sexta-feira, 29 de maio de 2009

A Racionalidade do Desejo e Relacionamento “Inter-Racial”

Conheço Laura Moutinho há exatos 10 anos. Antropóloga e professora da USP, Laura é dessas intelectuais que conseguem discutir assuntos complexos e controversos sem cair no pedantismo, algo que realmente admiro. Sua tese de doutorado ganhou um dos mais importantes prêmios das ciências sociais brasileiras tendo sido publicado em 2004. Esses dias atrás estava fuçando nuns livros na Bobst Library (NYU) e topei com o trabalho de Laura. Bateu saudade e resolvi publicar uma resenha que fiz do livro e que saiu na revista Cadernos de Campo anos atrás. Divirtam-se...

A Racionalidade do Desejo e Relacionamento “Inter-Racial”

Somos um país miscigenado, da democracia racial, onde a mulata é a tal. Certo? Ou não? Se sim, por quê? O mito de origem de nossa nação é contado recorrentemente em textos que sempre (re) atualizam a fábula das três raças, apresentada pela primeira vez em 1825, no texto de autoria do alemão Karl von Martius, no concurso promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, intitulado “Como escrever a história do Brasil”(Martius 1991:13). Desde aquela época, a formação do Brasil é pensada a partir da contribuição de três grupos (brancos, negros e índios) com suas, respectivamente, três “raças” ou “culturas”.

Na segunda metade do século XIX, a questão racial emerge como problema a partir da Abolição da escravidão, em 1888. O impasse era refletir sobre a constituição de uma nação onde a maior parte da população era constituída de ex-escravizados negros e mestiços, agora elevados, ao menos juridicamente, à categoria de cidadãos. O elemento complicador vinha da chegada no Brasil das teorias racistas oriundas da Europa, que condenavam o futuro de um país mestiço como o nosso. Dentro deste contexto, as idéias de raça, mestiçagem e miscigenação tornaram-se conceitos fundamentais problematizados nos trabalhos de intelectuais que buscavam solução para esse impasse. Vista com pessimismo por alguns e com otimismo por outros, salta aos olhos que os diversos trabalhos que analisaram a obra desses autores não tivessem, até a atualidade, analisado um aspecto crucial que dá base à miscigenação: o relacionamento inter-racial.

O livro de Laura Moutinho intitulado Razão, "cor" e desejo: uma análise comparativa sobre relacionamentos afetivo-sexuais "inter-raciais" no Brasil e na África do Sul debruça-se sobre essa fascinante e, porque não, dolorosa temática. O trabalho é fruto de uma tese de doutoramento em Antropologia Social, desenvolvida na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e nele a autora se propõe a fazer uma análise das lógicas presentes nos relacionamentos inter-raciais nas cidades do Rio de Janeiro (Brasil) e Cidade do Cabo (África do Sul). A hipótese central do trabalho é de que estes relacionamentos dialogam diretamente com a maneira que estas nações estruturam seus mitos de origem, identidades e políticas sexuais. O título da obra em si já é bastante sugestivo. O mesmo sugere que, ao contrário do que o senso comum afirma, há uma “racionalidade” nos relacionamentos afetivos em geral e nos inter-raciais, em específico. Em ambos, categorias como cor, desejo, gênero e classe social têm um papel estruturador no jogo que se estabelece dentro do que a autora denomina “mercado do amor e do desejo”. Ao mesmo tempo, Moutinho se coloca no grupo dos antropólogos que usam o conceito raça entre aspas com o intuito de evitar uma reificação do termo. O que fica sugerido é que apesar da negação do conceito por parte da biologia e genética moderna, a idéia de “raça” continua a fazer sentido para os atores sociais e, no estudo em questão, é uns dos conceitos centrais que conduz a ação dos indivíduos, sendo muitas vezes o responsável pela construção ou ausência do desejo sexual.


