Para começar bem acompanhado a quarta-feira segue a pretona linda Stacy Epps... Enjoy it!
Se gostou do som, assista a uma entrevista com a cantora logo abaixo:
Muita Paz!
quarta-feira, 30 de junho de 2010
segunda-feira, 28 de junho de 2010
domingo, 27 de junho de 2010
Copa do Mundo, Tensão Racial e Desigualdade na Rainbow Nation
Junho/julho tá aí e a única que você pensa é na Copa do Mundo, né? Entram em cena as velhas e manjadas discussões sobre o desempenho da seleção brasileira, xingamentos tipo "Dunga retranqueiro do c..." e a excitação que domina nosso Brasil varonil nesse evento que literalmente para o país assim como o PCC parou São Paulo alguns anos atrás (comparação tosca, mas verdadeira). Pois é, mas tem um cara sobre o qual você talvez nunca tenha ouvido falar, mas que dois meses atrás foi manchete nos jornais de vários países juntamente com a temática da primeira copa a ser disputada em solo africano. Seu nome é Eugène Ney Terre'Blanche (foto acima tirada pela antropóloga Laura Moutinho durante o enterro do líder) e o mesmo era, até dia o último dia 3 de abril, o líder do partido político (símbolo abaixo) que ainda defende a supremacia branca na África do Sul. Nesse fatídico dia (que alguns consideraram "feliz") o fazendeiro Blanche foi assassinado a machadadas em sua cama por dois de seus empregados negros após uma discussão por pagamento de salários. O crime deu vazão a uma tensão racial que paira desde sempre no ar da Rainbow Nation (nação arco-íris) - termo cunhado pelo bispo Desmond Tutu para definir o país africano pós-apartheid - a ponto do presidente do país, Jacob Zuma, ter sido obrigado a fazer um pronunciamento pedindo calma a população.
A verdade é que se nos atermos as reportagens que pipocam na TV brasileira falando sobre a África do Sul nos intervalos das notícias do campeonato mundial de futebol, continuaremos totalmente ignorantes sobre o que realmente é ou ocorre no país africano. Todos os relatos se ateem a uma narrativa mítica e superficial do que foi o apartheid e de como é de fato a vida da população sul-africana dividida entre mais de dez idiomas, grupos étnico/raciais distintos e desigualdade social e econômica. Mas já era de se esperar. A Copa do Mundo de Futebol, assim como as Olimpíadas, são mega-eventos de proporções globais que constrõem uma narrativa ligando o local com global de formal espetacular. Entretanto, o imaginário que é elaborado sobre o local sede do evento deve ser feito de forma simples de modo que o telespectador mediano, residindo em qualquer região remota do mundo, possa entender/interpretar/ler o país em questão com leves pinceladas de história. Eis o motivo pelo qual a possibilidade das reportagens resvalarem para o estereótipo é extremamente grande, fácil e cômodo uma vez que não há o interesse por parte dos jornalistas em dar conta da complexidade cultural, política e social do local em questão. Reportagens como a da BBC (vídeo abaixo em português) são bem raras.
A matéria é interessante justamente por questionar a tão disseminada crença de que esses mega-eventos são elementos que promovem desenvolvimento e diminuem a desigualdade social nos países onde acontecem. No caso da África do Sul a distribuição desigual de recursos entre os grupos raciais se radicalizou no período do apartheid que virogou entre 1948 e 1990 regulamentando a separação entre negros e brancos. Ainda hoje, 20 anos após o término do regime, a desigualdade se mantem e mostra seus delineamentos e resultados através da alta concentração de riqueza, violência - Joanesburgo é uma das cidades mais violentas do mundo - e conflitos entre negros e brancos, mas que são pouco cobertos pela mídia internacional. Mesmo após uma reforma agrária, que visava redistribuir os latifúndios de proprietários brancos entre a população negra, e ações afirmativas que buscavam inserir negros na alta burocracia estatal e no mercado de trabalho, o problema da desigualdade se manteve devido, por um lado, a discrepância de recursos tecnológicos e capital disponíveis para proprietários brancos e negros cuidarem de suas fazendas e, por outro, por conta da grande beneficiária das ações afirmativas ter sido uma classe média negra anteriormente existente. Em suma, a grande massa de pobre e miseráveis, majoritariamente negros das diversas etnias sul-africanas, continuaram desassistidos e vivendo em bairros miseráveis.
Desse modo, a desigualdade atua de forma silenciosa mas gera conflitos claramente visíveis. Exemplo disso é a crença generalizada e acusações vindas de brancos sul-africanos que os mesmos vem sendo vítima de uma matança sistémática perpetrada por negros como uma forma de vingança ou estratégia de forçar os mesmos a deixarem o país. O livro Desonra (1999) do autor sul-africano John Coetzee (foto abaixo), agraciado com o Nobel de literatura em 2003, expõe de forma ficcional os dilemas vividos pelo país em sua contemporaneidade. O texto traz um pequeno quadro da África do Sul pós-apartheid, com seus conflitos internos, lugar onde raça e racismo tornaram-se assunto tabu que causa mal-estar nas pessoas, mas ao mesmo tempo rege a ação de todos os indíviduos. Ainda há espaço e vigor para celebração de um país que se vê como rainbow nation, mas que registra o mais alto índice de casos de estupros no mundo.
A reportagem da BBC afirma que na Cidade do Cabo, o principal ponto turístico do país, a ocorrência da Copa passa quase despercebida entre a população mais pobre. Essas discussões interessam e muito ao Brasil uma vez que num período de seis anos sediaremos tanto a Copa do Mundo (2014) como as Olimpíadas (2016). Nesse sentido, é válido se questionar qual será a narrativa que os meios de comunicação construirão sobre nosso país e como os eventos impactarão o nosso índice de desenvolvimento humano (IDH), o que significa mais ou menos, melhor ou pior saneamento básico, moradia, acesso a serviços de saúde, cultura, comunicação e qualidade da educação. Veremos...
Muita Paz!
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Hipsters: de "Brancos Negros" a "Brancos Caucasianos"
Olívia tem uma trajetória singular. Ela é uma orangotango que fugiu da África num navio cargueiro e foi parar em São Paulo, Brasil, onde foi adotada por uma web designer chamada Mila Félix. Depois de algum tempo, Olivia sentia-se limitada com sua vida de bananas em dias da semana, feijoadas com pagode aos sábados e jogos do Corinthians aos domingos. Foi aí que ela resolveu dar novos rumos a sua vida. Enfiou-se de clandestina na mala de Raphael Neves, que visitava o país, e veio parar em New York City. Atualmente Olivia está totalmente adaptada a vida na Big Apple: fala inglês fluentemente, arranha um francês, adora comer em restaurantes alternativos, é vegetariana, bissexual, usa umas droguinhas vez ou outra (porque ninguém é de ferro!), compra roupas na American Apparel, frequenta baladas em Williamsburg, Brooklyn, local de moradia da maior parte de seus/suas amig@s e onde pretende logo logo comprar ou alugar um loft grande o suficiente para morar e montar seu atêlie onde irá escrever poesias e pintar seus quadros surrealistas produzidos de forma computadorizada. Ela já fez instalações em Paris, Amsterdam, Milão e adora os trabalhos de Andy Warhol e Obey. Nossa amiga já leu toda a obra dos Beatnics e adora passar finais de semana em casa produzindo sua própria cerveja ou apenas pedalando sua bicicleta em direção a Manhattan onde gasta tardes e parte da noite lendo e trabalhando no seu laptop MacBookPro em um algum café ou ainda conversando com seus amigos via MSN ou pelo iPhone. Olivia se intitula retro, funk, jazz, pós-Beat, alternative, soul, geek, pós-punk, underground old school hip-hop, libertária e politicamente engajada pela independência do Tibet além de filiada ao movimento anti-globalização. Mas ela não se vê como hispter. "Actually dude, I DON'T CARE ABOUT LABELS, right?", ela me disse recentemente quando questionada sobre a sua identidade...
