terça-feira, 26 de março de 2013

Us Nigga, As Bitch!


O casal aproximou-se alegremente e viu a fila enorme em frente ao clube. Podia-se nitidamente ouvir, ali, do lado de fora, batidas compassadas de rap, ragga, reggaeton e R&B vindas de dentro da festa. Um segurança com cara de poucos amigos interpelava todas as pessoas na porta de entrada: ausência de RG, falta de dinheiro e até um peido eram motivo para ser barrado. “Eu sou amiga da Joana, a gerente. Dá pra chamar ela pra mim?”, disse a garota loira em meio a um sorriso para o guarda-roupa à sua frente ao mesmo tempo que seu parceiro de trejeitos afeminados lançava um olhar blasé ao redor. Todos os presentes na fila olhavam a cena com expressões iradas. “Seu nome não está lista!”, disse o segurança respondendo a garota. “Acho que ela esqueceu de colocar. Chama ela pra mim, vai?”, retrucou a garota com um sorriso malicioso que encantou o brutamonte engravatado. Enquanto o segurança falava ao rádio tentando contatar a tal de Joana, a garota olhava para a fila quilométrica constituída por 100% de infelizes preto/as que não tinham o nome na lista, não eram VIPs, não tinham dinheiro, não eram artistas ou personalidades. Nesse momento a baunilha girl olhou  para fila e voltou-se para o rapaz articulando-se num inglês perfeito que a fazia se sentir descolada, “I love these niggas!”, no que o rapaz respondeu imediatamente em meio a um sorriso, “I love these black bitches!”... “TÁ LIBERADO!” disse o segurança ao mesmo tempo que abria passagem para o baunilha couple.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Dilemas da Democracia Brasileira

Três episódios, três situações que colocam em evidência dilemas que se postam a democracia brasileira. Vamos a eles lembrando sempre que sou um observador distante, mas atento:


1- Marcos Feliciano: um pastor evangélico eleito deputado que recorrentemente faz afirmações racistas e homofóbicas é indicado por seu partido para presidir uma comissão de direitos humanos. Detalhe: um dos maiores aliados de Feliciano é nada mais nada menos do que Jair Bolsonaro, um deputado abertamente homofóbico.


2- Garota negra de 12 anos é espancada no Distrito Federal após, no caminho para a escola, pegar ônibus e descer numa área desconhecida na qual é confrontada e agredida por outras quatro garotas. O motivo da agressão: ser negra e estar, por equívoco, numa área onde negro/as não são bem-vindo/as.




3- Ronaldo Fraga, estilista mineiro, usa palhas de aço na cabeça das modelos que apresentaram sua coleção de roupas no São Paulo Fashion Week. As palhas de aço eram uma alusão ao cabelo crespo dos negros.

Dilemas são situações paradoxais, ou seja, idéias contrárias que não podem existir ao mesmo tempo. Democracia faz referência à igualdade juridíca, convivência pacífica e respeitosa entre diferentes, cidadania, um mínimo de recursos econômicos, direitos/estado de direito, representação política e acesso a bens inalienáveis como saúde, segurança pública e educação fornecida por um estado laico.  Nas três situações o que se coloca é justamente o contrário, ou seja, hierarquia de vários tipos, violência física e simbólica contra os diferentes, manifestações de preconceito que abrem a porta para o conflito aberto entre grupos e ausência de representação política com base de legitimidade.

O Brasil vive um paradoxo. Ele é simples de ser explicado, mas difícil de ser resolvido: ou afirmamos nossas convicções, valores e projeto de nação calcados numa perspectiva democrática ou permitimos que forças conservadoras e retrógradas deturpem o jogo democrático em favor de uma ordem caduca, tacanha e que nos coloca no caminho contrário ao que o mundo mais igualitário tem buscado.  Gilberto Freyre afirmava que a cultura brasileira se constitue numa forma de "antagonismos em equilíbrio" e isso poderia ser comprovado na idéia paradoxal de "democracia racial". Fico curioso para saber o que o velho mestre de Apipucos diria sobre esses ocorridos se ainda estivesse entre nós.  Vale lembrar que o jovem intelectual progressista de Casa Grande & Senzala dos anos 1930 (que teve um caso homo-afetivo na juventude) se tornou um conservador reacionário no fim da vida que defendia o moribundo colonialismo português na África nos anos 1970. Bom para se pensar...

Muita Paz e Mais Amor!

quarta-feira, 6 de março de 2013

Emicida em Nova Iorque e Austin.

Para quem está por Nova Iorque ou Austin, Texas, nos próximos dias, vale a pena conferir os shows do rapper paulistano Emicida. Mais informações na imagem abaixo. Agradeço a Kall do Vale por ter me passado a informação mesmo estando do outro lado do Atlântico, mais especificamente em Berlim.

Muita Paz, Muito Amor!


terça-feira, 5 de março de 2013

Lilia Schwarcz e Lima Barreto na USP


Lilia Schwarcz (foto acima), ou Lili, como ela gosta de ser chamada, é uma dessas professoras que esbanjam simpatia, carisma, finesse e erudição, uma combinação bastante difícil de se encontrar nas pessoas ultimamente. Quando entrei no curso de ciências sociais na USP, em 1997, ouvia o ressoar de sua fama pelos corredores da Faculdade de Filosofia (que uspianos chamam ridícula e carinhosamente de "Fefeléche"!) e através do meu amigo Batistão, naquela época seu orientando de mestrado e monitor em um de seus cursos de graduação. Nos meus oito de USP, entre graduação e mestrado, fiz dois cursos com Lili, trabalhamos juntos num projeto de formação de pesquisadores e ainda a tive como avaliadora na minha banca de mestrado. Lili é detendora de um currículo extenso de fazer inveja e tirar o fôlego a qualquer acadêmico/a. Sua produção inclue uma série de livros e infinidade de artigos cujos temas variam entre a relação entre antropologia e história, raça, arte, biografia, literatura e pensamento social brasileiro. Atualmente ela ocupa a posição de global scholar na Princeton University e foi por lá que a reencontrei há duas semanas atrás num seminário sobre raça e cidadania no Brasil. Há um evento (mais informações abaixo) agendado para o próximo dia 22 de março na USP em homenagem a ela e nele Lili apresentará material do seu próximo livro focado no escritor Lima Barreto (1881-1922). Não perca, assistir as falas de Lili é uma experiência que mescla a delicadeza das canções de Caetano Veloso e Gilberto Gil com a complexidade do pensamento de Claude Lévis-Strauss e Marshall Sahlins, artistas e autores dos quais, como sei bem, ela gosta muito!

Muita Paz, Muito Amor!