A antropóloga dá início à exposição da pesquisa por meio de uma sondagem nos estudos demográficos sobre conjugalidade e uniões inter-raciais, realizadas no Brasil, entre os anos 1980 e 1990. Nestes trabalhos verificasse uma forte tendência à endogamia e homogamia no país. O casal miscigenador que emerge dos dados oriundos destes estudos é sempre composto pelo homem negro ou mestiço e mulheres brancas, a partir de uma união formal. As conclusões levantadas por esses dados chocavam-se com o imaginário nacional que celebra a miscigenação e uma, suposta, exogamia. Esse paradoxo é colocado pela autora, como uma das questões iniciais da investigação.

Em seguida, Laura Moutinho se debruça sobre obras que buscaram fazer uma espécie de interpretação do país e que passaram, em algum momento, pela discussão da miscigenação. São cinco as obras resenhadas: As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil (1891) de Nina Rodrigues, A evolução do povo brasileiro (1923) de Oliveira Vianna, Retrato do Brasil (1928) de Paulo Prado, Casa Grande & Senzala (1933) de Gilberto Freyre e Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda. O que se ressalta da leitura dos textos é que somente Freyre e Vianna visualizavam a miscigenação a partir de uma perspectiva mais otimista, ou seja, que poderia levar a um “branqueamento” do país. Os demais autores tinham um posicionamento mais reticente em relação à miscigenação. Por outro lado, todos os cinco vislumbram a base deste processo de miscigenação no casal composto pelo homem branco português com mulheres negras e mestiças.

Mais adiante, a pesquisadora volta-se para o universo da literatura brasileira e se questiona a respeito de qual a representação da miscigenação e dos relacionamentos inter-raciais em algumas obras. Os textos escolhidos para análise são aqueles que possuem casais inter-raciais nos seus enredos, a saber: O Mulato (1881) e O Cortiço (1890) de Aluísio Azevedo, O Bom Crioulo (1895) de Adolfo Caminha, Jubiába (1935) e Gabriela: cravo e canela (1958) de Jorge Amado, além das peças Anjo negro (1948) de Nelson Rodrigues e Sortilégio (1951) de Abdias do Nascimento. Nos três primeiros romances o contato inter-racial é visto com pessimismo, algo que levaria a uma degenerescência do casal e, conseqüentemente, da nação. Já nos livros de Jorge Amado, a miscigenação é celebrada e entendida como positiva. Nas duas últimas peças, o relacionamento sexual do homem negro com a mulher branca é visto como tabu e o fruto da relação é interpretado como uma forma de embranquecimento social. O ponto comum a todos esses textos é que o desejo é sempre jogado para uma esfera exterior ao casamento, ou seja, nestas obras literárias a relação formal não é o espaço onde o desejo e o erotismo possam ser vivenciados.

No capítulo seguinte, Moutinho busca analisar as produções sócio-antropológicas que de alguma maneira passaram pela discussão do contato inter-racial e da miscigenação. Sendo assim, a autora analisa as obras de Gilberto Freyre, Donald Pierson, Florestan Fernandes, Roger Bastide, Costa Pinto e Carl Degler; intituladas, respectivamente: Sobrados e mocambos (1936), Brancos e pretos na Bahia: estudo de contato racial (1945), Brancos e negros em São Paulo (1959) - escrito conjuntamente por Roger Bastide e Florestan Fernandes -, O negro no Rio de Janeiro (1953) e Nem preto nem branco (1976).

Em todos os autores, o conceito biológico de raça cede lugar a uma percepção sociológica que busca entender como “raça” aloca os indivíduos no espaço social. Ainda de acordo com a análise da antropóloga, a maneira como quatro destes analistas vão interpretar o relacionamento inter-racial, a miscigenação e a manipulação que os atores sociais fazem de atributos como cor, desejo, classe e gênero, no “mercado dos afetos”, é informada pela noção de classe social que cada um deles utiliza. Dentro dessa lógica, autores como Pierson e Azevedo se aproximam de uma perspectiva mais weberiana de classe, na qual o indivíduo é entendido dentro da lógica de “situação de classe”, onde, “além do poder econômico que determina as posições de classe, há outros elementos que constituem as hierarquias sociais, como, por exemplo, as convenções, os grupos de status, os “modos de vida” (página 179). Os autores acima citados, de acordo com a antropóloga, entendem a mestiçagem em seus trabalhos como um campo no qual há uma série de elementos de prestígio manipuláveis, dos quais negros fazem uso para se inserir no “mundo branco”. E isso ocorreria porque a noção de classe está vinculado à idéia de grupo aberto.