A trajetória de Olivia é comovente, não? Uma orangotango hipster! Sim, ela nega que seja, mas uma das facetas da identidade/subcultura hipster é justamente a negação do pertencimento a ela. Aposto que vári@s leitore/as devem estar se perguntando: "Mas que diabos é essa porra de hipster?" Vamos por partes, já diria o velho, bom e assassino truta Jack... Na verdade, você já teve ter cruzado com algum protótipo de hipster por aí, afinal eles estão vivendo numa escala global com suas calças justas coladas no corpo, tênis Converse/All Star nos pés, óculos escuros ou de grau retrôs e camisetas com frases irônicas como a que acompanha a foto do hipster cat aí de cima retirada do site LATFH (Look At This Fucking Hipsters): "I am not trying to brag. I am just saying, I knew about Cat Power before anyone else did." (Não tô querendo me gabar. Só tô dizendo que eu conhecia Cat Power antes de todo mundo). Para entender melhor o hipsterismo o NewYorKibe resolveu convidar Hip Olívia para uma entrevista mesmo sabendo da dificuldade que seria convencê-la a disponibilizar do seu tempo para um inbrog B como o nosso. Tamanha foi nossa surpresa quando a artista concordou em abrir um tempinho na sua apertada agenda e nos concedeu uma entrevista exclusiva. A conversa se deu num café do East Village frequentado por artistas, intelectuais alternativos, junkies, músicos narizes nervosos em fim/início de carreira e estudantes da NYU e da The New School University. Enjoy it!
Hip Olívia, primeiramente obrigado por conceder uma entrevista ao NewYorKibe. Sabemos que você é uma lenda no mundo hipster de NYC e sua agenda é extremamente busy. Você poderia começar explicando o que o termo hipster significa para o nosso público leitor de fala portuguesa?
Of course, dude! Hipster em sua origem é um palavra que deriva da gíria negra "hip" ou "hep" os quais eram usados nos anos 1940 para se referir a droga ópio. O termo era usado principalmente entre músicos de jazz da época numa linguagem conhecida como "jive talk", ou seja, a gíria utilizada por frequentadores de salões de baile onde as big bands tocavam ritmos como o boogie woogie. "Jive", assim como o "lynd hop", eram também estilos de dança que haviam nascidos no seio da comunidade afro-americana para se dançar o que era conhecido como "hot jazz". Nesse sentido, o termo hepcat (hep + cat), e em seguida hipster (hip + ster), foi utilizado primeiramente para se referir a jovens, na maioria negros, que frequentavam salões de dança possuindo um senso de moda e estilo. Para se ter uma idéia, Malcolm X se considerava um hipster nos seus anos de juventude em Boston quando ainda morava com sua meia-irmã e trabalhava como engraxate num salão da dança.
John Leland, jornalista do New York Times no seu livro Hip: The History publicado em 2004 afirma que "hip é uma coisa ilusória" ou "uma idéia romantica e não um catálogo de fatos". Esta é a razão pela qual o autor busca refazer uma possível história do "hip" cruzando biografias de indivíduos que de uma forma ou de outra estiveram/estão associadas a essa subcultura. Basicamente, o que liga todas essas personalidades num período de um século e meio é: 1) uma noção de "hip" como algo transgressivo seja do ponto de vista intelectual, das relações raciais, sexualidade, drogas, arte em suas várias formas (música, literatura, pintura, etc.), moda, estética e política; 2) algo que transmitido através de produtos midiáticos como livros, rádios, filmes e tecnologias eletrônicas/virtuais como a Internet disponível em computadores pessoais portáteis e telefones celulares de última geração (smartphones). Abaixo quadro Pod Cast Trama Virtual feito por Oga Mendonça (visite o Flickr do moço clicando AQUI).
Assim sendo, o hipsterismo pode ser entendido como uma subcultura se enquadrando na definição fornecida pelo sociólogo inglês John Clarke num texto clássico de 1976, ou seja, culturas juvenis que "exibem forma e estrutura suficientes para se fazerem identificavelmente diferentes da cultura paterna e, ao mesmo tempo, são focadas em certas atividades, valores, certos usos de artefatos materias, espaços territoriais etc." Sacou?!!
Saquei Olivia! Okay, mas pelo que sei há uma relação estreita entre hipsterismo, jazz e literatura no início da parada toda. Como é isso?
Sim, essa relação existe sim. Mas pra entender isso é necessário fazer uma espécie de retrospectiva dessa subcultura a partir de um período crucial para o seu entendimento: as décadas de 1940 e 1950. Esse período é chamado por alguns de "golden era" do hipster devido ao Bebop Jazz e a literatura Beat. Vou me explicar... Em 1957 Jack Kerouack (1922-1969), bonitão da foto acima, publicou On the Road, o famoso romance que marca uma mudança na literatura norte-americana e o aparecimento de um grupo de jovens escritores. On the Road descreve as aventuras de vários jovens brancos, intelectuais, admiradores de jazz que viajam ao redor dos Estados Unidos de carro e com pouco dinheiro. As histórias registradas no livro, originalmente escrito em 1951, eram fatos verídicos que Kerouack colocou dentro de um contexto fictício. Todos esses jovens, transformados em personagens do livro, eram oriundos da classe média, haviam passado algum tempo na universidade, almejavam carreiras artísticas e/ou intelectuais e aderiam a um estilo de vida alternativo ouvindo jazz (bebop) e usando drogas como maconha. Em termos de classe, a exceção era o jovem Neal Cassady (1926-1968), retratado na foto abaixo, que era oriundo da classe trabalhadora e havia crescido dividido entre a companhia do pai alcoolatra e períodos passados em reformatórios devido a pequenos delitos.
Os escritores da geração beat formavam um grupo que rejeitava de certa forma os valores da classe média americana e idealizava o estilo de vida da classe trabalhadora e dos músicos de jazz dos anos 1940. Bebbopers eram um modelo de inspiração para os beats devido sua tentativa de recriar o jazz da época executando esse ritmo musical de uma forma mais complexa, rápida e difícil de ser executada pelos músicos das big bands, recusando tocar música para se dançar como faziam seus comparsas, ignorando os gostos do público consumidor de música por meio de sua música rápida e confusa e ainda tendo uma profunda relação com diferentes tipos de drogas disseminadas no submundo de músicos e viciados. Charlie "Bird" Parker (1920-1955), com sua vida controvertida e morte prematura resultado do uso de drogas, era a encarnação de um tipo ideal de artista a ser seguido.
Na foto abaixo, é possível ver duas lendas e modelos de inspiração para os hipsters dos anos 1940/1950: os músicos "Bird", do qual já falei, e Miles Davis (1926-1991). Ambos tiveram em vida uma relação controvertida com drogas, foram revolucionários em sua forma de fazer música e tinham um gosto refinado na forma de se vestir. Davis, mais do que Bird, é uma referência constante para a geração mais nova de hipsters. Ele foi durante vários anos eleito o homem mais bem vestido do mundo, possuía uma personalidade forte e atitude blasé no tratar com as pessoas que era lida como arrogância por alguns e foi ainda responsável por celebrizar o termo "cool" (tão presente na gíria hipster) através do lançamento do álbum clássico de 1957 Birth of Cool.
Mas por que os beats foram tão revolucionários, Hip Olívia?
Basicamente, os beats, através de sua estética literária e estilo de vida, estabeleceram uma representação de juventude que incorporvava os dilemas dos jovens vivendo no período pós segunda grande guerra nos EUA e encuralados entre progresso econômico, o conservadorismo dos valores americanos daquela época e os perigos eminentes da bomba atômica que traziam de volta discussões a respeito das limitações da humanidade e da morte logo após o episódio do holocausto perpetrado por nazistas contra judeus, ciganos e outras minorias. A saída para essa situação era visualizada nas páginas de On the Road através das ações do personagem de Neal Cassady: viver profundamente o presente, a idéia síntese de um hipster original. Cassidy incorporava no seu papel ficcional ou na vida real virilidade, orientação sexual ambígua, uso de drogas e um imaginário questionador, subversivo, ameaçador (em termos psicológicos, do ponto de vista da conduta sexual e violência física) ao mesmo tempo que se tornava um outro atraente, algo muito presente na relação estabelecida entre classes média e alta para com negros e indivíduos brancos da classe trabalhadora. O intelectual responsável por notar esses aspectos e escrever um ensaio que se tornaria clássico denominando os hipsters de "white negros" (brancos negros) foi um escritor judeu: Norman Mailer (1923-2007), foto abaixo.
Ao que parece esse é o texto mais citado na história do hipsterismo, não?
