Todo mundo anda assistindo e falando sobre Breaking Bad, a série de TV ganhadora do Globo de Ouro de 2014. A série explora a história de um professor de química do ensino médio (Bryan Craston) convertido em traficante de drogas com o auxílio de um ex aluno (Aaron Paul). Assisti às seis temporadas da série, que foi ao ar nos Estados Unidos entre 2008 e 2013, em pouco mais de duas semanas. Confesso que o roteiro da mesma prende a atenção do/a telespectador/a e a producão tem a mesma qualidade das grande produções de Hollywood. Há uma série de absurdos do ponto de vista da verosimilhança, mas eles não afetam o desfrute de um olhar menos sociológico do show.
Porém, desde o primeiro episódio que assisti, um certo incômodo me abateu. Tentei compartilhar do mesmo com minha namorada (que não assistiu a série) e com um brother, Rogério Cruz, um grande entusiasta da mesma. Entretanto, tive que terminar de ver as seis temporadas para conseguir articular melhor meu mal-estar. Resumidamente, ele se referia ao racismo presente na série.
No início, o que me chamou a atenção foi o ambiente racializado da série no qual personagens pertencentes a minorias raciais estavam circunscritos a papéis estereotipados. Quase todo/as o/as latinos/as são traficantes, pobres, moram em bairros problemáticos ou optam pela vida marginal como se a mesma fosse um destino do qual é impossível se desvencilhar. Duas únicas exceções são um agente do DEA (polícia anti drogas) que é constantemente alvo de piadas racistas de seu parceiro branco e a diretora da escola retratada na série. O universo de Walter White, o professor de química, é constituído por pessoas iguais a ele e sua família: branco/as.
A ligação de White com o submundo das drogas se dá através de seu ex aluno e futuro sócio de empreedimentos ilícitos, Jesse Pinkman. Pinkman é a incorporação do loser de classe média que largou a escola e passou a se dedicar ao ofício de produzir metanfetamina. Nesse ponto, vale a pena notar a caracterização racializada do jovem que é branco mas usa roupas, age, fala e vive com toda uma simbologia que remete ao gueto negro/latino. Pinkman ouve rap, dirige um low rider e termina a maior parte de suas frases com um "yo" ou "bitch". Seus amigos são jovens latinos e brancos sem futuro que passam o dia bebendo, usando drogas e tendo diálogos sobre cultura pop sobre o efeito de "viagens" causadas por alucinógenos. Mas conforme Pinkman vai se tornando mais profissional na produção de drogas, ele paulatinamente vai se desfazendo dos sinais que o associam ao gueto como as roupas coloridas e acima do número e a linguagem carregada de gírias.
Um último ponto que me incomodou foi o fato de que até a segunda ou terceira temporada apenas latinos são mortos na série. Porém, meus argumentos eram poucos e fracos para acusar BB de racismo. Foi aí que lembrei que tinha lido algo há quase dois anos atrás e que na época não me chamou tanto a atenção, uma vez que não estava acompanhando o show.
Malcolm Harris escreveu para a The New Inquiry em 2012 o instigante artigo The White Market (leia AQUI). Nele o jornalista evidencia como BB repõe a velha fábula presente em vários personagens de desenhos animados e em filmes de ação como Tarzan e bangue bangue na estética John Wayne, ou seja, uma idéia de supremacia branca onde o homem branco consegue inverter as adversidades de um ambiente desconhecido, inóspito e hostil a ele usando de sua superioridade racial. Contudo, a fábula teve que ser complexificada no caso de BB, uma vez que há uma diferença entre o branco que se sobressai ante uma savana africana cheia de nativos negros canibais e animais selvagens ferozes e o professor de química cientista mal sucedido que produz uma super droga 99% pura que todos os drogados dos EUA querem consumir e traficantes obter a receita de produção. No contexto de White (e preste atenção ao seu nome...), todos os mexicanos donos de cartel são imbecis que matam de forma irracional, levam uma vida desregrada e produzem sua droga de forma desleixada e amadora. Nesse sentido, é necessário injetar o mundo das drogas da brancura de White (um pleonasmo) através de sua obsessão com qualidade e limpeza. Ou seja, sejamos mais capitalistas!
Entretanto, no mundo real, essas lógicas não funcionando dessa forma. Drogados não se preocupam com pureza e, assim sendo, obsessão com limpeza e qualidade significam perda de lucro. Citando a série The Wire através do traficante Stringer Bell (Idris Elba), Harris exemplifica o street wise econômico das ruas que tira a credibilidade do personagem Walter White: “When it’s good, they buy. When it’s bad, they buy twice as much. The worse we do, the more money we make.” (Quando a droga é boa, eles compram. Quando ela é ruim, eles compram duas vezes mais. O quanto pior nós a fazemos, mais dinheiro nós ganhamos).
Tarzan, John Wayne e Walter White são personagens que acariciam os brios de uma supremacia branca, mas que só existem no mundo da ficção, pois a vida real é bem mais complexa e diferente.
Muita Paz, Muito Amor!