(Abdias do Nascimento e Léa Garcia em Sortilégio)

Fernandes e Costa Pinto, por sua vez, se aproximam nas suas análises da noção marxista de classe, ou seja, o indivíduo é pensado a partir da sua posição na estrutura de produção e, por conseguinte, as relações afetivas inter-raciais são interpretadas como comprovação do racismo. Nas palavras da autora, “os elementos de prestígio social que compensariam a desvantagem da “cor negra”, são, antes, interpretadas como indicativo do preconceito “racial”, dado que inclui, individualmente, alguns, e não modifica a estrutura de produção propriamente dita” (página 180).

Freyre é incluído nessa seleção por ser o autor que vislumbra - em seu livro Sobrados e mocambos (1936) - o “mulato bacharel” como elemento que mais se beneficiaria da lógica racial vigente no “mercado dos afetos e prazeres” na época do Império, ao manipular vários atributos de prestígio como títulos acadêmicos, beleza física e atração sexual (páginas 185 a 197). Degler é analisado a partir da problematização que a autora faz de sua tese, na qual o mulato surge como “válvula de escape” no sistema de relações raciais vigente no Brasil. Bastide, por sua vez, referia-se à existência de uma “batalha das cores” e dos sexos nos relacionamentos afetivo-sexuais entre brancos e negros. O sociólogo francês encara o relacionamento inter-racial como espaço privilegiado para analisar o tipo de preconceito e a discriminação existente no país, ou seja, aquele que se daria na intimidade. Nessa medida, o autor se aproxima da proposta de Abdias do Nascimento, ativista negro cuja peça, de sua autoria, encarava os relacionamentos heterocrômicos como uma relação tabu, vinculados a uma tentativa de branqueamento do conjugue não-branco.

A seguir a antropóloga passa ao que poderíamos chamar de “cereja do bolo” de seu trabalho. Neste momento, Moutinho apresenta os elementos reunidos a partir do seu trabalho de campo: cerca de trinta entrevistas realizadas no Rio de Janeiro com indivíduos que já tiveram algum tipo de envolvimento inter-racial, desde “rolos” até casamentos. As falas dos informantes e experiências da antropóloga no campo remetem o leitor a um misto de situações cômicas, dilemas, experiências dolorosas e reverberação de idéias estereotipadas e racistas que nos fazem refletir sobre a predominância do racismo na intimidade sexual e amorosa. Isso ocorre embora Moutinho, desde o início do capítulo, afirme que sua intenção não é provar que existe preconceito, discriminação ou racismo no Brasil a partir da análise dos casos ali expostos. Percebe-se que a concordância, de antemão, com esta constatação é o ponto de partida da pesquisadora. Assim sendo, ali se encontra o caso da negra universitária que busca desenvolver estratégias para não ser confundida com prostitutas; do negro universitário e militante que se vê no dilema de se relacionar apenas com negras, ou de liberar sua atração e possibilidade de relacionamentos com garotas brancas, atitude que soaria como uma traição ao “movimento”. Há ainda (dentre outros) o caso da mulher negra casada com um médico branco que nos encontros profissionais do marido se ausenta para não prejudicar a carreira do cônjuge, ou da garota branca que vê o homem negro e mestiço como sexualmente superior ao homem branco. Nesta altura do trabalho, é possível lembrar de uma afirmação de Peter Fry, repetida por Moutinho várias vezes no decorrer de seu livro, “as pessoas desejam o que é socialmente desejável”. A partir desta perspectiva, os informantes desejam o socialmente (in)desejável, o que as coloca na situação de “desviantes”.