Sim, com certeza. Mailer já era um autor relativamente conhecido quando escreveu esse ensaio para a Dissent Magazine em 1957. O título era bastante provocativo: "The White Negro: Superfitial Reflections on the Hipster" (O Branco Negro: Reflexões Superficiais Sobre o Hipster). Mailer se referia aos hipsters como uma espécie de "existencialista americano", "o homem que sabe que nossa condição coletiva é viver com um contínuo medo da bomba atômica" ou "com uma lenta morte pela conformidade em que cada instinto criativo ou rebelde é sufocado" (Mailer, 1957: 2). Em face dessa situação, Mailer afirma que os hipsters aceitam viver a morte na vida através de um tipo de radicalização do presente. Nas suas palavras, esta atitude significa "viver a morte como um perigo imediato, divorciar-se da sociedade, existir sem raízes, organizar esta imprevisível jornada dentro dos imperativos rebeldes do self" (Mailer, 1957:2).
Indo além de colocar a experiência hipster dentro de uma perspectiva filosófica, Mailer também afirmava que o modelo tomado pelos hipsters ao elaborar seu estilo de vida e visão de mundo havia sido buscado na comunidade afro-americana muito provavelmente devido a influência do jazz. De acordo com o escritor, o "negro [nos Estados Unidos] tem vivido na margem entre totalitarismo e democracia por séculos" e como resultado desta situação ele teria decidido por viver de uma forma existencialista, ou seja, dentro de um contínuo e perpétuo presente uma vez que ele encarava a possibilidade de ser vítima de violência e morte a cada minuto de sua existência por conta do racismo e segregação vigente contra ele nos EUA. Mailer tem uma espécie de abordagem freudiana para entender o hipsterismo e a população afro-americana. Para ele, as contradições dessa situação levariam essas duas figuras (negros e hipsters) a viver entre extremos: auto-destruição e criatividade. Além disso, o hipster, para ele, poderia ser considerado um psicopata que adaptava a "moralidade da sarjeta", desenvolvida por negros, para a sua realidade.
Parece um pouco forte afirmar que hipsters eram psicopatas, não? Dá impressão que algum deles pode a qualquer momento sair por aí atirando nas pessoas ou cometendo crimes em série.
Bem, não é bem por aí. De acordo com Mailer, "pode ser frutífero considerar o hipster um psicopata filosófico, um homem interessado não somente nos imperativos perigosos de sua psicopatia, mas em codificar, ao menos para ele próprio, as suposições sobre as quais sua universo interior é construído" (Mailer, 1957:5-7). Aqui, tomando um diferente caminho, Mailer estava capacitado a reconstruir o imaginário de medo associado aos negros nos Estados Unidos, um tipo de "negrofobia" que o escritor afro-americano Richard Wright (1908-1960) descreveu muito bem em seu romance Native Son (Filho Nativo) de 1940 por meio do personagem Bigger Thomas. Essa mesma "negrofobia" também foi associada por Christian Lorentzen, no seu artigo de 2007 para a revista Time Out intitulado "Why the Hipster Must Die" (Porque o Hipster Deve Morrer), a personalidades brancas como James Dean, Marlon Brandon e o já citado Neal Cassady.
Para Mailer, o jazz foi o veículo pelo qual a estética e idéias posteriormente defendidas pelos hipsters foram apresentadas a eles. Em outras palavras, a música foi o canal de contato entre intelectualidade avant-gard jovem e branca com o submundo de músicos de jazz permeados por boemia, dança, prostituição, drogas e niilismo coberto com sorrissos e uísque barato. Mesmo considerando que o bebop não teve a época muita popularidade entre largas porções do público de jazz devido a sua complexidade e diferença quando comparado a música das big bands, essa escola de jazz e o estilo de vida de seus músicos foram incorporados pelos beats os quais, por sua vez, transformaram parte desta música em uma literatura bastante específica. Na foto abaixo o escritor norte-americano americano Henry Miller (1891-1980).
Ok, mas se tivéssemos que sumarizar a noção de hipster vigente nos anos 1940 e 1950 como poderíamos fazer isso?
Basicamente, poderíamos dizer que escritores beats e outros como Norman Mailer mais a mídia da época essencialmente vinculada a jornais, revistas e indústria fonográfica foram responsáveis por ajudar a produzir e divulgar uma noção específica de hipster, ou seja, uma versão idealizada de parte da classe trabalhadora e população afro-americana ambos vistos como subversivos, criativos e livres das convenções vigentes nas classes média e alta norte-americanas da época. Esse estilo de vida creditado primeiramente a brancos e negros pobres foi visualizado como uma saída para a contradição ideológica vivida por jovens brancos de classe média dos anos 1940. O hipsterismo foi essa forma de subcultura desse grupo de jovens que não se viam ou queriam se encaixar no imaginário do American Dream: um emprego estável e uma família estruturada com casa no subúrbio, carro na garagem e jardim para cuidar nos finais de semana.
E o hipsterismo hoje? Como o mesmo é retratado ou, reformulando a pergunta, é possível falar em hipsters no começo do século XXI?
Só pra se ter uma idéia das várias polêmicas mas também da popularidade que envolve o hipsterismo atual basta fazer uma rápida busca na Internet. Os resultados e definições são muitos e vários. Em 2003, por exemplo, Robert Lanham publicou um livro intitulado The Hipster Handbook (O Manual Hipster) caracterizando de forma irônica e debochada os "sims" e "nãos" em ser hipster. Hipsters, neste livro, são descritos como posers, pessoas preocupadas em parecer "cool" (legais/descoladas) e usando uma fantasia para isto constituída por camisetas estampadas com mensagens irônicas, falsos óculos de grau retrôs, tênis Converse/All Star e calças jeans justas acompanhadas de uma atitude blasé (impessoal e indiferente, algo conhecido no meio gay como "carão"). Uma forma divertida e engraçada de entender do que falo é assistir dois vídeos disponiveis no YouTube que caricaturam esses tipos. O primeiro, Hipster Olympics (vídeo abaixo), foi produzido por um grupo de comediantes aqui do Brooklyn, o POYKPAC, em 2007 e já foi assistido por mais de dois milhões de internautas.
O segundo é um desenho animado produzido para a Internet intitulado Hipsters in Space (vídeo abaixo) de 2008 que faz uma paródia com o clássico show Star Trek (1966).
Christian Lorentzen, em seu artigo de 2007 que já citei aqui, culpa os hipsters pelo processo de gentrification ou elitização do bairro de Williamsburg, Brooklyn, o que, de acordo com ele, contribui para o fim da diversidade em termos de classe e raça desta área da cidade. Um dos motivos que Williamsburg ter se tornado, assim como o Village (área intelectual e baladeira de Manhattan), na coqueluxe dos bairros para esses jovens morarem se dá devido a proximidade com a ilha de Manhattan além do fato de Henry Miller, escritor cultuado entre o grupo e autor de Trópico de Cancer (1964) dentre outros livros, ter nascido e morado nesse bairro. Lorentzen também afirma que hipsters são majoritariamente brancos, de classe média alta e alta e muitas vezes jovens profissionais que fingem ou brincam de viver alternativamente. Uma das pessoas que Lorentzen entrevistou para seu artigo afirmou que "o hipster padrão não é um artista ou músico. Ele tem um emprego de escritório e usa um chapéu para trabalhar e outro à noite. Provavelmente, o último é um boné de caminhoneiro."
Jake Mohan no artigo de 2008 "Hipster Rap: The Latest Hater Battleground" (Rap Hipster: O Último Campo de Batalha Odioso) mostra como rappers que incorporaram a estética visual e moda hipster (constituída de vários elementos caracterizados como metrosexuais) tais como Kanye West, Lupe Fiasco, Kid Sister e The Cool Kids (foto abaixo) foram criticados e acusados de agirem como posers por alguns rappers da velha escola (old school) do hip-hop. Frequentemente, hipsters são vistos como uma espécie de ladrão de diferentes estilos reduzindo tudo posteriormente a idéia de "how cool it is" (quanto legal/descolado é). Essa perspectiva pode ser notada nos artigos de Tim Walker, "Meet the Global Scenester" (algo como Encontre o Cenista Global) de 2008, e Rob Horning, "The Death of Hipster" (A Morte do Hipster) de 2009. Ambos os autores exploram as conexões do hipsterismo contemporâneo com as forças do mercado. Horning sugere que a idéia de hipster como um tipo de "permanente homem culto de classe média vivendo num hiper capitalismo tardio, explorando fontes alternativas de poder social desenvolvidos por grupos marginais" enquanto Walker mostra como a disseminação do estilo hipster numa escala global é realizada devido a existência da Internet através da circulação de idéias/estilos/tendências por meio de fluxos informacionais via blogs, revistas eletrônicas, lista de emails e circulação de vídeos.
