X é possível visualizar vários momentos em que o ativista negro agiu baseado numa ética da responsabilidade, mas que seu compromisso religioso esteve subordinado a ética da convicção. Assim era Gildo, por maior que fosse a besteira que os alunos falassem ele conseguia, elegantemente e esbanjando erudição, colocar dentro do contexto do que estava sendo discutido.
Anos depois fiz um curso de pensamento político brasileiro com ele. Lemos Visconde de Cairú, Caio Prado Jr., Florestan Fernandes, Celso Furtado, Oliveira Vianna dentre outros. Confesso que, diante da aula de Gildo, pensei em seguir carreira na ciência política. Era fenomenal ver aquele tiozão, que tinha idade para ser pai de todo mundo na classe, usando argumentos de Rousseau, Locke, Hobbes, Marx, Gramsci dentre outros pensadores clássicos para evidenciar o sentido, forças e fraquezas dos argumentos dos autores que líamos.
Enfim, Gildo irá fazer falta a USP, a acadêmia e as ciências sociais brasileiras que ficaram mais pobres na segunda passada. De minha parte, vou sempre me lembrar do senhor barrigudinho, vestindo calça jeans, camisa, um coletinho - desses das imagens clássicas dos antropólogos fazendo campo em algum lugar distante - e óculos de aro grosso andando pelo prédio da Ciências Sociais/Filosofia. Assista vídeo com ele abaixo no qual o professor discorre sobre as mudanças ocorridas na esquerda brasileira. O tom às vezes irônico de sua fala era típico do professor.
Abaixo texto que saiu na Pesquisa Fapesp Online com uma foto de Antonio Gramsci (1891-1937), pensador italiano que Brandão era especialista.
Descanse em Paz, Gildo!
Notícias
A morte de Gildo Marçal Brandão
Aos 61 anos, o cientista político da USP morreu na segunda-feira, dia 15/02
Edição Online - 18/02/2010
Morreu na noite de segunda-feira (15/02), aos 61 anos, o cientista político da USP Gildo Marçal Brandão. Ele descansava com a família em São Sebastião, no litoral paulista, quando se sentiu mal e faleceu.
Natural de Alagoas, Marçal Brandão graduou-se em 1970 em filosofia na Universidade Federal de Pernambuco, mas a militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB) levou-o a trocar os estudos filosóficos pela ciência política. Em finais dos anos 1970, já em São Paulo, lecionou na Unesp e, depois, na Escola de Sociologia e Política, na PUC e, por fim, na USP. Em 1992, defendeu seu doutorado sobre a gênese e o papel político do PCB e da esquerda brasileira, sob a orientação de Francisco Weffort. Paralelamente, foi também jornalista, como o primeiro editor da Voz da Unidade, o jornal do PCB, e, nos anos 1980, foi editorialista do jornal Folha de S.Paulo. Em 2004 fez sua Livre-Docência em Teoria Política Moderna pelo Departamento de Ciência Política da USP. Brandão foi pesquisador do Cedec e fez parte da Comissão Editorial da revista Lua Nova. Também foi dirigente da Anpocs.
No plano intelectual, foi um dos grandes especialistas em Gramsci, sendo bastante influenciado por ele, e, ao lado de intelectuais como Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder e Luiz Werneck Vianna, reelaborou as ideias do pensador italiano para desenvolver um conceito de esquerda democrática que pudesse ser adequada ao Brasil em seus novos tempos.
Entre 1995 e 1996, esteve na Universidade de Pittsburgh, nos EUA onde concluiu seu pós-doutorado em teoria política, o que acabou gerando a sua grande obra Linhagens do pensamento político brasileiro, um grande programa de estudos que faz uma genealogia das ideias políticas do país do século XIX até hoje, partindo do pressuposto de que não se pode desvincular um pensamento de seu contexto histórico. “Nenhuma grande constelação de ideias pode ser compreendida sem levar em conta os problemas históricos aos quais tenta dar respostas e sem atentar para as formas específicas em que é formulada e discutida; ao mesmo tempo que nenhuma grande constelação de ideias pode ser inteiramente resolvida em seu contexto”. São ainda livros seus: Brasil: Vinte Anos de Constituição (organização), Democracia e Desenvolvimento (organização), A Esquerda no Brasil, Caio Prado Júnior e a nacionalização do Marxismo no Brasil, entre outros.
Morreu na noite de segunda-feira (15/02), aos 61 anos, o cientista político da USP Gildo Marçal Brandão. Ele descansava com a família em São Sebastião, no litoral paulista, quando se sentiu mal e faleceu.
Natural de Alagoas, Marçal Brandão graduou-se em 1970 em filosofia na Universidade Federal de Pernambuco, mas a militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB) levou-o a trocar os estudos filosóficos pela ciência política. Em finais dos anos 1970, já em São Paulo, lecionou na Unesp e, depois, na Escola de Sociologia e Política, na PUC e, por fim, na USP. Em 1992, defendeu seu doutorado sobre a gênese e o papel político do PCB e da esquerda brasileira, sob a orientação de Francisco Weffort. Paralelamente, foi também jornalista, como o primeiro editor da Voz da Unidade, o jornal do PCB, e, nos anos 1980, foi editorialista do jornal Folha de S.Paulo. Em 2004 fez sua Livre-Docência em Teoria Política Moderna pelo Departamento de Ciência Política da USP. Brandão foi pesquisador do Cedec e fez parte da Comissão Editorial da revista Lua Nova. Também foi dirigente da Anpocs.
No plano intelectual, foi um dos grandes especialistas em Gramsci, sendo bastante influenciado por ele, e, ao lado de intelectuais como Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder e Luiz Werneck Vianna, reelaborou as ideias do pensador italiano para desenvolver um conceito de esquerda democrática que pudesse ser adequada ao Brasil em seus novos tempos.
Entre 1995 e 1996, esteve na Universidade de Pittsburgh, nos EUA onde concluiu seu pós-doutorado em teoria política, o que acabou gerando a sua grande obra Linhagens do pensamento político brasileiro, um grande programa de estudos que faz uma genealogia das ideias políticas do país do século XIX até hoje, partindo do pressuposto de que não se pode desvincular um pensamento de seu contexto histórico. “Nenhuma grande constelação de ideias pode ser compreendida sem levar em conta os problemas históricos aos quais tenta dar respostas e sem atentar para as formas específicas em que é formulada e discutida; ao mesmo tempo que nenhuma grande constelação de ideias pode ser inteiramente resolvida em seu contexto”. São ainda livros seus: Brasil: Vinte Anos de Constituição (organização), Democracia e Desenvolvimento (organização), A Esquerda no Brasil, Caio Prado Júnior e a nacionalização do Marxismo no Brasil, entre outros.