Há vários outros elementos que são levantados pela autora a partir das entrevistas e que são relacionados pela cientista social com aspectos teóricos apontados nas resenhas da obras socioantropológicas e literárias. Porém, um deles é central: o “estigma da cor”. Moutinho apreende que um grande esforço empreendido por negros e mestiços, num espaço social que extrapola os relacionamentos sexuais amorosos, está justamente em reverter o estigma que a tonalidade mais escura de pele traz. Neste sentido, nunca há uma associação direta de negro(as) e de sua negritude com referenciais de prestígio social. Apesar desta perspectiva de estigma poder ser relativizada no campo sexual e amoroso para os homens negros - onde são vistos como superiores -, sua constatação dá margem para nos questionarmos sobre o “valor” da “branquidade” em nossa sociedade, questão pouco levantada nos debates atuais sobre raça, racismo, representação, democracia racial e até mesmo política de cotas.

A última parte do trabalho aborda a questão dos relacionamentos inter-raciais na África do Sul, e traz relatos da estadia de um mês da autora no país africano. Laura Moutinho explica como a construção ideológica do sistema conhecido como “apartheid” naquele país nutriu-se da paranóia em relação ao contato sexual inter-racial. Há uma sistematização das várias leis que controlavam e puniam as relações sexuais entre as várias categorias raciais existentes no país, com vistas a preservar a pureza do ventre da mulher branca sul-africana. A parte mais interessante deste capítulo é o momento no qual a autora resenha um romance do autor sul-africano John Coetzee, Desonra (1999) e expõe algumas questões a partir da análise desta obra de ficção. O texto traz um pequeno quadro da África do Sul pós-apartheid, com seus conflitos internos, um lugar onde raça e racismo tornaram-se assunto tabu que causa mal-estar nas pessoas. Ao mesmo tempo, ocorre a celebração de um país que se vê como rainbow nation, mas que registra o mais alto índice de casos de estupros no mundo.

Por fim, vale ressaltar que o livro de Laura Moutinho abre um leque de assuntos a serem pesquisados que se relacionam às relações raciais, estudos de gênero, sexualidade e construção da nação no pensamento social brasileiro. O texto é leitura obrigatória dos pesquisadores vinculados a estas áreas temáticas ou do público não especializado em busca de uma boa obra de ciências sociais num assunto tão polêmico que desperta paixões, sentimentos e, como não podia deixar de ser, dores.

Referências Bibliográficas

MARTIUS, Karl F. P. von. [1844]. “Como escrever a história do Brasil”. Ciência Hoje, Volume 14, número 77. São Paulo: 1991.
MOUTINHO, Laura. [2004]. Razão, 'cor' e desejo: uma análise comparativa sobre relacionamentos afetivo-sexuais 'inter-raciais' no Brasil e na África do Sul. São Paulo: Editora UNESP.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. [1993]. O Espetáculo das Raças. São Paulo: Companhia das Letras.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Morte ao “samba de raiz”!


Sempre recordo uma conversa que tive com meu amigo Billy Malachias há alguns anos atrás. Sentados numa mesa do velho prédio de história e geografia da USP – uma construção que se parece mais a uma rodoviária de cidade do interior paulista do que um espaço acadêmico – Billy e eu dávamos boas gargalhadas com a idéia de organizar uma festa de “samba de raiz” na faculdade de filosofia. Iríamos arrumar um grupo de pagode que tocaria só músicas de grupos como Katinguele, Exaltasamba, Grupo Tempero, Clave de Ases dentre outros e para completar a tiração de sarro, decoraríamos todo o espaço da festa com mandiocas, beterrabas, cenouras e batatas: “samba de raiz”, numa invocação literal do termo.