Walker também mostra como algumas marcas de roupas, exemplos são American Apparel e Uniqlo, tem sido bem sucedidas em seus negócios se apresentando como marcas da cena global remixando diferente estilos de diversas localidades ao redor do mundo. Há também sites, como o The Cool Hunter, especializados em descobrir quais são as novas tendências em moda, estilo de vida e consumo através da contribuição de pessoas de diferentes lugares do mundo. Walker diz ironicamente que "se um cenista global começar a usar cuecas no pescoço em São Paulo amanhã, na semana seguinte cuecas boxers estarão em falta em Berlim".
Mesmo com essa faceta extremamente vinculada ao consumo o hipsterismo ainda pode ser classificado como uma subcultura assim como foi nos anos 1940 e 1950?
Eu acho que a definição de subcultura fornecida pelo sociólogo inglês John Clarke ainda nos ajuda a entender essa nova configuração do hipsterismo. De acordo com ele, subculturas emergem em momentos de acumulação de capital, uma vez que é necessário dispor de dinheiro para comprar os produtos que são objeto de consumo, expansão e mudança do mercado pari passu a uma espécie de relação contraditória entre a cultura hegemônica (aquela disseminada e valorizada pela sociedade como um todo) e a cultura dos pais desses jovens (geralmente uma cultura operária ou de classe média baixa). Os jovens, num explícito processo de ascensão social, se rebelam contra ambas tentando criar algo novo. No entanto, na interpretação de nossos autores, essas subculturas tem uma alta probabilidade de falhar em sua empreita uma vez que elas tentam resolver um conflito ideológico num nível estético/simbólico.
Outro fator importante a ser enfatizado é que Clarke mostra que subculturas surgem da articulação entre três diferentes domínios: educação, trabalho e lazer. A relação que jovens ligados a subculturas tem com esses elementos é bastante diferente quando comparada a experiência de seus pais. Esses aspectos podem ser vistos em sua relação com o hipsterismo quando buscamos subsídios teóricos em autores como Alan Liu em seu livro The Laws of Cool (As Leis do Legal/Descolado) de 2004 e Manuel Castells em sua mais recente publicação Communication Power (Poder da Comunicação) datada de 2008.
Tudo bem Olívia, mas será que você pode explicar os argumentos desses autores em termos mais humanos (*risos*) para o nosso público leitor?
Ok, juro que vou tentar! (*risos*) Em termos gerais, Castells busca desenvolver o argumento central em seu novo livro baseando-se num conceito trabalhado por ele em obras anteriores: "network society" (sociedade de rede). A network society corresponde a uma nova estrutura social, uma nova forma que a sociedade vem se organizando nos últimos 20 anos tendo como referência dinâmicas globais de consumo/produção/circulação de mercadorias e capital, valorização da informação que é trocada/organizada através de networks (redes) e reconhecimento da cultura como responsável por remodelar os produtos e a forma como eles são produzidos/consumidos. Neste sentido, Castells descreve como o processo de globalização, de mãos dadas com as novas formas de tecnologia, está reorganizando as relações entre Estados, fragmentando e tornando o mercado de trabalho mais flexível e levando a sociedade para um outro nível, o nível da sociedade de rede (network society).
E qual é o ponto do outro autor, Liu?
Alan Liu, por outro lado, argumenta em seu livro que as configurações do capitalismo na "era da informação" (dos anos 1990 em diante) foram responsáveis por apagar as fronteiras entre conhecimento humanístico (basicamente literatura) e conhecimento tecnológico criando o que ele chama de "networked information technology" (tecnologia da informação em rede) (ver Liu, 2004:6). Neste momento do capitalismo informacional/financeiro tardio o profissional que é procurado pelas empresas no mercado de trabalho deve se enquadrar na categoria de "criadores" e/ou "criativos" mixando caracteríticas de vários campos diferentes como mundo acadêmico, mercado, artes, cultura pop e tecnologia virtual.
Isso equivale a dizer que educação formal continua sendo um pré-requisito essencial para ser bem sucedido no mercado de trabalho, mas para além disso é necessário ser criativo, "cool" e "hip". A separação entre trabalho e lazer também deixa de existir uma vez que as novas tecnologias de comunicação tornam possível transformar a residência em local de trabalho ao mesmo tempo que exigisse que as tarefas a serem realizadas sejam feitas com prazer uma vez que as mesmas mesclam elementos de arte, cultura pop, formalidade e informalidade. Em outras palavras, é necessário encarar o trabalho como constituído/embuído de lazer e não o seu oposto. Desse modo, bloggers, web designers, programadores e outros profissionais ligados a área de tecnologia, mídia e campos correlatos passam a ser vistos não como trabalhadores comuns, mas sim criadores trabalhando da mesma forma que músicos e artistas em geral. Ser "cool" é produzir novas formas de produtos culturais para consumo usando a tecnologia de forma criativa.
Hipsterismo e ser "cool" partindo desta perspectiva estão relacionados a uma forma de subcultura ligado a grupo bastante específico de pessoas: jovens profissionais (em sua maioria constituída de branc@s), altamente educados, urbanos e oriundos das classes média e alta. A noção de "cool" involve retoricamente um imaginário e estética de integração de classe/raça mas promove exclusão em bases educacionais, de acesso a tecnologia, formas de linguagem e consumo que do ponto de vista estético é uma bricolagem de vários estilos e identidades.
Dá pra você falar um pouco mais dessa relação entre hipsterismo e desenvolvimento da Internet?
Claro! Recentemente, o sociólogo Manuel Castells mostrou como as novas mídias e formas de comunicação que se desenvolveram na sociedade de rede são responsáveis por remodelar a forma que as pessoas constrõem sua identidade. Em seu último livro de 2008, o autor argumenta que um novo sistema de comunicação (mass self-communication/auto comunicação de massa) emergiu forçando uma mudança nas relações de poder devido a um novo ambiente de comunicação. Criada no contexto da Internet essa comunicação tem uma base local, mas é globalmente conectada numa relação horizontal entre os usuários. Ela é construída através de mensagens via Internet e celular, redes sociais como Facebook, revistas eletrônicas, blogs e é usada e trocada por milhares de pessoas ao redor do mundo se opondo ao tradicional esquema de comunicação de massa onde a distribuição e compartilhamento de informações é feito de forma vertical, hierarquica.
E mais especificamente sobre o consumo?
Bem, para falar de consumo temos que falar de branding. Mas vamos por partes... Este processo de auto-comunicação de massa descrito por Castells é responsável por criar uma "network culture" (cultura de rede) onde processos tais como "branding" tem um papel central na cooptação de estilos criados por subculturas. Aqui é possível pensar no exemplo dado por Walker em seu artigo sobre "cenistas globais". Empresas como American Apparel e Uniqlo são marcas do "cool" e marcas podem ser entendidas como novos objetos midiáticos de acordo com Celia Lury em seu livro Brands: The Logos of Global Economy (2004) (Marcas: Os Logos da Economia Global). Em outras palavras, uma marca é um objeto cujo uma ação ou sentimento é dirigido e ao mesmo tempo ela é responsável por estabelecer uma série de relações entre produtos no tempo (Lury, 2004: 1-2). Isto corresponde a dizer que marcas tentam sumarizar e representar estilos de vida, posições de classe social e idéias dispersas em diferente temporalidades e grupos mas organizados por um processo conhecido como "looping".
Neste sentido, a ação de marcas como American Apparel, Uniqlo e sites como The Cool Hunter se enquadram perfeitamente no processo de branding do hipsterismo tornando a noção de cool acessível a qualquer pessoa através do consumo de seus produtos. O mesmo poderia ser dito a respeito de outros produtos tais como computadores Apple, smartphones, cameras de vídeo e fotografia, roupas antigas de grife compradas em brejós, bandas e cantores de rock desconhecidos e alternativos, cigarros Parliament, bicicletas antigas consertadas, óculos de sol retrôs, calças jeans justas, cerveja produzidas artesanalmente ou de marcas como Pabst Blue, calças de lycra para ginástica, o lenço palestino keffiyeh etc. Um bom exemplo de processo de branding é dado por Walker quando o mesmo se refere a uma campanha publicitária desenvolvida pela marca de tênis Converse responsável por produzir uma linha de tênis, o modelo Chuck Taylor (conhecido no Brasil como All Star), que se tornou o símbolo da nova geração de hipsters contemporâneos. Num intuito de comemorar os seus 100 anos os publicitários usaram na campanha figuras intergeracionais ligadas de uma forma ou de outra ao hispterismo como o jornalista Hunter S. Thompson (1937-2005), o ator James Dean (1931-1955) e o músico inglês Sid Vicious (1957-1979).
