domingo, 2 de março de 2014

Lupita Nyong'o e Nayara Justino


Ando sumido do blog. Sem tempo para escrever. Mas é carnaval, tempo de folia para uns, trabalho e/ou descanso para outros. Enquadro-me nas duas últimas opções. Aliás, a vida anda tão corrida que me esqueci que hoje, bem no domingo de carnaval, acontecia a cerimônia de entrega do Oscar (ainda acontece enquanto escrevo). Rompi meu silêncio de mais de um mês para falar de algo que estava ensaiando desde ontem mas hoje, logo após a notícia da atriz queniana Lupita Nyong'o ter levado o Oscar de melhor atriz coadjuvante por sua participação em 12 Anos de Escravidão, tive certeza que era o momento de escrever.

Enquanto nos EUA Lupita fatura o Oscar, li uma notícia ontem que Nayara Justino, a "mulata" Globeleza 2014, teve sua vinheta tirada do ar e substituída por outras do sambista Arlindo Cruz além de ter sido proibida de dar entrevistas nas últimas duas semanas devido a sua rejeição pelo público telespectador da Rede Globo. A notícia circulou na sexta-feira, 28 de fevereiro, no/na blog/coluna da jornalista Fabíola Reipert do portal de notícias R7 (leia AQUI). De acordo com a jornalista, Justino foi comparada pelo público ao personagem Zé Pequeno do filme Cidade de Deus, do diretor Fernando Meireles. Interessante para além de ler a notícia é analisar os comentários dos leitore/as da coluna: um verdadeiro exemplo de objetificação da mulher com afirmações bastante objetivas dos atributos necessários a ser uma "Mulata Globeleza".


Vejamos. Enquanto uma atriz negra conquista um Oscar, uma modelo negra é escrachada em público por não se enquadrar no padrão europeizado de beleza. A resposta da emissora de TV não é defendê-la, mas simplesmente trocá-la por um negro sambista (que em nenhum momento se pronuncia). No carnaval brasileiro não é apenas a cultura negra que tem se mercantilizado de forma absurda, rendendo lucros exorbitantes a pessoas e grupos totalmente estranhos a cultura popular. Corpos negros perdem cada vez mais a sua humanidade num claro exemplo de racismo. Devo estar enganado, logicamente irão dizer. Mas se Nayara Justino teve sua humanidade negada como "mulata", talvez a reencontre como "negra".

Parabéns Lupita! 

Bom carnaval e durma com esse barulho...

7 comentários:

Flávia disse...

A comparação entre a nova Globeleza e Zé Pequeno são realmente infelizes, entretanto, infeliz também está sendo a sua ideia de que a rejeição está pautada no fato dela ser negra. Se bem me recordo, as Globelezas anteriores também eram e nenhuma se enquadrava no "padrão europeizado de beleza". Um tanto quanto apelativo seu texto. Querendo buscas e bradar um racismo (nesse caso) inexistente.

Flávia disse...

corrigmindo: é realmente infeliz

Flávia disse...

corrigindo*

Márcio Macedo disse...

Oi Flávia,

Obrigado pela leitura e comentário ao post!

Sim, posso estar equivocado no sentido de que a rejeição do público não tenha sido por ela ser negra, mas por ser uma negra que não se enquadra no padrão "Mulata Globeleza". Daí eu pergunto: o que é o "padrão" Globeleza? Well, basta ver os comentários a notícia na página da jornalista do R7 para notar como as adjetivações objetificam o corpo de Justino em termos de proporções e tamanhos. Aqui temos uma espécie de sexismo do mais comum. A comparação com Zé Pequeno também serve a esse propósito, uma vez que não há nada mais básico no sexismo do que afirmar que uma mulher tem traços masculinos.

Mas há ainda um outro elemento bastante subjetivo na avaliação do público e que tem haver com a comparação com Zé Pequeno: beleza. E o que é "beleza" ou uma fisionomia esteticamente desejável num país como o Brasil que tem vergonha de suas marcas negras/mestiças? Zé Pequeno é feio somente por que é feio ou sua feiura tem um componente racial? E comparar Justino com Zé Pequeno (dois negros) significa o que nessa lógica?

Mas posso estar enganado, paranóico do jeito que sou e com essa mania de ver racismo em tudo. Nesse caso era só um "sexismozinho" básico.

Abraço,

Márcio/Kibe.

jo disse...

Marcio Macedo, condordo em genero, numero e grau com você, incrível como a estética do negro sempre levanta questões de legitimidade. Os comentários que apontam para um possivel "padrão globeleza" utilizam critérios que afastam a maioria das mulheres negras, em nenhum momento há o interesse em valorizar o que é natural dos negro e mestiços e portanto comum na etnia.Nisto até a Nupita é vítima, porque não são raros os editorias que a classificam como "uma beleza exótica". Ora, como podemos chamar de exótica uma beleza que se repete aos montes (claro, cada uma com suas peculiaridades) em mulheres brasileiras e africanas ? Do outro lado do exótico, o tal "padrão globeleza" tenta fazer o mesmo, criar distancias colossais entre a estética das mulheres negras comuns e aquelas "valorizadas" pela mídia. A Nayara Justino é linda, mas infelizmente nasceu no Brasil e foi usada pela Globo para criar e reforçar um estigma muito negativo em nossa cultura, que embranquece e debocha das caracteristicas dos negros em geral. Gostos todos temos e acho legritimo que alguém não ache a atual globeleza bonita, mas a maneira que ela foi tratada após passar por um concurso publico e aparentemente democrático mostra que em momento algum os encantos de Nayara foram efetivamente valorizados, nem pela Globo e nem pelos brasileiros.
Reflexo do nosso dia a dia: mulheres negras que "mesmo nos enfeitando" e nos amando nunca somos consideradas bonitas... ou estéticamente aceitas. Se isso não é preconceito, realmente não sei o que é..

Unknown disse...

Olá Marcio Macedo, excelente texto e comparação entre estas duas mulheres negras lindas e empreendedoras. Você foi muito educado com a comentarista Flávia, que igual a muitos brasileiros tendem a supervalorizar o discurso de exagero do combate do racismo para esconder que ele existe e menosprezar a dor psíquica e física [suicídios, assassinatos pelas polícia, mortes de mulheres em hospitais] de quem o sofre. Comparar com Zé Pequeno é péssimo, mas, não é racismo? Como diz Jurema Werneck os brancos privilegiados [e negros alienados que pensam que são privilegiados] querem tornar o racismo invisível e descaracterizar as nossas pautas. Flavia "não é meu aliado quem quer me marcar a ferro", excelente texto de Maria Casagrande, no Blogueiras Negras, muito menos quem quer transformar o crime racista em banalidade.
Marcio, mais uma vez, parabéns por sua educação e tolerância.

Leonardo disse...

Concordo com 110% do que foi dito! Parabéns pelo texto!