Ano passado, semanas antes de minha mudança para NYC, passeava pelas ruas de meu antigo bairro, Vila Madalena, e me deparei com um cartaz que anunciava uma “feijoada com samba de raiz”. Foi aí que me dei conta de que o “samba de raiz” havia se transformado numa erva daninha que se espalha com uma rapidez absurda por Sampa. Já há similares do “samba-raiz” em outros ritmos como o “rap de raiz” e o “forró pé de serra”, "música caipira" faz frente a deturpação do sertanejo... Urgh! Billy, com seu sarcasmo habitual, me enviou uma mensagem meses atrás sugerindo que devíamos, para conter a expansão do samba de raiz, reivindicar a volta da batucada!

Mas a pergunta que fica é: que diabos afinal é o “samba de raiz”? Simples, “samba de raiz” faz referência a velha busca de autenticidade, pureza e distinção estabelecida por determinados grupos na disputa pela apropriação simbólica de manifestações culturais. Em outros termos, há uma busca e eleição de grupos que representam o “samba autêntico”, rotulado comumente de “samba raiz”, usado como forma de distinção social por parte das pessoas que o apreciam. Nesse processo ocorre a hierarquização dos estilos estabelecendo o que é de bom gosto e o que é ruim.

Um observador mais “purista” ou preocupado com a “tradição do samba” (um “sambista raizeiro”) dirá que o “pagode” é um samba pouco original, negativo e massificado pela indústria fonográfica, representado pelas músicas de grupos e sambistas como Exaltasamba, Revelação, Belo, Sensação entre outros majoritariamente surgidos nos anos 1990. Um apreciador de “samba de raiz” tem no seu panteão divino cantores como Cartola, Noel Rosa, Aniceto, Tio Hélio do Império, Heitor dos Prazeres, Jovelina Pérola Negra, Clementina de Jesus, Beth Carvalho, Candeia, Geraldo Filme, Beth Carvalho e, no máximo, Fundo de Quintal e Zeca Pagodinho (esses dois já andam muito massificados para o gosto dos “puristas”).

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Okay, não sou um grande entendido de samba, mas não ingênuo o suficiente para não saber que estou enfiando minha querida mãozinha preta num vespeiro. Há polêmicas e mais polêmicas relacionadas ao ritmo nacional por excelência. Controvérsias sobre sua origem baiana ou carioca, se ele é um produto do morro ou do asfalto, negro ou mestiço (leia O Mistério do Samba de Hermano Vianna, elogiado por uns e criticado por outros, e Samba Negro Espoliação Branca de Ana Maria Rodrigues, pouco citado diga-se de passagem) entre outras coisinhas.

Como devem ter percebido pelo tom de meu texto, não gosto do rótulo “samba de raiz". Isso não passa de um discurso classe-mediano que busca se apropriar de um ritmo intimamente relacionado as populações negras e pobres (“e pobres são como podres” já disse Gil e Caetano, caras com os quais tenho prós e contras!). Nos anos 2000 o samba se tornou o ritmo queridinho da juventude universitária paulistana branca ou preta devido a um certo vazio que pairava sobre a música pop nacional. O samba era uma alternativa interessante ao horror que todos sentiam pelo axé, sertanejo, funk e em parte pelo forró (esse também foi cooptado, lembremos do nosso querido "forró universitário").

A primeira juventude universitária o clareia buscando aproximá-lo da MPB enquanto que a segunda o escurece tentando colocá-lo ao lado do jongo, samba de umbigada e batuque. Mas ambas acreditam de uma forma ou de outra em versões de origem do samba e buscam estabelecer os grupos que estão mais próximos ou distantes dela, quando mais distante menos puro e, consequentemente, menos digno de apreciação. Tendo a lembrar uma conversa que tive há tempos atrás com meu ex-professor de antropologia na USP Vagner Gonçalves da Silva. Grande entendido em questões afro-brasileiras, Vagner, recorrendo a um dos pais fundadores da antropologia, dizia que o máximo que se encontra quando se busca incessantemente a origem das coisas é o caos!