Acho que o jornalista Douglas Haddow foi o que melhor sintetizou tudo isso dizendo que "a camiseta em gola V da American Apparel, a cerveja Pabst Blue Ribbon e os cigarros Parliament são símbolos e ícones da classe trabalhadora ou revolucionária e tem sido apropriados pelos hipsters sendo drenados de significado. Dez anos atrás, um homem usando uma camiseta básica em gola V e bebendo uma Pabst nunca seria acusado de ser um seguidor de tendências. Mas em 2008 tais coisas se tornaram clichês sem vergonha de uma classe de indivíduos que buscam escapar da sua própria riqueza e privilégio mergulhando na estética da classe trabalhadora."
Paradoxalmente, uma das maiores características deste hipsterismo contemporâneo é a recusa em declarar-se pertencente a ele. Um verdadeiro hipster é fácil de ser visto mas difícil de ser encontrado como foi comprovado por Haddow no seu diálogo numa festa..."Então... Essa é uma festa hipster?" Perguntei a garota sentada próxima a mim. Ela usava enormes brincos pendentes, uma camiseta American Apparel gola em V, óculos de grau falsos e um antiquado casaco de lã. "Sim, olhe ao seu redor, 99 por cento das pessoas aqui são hispters totais!", "Você é hipster?", "Eu não, porra!" disse ela rindo...
E você Olívia, é hipster?
Não sei, o que você acha? *risos* Anyway, I don't care about labels, dude...
Okay, de toda forma obrigado pela entrevista!
Disponha!
Muita Paz!
A trajetória de Olivia é comovente, não? Uma orangotango hipster! Sim, ela nega que seja, mas uma das facetas da identidade/subcultura hipster é justamente a negação do pertencimento a ela. Aposto que vári@s leitore/as devem estar se perguntando: "Mas que diabos é essa porra de hipster?" Vamos por partes, já diria o velho, bom e assassino truta Jack... Na verdade, você já teve ter cruzado com algum protótipo de hipster por aí, afinal eles estão vivendo numa escala global com suas calças justas coladas no corpo, tênis Converse/All Star nos pés, óculos escuros ou de grau retrôs e camisetas com frases irônicas como a que acompanha a foto do hipster cat aí de cima retirada do site LATFH (Look At This Fucking Hipsters): "I am not trying to brag. I am just saying, I knew about Cat Power before anyone else did." (Não tô querendo me gabar. Só tô dizendo que eu conhecia Cat Power antes de todo mundo). Para entender melhor o hipsterismo o NewYorKibe resolveu convidar Hip Olívia para uma entrevista mesmo sabendo da dificuldade que seria convencê-la a disponibilizar do seu tempo para um inbrog B como o nosso. Tamanha foi nossa surpresa quando a artista concordou em abrir um tempinho na sua apertada agenda e nos concedeu uma entrevista exclusiva. A conversa se deu num café do East Village frequentado por artistas, intelectuais alternativos, junkies, músicos narizes nervosos em fim/início de carreira e estudantes da NYU e da The New School University. Enjoy it!
Hip Olívia, primeiramente obrigado por conceder uma entrevista ao NewYorKibe. Sabemos que você é uma lenda no mundo hipster de NYC e sua agenda é extremamente busy. Você poderia começar explicando o que o termo hipster significa para o nosso público leitor de fala portuguesa?
Of course, dude! Hipster em sua origem é um palavra que deriva da gíria negra "hip" ou "hep" os quais eram usados nos anos 1940 para se referir a droga ópio. O termo era usado principalmente entre músicos de jazz da época numa linguagem conhecida como "jive talk", ou seja, a gíria utilizada por frequentadores de salões de baile onde as big bands tocavam ritmos como o boogie woogie. "Jive", assim como o "lynd hop", eram também estilos de dança que haviam nascidos no seio da comunidade afro-americana para se dançar o que era conhecido como "hot jazz". Nesse sentido, o termo hepcat (hep + cat), e em seguida hipster (hip + ster), foi utilizado primeiramente para se referir a jovens, na maioria negros, que frequentavam salões de dança possuindo um senso de moda e estilo. Para se ter uma idéia, Malcolm X se considerava um hipster nos seus anos de juventude em Boston quando ainda morava com sua meia-irmã e trabalhava como engraxate num salão da dança.
John Leland, jornalista do New York Times no seu livro Hip: The History publicado em 2004 afirma que "hip é uma coisa ilusória" ou "uma idéia romantica e não um catálogo de fatos". Esta é a razão pela qual o autor busca refazer uma possível história do "hip" cruzando biografias de indivíduos que de uma forma ou de outra estiveram/estão associadas a essa subcultura. Basicamente, o que liga todas essas personalidades num período de um século e meio é: 1) uma noção de "hip" como algo transgressivo seja do ponto de vista intelectual, das relações raciais, sexualidade, drogas, arte em suas várias formas (música, literatura, pintura, etc.), moda, estética e política; 2) algo que transmitido através de produtos midiáticos como livros, rádios, filmes e tecnologias eletrônicas/virtuais como a Internet disponível em computadores pessoais portáteis e telefones celulares de última geração (smartphones). Abaixo quadro Pod Cast Trama Virtual feito por Oga Mendonça (visite o Flickr do moço clicando AQUI).
Assim sendo, o hipsterismo pode ser entendido como uma subcultura se enquadrando na definição fornecida pelo sociólogo inglês John Clarke num texto clássico de 1976, ou seja, culturas juvenis que "exibem forma e estrutura suficientes para se fazerem identificavelmente diferentes da cultura paterna e, ao mesmo tempo, são focadas em certas atividades, valores, certos usos de artefatos materias, espaços territoriais etc." Sacou?!!
Saquei Olivia! Okay, mas pelo que sei há uma relação estreita entre hipsterismo, jazz e literatura no início da parada toda. Como é isso?
Sim, essa relação existe sim. Mas pra entender isso é necessário fazer uma espécie de retrospectiva dessa subcultura a partir de um período crucial para o seu entendimento: as décadas de 1940 e 1950. Esse período é chamado por alguns de "golden era" do hipster devido ao Bebop Jazz e a literatura Beat. Vou me explicar... Em 1957 Jack Kerouack (1922-1969), bonitão da foto acima, publicou On the Road, o famoso romance que marca uma mudança na literatura norte-americana e o aparecimento de um grupo de jovens escritores. On the Road descreve as aventuras de vários jovens brancos, intelectuais, admiradores de jazz que viajam ao redor dos Estados Unidos de carro e com pouco dinheiro. As histórias registradas no livro, originalmente escrito em 1951, eram fatos verídicos que Kerouack colocou dentro de um contexto fictício. Todos esses jovens, transformados em personagens do livro, eram oriundos da classe média, haviam passado algum tempo na universidade, almejavam carreiras artísticas e/ou intelectuais e aderiam a um estilo de vida alternativo ouvindo jazz (bebop) e usando drogas como maconha. Em termos de classe, a exceção era o jovem Neal Cassady (1926-1968), retratado na foto abaixo, que era oriundo da classe trabalhadora e havia crescido dividido entre a companhia do pai alcoolatra e períodos passados em reformatórios devido a pequenos delitos.
Os escritores da geração beat formavam um grupo que rejeitava de certa forma os valores da classe média americana e idealizava o estilo de vida da classe trabalhadora e dos músicos de jazz dos anos 1940. Bebbopers eram um modelo de inspiração para os beats devido sua tentativa de recriar o jazz da época executando esse ritmo musical de uma forma mais complexa, rápida e difícil de ser executada pelos músicos das big bands, recusando tocar música para se dançar como faziam seus comparsas, ignorando os gostos do público consumidor de música por meio de sua música rápida e confusa e ainda tendo uma profunda relação com diferentes tipos de drogas disseminadas no submundo de músicos e viciados. Charlie "Bird" Parker (1920-1955), com sua vida controvertida e morte prematura resultado do uso de drogas, era a encarnação de um tipo ideal de artista a ser seguido.
