quinta-feira, 18 de setembro de 2014

"Sexo e as Negas" e o Jogo das Diferenças (ou "Ah! Branco... Dá um tempo.")

Ando meio desanimado com o que tenho lido na Internet. Miguel Falabella "vomita" uma série de impropéritos racistas em sua defesa da série Sexo e as Negas  (leia a resposta do diretor ao final desse post) e ainda é defendido pelo elenco negro. Racismo com contornos de paternalismo é uma das características das relações entre brancos e negros no Brasil e definitivamente fornece o tom da conversa sobre essa série global cujo o nome é de extremo mau-gosto. Mas enfim, esse é o Brasil.

Juro que num primeiro momento, logo após ler a resposta de Falabella, minha vontade foi de intitular esse post de ESCUTA BRANCO/A. O texto seria uma aula sobre racismo para meus/minhas amigo/as branco/as buscando mostrar como uma show de título asqueroso ofende as mulheres negras/mestiças e, por conseguinte, toda a população negra. Mas desisti. Quem dará a atenção a um texto árido cheio de termos vindos da sociologia, história e antropologia frente a imagens de mulheres negras/mestiças belas exibindo seus corpos na tela como se eles fossem carne negra a ser embrulhada, levada para casa (ou algum outro lugar!) para ser consumida? E lembremos de Elza Soares: "a carne mais barata do mercado é a carne negra!".  Sim, desisti de escrever e dar esse título também quando vi vário/as negro/as/mestiço/as, via Twitter, apoiando a exibição da série numa espécie de cegueira criada pelo racismo brasileiro que não vê problema na sexualização do corpo negro e comercialização de estereótipos que há muito tempo nos acompanham. Lembro de um post que escrevi aqui há cinco anos atrás falando da ambiguidade presente na figura da mulata na história de nossas relações sociais tupiniquins (leia AQUI ). Mas não quero dar aula. Estou cansado. Semana cheia, de muito trabalho e esse aborrecimento vindo da exibição dessa série que tira um pouco a alegria da vida.

Ontem conversava com uma amiga (branca) que me dizia que por mais que ela se solidarize com as questões relativas à população negra, ela nunca conseguirá sentir a dor que o racismo causa em indivíduos pertencentes a este contingente da população. Tendo a concordar. O racismo ou o sofrimento vindo do racismo é uma experiência individual de negro/as que branco/as podem se solidarizar, mas dificilmente sentir. Contudo, a solidariedade pode se dar de forma mais efetiva quando aproximamos nossas diferenças. Não somos apenas branco/as ou negro/as ou asiático/as ou indígenas. Somos homens, mulheres, gays, lésbicas, nordestino/as, de classe trabalhadora, média, portadore/as de necessidades especiais e pessoas ostentando as mais diversas diferenças. E é na diversidade da diferença que devemos entender e experienciar a dor de ter a imagem ridicularizada, sexualizada, violentada, discriminada e desprezada. Miguel Falabela não é negro nem mulher, mas é gay, "e todos sabem como se tratam os" gays no Brasil, parafraseando Caetano e Gil na letra da canção Haiti. Infelizmente a homofobia é um fenômeno tolerado em nossa sociedade causando muito dor física, psíquica e simbólica. Aproximar a dor de ter sido ridicularizado, agredido ou discriminado por ser gay talvez faça com que Falabella e seus negro/as da "casa grande" entendam melhor do que estamos reclamando.

Muita Paz!

Resposta de Miguel Falabella às críticas a série: "(...) Dói-me ver a luta de meus colegas negros na nossa profissão. As oportunidades são reduzidas, não trabalham sempre e, sem exercício, não há aprendizado, como sabemos. Pensei que aquela ideia, surgida numa feijoada, na Cidade Alta de Cordovil, pudesse ser um programa que refletisse um pouco a dura vida daquelas pessoas, além de empregar e trazer para o protagonismo mais atores negros. Basicamente, foi essa a ideia e nem achei que iriam aceitar o programa. Qual é o problema, afinal? É o sexo? São as negas? As negas, volto a explicar, é uma questão de prosódia. Os baianos arrastam a língua e dizem 'meu nego', os cariocas arrastam a língua e devoram os S. Se é o sexo, por que as americanas brancas têm direito ao sexo e as negras não? Que caretice é essa? O problema é por que elas são de comunidade? Alguém pode imaginar Spike Lee dirigindo seus filmes fora do seu universo? Que bobagem é essa? Pois é justamente sobre isso que a série quer falar! Sobre guetos, sobre cotas, sobre mitos! Destrinchá-los na medida do possível! (...) O negro mais uma vez volta as costas ao negro. Que espécie de pensamento é esse? Não sei o que é mais assustador. Se o pré-julgamento ou se a falta de humor. Ambos são graves de qualquer maneira. Como é que se tem a pachorra de falar de preconceito, quando pré-julgam e formam imediatamente um conceito rancoroso sobre algo que sequer viram? 'Sexo e as Negas' não tem nada de preconceito. Fala da luta de quatro mulheres que sonham, que buscam um amor ideal. Elas podiam ser médicas e morar em Ipanema, mas não é esse meu universo na essência, como autor, (...) As minhas personagens são camareiras, cozinheiras, indicadoras de mesas, operárias. E desde quando isso diminui alguém? São negras, são pobres, mas cheias de fantasia e de amor. São lúdicas! E sobrevivem graças ao humor. Seres humanos. Reais. Com direito a uma vida digna e muito... Mas muito sexo! Vai dizer agora que eu sou racista? Ah! Nega... Dá um tempo."