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Quem se fode nessa história toda de busca de raízes é o pagode, um filho bastardo – e portanto impuro e ilegítimo – que ninguém quer assumir, mas que anima festas de casamentos, batizados, festas de São Benedito em Tietê e churrascos feitos nas lajes de periferias do Brasilzão a fora. Para mim tudo é samba, afinal o que seria do Salgadinho se não existisse o Zé Kéti??? Vou cantando Inarai e Lua Vai com o Salgadinho e depois embalo num As Moças do Meu Tempo do Zé Keti! O mais curioso é notar como o ritmo nacional por excelência é uma matriz de poder simbólico enorme que incorpora todas as contradições de nosso país. Morte ao "samba de raiz" e viva a batucada, como já disse Billy Malachias!

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Black Woman and Dreadlocks: The Perfect Combination!

Mulheres pretas com dreadlocks são de uma beleza sem tamanho. Dreadlocks sempre me fascinaram, sempre tive vontade de tocá-los, segurá-los e possuí-los com a ingênuidade de uma criança que se vê absorvida por algo totalmente novo. É por isso que dentre as mulheres pretas, as quais amo infinitamente, as que usam dreads são as que esbanjam mais força e, consequentemente, sempre me sinto diminuído e intimidado diante das mesmas.



De todos os namoros, rolos, casos e "confusões" com mulheres pretas que tive até hoje, apenas uma delas usava dreads. Eu, na minha cega admiração, podia ficar horas acariciando o cabelo de minha namorada, roçando o mesmo entre meus dedos ou contra meu rosto, sentindo sua textura, cheirando e beijando-os. Fetiche? Talvez... Fetiche, antes da associação imediata a práticas sexuais que é realizada pelo senso comum, vem de magia, feitiço. Sim, dreadlocks tem uma espécie de poder mágico sobre mim. Algo que não consigo explicar.

Mas essa digressão sobre cabelos me remete ao meu velho e despretensioso texto manifesto Quero uma nega de cabelo duro. Escrito numa época que eu me encontrava em conflito aberto contra os alisamentos, chapinhas e permanentes afro - acho que em 2002 ou 2003 - eu sempre recorro a ele quando tenho alguma crise existencial e capilar. Minha parte favorita dele é...

"Ainda nos anos 1970 outro movimento que subverteu o imaginário do cabelo crespo como algo ruim de maneira radical foi o rastafarianismo. Os rastamen com seus dreadlocks (numa tradução livre “tufos de pavor”), no Brasil conhecidos como trancinhas “rastafari”, também passaram a fazer parte da cena urbana de todo o mundo. Isso ocorreu devido ao boom internacional da reggae music que tinha como principal artista neste período o jamaicano Bob Marley (1945-1981), que politizava suas canções cantando a realidade das colônias africanas que buscavam a libertação da dominação européia e filiou-se a filosofia de vida do rastafarianismo.

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Entendido como uma filosofia de vida, o rastafarianismo mistura elementos da tradição judaico-cristão com a história da África, mais especificamente da Etiópia. Ras Tafari Makonen era o nome de batismo de Haile Séllaissié I, Imperador da Etiópia e sucessor de Menelick II que em 1896 derrotou os italianos na Abissínia tornando a Etiópia a primeira nação africana independente. Em 1928, ano da coroação de Selassié I, o país se filiou à Liga das Nações. Segundo a filosofia rastafari Haile Séllassié I seria a forma humana de Deus (Jah) na terra e Babilônia é o nome dado ao mundo profano dos brancos. A coroação do imperador teria sido profetizada pelo líder nacionalista jamaicano radicado nos EUA Marcus Garvey (1887-1940) em um discurso de 1925. Os rastamen seguem alguns preceitos como o não corte do cabelo (dreadlocks), vegetarianismo e consumo de ganja (maconha) para rituais de purificação entre outros.