Na foto abaixo, é possível ver duas lendas e modelos de inspiração para os hipsters dos anos 1940/1950: os músicos "Bird", do qual já falei, e Miles Davis (1926-1991). Ambos tiveram em vida uma relação controvertida com drogas, foram revolucionários em sua forma de fazer música e tinham um gosto refinado na forma de se vestir. Davis, mais do que Bird, é uma referência constante para a geração mais nova de hipsters. Ele foi durante vários anos eleito o homem mais bem vestido do mundo, possuía uma personalidade forte e atitude blasé no tratar com as pessoas que era lida como arrogância por alguns e foi ainda responsável por celebrizar o termo "cool" (tão presente na gíria hipster) através do lançamento do álbum clássico de 1957 Birth of Cool.
Mas por que os beats foram tão revolucionários, Hip Olívia?
Basicamente, os beats, através de sua estética literária e estilo de vida, estabeleceram uma representação de juventude que incorporvava os dilemas dos jovens vivendo no período pós segunda grande guerra nos EUA e encuralados entre progresso econômico, o conservadorismo dos valores americanos daquela época e os perigos eminentes da bomba atômica que traziam de volta discussões a respeito das limitações da humanidade e da morte logo após o episódio do holocausto perpetrado por nazistas contra judeus, ciganos e outras minorias. A saída para essa situação era visualizada nas páginas de On the Road através das ações do personagem de Neal Cassady: viver profundamente o presente, a idéia síntese de um hipster original. Cassidy incorporava no seu papel ficcional ou na vida real virilidade, orientação sexual ambígua, uso de drogas e um imaginário questionador, subversivo, ameaçador (em termos psicológicos, do ponto de vista da conduta sexual e violência física) ao mesmo tempo que se tornava um outro atraente, algo muito presente na relação estabelecida entre classes média e alta para com negros e indivíduos brancos da classe trabalhadora. O intelectual responsável por notar esses aspectos e escrever um ensaio que se tornaria clássico denominando os hipsters de "white negros" (brancos negros) foi um escritor judeu: Norman Mailer (1923-2007), foto abaixo.
Ao que parece esse é o texto mais citado na história do hipsterismo, não?
Sim, com certeza. Mailer já era um autor relativamente conhecido quando escreveu esse ensaio para a Dissent Magazine em 1957. O título era bastante provocativo: "The White Negro: Superfitial Reflections on the Hipster" (O Branco Negro: Reflexões Superficiais Sobre o Hipster). Mailer se referia aos hipsters como uma espécie de "existencialista americano", "o homem que sabe que nossa condição coletiva é viver com um contínuo medo da bomba atômica" ou "com uma lenta morte pela conformidade em que cada instinto criativo ou rebelde é sufocado" (Mailer, 1957: 2). Em face dessa situação, Mailer afirma que os hipsters aceitam viver a morte na vida através de um tipo de radicalização do presente. Nas suas palavras, esta atitude significa "viver a morte como um perigo imediato, divorciar-se da sociedade, existir sem raízes, organizar esta imprevisível jornada dentro dos imperativos rebeldes do self" (Mailer, 1957:2).
Indo além de colocar a experiência hipster dentro de uma perspectiva filosófica, Mailer também afirmava que o modelo tomado pelos hipsters ao elaborar seu estilo de vida e visão de mundo havia sido buscado na comunidade afro-americana muito provavelmente devido a influência do jazz. De acordo com o escritor, o "negro [nos Estados Unidos] tem vivido na margem entre totalitarismo e democracia por séculos" e como resultado desta situação ele teria decidido por viver de uma forma existencialista, ou seja, dentro de um contínuo e perpétuo presente uma vez que ele encarava a possibilidade de ser vítima de violência e morte a cada minuto de sua existência por conta do racismo e segregação vigente contra ele nos EUA. Mailer tem uma espécie de abordagem freudiana para entender o hipsterismo e a população afro-americana. Para ele, as contradições dessa situação levariam essas duas figuras (negros e hipsters) a viver entre extremos: auto-destruição e criatividade. Além disso, o hipster, para ele, poderia ser considerado um psicopata que adaptava a "moralidade da sarjeta", desenvolvida por negros, para a sua realidade.
Parece um pouco forte afirmar que hipsters eram psicopatas, não? Dá impressão que algum deles pode a qualquer momento sair por aí atirando nas pessoas ou cometendo crimes em série.
Bem, não é bem por aí. De acordo com Mailer, "pode ser frutífero considerar o hipster um psicopata filosófico, um homem interessado não somente nos imperativos perigosos de sua psicopatia, mas em codificar, ao menos para ele próprio, as suposições sobre as quais sua universo interior é construído" (Mailer, 1957:5-7). Aqui, tomando um diferente caminho, Mailer estava capacitado a reconstruir o imaginário de medo associado aos negros nos Estados Unidos, um tipo de "negrofobia" que o escritor afro-americano Richard Wright (1908-1960) descreveu muito bem em seu romance Native Son (Filho Nativo) de 1940 por meio do personagem Bigger Thomas. Essa mesma "negrofobia" também foi associada por Christian Lorentzen, no seu artigo de 2007 para a revista Time Out intitulado "Why the Hipster Must Die" (Porque o Hipster Deve Morrer), a personalidades brancas como James Dean, Marlon Brandon e o já citado Neal Cassady.
Para Mailer, o jazz foi o veículo pelo qual a estética e idéias posteriormente defendidas pelos hipsters foram apresentadas a eles. Em outras palavras, a música foi o canal de contato entre intelectualidade avant-gard jovem e branca com o submundo de músicos de jazz permeados por boemia, dança, prostituição, drogas e niilismo coberto com sorrissos e uísque barato. Mesmo considerando que o bebop não teve a época muita popularidade entre largas porções do público de jazz devido a sua complexidade e diferença quando comparado a música das big bands, essa escola de jazz e o estilo de vida de seus músicos foram incorporados pelos beats os quais, por sua vez, transformaram parte desta música em uma literatura bastante específica. Na foto abaixo o escritor norte-americano americano Henry Miller (1891-1980).
Ok, mas se tivéssemos que sumarizar a noção de hipster vigente nos anos 1940 e 1950 como poderíamos fazer isso?
Basicamente, poderíamos dizer que escritores beats e outros como Norman Mailer mais a mídia da época essencialmente vinculada a jornais, revistas e indústria fonográfica foram responsáveis por ajudar a produzir e divulgar uma noção específica de hipster, ou seja, uma versão idealizada de parte da classe trabalhadora e população afro-americana ambos vistos como subversivos, criativos e livres das convenções vigentes nas classes média e alta norte-americanas da época. Esse estilo de vida creditado primeiramente a brancos e negros pobres foi visualizado como uma saída para a contradição ideológica vivida por jovens brancos de classe média dos anos 1940. O hipsterismo foi essa forma de subcultura desse grupo de jovens que não se viam ou queriam se encaixar no imaginário do American Dream: um emprego estável e uma família estruturada com casa no subúrbio, carro na garagem e jardim para cuidar nos finais de semana.
E o hipsterismo hoje? Como o mesmo é retratado ou, reformulando a pergunta, é possível falar em hipsters no começo do século XXI?
Só pra se ter uma idéia das várias polêmicas mas também da popularidade que envolve o hipsterismo atual basta fazer uma rápida busca na Internet. Os resultados e definições são muitos e vários. Em 2003, por exemplo, Robert Lanham publicou um livro intitulado The Hipster Handbook (O Manual Hipster) caracterizando de forma irônica e debochada os "sims" e "nãos" em ser hipster. Hipsters, neste livro, são descritos como posers, pessoas preocupadas em parecer "cool" (legais/descoladas) e usando uma fantasia para isto constituída por camisetas estampadas com mensagens irônicas, falsos óculos de grau retrôs, tênis Converse/All Star e calças jeans justas acompanhadas de uma atitude blasé (impessoal e indiferente, algo conhecido no meio gay como "carão"). Uma forma divertida e engraçada de entender do que falo é assistir dois vídeos disponiveis no YouTube que caricaturam esses tipos. O primeiro, Hipster Olympics (vídeo abaixo), foi produzido por um grupo de comediantes aqui do Brooklyn, o POYKPAC, em 2007 e já foi assistido por mais de dois milhões de internautas.