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As tranças dreadlocks foram tomadas pelo ativismo negro como uma forma de afirmação da identidade negra e de posicionamento político, algo que já havia acontecido com o corte “afro” ou “black power” na década anterior. Além desse aspecto político, o que esses fatos demonstravam era que era possível criar um estilo negro próprio, desde que começássemos a valorizar o nosso corpo de forma sincera e livre de estereótipos."

A impressão que tenho é que dreads incorporam na sua estética de locks parte da história negra, talvez venha daí a fonte de sua magia sobre mim. Dreadlocks me fascinam, mulheres pretas me fascinam e me interessam: combinação perfeita!

quinta-feira, 21 de maio de 2009

DJ King in tha House!

Assistir essa entrevista com o King foi muito divertido, pois o conheci há muitos anos atrás quando ele ainda era DJ do Comando DMC. Era 1900 e bolinha e eu ainda atacava os microfones no meu antigo grupo de rap, Keima Dee Arkivo. Nosso DJ, Rock Jay, armou uma festa no clube Treze de Maio, na saudosa cidade de Piracicaba, que contou com a presença do Comando e se comprovaria numa grande furada. Entretanto, grupos de rap estão mais do que acostumados esquemas furados. No final da noite todo mundo se encontrava sentado na frente do clube conversando e esperando a hora de se mandar do que esquema.

Quando eu morava em SP sempre trombava com King nas quebradas do Centro, nas Galerias, nas festas e ele sempre se mostrou simpático e cordial. Até me ajudou numas informações quando eu estava escrevendo um artigo sobre samba-rock no distante ano de 2001. Duvido que ele se lembre de mim, mas achei muito massa a entrevista dele e, para prestigiar tanto o trabalho dele como de outros DJs, estou postando a mesma aqui.

Também segue aqui de NYC meu abraço para outros DJs importantes de SP: KL Jay, DJ Hum, CIA, MF, Tony Hits, Will, Juju Denden, Célio, DJ Vi, Gordo, Pepo, Seo Oswaldo, Grand Master Ney dentre outros da velha e nova escola!

Paz!

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Tristeza por estar em NYC? Passa indo ver o filme de Simonal!

Algumas semanas atrás, ao comentar um post no blog de um amigo citei a necessidade de elaboração de biografias de algumas figuras importantes do mundo das artes negras e da MPB (música preta brasileira). Estavam nesse pacote finados e vivos: Elza Soares, Grande Otelo, Clara Nunes, Mestre Didi, Bispo do Rosário e... Wilson Simonal! Desse modo, foi com alegria e tristeza que recebi a notícia do lançamento do documentário Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei (2007) em 15 de maio no Brasil.

Alegria por saber que finalmente justiça seria feita a esse grande artista que faleceu em 2000 esquecido e na pobreza, resultado de mal-entendidos e problemas maiores relacionados a repressão na época da ditadura no Brasil com um plus do racismo brasileiro - pode ser que alguns de vocês acharão que isso é encanação minha, mas tá valendo! A tristeza vinha obviamente por Simonal já estar morto e não poder desfrutar dessa homenagem a sua obra e um pedido de desculpas tardio. Por estar em NYC, também fiquei triste por saber que não teria a chance de assistir o filme brevemente.
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Sou fã de Simona há muitos anos. Comprei minhas duas compilações das suas músicas há mais ou menos 12 anos atrás. Na época fiquei encantado com a qualidade de suas canções e surpreso pelo seu sumiço. Devo adiantar que não quero explorar essa parte da história em meu post, já que boa parte das pessoas sabe mais ou menos o que aconteceu e esse é um detalhe crucial de sua biografia que, possivelmente, o documentário deve abordar - nem que seja de passagem.

O que mais me chama a atenção na carreira de Simonal é que ele, assim como Zózimo Bulbul, foi um dos primeiros negros tidos como símbolos sexuais no Brasil. Simona tem para o samba-soul brasileiro a mesma importância que Marvin Gaye teve para o soul norte-americano. Sua marca eram performances cheias de swingue e demonstrações de virilidade que flertavam com o mito da masculinidade negra. Basta ler a biografia de Tim Maia, escrita por Nelson Motta, para entender porque esse lugar não poderia ser ocupado por Tim Maia, nem Cassiano, nem Hyldon e muito menos Jorge Ben (me recuso a falar "Benjor"!).