O segundo é um desenho animado produzido para a Internet intitulado Hipsters in Space (vídeo abaixo) de 2008 que faz uma paródia com o clássico show Star Trek (1966).
Christian Lorentzen, em seu artigo de 2007 que já citei aqui, culpa os hipsters pelo processo de gentrification ou elitização do bairro de Williamsburg, Brooklyn, o que, de acordo com ele, contribui para o fim da diversidade em termos de classe e raça desta área da cidade. Um dos motivos que Williamsburg ter se tornado, assim como o Village (área intelectual e baladeira de Manhattan), na coqueluxe dos bairros para esses jovens morarem se dá devido a proximidade com a ilha de Manhattan além do fato de Henry Miller, escritor cultuado entre o grupo e autor de Trópico de Cancer (1964) dentre outros livros, ter nascido e morado nesse bairro. Lorentzen também afirma que hipsters são majoritariamente brancos, de classe média alta e alta e muitas vezes jovens profissionais que fingem ou brincam de viver alternativamente. Uma das pessoas que Lorentzen entrevistou para seu artigo afirmou que "o hipster padrão não é um artista ou músico. Ele tem um emprego de escritório e usa um chapéu para trabalhar e outro à noite. Provavelmente, o último é um boné de caminhoneiro."
Jake Mohan no artigo de 2008 "Hipster Rap: The Latest Hater Battleground" (Rap Hipster: O Último Campo de Batalha Odioso) mostra como rappers que incorporaram a estética visual e moda hipster (constituída de vários elementos caracterizados como metrosexuais) tais como Kanye West, Lupe Fiasco, Kid Sister e The Cool Kids (foto abaixo) foram criticados e acusados de agirem como posers por alguns rappers da velha escola (old school) do hip-hop. Frequentemente, hipsters são vistos como uma espécie de ladrão de diferentes estilos reduzindo tudo posteriormente a idéia de "how cool it is" (quanto legal/descolado é). Essa perspectiva pode ser notada nos artigos de Tim Walker, "Meet the Global Scenester" (algo como Encontre o Cenista Global) de 2008, e Rob Horning, "The Death of Hipster" (A Morte do Hipster) de 2009. Ambos os autores exploram as conexões do hipsterismo contemporâneo com as forças do mercado. Horning sugere que a idéia de hipster como um tipo de "permanente homem culto de classe média vivendo num hiper capitalismo tardio, explorando fontes alternativas de poder social desenvolvidos por grupos marginais" enquanto Walker mostra como a disseminação do estilo hipster numa escala global é realizada devido a existência da Internet através da circulação de idéias/estilos/tendências por meio de fluxos informacionais via blogs, revistas eletrônicas, lista de emails e circulação de vídeos.
Walker também mostra como algumas marcas de roupas, exemplos são American Apparel e Uniqlo, tem sido bem sucedidas em seus negócios se apresentando como marcas da cena global remixando diferente estilos de diversas localidades ao redor do mundo. Há também sites, como o The Cool Hunter, especializados em descobrir quais são as novas tendências em moda, estilo de vida e consumo através da contribuição de pessoas de diferentes lugares do mundo. Walker diz ironicamente que "se um cenista global começar a usar cuecas no pescoço em São Paulo amanhã, na semana seguinte cuecas boxers estarão em falta em Berlim".
Mesmo com essa faceta extremamente vinculada ao consumo o hipsterismo ainda pode ser classificado como uma subcultura assim como foi nos anos 1940 e 1950?
Eu acho que a definição de subcultura fornecida pelo sociólogo inglês John Clarke ainda nos ajuda a entender essa nova configuração do hipsterismo. De acordo com ele, subculturas emergem em momentos de acumulação de capital, uma vez que é necessário dispor de dinheiro para comprar os produtos que são objeto de consumo, expansão e mudança do mercado pari passu a uma espécie de relação contraditória entre a cultura hegemônica (aquela disseminada e valorizada pela sociedade como um todo) e a cultura dos pais desses jovens (geralmente uma cultura operária ou de classe média baixa). Os jovens, num explícito processo de ascensão social, se rebelam contra ambas tentando criar algo novo. No entanto, na interpretação de nossos autores, essas subculturas tem uma alta probabilidade de falhar em sua empreita uma vez que elas tentam resolver um conflito ideológico num nível estético/simbólico.
Outro fator importante a ser enfatizado é que Clarke mostra que subculturas surgem da articulação entre três diferentes domínios: educação, trabalho e lazer. A relação que jovens ligados a subculturas tem com esses elementos é bastante diferente quando comparada a experiência de seus pais. Esses aspectos podem ser vistos em sua relação com o hipsterismo quando buscamos subsídios teóricos em autores como Alan Liu em seu livro The Laws of Cool (As Leis do Legal/Descolado) de 2004 e Manuel Castells em sua mais recente publicação Communication Power (Poder da Comunicação) datada de 2008.
Tudo bem Olívia, mas será que você pode explicar os argumentos desses autores em termos mais humanos (*risos*) para o nosso público leitor?
Ok, juro que vou tentar! (*risos*) Em termos gerais, Castells busca desenvolver o argumento central em seu novo livro baseando-se num conceito trabalhado por ele em obras anteriores: "network society" (sociedade de rede). A network society corresponde a uma nova estrutura social, uma nova forma que a sociedade vem se organizando nos últimos 20 anos tendo como referência dinâmicas globais de consumo/produção/circulação de mercadorias e capital, valorização da informação que é trocada/organizada através de networks (redes) e reconhecimento da cultura como responsável por remodelar os produtos e a forma como eles são produzidos/consumidos. Neste sentido, Castells descreve como o processo de globalização, de mãos dadas com as novas formas de tecnologia, está reorganizando as relações entre Estados, fragmentando e tornando o mercado de trabalho mais flexível e levando a sociedade para um outro nível, o nível da sociedade de rede (network society).
E qual é o ponto do outro autor, Liu?
Alan Liu, por outro lado, argumenta em seu livro que as configurações do capitalismo na "era da informação" (dos anos 1990 em diante) foram responsáveis por apagar as fronteiras entre conhecimento humanístico (basicamente literatura) e conhecimento tecnológico criando o que ele chama de "networked information technology" (tecnologia da informação em rede) (ver Liu, 2004:6). Neste momento do capitalismo informacional/financeiro tardio o profissional que é procurado pelas empresas no mercado de trabalho deve se enquadrar na categoria de "criadores" e/ou "criativos" mixando caracteríticas de vários campos diferentes como mundo acadêmico, mercado, artes, cultura pop e tecnologia virtual.
Isso equivale a dizer que educação formal continua sendo um pré-requisito essencial para ser bem sucedido no mercado de trabalho, mas para além disso é necessário ser criativo, "cool" e "hip". A separação entre trabalho e lazer também deixa de existir uma vez que as novas tecnologias de comunicação tornam possível transformar a residência em local de trabalho ao mesmo tempo que exigisse que as tarefas a serem realizadas sejam feitas com prazer uma vez que as mesmas mesclam elementos de arte, cultura pop, formalidade e informalidade. Em outras palavras, é necessário encarar o trabalho como constituído/embuído de lazer e não o seu oposto. Desse modo, bloggers, web designers, programadores e outros profissionais ligados a área de tecnologia, mídia e campos correlatos passam a ser vistos não como trabalhadores comuns, mas sim criadores trabalhando da mesma forma que músicos e artistas em geral. Ser "cool" é produzir novas formas de produtos culturais para consumo usando a tecnologia de forma criativa.
Hipsterismo e ser "cool" partindo desta perspectiva estão relacionados a uma forma de subcultura ligado a grupo bastante específico de pessoas: jovens profissionais (em sua maioria constituída de branc@s), altamente educados, urbanos e oriundos das classes média e alta. A noção de "cool" involve retoricamente um imaginário e estética de integração de classe/raça mas promove exclusão em bases educacionais, de acesso a tecnologia, formas de linguagem e consumo que do ponto de vista estético é uma bricolagem de vários estilos e identidades.
Dá pra você falar um pouco mais dessa relação entre hipsterismo e desenvolvimento da Internet?
Claro! Recentemente, o sociólogo Manuel Castells mostrou como as novas mídias e formas de comunicação que se desenvolveram na sociedade de rede são responsáveis por remodelar a forma que as pessoas constrõem sua identidade. Em seu último livro de 2008, o autor argumenta que um novo sistema de comunicação (mass self-communication/auto comunicação de massa) emergiu forçando uma mudança nas relações de poder devido a um novo ambiente de comunicação. Criada no contexto da Internet essa comunicação tem uma base local, mas é globalmente conectada numa relação horizontal entre os usuários. Ela é construída através de mensagens via Internet e celular, redes sociais como Facebook, revistas eletrônicas, blogs e é usada e trocada por milhares de pessoas ao redor do mundo se opondo ao tradicional esquema de comunicação de massa onde a distribuição e compartilhamento de informações é feito de forma vertical, hierarquica.
E mais especificamente sobre o consumo?
Bem, para falar de consumo temos que falar de branding. Mas vamos por partes... Este processo de auto-comunicação de massa descrito por Castells é responsável por criar uma "network culture" (cultura de rede) onde processos tais como "branding" tem um papel central na cooptação de estilos criados por subculturas. Aqui é possível pensar no exemplo dado por Walker em seu artigo sobre "cenistas globais". Empresas como American Apparel e Uniqlo são marcas do "cool" e marcas podem ser entendidas como novos objetos midiáticos de acordo com Celia Lury em seu livro Brands: The Logos of Global Economy (2004) (Marcas: Os Logos da Economia Global). Em outras palavras, uma marca é um objeto cujo uma ação ou sentimento é dirigido e ao mesmo tempo ela é responsável por estabelecer uma série de relações entre produtos no tempo (Lury, 2004: 1-2). Isto corresponde a dizer que marcas tentam sumarizar e representar estilos de vida, posições de classe social e idéias dispersas em diferente temporalidades e grupos mas organizados por um processo conhecido como "looping".
Neste sentido, a ação de marcas como American Apparel, Uniqlo e sites como The Cool Hunter se enquadram perfeitamente no processo de branding do hipsterismo tornando a noção de cool acessível a qualquer pessoa através do consumo de seus produtos. O mesmo poderia ser dito a respeito de outros produtos tais como computadores Apple, smartphones, cameras de vídeo e fotografia, roupas antigas de grife compradas em brejós, bandas e cantores de rock desconhecidos e alternativos, cigarros Parliament, bicicletas antigas consertadas, óculos de sol retrôs, calças jeans justas, cerveja produzidas artesanalmente ou de marcas como Pabst Blue, calças de lycra para ginástica, o lenço palestino keffiyeh etc. Um bom exemplo de processo de branding é dado por Walker quando o mesmo se refere a uma campanha publicitária desenvolvida pela marca de tênis Converse responsável por produzir uma linha de tênis, o modelo Chuck Taylor (conhecido no Brasil como All Star), que se tornou o símbolo da nova geração de hipsters contemporâneos. Num intuito de comemorar os seus 100 anos os publicitários usaram na campanha figuras intergeracionais ligadas de uma forma ou de outra ao hispterismo como o jornalista Hunter S. Thompson (1937-2005), o ator James Dean (1931-1955) e o músico inglês Sid Vicious (1957-1979).
Acho que o jornalista Douglas Haddow foi o que melhor sintetizou tudo isso dizendo que "a camiseta em gola V da American Apparel, a cerveja Pabst Blue Ribbon e os cigarros Parliament são símbolos e ícones da classe trabalhadora ou revolucionária e tem sido apropriados pelos hipsters sendo drenados de significado. Dez anos atrás, um homem usando uma camiseta básica em gola V e bebendo uma Pabst nunca seria acusado de ser um seguidor de tendências. Mas em 2008 tais coisas se tornaram clichês sem vergonha de uma classe de indivíduos que buscam escapar da sua própria riqueza e privilégio mergulhando na estética da classe trabalhadora."
Paradoxalmente, uma das maiores características deste hipsterismo contemporâneo é a recusa em declarar-se pertencente a ele. Um verdadeiro hipster é fácil de ser visto mas difícil de ser encontrado como foi comprovado por Haddow no seu diálogo numa festa..."Então... Essa é uma festa hipster?" Perguntei a garota sentada próxima a mim. Ela usava enormes brincos pendentes, uma camiseta American Apparel gola em V, óculos de grau falsos e um antiquado casaco de lã. "Sim, olhe ao seu redor, 99 por cento das pessoas aqui são hispters totais!", "Você é hipster?", "Eu não, porra!" disse ela rindo...
E você Olívia, é hipster?
Não sei, o que você acha? *risos* Anyway, I don't care about labels, dude...
Okay, de toda forma obrigado pela entrevista!
Disponha!
Muita Paz!
terça-feira, 1 de junho de 2010
Estou Virando Gringo!
"Exaustão", eis a palavra que melhor define a situação de estudantes de pós-graduação nessa época do ano nos EUA e, logo, me incluo nesse grupo. O semestre acabou a quase duas semanas, mas ainda rola um cansaço exagerado como resultado dos últimos esforços para passar noites em claro lendo e relendo artigos ou livros para escrever os malditos papers. O processo é sempre estressante uma vez que o último dia de aula do curso é a data de entrega do trabalho final, o famoso paper. Geralmente eles variam entre 15 e 20 páginas, professores mais exigentes estabelecem entre 20 e 30 páginas e os mais antenados com informática, e portanto já espertos com as técnicas utilizadas por nós para ganhar duas ou três páginas de lambuja, estabelecem em vez de laudas número de palavras.
O que acontece, então, é que o período de duas semanas que antecede o término do semestre e conhecido como finals por concentrar a maioria dos exames e trabalhos finais é uma prova de resistência: biblioteca cheia, corrida contra o tempo e noites mal-dormidas acompanhadas de má alimentacão, mau-humor e estresse. A academia vai pro espaço e Misters Big Mac e Ronald MacDonalds tornam-se seus melhores amigos no rango da madrugada além da ingestão em grandes quantidades do "pretinho gostoso": café. Mas assim que terminam as finals vem o final do ano e podemos comemorar loucamente relaxando e tomando uma cerveja. É nesse ponto que digo que estou virando gringo, final de ano para mim agora rola entre maio e junho, ou seja, o final do ano letivo nos EUA. Tudo é muito parecido com o Brasil uma vez que o verão chega, tomo mundo entra na marcha lenta e as ruas são inundadas por homens e mulheres usando shorts ou bermudas, chinelos, sandálias e todos os outros apetrechos de primavera/verão. Me sinto gringo, pois agora acho que o "ano" acaba no "meio do ano".
Tô cansado e com sono, mas ainda tenho que terminar de fazer as malas dispostas bem a minha frente. E fazer mala é pior do que sofrer tortura do tipo ter o cabelo pixaim embaraçado penteado por um pente flamengo. Ninguém merece! Entretanto, em menos de seis horas voarei para o país do futebol em mês de copa do mundo e tentarei, ao menos nesse período, ser menos gringo torcendo para a seleção canarinho.
Muita Paz!
O que acontece, então, é que o período de duas semanas que antecede o término do semestre e conhecido como finals por concentrar a maioria dos exames e trabalhos finais é uma prova de resistência: biblioteca cheia, corrida contra o tempo e noites mal-dormidas acompanhadas de má alimentacão, mau-humor e estresse. A academia vai pro espaço e Misters Big Mac e Ronald MacDonalds tornam-se seus melhores amigos no rango da madrugada além da ingestão em grandes quantidades do "pretinho gostoso": café. Mas assim que terminam as finals vem o final do ano e podemos comemorar loucamente relaxando e tomando uma cerveja. É nesse ponto que digo que estou virando gringo, final de ano para mim agora rola entre maio e junho, ou seja, o final do ano letivo nos EUA. Tudo é muito parecido com o Brasil uma vez que o verão chega, tomo mundo entra na marcha lenta e as ruas são inundadas por homens e mulheres usando shorts ou bermudas, chinelos, sandálias e todos os outros apetrechos de primavera/verão. Me sinto gringo, pois agora acho que o "ano" acaba no "meio do ano".
Tô cansado e com sono, mas ainda tenho que terminar de fazer as malas dispostas bem a minha frente. E fazer mala é pior do que sofrer tortura do tipo ter o cabelo pixaim embaraçado penteado por um pente flamengo. Ninguém merece! Entretanto, em menos de seis horas voarei para o país do futebol em mês de copa do mundo e tentarei, ao menos nesse período, ser menos gringo torcendo para a seleção canarinho.
Muita Paz!
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