Simona era o típico "negrão pegador": alto, bonito, carioca e sempre com alguma piada ou comentário sarcástico a ser lançado. O sucesso de Simonal se explica também, para além do seu talento, devido a valorização da estética negra nos anos 1960 trazida pela soul music norte-americana e pela exposição maciça na mídia televisionada e escrita dos movimentos de contestação negra nos EUA: penteados afro (black power), sapatos plataforma e calças boca de sino em que o pessoal fazia a famosa pizza misturadas a gritos de ordem dos Black Panthers. Ser ou parecer preto(a) estava na moda e Simonal era a nossa versão tupiniquim de uma mistura entre Marvin Gaye, Cassius Clay (posteriormente Muhammad Ali) e Sidney Poitier. Detalhe: Simonal incorporava um termo que aqui nos EUA muitos usam para qualificar o que chamamos no Brasil de "negro metido": o uppity negro. Esse posicionamento quebra com a etiqueta do racismo brasileiro que reserva um lugar de subserviência as pessoas negras, quem se não se conforma ou aceita essa posição encarava e ainda encara muitos problemas como os vividos por Simona.


Pois bem, depois de já ter me conformado em deixar para assistir o filme quando ele caísse no YouTube, no Netflix ou na minha visita anual ao Brasil, recebi um email de uma amiga americana me convidando para um evento sobre a negritude francófona que rolará nos próximos meses numa galeria de artes de NYC. Surpresa maior foi ver que haveria uma mostra de filmes brasileiros e um dos selecionados era justamente o documentário sobre Simona. Bingo!

Amanhã escrevo mais falando sobre esse evento e o movimento de poetas negros radicados na França nos anos 1940 que viria a ser conhecido como Négritude. Cheque o trailer do filme de Simonal abaixo e vá ver o documentário e prestigiar postumamente a carreira de um ícone da MPB injustiçado pela história.

Paz e muito amor à todo(a)s!

After Finals...

Finalmente acabou! Ontem, pouco antes da meia-noite, entreguei meu último paper e estou oficialmente de férias. É verdade que mais gordo, com as costas doendo, há mais de um mês sem ir na academia, com a barba a fazer e o cabelo pra cortar, o quarto tão bagunçado que não consigo achar minhas meias ou cuecas e minha dieta tem sido muito saudável: cheeseburguers, hot dogs e breakfasts de omeletes com muito queijo, bacon e café às cinco da manhã num merecido intervalinho dos estudos.

O período das finals é sempre estressante e minha relação com essa época do semestre escolar é de amor e ódio. Ódio porque literalmente nos matamos de tanto estudar: domingo retrasado cheguei na biblioteca às 18 horas para preparar uma apresentação para um curso de urban sociology na segunda e sai de lá às 17 horas do dia seguinte direto para a aula que era às 18 horas. A biblioteca da NYU nesse período parece um campo de guerra. Gente jogada por todos os cantos lendo, digitando e discutindo tópicos de cursos enquanto que uma mesa ou cadeira é disputada no tapa. Muitas vezes após chegar no prédio é necessário andar de 30 minutos a 1 hora nos 11 andares e dois subsolos vasculhando por um lugar disponível para se instalar (quem não acha senta/deita no chão e lá trabalha com o laptop). Justamente o oposto da foto abaixo que mostra o subsolo da biblioteca numa época tranquila...

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Contudo, é justamente nesse período tão atribulado e estressante que se descobre o prazer de estudar. Ler, interpretar, discordar, escrever, rir e chorar com o que aprendemos. Num mundo tão desigual, onde as pessoas lutam diariamente para sobreviver, ter como "trabalho" estudar é um privilégio do qual gozo cada minuto que posso! Que venham as próximas finals...